O dono do morro dona marta



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a juíza.

Cinco anos depois, Barsetti explicou por que decidiu não identificar

Juliano.

- Eu repetia pra mim a todo momento: será que este cara foge? Será

que ele manda buscar a gente mesmo? Ele deve ter levado muita porrada,

deve estar com muito ódio. Os três foram responsáveis pela prisão dele.

Aí eu falei: “Eu não vou reconhecer, não.”

Marcelo Moreira justificou de uma forma parecida.

- Na época eu decidi assim: não vou confirmar porra nenhuma. Por
que aí sim eu vou ficar mal com o bandido. Aí ele pode fazer alguma coisa.

Olhei pela porta entreaberta onde estava o Juliano e falei para a juíza

Frossard: Não, ele é muito parecido, mas não dá para reconhecer, não.

A negativa dos repórteres não impediu a condenação. Um ano depois

da entrevista, Juliano foi condenado a 23 anos de cadeia pelos crimes de

tráfico de drogas, formação de quadrilha e apologia ao crime.

Cinco anos depois, o editor César Seabra e os três repórteres tinham

uma visão diferente de Juliano. Eles concordaram em fazer uma autocrítica

sobre a decisão da época, que levou ao rompimento do acordo de não

publicar a identificação do traficante, até então um desconhecido.

- Fui eu que fiz o Juliano VP ficar famoso. Se não fosse por mim, ele

não seria ninguém. Eu falei para o Nelito: ‘Não tem acordo com bandido’

- falou César.

- Me arrependo de duas coisas. Da frase mato certo e de ter dado o

nome dele. Ter deixado essa decisão a cargo do editor. Mas eu acho que

sem dar o nome do traficante não ia ser matéria. E naquela hora eu fiquei

entre não publicar nada e ter uma boa matéria quebrando o acordo. E hoje

acho que o certo seria não publicar nada e manter o acordo. Mas se não

tivesse publicado, nada disso teria acontecido. Ele não seria o Juliano VP,

ele teria passado em branco - foram as palavras de Marcelo Moreira.

- Vendo com mais tranqüilidade, na verdade Juliano não é esse bicho-

papão. É um traficante diferente dos outros. Acho que a preocupação

social dele é verdadeira. Eu acho que se ele conseguisse trabalhar melhor

a relação dele com a sociedade, poderia representar um elo entre o mundo

do dinheiro e o submundo, - entendendo aqui o mundo das pessoas

pobres. Juntar o asfalto ao morro, não sei de que forma - disse Silvio

Barsetti.

- Não publicar o nome seria uma atitude louvável? Sim, mas eu preciso

trabalhar. Eu não posso traficar, armar uma boca de fumo. Então, se eu

fizesse isso, talvez eu não conseguisse mais emprego em lugar nenhum.

Aí eu ia fazer o quê? Entrar para o bando do VP? - finalizou Nelito Fernandes.
CAPÍTULO 24 CORRETIVO!

O castigo imposto pela justiça a Juliano era a cela dos tuberculosos.

Para mudar dali teria que negociar, no momento oportuno, com quem

administrava as regras perversas da carceragem da Polinter, uma das centrais

de polícia do Rio de Janeiro. Antes era preciso conhecer os parceiros

com quem ia conviver talvez por muitos anos. Eram quatrocentos homens

distribuídos em 13 cubiculos construídos para abrigar 150. A maioria

cumpria ordem de prisão preventiva decretada pela Justiça enquanto

aguardava o julgamento de seus crimes, que variavam de homicídio a

inadimplência da pensão dos filhos. Tinham em comum a cor amarelada

de quem nunca pegava sol. A chegada de um novato era sempre uma

oportunidade de recuperar a referência de tempo.

- Como está lá fora? É noite ou é dia? - alguém perguntou a Juliano.

Adaptar-se ao relógio do xadrez não representava grandes dificuldades.

Nessa vida havia dez anos, habituara-se aos ambientes adversos, a

enfrentar com disposição a falta de coisas básicas, como comida, bebida

e horas de sono tranqüilo. No superlotado xadrez da “tosse” era mais

seguro descansar em pé e se impor um jejum para evitar o contágio. Uma

alternativa, quando adquirisse a confiança do carcereiro, seria pagar uma

diária equivalente a três dólares e mudar para a cela ao lado, onde o sol

também não entrava, mas pelo menos o risco de contaminação era de

uma doença não tão grave, a sarna.

O acesso aos benefícios do suborno dependeriam de um jogo complexo

entre o funcionário que venderia facilidades e o preso que as compraria.

Um complicador, devido à natureza da atividade na Polinter, era o

fator fuga. Sede de seis órgãos da polícia civil do Rio de Janeiro, o prédio

era freqüentado durante as 24 horas por centenas de policiais e a seu

redor sempre havia viaturas estacionadas. Embora a carceragem fosse

vulnerável, devido à fragilidade das paredes laterais e do piso que estava

logo acima de um córrego subterrâneo, era impossível uma fuga sem que

levantasse a suspeita contra algum funcionário da segurança. Por isso,

Juliano sabia que os negócios com algum carcereiro corrupto da Polinter

dificilmente envolveriam a venda de sua liberdade. O primeiro a aceitar
o seu dinheiro deixou isso bem claro.

- Aqui tudo pode ter um preço. Mas fuga, nem pensar - disse ele.

Melhor para o corruptor era investir na conquista de maior tempo

para as visitas, limitada por questões de segurança aos dias úteis da semana.

Em média, os presos eram procurados por 1.600 parentes, namoradas

e amigos. E como não havia espaço para todos no pátio interno, os

visitantes eram submetidos a uma escala que atendia a duas celas por dia.

Significava que cada preso deveria receber “rigorosamente” apenas uma

visita por semana. Mas quem recorria à escala do câmbio negro recebia

quantas quisesse. Cada namorada de Juliano tinha que pagar o equivalente

a cinco dólares por hora de visita extra.

No primeiro mês de cadeia de Juliano, os carcereiros já estavam faturando

alto com as visitas que ele recebia. Além das namoradas, a mãe

Betinha e a irmã Zuleika pagavam todos os dias pelo direito de vê-lo e

poder servir um prato de comida feita em casa. O missionário Kevin quase

toda semana entrava na carceragem acompanhado de algum intelectual

interessado em conhecer o traficante que falava em revolução social.

Aos poucos, alguns homens da Santa Marta também passaram a visitar a

carceragem e o motivo não era só saudades do chefe.

Para amenizar o sofrimento do grande amigo, Careca e Du levaram

de presente um pôster da atriz e piloto de corrida de automóvel Suzane

Mônica Carvalho, nua, em tamanho natural. Os dois ajudaram Juliano a

fixá-lo na parede lateral da cela, o que provocou assobios dos outros presos.

Pelo menos trinta homens tinham bons motivos para festejar. A foto

da bela atriz sinalizava o início do plano de fuga.

Depois da visita, Careca e Du estavam aptos a informar ao grupo liderado

por Mendonça em que ponto da parede externa da Polinter estava a

cela de Juliano. Ao lado do prédio havia uma obra abandonada. E a idéia

era invadi-la à noite para executar a segunda parte do plano, a abertura de

um buraco na altura indicada pela foto de Suzane Carvalho.

Para evitar muito barulho, Mendonça e Alen usaram uma máquina

furadeira movida a gás de nitrogênio alugada pelo caxangueiro Paulo

Roberto, que costumava usá-la como ferramenta de arrombamento das

casas que roubava. Enquanto isso, Du e Careca ficaram ali perto circulando

pelas ruas próximas em um Tempra roubado, com a missão de dar
continuidade à fuga assim que Juliano saísse do buraco.

A noite prevista para a fuga foi de grande expectativa na cela dos

sarnentos. Qualquer ruído lá de fora chegava como uma esperança de

liberdade. Em alguns momentos Juliano teve certeza de ouvir o barulho

do motor do carro de Careca. Para diminuir a ansiedade, chegou a rezar

diante da imagem da santa Suzane Carvalho, que naquela circunstância

passara de símbolo sexual a rainha dos foragidos.

Pouco antes da meia-noite, as preces de Juliano foram interrompidas

por um carcereiro bem informado.

- A casa caiu, Juliano! Vamos lá pra sala do pau!

Um grupo de vinte policiais chegou apressado à carceragem. Amarrou

vários pedaços de pano nos pulsos de Juliano, sinal de que pretendiam

torturá-lo sem deixar marcas. E o conduziram até o segundo andar

do prédio, onde havia uma sala de interrogatório com instrumentos de

tortura. Um preso gemia pendurado no pau-de-arara. Os policiais que

estavam em volta dele vieram conversar com Juliano.

- Qual é? A gente te oferecendo comida especial, visita a toda hora e

você tentando fugir, cara?

- Não sei de fuga nenhuma, não - respondeu Juliano.

- Como, não? Tá dando mole, hein! Teus homens estão te traindo.

Juliano ainda tentava driblar a acusação quando foi surpreendido por

uma atitude dos carcereiros. Eles tiraram o preso do pau-de-arara e forçaram

ali mesmo uma acareação com Juliano. Era um jovem, que tinha

dificuldades de manter-se em pé por causa dos espancamentos que sofrera

nas pernas. Também não conseguia conversar direito com os policiais.

Por isso, quando lhe perguntaram se Juliano estava envolvido no plano de

fuga, o preso torturado respondeu com uma só palavra.

- Está!


Colocado frente a frente com Juliano, também não teve dúvidas de

responder à pergunta sobre a identidade dele.

- É esse o cara que planejou a fuga?

- Éééééé!

A reação de Juliano foi um soco na cara do preso torturado e indefeso.

A atitude provocou risos dos policiais, satisfeitos por terem conseguido à

força a confissão de um dos envolvidos no plano de fuga.
Não adiantava mais negar. Mas, se admitisse o envolvimento, Juliano

perderia a confiança dos funcionários para futuras negociações. Preferiu

acertar um valor que evitaria o interrogatório com tortura e que garantiria

o fim das investigações internas contra ele.

Na Santa Marta, o fracasso da primeira ação desde a prisão do chefe

abalou a vida dos homens da quadrilha. Depois da prisão de Juliano, os

gerentes Mendonça e Paulo Roberto assumiram as funções de frente. Os

dois receberam ordens de Juliano para esclarecer quem havia passado

informações do plano de fuga para a Polinter. As suspeitas da dupla sem

experiência de comando geraram muitas discussões, brigas, punições

de inocentes, perseguições sem fundamento e mostraram que o morro

não tinha mais uma liderança respeitada nem temida. Os novos “frentes”

acabaram dividindo o comando em dois grupos, durante a ausência do

chefe.


O pessoal mais identificado com Mendonça, cuja base era a Turma

da Xuxa, queria manter a estrutura da boca voltada exclusivamente para

o comércio de drogas e envolvimento eventual com outras quadrilhas

do morro. Tentava recuperar as perdas de 90 por cento das vendas, provocada

pela perseguição a Juliano. Investia nos meios para estabelecer

uma convivência pacifica com as principais lideranças da favela e com os

policiais do Batalhão de Botafogo.

O grupo de Paulo Roberto, assaltante experiente, integrava quadrilhas

voltadas para crimes diversos. Nesses tempos de pouca venda de drogas,

dirigia a atividade também para os furtos do piza nas lojas, e para os assaltos

de rua e de residências da zona sul. O fracasso na ação da Polinter,

em que os dois grupos atuaram juntos, deixou as divergências mais evidentes.

E quem pagou por isso foi um dos melhores amigos de Juliano,

o inseparável Du.

As intrigas contra Du começaram ainda nos tempos da gerência de

Raimundinho, que não tolerava o seu descontrole no consumo de cocaína.

Em algumas situações, o descuido com sua segurança pessoal

implicou risco de morte para todo o grupo. Ele só não foi vítima pelos

tribunais de Raimundinho por ser compadre, amigo de infância e parceiro

de Juliano em todas as situações. Várias vezes os dois passaram risco

de vida juntos. A última fora por imprudência de Juliano, que adorava
montar e desmontar armas para cuidar da manutenção delas com óleo

lubrificante. A maioria dos homens evitava ficar perto dele nessas horas

porque não era raro que houvesse algum disparo acidental. De arma ou

de granada, como aconteceu no barraco da endolação.

- Socorro, Du! Me ajuda com o pino - gritou Juliano quando já estava

com a granada parcialmente desmontada sobre a mesa. Ele havia desmontado

a tampa e retirado parte dos explosivos. Mas como pretendia

retirar todos os componentes do cilindro para mostrá-los a Du, precisava

antes desmontar o pino de aço que detona a explosão por impacto. Depois

de fazer muita força com as mãos, conseguiu desprendê-lo de uma

mola resistente, mas a ponta de aço cravou no seu dedo polegar.

- Caralho, Du. Agora, se eu tirá o dedo essa porra vai explodir.

Du tentou ajudá-lo a desencravar o pino do dedo que sangrava, com

extremo cuidado para evitar o repuxo do pino e detonar a explosão. Não

evitou. A explosão foi ouvida em toda a parte alta da favela.

Levou os homens da endolação, que estavam fora do barraco, a acreditar

que havia sido um ataque dos inimigos contra o chefe. Assustados,

correram para salvar a dupla. Encontraram Du e Juliano grogues, surdos,

cobertos pela poeira levantada do chão de terra do barraco e pelo pó de

cocaína pura.

- Cadê o pó, Juliano, cadê o pó? - gritou um dos homens ao constatar

que um monte de dois quilos de cocaína, que estava sobre a mesa para

ser embalado nos sacolés, tinha voado pelos ares. A explosão chegou a

quebrar algumas telhas do velho barraco.

O último programa da dupla Du e Juliano fora do morro, um show

de rock da Legião Urbana, também não acabou muito bem. Logo no

inicio do espetáculo, o cantor Renato Russo, ídolo de Juliano, fizera uma

declaração de amor a um jovem da platéia e defendera os prazeres da

homossexualidade masculina.

Decepcionado e ofendido, Juliano saiu imediatamente do lugar do

show. Voltou da Gávea à Santa Marta chutando latas e sacos de lixo que

encontrava pelo caminho. Du, ao lado, tentava acalmar o parceiro.

- O cara é boiola, caralho! Não posso acreditá - reclamou Juliano.

- Qual é o problema disso? O cara não deixa de ser bom - disse Du.

- Tu viu, aquela multidão de garotinhas querendo dá pro cara e o cara
querendo comê o garotão.

- Qual é, Juliano. Problema dele!

- Não me conformo, Du. Não adianta, meu ídolo é viado! Não me

conformo...

Durante as discussões sobre a fracassada fuga da Polinter, o nome de

Du esteve no centro das brigas internas. Embora aconselhado a evitar as

drogas, ele teria ficado 72 horas sem dormir durante a fase de planejamento.

Sempre “boladão” de pó, chegou atrasado a todos os encontros

na cidade e perdeu o telefone celular justamente quando ele seria mais

necessário, na noite prevista para a fuga.

Sem consultar os amigos antigos da Turma da Xuxa, Paulo Roberto

foi à cadeia pedir pessoalmente ao chefe a aplicação de um corretivo em

Du, para convencê-lo a se drogar menos.

Juliano concordou, devido aos precedentes. Desde o início dos problemas

de comportamento de Du, Juliano já o havia surrado duas vezes.

Numa ocasião, levou-o ao pico do morro, onde simulou uma execução.

Juliano disparou três tiros ao lado do ouvido de Du, numa tentativa de

fazê-lo confessar vários furtos relacionados ao consumo de pó e ao sumiço

de 100 reais que havia tirado das mãos de Juliano William, seu filho

mais velho.

Numa outra vez Du foi surrado porque havia desviado 50 sacolés de

cocaína de um plantão da boca.

Para dar o corretivo sugerido por Paulo Roberto, antes o pessoal da

quadrilha teria que conseguir a aprovação da mãe de Du, a Marlene, de

sua irmã Rosilene e de seu irmão Dodi. O pai morrera de cirrose quando

ele tinha 14 anos. Como a punição tinha sido aprovada por Juliano, a mãe

confiou numa possível eficácia da surra. Além de grandes amigos, Du era

padrinho do filho caçula de Juliano.

Por isso, dona Marlene acreditou que por trás da surra havia a boa intenção

de recuperá-lo. Ela já não sabia o que fazer. A degradação moral

de Du chegara ao ponto de ele roubar coisas de sua própria casa.

Nada ficou combinado sobre quem aplicaria a surra e quais seriam os

limites do agressor. As primeiras notícias do corretivo chegaram à cadeia

pela irmã de Juliano, Zuleika.

- Preciso te falá de uma grande desgraça,Juliano-disse a irmã Zuleika,
a fiel parceira de suas horas mais difíceis.

Zuleika contou que o corretivo combinado tinha se transformado num

espancamento a pauladas.

- Quem assistiu disse que foi covardia. Bateram no coitado do Du

como se ele fosse um X-9.

Até ameaçaram amarrar as pernas com fita crepe - prosseguiu Zuleika.

Depois das pauladas, algumas crianças teriam sido estimuladas a jogar

pedras em Du, que foi abandonado inconsciente sobre uma vala cheia

de lixo. Ele foi encontrado ali, desmaiado e salvo pelos homens da turma

de Mendonça, que o levaram para o hospital. Du ficou dez dias na Unidade

de Terapia Intensiva, com lesões em vários órgãos internos do corpo

e com afundamento de uma área do lado esquerdo do cérebro. Deixou o

hospital depois de um mês, mas com seqüelas cerebrais graves.

- Ficou doidão, Juliano. Não queria mais comer nem dormir em casa.

Passava as noites cantando lá na laje do ambulatório - contou Zuleika a

Juliano.


Numa madrugada de domingo, inverno de 1996, Du sofreu uma queda

fatal na mesma laje onde Michael Jackson gravou “They don’t care about

us”. Houve duas versões para o episódio. O pessoal de Paulo Roberto

disse que ele teve uma crise de overdose de pó e caiu acidentalmente. A

outra versão era a de assassinato.

- O pessoal disse que o Du, na verdade, estava enchendo o saco, cantando

nos ouvidos do pessoal e aí os caxangueiros o empurraram lá de

cima - disse Zuleika.

- Caralho, esses putos fizeram isso com o Du? Eu mandei apenas darem

uma surra! Que loucura foi essa? - disse Juliano, inconformado.

A morte de Du marcou o início de uma fase de depressão e isolamento

de Juliano. Passou vários dias encolhido num canto da cela, com

longas crises de choro, sem falar com ninguém, sem fazer a barba, sem

fazer exercícios matinais, dormindo 12 horas por dia, só aceitando visitas

da mãe. Tornou-se um devorador das três refeições oferecidas pelos

carcereiros, sem abrir mão da comida reforçada trazida diariamente pela

família. Engordou vinte quilos. Adquiriu uma estranha paixão pela piloto

Suzane Carvalho, a ponto de ter crises de ciúmes quando flagrava alguém

olhando para a foto dela nua na parede da cela.
Para sair da fase depressiva mais aguda a mãe o convenceu a usar as

últimas reservas em dinheiro para comprar o direito ao sol, que incidia

apenas nas duas celas mais próximas do início do corredor da carceragem.

Escolheu a que era considerada território do pessoal do Lambari, o

chefão da segunda maior favela do Rio de Janeiro, a Jacarezinho. Dois

homens de confiança dele, Téia e Rogerínho, conhecidos entre os traficantes,

também estavam presos ali. Os três receberam Juliano com reverência

quando ele chegou de mudança à cela trazendo o pôster de Suzane

Carvalho nas mãos.

- A irmandade do Jacaré é parceira da Santa Marta. Na liberdade e no

sofrimento - disse Lambari.

A namorada rica e misteriosa foi importante para tirá-lo dessa fase.

Depois de resistir à idéia de entrar pela primeira vez numa cadeia, ela

virou uma das visitantes mais assíduas. Em uma das visitas levou um

computador portátil de presente, para incentivá-lo a escrever, como ele

desejava desde a adolescência. E o convenceu a aceitar o convite de uma

cineasta que queria fazer um filme a partir da sua história. Juliano também

recebia as visitas de uma repórter policial, autorizada a ouvir seus

depoimentos pelo menos duas vezes por semana. Depois de alguns meses

o romance com a namorada rica deixou de ser um mistério. A família e os

amigos mais próximos, como o missionário Kevin, foram apresentados à

mulher loira, bonita, simpática: Luana Fioravante uma publicitária solteira,

de 30 anos, que morava no bairro da Gávea. Essas visitas terapêuticas

aconteciam no “parlatório - uma pequena sala na entrada da carceragem

normalmente reservada aos contatos dos advogados com seus clientes

presos - e eram sempre vigiadas no mínimo por dois carcereiros de plantão.

- Tua mina chegou, Téia! - gritou o carcereiro.

Desde que Téia começou a namorar Janete, o parlatório começou a

ser usado como uma espécie de motel de final da tarde, ao custo de 50

dólares por período de duas horas. No fim de semana era mais caro, preço

a combinar. Sem nenhuma atividade nas delegacias do prédio, a equipe

de segurança de plantão na carceragem era reduzida de cinco para três,

que geralmente não aceitavam o suborno. Só os mais desonestos não

resistiam às propostas do pessoal do Jacarezinho, o equivalente a 200


dólares, para usar o parlatório no sábado ou no domingo.

A namorada de Téia, Janete, costumava ir à Polinter com o filho Ryan,

de dois anos. E eventualmente convidava uma amiga, Arlete, empregada

doméstica em Del Castilho, que nem sempre cobrava para ficar no parlatório

com o amigo de Téia, o Rogerinho. No último sábado de outubro, o

convite de Janete foi profissional.

- Hoje vai rolar uma grana. Uma rapidinha e cem reais na mão!

Elas chegaram às duas horas da tarde, como fora combinado, mas o

porteiro Jorge Firmino não as deixou entrar.

- Sábado, não! Vocês estão cansadas de saber... - disse o porteiro com

firmeza.

- É só uma rapidínha... Chama lá o Paquetá - insistiu Janete.

Paquetá era o apelido do carcereiro Aroldo Velloso Dias, que estava

de plantão com outros dois colegas, Emanuel Albuquerque e Kleber do

Nascimento. O salário dos três era igual, o equivalente a 320 dólares.

Eles prestavam serviço de segurança particular para reforçar o salário.

Dos três, Kleber era o que mais se queixava da situação financeira. Estava

com os dois filhos doentes em casa, um deles com problemas respiratórios

graves. Os colegas dizem que ele pretendia usar o dinheiro do

suborno para colocar o filho numa natação terapêutica.

Janete e Arlete voltaram mais tarde e aproveitaram para entrar na carceragem

no momento em que o porteiro durão Jorge Firmino havia se

afastado da entrada principal. Elas foram recebidas por Kleber.

-Téia, Rogerinho! As minas chegaram!

O grito do carcereiro fez o coração de Juliano disparar e provocou um


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