O dono do morro dona marta



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transformação da vida de seus moradores durante as gravações do clipe

de Michael Jackson. Trabalhar de outra forma era quase impossível. Por

exigência dos produtores americanos, que queriam garantir exclusividade

das imagens, os policiais e os seguranças do esquema de Juliano formavam

uma dupla barreira à imprensa nas entradas da favela.

Aos 26 anos, com cinco de profissão, Moreira fazia parte da equipe
de repórteres do Jornal do Brasil que produzia matérias especiais. Pesou

na sua escalação o fato de o chefe achá-lo muito parecido com os jovens

da favela, sobretudo se usasse tênis ou chinelo e boné com a aba virada

para trás.

Disfarçado de favelado, acompanhado de uma fotógrafa, Moreira

passou a sexta-feira observando as cenas do cotidiano das pessoas, conversando

com algumas crianças e evitando se aprofundar nas perguntas

para não chamar atenção. Fundamental para ele, naquele momento, era

garantir a sua estada até a manhã de domingo, para acompanhar as filmagens

de Michael Jackson.

Evitou sair na noite de sexta-feira para não correr o risco de ser descoberto

pela polícia ou pela turma do tráfico. Preferiu ficar no barraco e,

ainda sem saber que Careca era um aliado de Juliano, escreveu ao lado

dele a reportagem do dia e a transmitiu à redação pelo telefone celular.

Preocupado em acordar cedo, foi para a cama à meia-noite, mas não conseguiu

dormir em paz.

Acordou assustado no meio da madrugada com o barulho de uma

rajada de metralhadora. Olhou para as paredes do quarto e percebeu que

os tijolos eram frágeis demais para barrar os tiros.

Apavorado, imaginou que uma bala de fuzil passaria pela parede,

atravessaria seu corpo e sairia pelo outro lado do quarto. Sem alternativa,

mesmo sabendo que não estaria mais protegido, dormiu o resto da noite

embaixo da cama. Pela manhã, estranhou que dona Noêmia tivesse achado

a noite tranqüila.

- E aquelas rajadas de metralhadora, dona Noêmia? A senhora não

ficou assustada, não?

- Era nada, não. Isso é coisa do Du, que anda pirando. Ele tem mania

disso. No plantão dele, que é o da sexta, ele sempre descarrega a metralhadora,

de palhaçada.

Nelito Fernandes era da editoria Rio do jornal O Globo. Embora não

tivesse grande experiência em reportagens sobre violência, estava “morando”

tranqüilamente na favela devido a suas origens. Tinha sido criado

nas áreas pobres da zona norte da cidade e, por isso, já estava acostumado

a conviver com a desconfiança da polícia e com os riscos dos tiroteios e

das balas perdidas. Mesmo na noite de sexta-feira, ele não deixou de sair
pelos becos na esperança de encontrar o dono do morro e convencê-lo a

dar uma entrevista exclusiva.

Habituado a cobrir reportagens policiais para O Dia, Silvio Barsetti

era o mais experiente dos três. Ele levou uma dúzia de cervejas, queijo e

biscoito para passar a noite dentro de um barraco sem móveis, sem água

e sem energia elétrica. Foi o primeiro a perceber, perto da meia-noite,

que estavam à procura dos esconderijos dos repórteres. Já sob efeito de

muitas cervejas, Barsetti não deu importância à ameaça que vinha dos

alto-falantes da associação.

- Atenção, atenção. Descobrimos que tem repórter escondido por aí.

Pedimos que se retirem imediatamente. Vamo colaborá... Esse é o primeiro

aviso.


Juliano só descobriu que tinha sido enganado perto da meia-noite de

sábado, hora em que mandou o locutor ler o seu recado no alto-falante.

Escalou o chefe do serviço de limpeza de lixo da favela, Zé do Bem, e

os gerentes Mendonça e Paulo Roberto para organizarem um grupo de

busca aos repórteres furões.

Minutos depois, Barsetti e os dois fotógrafos que o acompanhavam

ouviram uma batida forte na porta do barraco.

- A casa caiu! Abre essa porta - gritou Mendonça.

Sem saber como agir direito, Barsetti tentou acalmá-los.

- Já estamos abrindo na boa, já, já.

Ato contínuo, pegou algumas latas de cerveja para usá-las como arma

de defesa, enquanto um dos fotógrafos abria a porta.

- Vai uma geladinha aí, mermão?

- Conversa, porra. Vocês tem que saí já daqui! - disse Mendonça.

- Qual é o problema? Aqui todo mundo é jornalista, porque não podemos

ficar?


Ordem do chefe.., ele mandô saí já! - disse Paulo Roberto.

Barsetti tentou argumentar um pouco mais, coisa que começou a irritar

o chefe do grupo, um grandalhão de quase um metro e noventa de

altura, o Zé do Bem:

- Desce, desce, desce! Vambora!

Escoltados no caminho, Barsetti e os dois fotógrafos seguiram em

direção à área do Beirute, onde encontraram outros dois grupos que já
haviam localizado também Nelito Fernandes e Marcelo Moreira. Aproveitaram

o encontro para mais uma vez tentar convencê-los a permitir

que ficassem no morro.

- Queremos mostrar a mudança na vida de vocês por causa do Michael

Jackson. Não é uma reportagem negativa, nada disso...

Barsetti aproveitou que o grupo era maior para escapar por uma viela

e se esconder entre os homens que bebiam num botequim não muito

longe dali. Estava na terceira cerveja quando foi novamente descoberto.

Ainda tentou ser simpático....

- Vai uma geladinha aí? - sugeriu ao homem que o encontrou.

- Tu tá dando mole, cara... O chefe tá bolado contigo, cara.

Reintegrado à caravana que descia, agora em direção à Pedra de Xangô,

Barsetti e os colegas Fernandes e Moreira foram surpreendidos no

caminho por uma cena que jamais haviam visto na profissão, a de um

grupo de jovens armados de fuzis em atividade na base da boca.

Na laje de um barraco, outro grupo trabalhava à luz de velas nos retoques

finais da faixa com as boas-vindas a Michael Jackson. No meio

deles, chamava a atenção um jovem de cabelos encaracolados e cavanhaque,

que gesticulava, dava ordens. Estava agachado como os demais, mas

levantou rápido ao perceber a chegada dos estranhos.

- Qual é o caô? - perguntou Juliano ao grupo.

- Achamos os caras - respondeu Mendonça.

- Seguinte, aí: nossa comunidade é tranqüila. Ninguém vai fazê mal

pra vocês, mas tem que saí já do morro. Nós combinamo com a produção

do Michael Jackson que não pode tê nenhum jornalista aqui - avisou

Juliano.


Os três repórteres jamais haviam entrevistado um traficante dono de

morro. Mas nenhum deles teve dúvida de que o jovem falante era o chefe,

pois ele parecia mais tranqüilo que os outros homens.

Tentaram convencê-lo a mudar de idéia.

- Nós já estamos há tanto tempo no morro sem causar problemas. Por

que essa expulsão logo agora? - perguntou Moreira.

- Vocês tão com máquina de fotografia? - perguntou Juliano.

Depois dos apelos, Juliano tornou-se flexível e sugeriu um acordo. Os

fotógrafos tinham que sair imediatamente do morro, como condição para
a permanência dos repórteres de texto. Dos três, apenas Nelito não ficou

animado com a idéia. Depois de ter batalhado dois dias pela localização

do chefe da Santa Marta, preferia tê-lo encontrado sozinho para uma

conversa exclusiva. Sentia-se um pouco frustrado por estar dividindo a

oportunidade com os colegas. Já Moreira e Barsetti ficaram entusiasmados.

E começaram a pedir uma entrevista a Juliano.

- Por que você não fala dessa faixa que vocês estão pintando? Ou da

violência da PM, ou sobre a polêmica da segurança pessoal de Michael

Jackson? - argumentou Moreira.

- Aproveita a oportunidade, já estamos aqui mesmo.... é só falar - disse

Barsetti.

Juliano pediu um tempo para pensar, deixou os repórteres com o grupo

de homens armados e sumiu por um beco escuro. Às duas horas da

madrugada, mandou chamá-los para uma nova conversa sobre a laje de

um barraco. Usava uma pistola automática na cintura, um celular na mão

e tinha em sua retaguarda um grupo armado que observava os movimentos

em volta.

- Eu gostaria de dá essa entrevista, mas o problema é que eu posso sê

preso depois - disse Juliano.

Diante da insistência dos repórteres, ele começou a propor uma forma

de viabilizar a entrevista.

- Vocês vão dízê então que entrevistaram um traficante da zona sul.

Não pode identificá o morro, nem meu nome - exigiu Juliano.

- Assim não dá, assim a matéria não emplaca no jornal - retrucou

Nelito Fernandes.

O acordo final previa um depoimento sem autocensura de Juliano,

com a promessa de os repórteres escreverem que a entrevista foi feita na

Santa Marta, mas sem identificar o nome dele nem dizer que ele era o

dono da boca. Todos apertaram as mãos para selar o compromisso.

- Palavra de honra? - perguntou Juliano.

- Palavra de honra! - responderam os três repórteres.

Juliano ficou de cócoras, pôs o celular no chão, mandou os olheiros

ficarem bem atentos e começou a falar para os repórteres que sentaram

na frente dele. Eles estavam com gravador, mas em vez de gravar, anotaram

as respostas. Logo no início da entrevista, Juliano fez uma oferta
aos entrevistadores.

- Querem algum bagulho, querem um branco, um pozinho?

Os repórteres recusaram. Apenas um respondeu, em tom de brincadeira,

para não carregar o ambiente.

- Depois, depois - disse Barsetti, sorrindo.

Juliano começou a entrevista surpreendendo os repórteres por criticar

as drogas e dizer que não tem grandes vícios. As respostas passaram por

edição que modificaram bastante o jeito dele falar.

Foram publicadas nos três jornais sem gírias e erros de português.

“Não cheiro, não bebo. Eu só fumo o mato certo.”

Fez um discurso para justificar a sua posição.

“Sou contra a liberação das drogas. Nosso povo não está preparado.

A droga não é boa, ilude e tira a personalidade das pessoas, criando

ilusão. A droga anestesia a revolução social. Quem consome não consegue

ver as coisas erradas do sistema porque está escravizado.”

Tentou explicar a incoerência de ser contra as drogas e ao mesmo

tempo traficá-las, com um discurso confuso:

“Noventa por cento das pessoas da favela ganham o salário mínimo.

Ninguém consegue viver com isso. A cesta básica custa 114 reais. O

tráfico funciona como inibidor dessas necessidades. Se eu não vendesse,

outra pessoa ocuparia meu lugar e isto poderia ser prejudicial à comunidade.

Tem um rap do grupo Racionais MC de São Paulo, que diz: ‘Se

afaste das drogas e das coisas fáceis. Leia livros.” É isso que eu tento

passar a eles.”

Declarou que era contra a venda de crack.

“O crack faz muito mal. Se eu quisesse poderia ganhar muito dinheiro

com isso. Mas não quero prejudicar ainda mais as pessoas. Além disso, ia

ser difícil controlar os meus homens doidôes de crack.”

Revelou qual era o faturamento da boca no verão de 1996, mas não

quis dar o nome do atacadista que abastecia de drogas a Santa Marta.

“Só controlo uma boca de fumo, que rende 20 mil por mês. Nenhum

traficante tem tanto dinheiro como dizem. Se você perde um AR-15, o

prejuízo é de 5 mil. Vendemos 10 quilos de maconha e três de cocaína por

mês. O papelote de cocaína sai por 5 reais e a trouxinha de maconha por

3 reais. Não me envolvo com crack ou ecstasy, nem tomo conhecimento
do fornecedor porque a entrega é terceirizada. A verdade é que hoje há

muito mais bocas-de-fumo no asfalto do que no morro. Os bairros de

Ipanema e Gávea estão infestados.”

Falou da imagem que faz de si mesmo como dono de morro:

“Eu sou um cara de harmonia. Sou um profissional no meu trabalho.

Eu me sinto preocupado e não poderoso. Quero paz no meu morro e não

quero que ninguém venha tomá-lo. Não sou um Robin Hood, sei que

faço o errado. Acho que os pobres das favelas representam hoje um novo

Quilombo dos Palmares, a encarnação de Zumbi, e somos perseguidos

injustamente. Quero passar a todos os jovens - do movimento ou não - a

idéia de justiça social. Como sou nascido e criado no morro e ajudo os

mais necessitados, acabo reconhecido pelo meu trabalho. Eu gosto de

guerrear, mas quando é necessário. Se for preciso não posso pensar duas

vezes.


Criticou a ação de alguns criminosos: os seqüestradores, os corruptos

e os policiais que praticam violências nos morros.

“Eu, particularmente, odeio seqüestro, até porque fui seqüestrado três

vezes pela polícia para me mineirar, extorquir. O meu grupo não pratica

esse crime. Mas de uma certa forma o seqüestro funciona como um meio

de distribuição de renda, não há como fugir disso.

Já o policial brasileiro não está preparado para lidar com o povo humilde.

Um policial que usa farda e distintivo e ganha R$300 por mês

acaba se corrompendo. Quando alguém do morro é preso, é humilhado

como um cachorro. Os policiais sempre botam droga no bolso dos suspeitos

para enquadrá-los. É assim que a PM faz. Se eles não nos atacam,

nós não atacamos. Se um de meus homens der um tiro de fuzil num beco

qualquer da favela, varre três caras de uma vez, como eles fazem. O tráfico

mata entre si. Mas a polícia mata antes para quebrar a nossa hierarquia.

A guerra do pó, no Rio, mata mais gente que a guerra da Bósnia.”

Disse que não tem medo de morrer por causa da fé em Deus.

“Já levei oito tiros de fuzil. Não posso ter medo de morrer. Sou católico,

acredito em Deus. Li a Bíblia, mas não gostei. A Bíblia mistifica um

pensamento que segurou o povo por séculos.”

Apontou o que considera falhas da organização rival, o Terceiro Comando,

e de alguns dos maiores traficantes do Rio de Janeiro, como o Uê
e Escadinha.

“Eles têm poder porque o povo dessas comunidades ainda gosta deles.

Mas não fazem a coisa certa. Eles criaram o assistencialismo no crime

e agora não fazem mais isso. Ninguém da turma deles toma conta da

mulher de preso ou das viúvas dos companheiros que foram mortos. Este

pessoal antigo está em conflito porque não respeita os jovens. A nossa

turma que comanda os morros agora tem uma maneira de pensar, e eles

outra. Eles comandam muito mal. Não dão valor ao soldado, ao guerreiro.

Estão sempre em luta pelo poder e só.”

Defendeu o Comando Vermelho, organização da qual fazia parte em

1996.

“Nossa diferença é que sabemos distinguir o certo do errado. O certo



é o certo, nunca o errado ou o duvidoso. Somos normais como qualquer

outra pessoa. Eu sempre admirei o Orlando Jogador, que foi um bandido

correto dentro do CV. Ele nunca traiu sua gente. Era exemplar. Estivemos

presos juntos. Acho que o crime organizado precisa cultivar mais o

respeito e menos o poder. O Comando Vermelho é uma filosofia dentro

da vida errada. Ele deveria se unir ainda mais, para melhorar a vida nos

morros e nas penitenciárias. Temos que parar com essa história de irmão

matar irmão. A idéia éfazer reinar nos morros paz, justiça e liberdade.”

Elogiou o ex-governador Leonel Brizola, acusado pelos seus críticos

de ser benevolente com os criminosos de baixa renda:

“O Brizola foi um ótimo líder para as comunidades carentes. Ele visou

às favelas e não ao tráfico. O Brizola é um estadista perfeito, que

jamais teve envolvimento com traficante.”

Reclamou da política de segurança do governador da época, Marcello

Alencar:

“É a política do extermínio e da discriminação, igual à da Rota de

São Paulo. Na favela, a polícia não separa quem é bandido de quem é

trabalhador. Com isso morre muita gente que não tem nada a ver com

tráfico.”

Criticou as pessoas que vivem fora do morro, a começar pela imprensa:

“Os jornalistas são abutres. Não podem ver carniça. Se os que pudessem

ajudar as comunidades carentes dessem um minuto de suas vidas


para isso, não existiria o tráfico. Nós somos como uma doença dentro de

um corpo. O tráfico é uma saída para nós. Quem não tem dinheiro para

comprar um tênis, uma roupa e tem sangue na veia acaba entrando nessa

vida. Quando os governantes se conscientizarem das desigualdades sociais

talvez não exista mais o tráfico. Mas os intelectuais continuam só

pensando, os políticos, roubando e a sociedade inteligente sempre em

silêncio.”

Finalizou a entrevista explicando por que iria entregar ao diretor de

cinema Spike Lee uma camiseta com o nome de 23 guerreiros da Santa

Marta mortos na guerra do tráfico nos últimos três anos.

“Todos esses 23 meninos tinham entre 14 e 18 anos e foram mortos

pela polícia e não foi em confronto. Foi extermínio, só morreu gente do

nosso lado. Vou entregar a camiseta com o nome deles ao Spike Lee para

mostrar ao mundo a matança indiscriminada de nossa comunidade e que

a violência impera em nosso país.”

Antes de se despedir dos repórteres, fez questão de lembrar o compromisso

da palavra empenhada, com uma ameaça.

“Olha, cuidado com o que vocês vão escrever, porque eu descubro o

endereço de vocês”

O primeiro a romper o acordo foi Nelito Fernandes. Ainda na favela,

domingo cedo, ele telefonou para a redação e conversou com o editor

César Seabra sobre a entrevista e o trato que haviam feito com Juliano.

- César, nós entrevistamos um traficante, mas fizemos um acordo de

não dar o nome dele, porque ele não quer aparecer.

- Não tem acordo com bandido, Nelito. Ou a gente dá o nome ou eu

não publico a entrevista.

Horas depois, na redação do Jornal do Brasil, Marcelo Moreira enfrentava

a mesma dificuldade.

- Olha, tem essa matéria, tem esse acordo, mas eu acho que O Globo

vai dar o nome...

Na redação de O Dia, Silvio Barsetti insistiu com os editores, mas

prevaleceu a decisão editorial do jornal.

- Tem que publicar o nome, entrevista sem a identificação fica inviável

- ouviu Barsetti de um de seus chefes.

Sem saber o que estava acontecendo nas redações, Juliano aproveita
va o domingo para festejar o sucesso da festa de Michael Jackson. Horas

antes de o astro chegar à favela, mandou distribuir tênis importados para

todos os homens que vestiam um colete verde, o uniforme da segurança

particular das gravações.

- A qualidade de um exército se avalia pelos pés. Hoje é o nosso dia e

nós merecemos tirar essa onda - disse aos homens.

O helicóptero já se aproximava trazendo Michael Jackson para a Santa

Marta, quando Juliano entregou a camiseta com os nomes dos jovens

mortos aos produtores do clipe. Deixou com eles também uma bola de

futebol para ser autografada pelo astro. Deu as últimas instruções à quadrilha

e, como estava previsto no plano de segurança, foi se “entocar”

em um barraco longe da área das filmagens, infiltrada pelos homens do

serviço reservado da Polícia Militar.

Do esconderijo dava para ver toda a movimentação das gravações. Na

última hora, o que era para ser uma filmagem das cenas naturais da favela

havia se transformado num megaespetáculo. Nos céus, helicópteros da

polícia, das televisões e da equipe de filmagem se revezavam para registrar

as cenas da multidão de moradores e agregados dos morros vizinhos,

que ocupava lajes, telhados, janelas e qualquer espaço possível. Todos

queriam ver de perto Michael Jackson.

- Vencemos, rapaziada. Vencemos!

Juliano reuniu os antigos amigos da Turma da Xuxa, agora na cúpula

da boca, para festejarem juntos. Estavam entocados com ele os cunhados

gerentes Alen e Paulo Roberto, a amiga-confidente Luz, o chefe de plantão,

Mendonça, e o melhor amigo, Du.

A voz de Michael Jackson, reproduzida pelos enormes alto-falantes,

já chegava a todos os barracos quando o chefe dos bondes, Careca, chegou

correndo ao esconderijo, com um volume de tecido sintético nas

mãos. Em seguida, Juliano abandonou o cigarro de maconha sobre a pia

do banheiro e acabou rapidamente de raspar o cavanhaque sob o olhar

preocupado de Luz.

- Veja o que tu vai fazê, Juliano. Tu é maluco, cara.

Quando as gravações do clipe começaram Juliano já estava a 10 metros

de Michael Jackson, no meio dos homens que cuidavam de sua segurança

pessoal. Vestia o colete verde emprestado por Careca, que ajudava
a esconder a pistola guardada no bolso da bermuda.

O novo visual, sem cavanhaque, deixou-o seguro diante dos PMs, que

pareciam mais atentos à dança de Jackson. Juliano ainda era um traficante

desconhecido da maioria dos policiais, apenas os que prestavam serviço

no Batalhão de Botafogo sabiam de sua ascensão ao comando do morro.

Ele nem se preocupou em se esconder das câmeras dos americanos. É

provável que tenha sido filmado e que suas imagens tenham seguido para

edição nos Estados Unidos.

No momento em que Jackson começou a cantar “They don’t care

about us”, Juliano aproveitou o anonimato no meio da multidão para

acender um pequeno cigarro de maconha e abraçar o amigo Du.

- Esta eu venci, Du.

Naquela hora, nas redações, os três grandes jornais do Rio de Janeiro

arquitetavam a maior derrota de seus 25 anos: preparavam a edição da

entrevista, de conteúdo explosivo, que iria tirá-lo para sempre do anonimato

e abalar radicalmente a sua vida. Já na madrugada de segunda-feira,

quando os jornais começaram a circular, o até então desconhecido Juliano

virou alvo de uma caçada policial implacável, como se ele fosse um

dos maiores inimigos públicos do Rio de Janeiro.
CAPÍTULO 23 EU FUMO O MATO CERTO

A pior notícia da vida de Juliano chegou à favela antes do amanhecer

de segunda-feira pelas mãos dos corujas, os trabalhadores que passam a

noite no em. prego. De volta para casa, alguns passaram pela boca para

dar a ele os jornais que traziam as terríveis novidades da cidade.

Juliano ficou arrasado. Constatou que os três jornais não tinham respeitado

o acordo feito pelos repórteres. Além de seu nome, haviam publicado

sua fotografia e versões diferentes sobre a mesma entrevista da

madrugada de sábado.

O jornal O Dia transformou em título da entrevista uma frase que Juliano

não disse: “O TRÁFICO ESTÁ PRONTO PARA A GUERRA”.

A manchete de O Globo foi “TRAFICANTE COMANDA A SEGURANÇA

E DESAFIA A POLÍCIA”. Omitiu que o acordo havia sido

rompido e destacou a ameaça de Juliano aos repórteres:

“Se colocarem meu nome nas reportagens, compro o endereço de

vocês e mando buscar.”

O Jornal do Brasil escreveu abaixo do título “O DONO DO DONA

MARTA” que o “líder do tráfico na favela saúda Michael Jackson, protesta

contra a desigualdade social e revela ser um assassino frio e vaidoso”,


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