Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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então no objeto. Parecia uma utilização melhor do jornal de ontem do que servir de forro de gaiola de passarinho.

- Inerente a isso está a crença budista de que tudo na vida, bom e mau, certo e errado, existe em equilíbrio - disse ele.

Ativista altamente politizado que acredita que a tela é mais poderosa do que a espada, ele me deu um livreto intitulado Além da guerra e da paz, onde mistura fontes e tipos de letras e recursos gráficos com o espírito de um projeto de arte do ensino médio. Metade em inglês e metade em tailandês, promovia um projeto chamado Arte contra a guerra, que ele ajudou a fundar. E deu-me outro livreto que ele mesmo fez, com papel bonito e finíssimo. Uma imagem chamou a minha atenção; fez lembrar os desenhos que eu tinha visto nas telas de pele em Wat Bang Phra. Era um círculo que continha o que poderiam ser letras da escrita tailande-sa e uma imagem que para mim parecia ser o polegar e o indicador do Buda formando um círculo - a mudra que significa ensi-nando-o-Dhamma. Ao lado havia este texto:

Sentidos em alerta, receptores abertos, Umong Sippadhamma é um túnel no coração do Dhamma. Penetra no cerne da arte segundo os preceitos do Buda. Dê uma olhada no logotipo. A primeira vista parece uma tatuagem tribal. As linhas se entrelaçam como um mantra visual. Isso é "Kamin"? A tinta rodopia, forma espirais e gira seguindo leis próprias. E o caos encarnado. Dê outra olhada no logotipo de cabeça para baixo. Observe através de óculos com lentes cor-de-rosa. Uma mudança de três graus do ponto de vista revela ordem no centro do caos. O terceiro olho é o túnel. Os contornos curvilíneos são uma abstração das palavras Umong Sippadhamma.

Umong quer dizer túnel, Sippadhamma significa artes e dhamma. Portanto: túnel de arte que reflete o dhamma. Ou então, como explicou Kamin:

- Figurativamente dá a idéia de cavar em busca da verdade. Arte e dhamma são a mesma coisa. Em geral as artes são mal interpretadas como apenas coisas belas. Uma verdadeira obra de arte é dhamma porque trata de bondade, beleza e verdade.


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Isso era a arte psicodélica dos anos 60 encontrando a arte "budadélica" tailandesa.

Do sublime ao ridículo, Prasong então me levou para a Dhamma Park Gallery no Heritage Gardens, a invenção de uma rica escultora inglesa chamada Venetia Walkey e de um artesão da madeira chamado Inson Wongsam. "Parque de esculturas e centro contemporâneo de desenvolvimento espiritual e das artes", explicava a brochura, mas não englobava toda a visão da sra. Walkey, apesar de eu continuar sem ar com a visão dela depois de uma visita pessoal com ela... e sem ar de exaustão com a palestra dela. A "obra" da sra. Walkey - expressão bastante literal de suas interpretações dos ensinamentos budistas - era menos sofisticada do que outros trabalhos que eu havia visto. Por mais paciente que eu procurasse ser, acabei me aventurando a apressar o discurso dela, sugerindo que não precisava explicar tudo do budismo, nem mostrar todo o trabalho dela, nem explicar com tanta especificidade a associação entre a arte e os ensinamentos do dhamma. Mas a cada interrupção ela ficava mais obstinada. E eu tive de ficar até o fim. Dei "aquele olhar" para Prasong e dessa vez ele só deu de ombros atrás da sra. Walkey quando ela me pedia desculpas. Mas o que foi inspirador foi que de algum modo aquele lugar transmitia muita liberdade de auto-expressão e ela se emocionava tanto com o budismo que tinha abandonado o que devia ter sido uma vida bastante civilizada na Europa para ir viver naquele fim de mundo dos confins do mundo.

Mas foi no meio de um campo de arroz na periferia de Chiang Mai que minha imaginação bateu asas. Roongroj Piamyossak, que poderia ser descrito como o Cristo da Tailândia, tinha me levado para ver a instalação ambiental ao ar livre que ele chama de templo da Humanidade, um triângulo de paredes pretas de ferro. Por dentro ele tinha pintado cabeças de um metro e oitenta centímetros do Buda em tinta acrílica e outros materiais. Intercalados entre os rostos havia espelhos.

— O que isso quer dizer? — eu ficava perguntando enquanto os veículos zuniam na estrada ali perto. - Por que aqui? Por que um triângulo? Por que Buda? - Eu o irritei com as minhas perguntas.

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Roongroj é um homem de fala mansa que deve ter uns 40 anos, usa rabo-de-cavalo e um bigode fininho. Gostei dele imediatamente. Sua simplicidade era estimulante, uma novidade, se comparada aos últimos dois artistas que tinha conhecido. Ele disse que preferia que sua arte falasse por ele. Mas expliquei que desse modo aquela seria uma péssima entrevista, por isso ele se esforçou para responder.

- Só um homem rico pode construir um templo, mas todos deviam poder - disse ele enquanto entrávamos e dávamos voltas no triângulo. - O povo dessa região está muito ligado à terra.

"Esse campo é sagrado porque fica no meio de um triângulo formado por três templos budistas importantes", continuou Roongroj, apontando para uma montanha que podíamos ver dali. No topo ficava Wat Phrathat Doi Suthep, que quer dizer "Mosteiro Real dos Anjos Benéficos, que Contém uma Relíquia Sagrada do Buda". Quando era menino, costumava subir até lá com o pai, ele disse.

A instalação também pretendia ser uma declaração social e ambiental. Aquele campo onde estávamos tinha sido comprado dos agricultores por empreiteiras. Quando você estiver lendo isso, haverá um complexo de apartamentos que poucos nesta região -especialmente os agricultores excluídos que investiram seu suor e suas almas na terra - poderão pagar.

O espelho, ele explicou depois de muita insistência, sugere que "aqui, neste ambiente natural, podemos nos ver com maior clareza". O triângulo tem muitos significados. O Buda é muitas vezes simbolizado com um triângulo, que representa sua simetria perfeita de três pontos quando está sentado em posição de meditação. Além disso, ele disse, há um tema da morte: o buraco dentro do triângulo com paredes pretas é a morte. Eu interpretei que isso também significa a morte daquela terra como produtora de arroz e qualquer outro alimento que dá sustentação à vida.

- Por que tanto negativismo? - perguntei.

- Não é isso - disse Roongroj com firmeza. - Nascimento, doença, morte... tudo isso faz parte da vida para os budistas. Tudo é unicidade.

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"Por que budismo" suscitou uma longa história pessoal, por isso sentamos à sombra de uma das faces do triângulo. Resumindo, ele sofrerá dores físicas debilitantes que o levaram a uma depressão emocional, que por sua vez gerou aquelas perguntas fundamentais quem/por quê/o quê. Teve problemas sérios intestinais que pareciam colite, depois um problema nos tendões rota-dores do pulso, depois um ano de completa deficiência e impossibilidade de trabalhar na sua arte ou em qualquer outra coisa, e por fim o alcoolismo. E ainda por cima as perguntas...

- Começou com "por que eu?" - disse ele. - Com o tempo passou a ser apenas "por quê?". Ficar deitado de costas é como fazer meditação. Fiquei sem opção... os médicos não resolviam nada, as drogas e o álcool também não.



Roongroj Piamyossak, artista moderno, na base dos 290 degraus que levam ao Wat Phrathat Doi Suthep, 915 metros acima da cidade de Chiang Mai, na Tailândia. O templo abriga relíquias do Buda.

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Então ele se lembrou de quando acompanhou o pai aos templos budistas. Mas naquela época ele se curvava em respeito ao Buda automaticamente. Agora ia porque queria, aberto para tudo que poderia aprender com a experiência.

- Era a minha única alternativa, a última esperança.

E lá ele descobriu um processo, há muito esquecido ou, ele admite, que jamais considerou com tanta profundidade quando jovem e com o qual era capaz de aceitar sua dor física.

- Até para meu espanto mesmo - disse ele -, quando me rendi a isso, eu me libertei.

E eu me lembrei da minha experiência em Auschwitz, quando senti um alívio na minha revolta ao me render à inexplicabili-dade do Holocausto.

Agora a prática budista de Roongroj é, simplesmente, a consciência plena. Ele não elaborava o raciocínio ao longo das linhas com as quais eu tinha me acostumado: um longo monólogo sobre o Dhamma de Buda e a história da Tailândia. Ele apenas sorria e olhava para mim sem piscar. Mais do que qualquer outra pessoa que conheci na Tailândia, ele simplesmente incorporava o que quer que seja que todos nós estamos procurando.

- Pode me mostrar como funciona? - perguntei. Roongroj parou e ficou imóvel. As rodas do tempo giraram

mais devagar. Foram talvez três minutos de silêncio. O que eu devo fazer? Escutar? Sentir? Devo olhar para ele? Fechar os olhos? Admirar apaisagem?

E então ele quebrou o silêncio, compassivo.

- Ouço os pássaros, sinto o cheiro da terra, vejo os pensamentos na minha mente, estou aqui, com você. - O sol lentamente desapareceu atrás da montanha Doi Suthep. - Esta é a minha prática.

- Leve-me até lá - disse eu.

Ele olhou confuso para mim. Eu me dei conta de que o pedido era ambíguo. Pensei que o que tinha dito queria dizer "leve-me ao topo daquela montanha amanhã de manhã". Mas o que realmente quis dizer foi "leve-me a esse lugar agradável e tranqüilo onde você estava agora mesmo".

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Mas aquele lugar e aquele momento eram impermanentes. Eles passaram e minha persona sr. Jornalista retornou mais depressa do que o tempo que eu levaria para dizer "prazo final".



Impermanência podia ser uma palavra operacional quando se trata do meio ambiente da Tailândia. Bangcoc, como outras grandes cidades asiáticas, tornou-se um obstáculo urbano de congestionamentos de trânsito e ar poluído. Nas áreas rurais a destruição da cobertura verde do país provoca uma série de efeitos em cascata que preocupa pois atinge todos os níveis da escala alimentar. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a percentagem do território coberto por florestas caiu de 70 para cerca de 25, segundo o professor de economia da Universidade Chulalongkorn de Bangcoc, Pasuk Phongpaichit, em Tailândia: economia e política, que ele escreveu com Chris Baker.

Essa perda se deve à extração comercial de madeira, prática que o governo determinou ilegal, mas que continua, de acordo com as autoridades locais que entrevistei e que pediram para não serem identificadas. A extração de madeira para servir de combustível e o desmatamento com fins de desenvolvimento de áreas para agricultura pela população rural também são responsáveis.

O impacto ambiental é inestimável. Desde o assoreamento que mata os peixes e seca os leitos dos rios, à perda dos ninhais de pássaros e outros animais. Mas há também um impacto metafórico. Quando os budistas pensam em árvores, não pensam apenas em um organismo vivo que merece ser alimentado, mas também no próprio Buda. Eles associam todas as árvores com aquela árvore sob a qual ele sentou em Bodh Gaya. Centenas de anos depois da morte do Buda, as únicas representações visuais do homem eram objetos inanimados como uma árvore ou uma folha. Eles também associam florestas com o local para onde os pedintes ambulantes se retiraram em busca da solidão, proteção e alimento espiritual desde tempos imemoriais, escreve a historiadora do Sudeste da Ásia, Kamala Tiyavanich em O Buda na floresta. Na Tailândia existem "monges da cidade" e "monges da floresta", conforme ela observa em seu outro livro, Lembranças da floresta:

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