Susan ronald



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1474-1477
Embora Carlos preferisse jóias em sua própria pessoa revestida de se­das e veludos, dessa forma exibindo seu poder, com freqüência suas riquezas foram utilizadas como instrumentos financeiros na compra de armas, ho­mens e alimentos rapidamente, para construir um reino. Supersticioso, ti­nha um medo mortal de ser retratado em pinturas usando suas preciosas jóias e ornamentos, por medo de atrair ladrões ou, mais provavelmente, por medo de que seus inimigos compreendessem a fonte de seu poder.

Suas guerras para se tornar rei do Reino Médio da Lotaríngia (como originalmente pretendido por Carlos Magno) começaram com a assinatura, em 1474, do Tratado de Londres, com seu cunhado Eduardo IV Ele estabelecia a invasão da França por Eduardo, até o verão de 1475, com uma força de dez mil homens. Carlos forneceria outros dez mil para ajudar Eduardo na con­quista da França. O duque também reconhecia Eduardo como rei da França, um título vazio que todos os reis ingleses continuaram usando até Carlos II em 1660.

Enquanto Eduardo preparava seu exército em Calais, última possessão da Inglaterra na França, Luís IX não tinha dúvidas de que Carlos e Eduardo pretendiam destruí-lo. Luís, que nunca conseguiria formar um exército adequa­do para defender a França contra Inglaterra e Borgonha, retaliou, fazendo com que os inquietos vizinhos de Carlos se distraíssem em preocupações com o próximo movimento do instável e temperamental duque. As insinuações e indiretas de Luís funcionaram. O duque de Lorena foi o primeiro a ser incita­do contra o duque da Borgonha, cujaambição, como Luís XI insinuara, era de se tornar o eleitor de Colônia. Em seguida, a Suíça se aliou à Áustria — sua inimiga mortal. Então Luís emprestou à Áustria dinheiro suficiente para que ela pagasse a Carlos as dívidas pelos territórios austríacos na Alsácia. Mas, em vez de devolver essas terras à Áustria, Carlos rapidamente se mobilizou para defender o que ele sentia ser seu por direito, e atacou a cidade de Neuss, na Lorena. Enquanto isso, França e Áustria incitaram os alsacianos a se revolta­rem contra o cruel e tirânico bailio de Carlos, Peter de Hagenbach. Quando de Hagenbach foi brutalmente executado por uma multidão descontrolada, isso provocou uma das fúrias mais incendiárias de Carlos.

Com. suas maquinações, Luís tinha ludibriado Carlos e o levado a desviar os olhos da França. O imprudente duque saiu em disparada para a Alsácia e para a armadilha de Luís, levando consigo para a guerra a maior parte de sua enorme riqueza por quatro motivos: para se proteger da derrota mantendo junto a si seus diamantes "invencíveis"; para exibir seu poder e opulência aos rebeldes empobrecidos; para proteger seus tesouros de roubo; e, mais im­portante, para utilizar sua riqueza, se repentinamente necessário, para finan­ciar sua guerra.

Carlos foi informado por um mensageiro de que o rei inglês estava pre­parando sua invasão para o verão de 1475, como planejado no Tratado de Londres. Em vez de se reunir a Eduardo em Calais, como tinha sido acerta­do, Carlos seguiu combatendo na Alsácia, obcecado com o medo de derrota ou retirada. Commines exprimiu sucintamente o estado de espírito do du­que quando disse: "Deus tinha permitido que seu bom senso e seu raciocí­nio se desordenassem, pois por toda a sua vida ele se esforçou para abrir para os ingleses um caminho até a França, e nesse momento, quando os ingleses estavam prontos, ele permaneceu obstinadamente determinado a embarcar em uma empreitada impossível."

Quando Eduardo e o "melhor exército que já cruzara o Canal" (de acordo com o Calendar of State Papers of England, a relação de documentos oficiais da Inglaterra) desembarcaram, Carlos finalmente suspendeu o cerco de Neuss para se juntar a seu cunhado, deixando seus melhores homens de armas na Alsácia. Durante a maratona de três dias de discussões que se seguiu, o duque amedrontou seu cunhado real, levando-o a acreditar que uma mudança nos planos de batalha seria mutuamente vantajosa, e retornou rapidamente ao encontro de suas batalhas no leste. Assim, enquanto Eduardo avançava suas tropas para o sul, como acordado, Carlos se atolava em Lorena. Nesse ponto, Eduardo IV observava o comportamento de seu cunhado com inequívoca suspeita. Afinal, ele já estava na França havia dois meses sem a ajuda de Carlos. A campanha breve e vitoriosa prometida por Carlos estava se transformando em um pesadelo para Eduardo: os franceses resistiam resolutamente, enquanto as baixas por ferimentos e doenças nas tropas eram numerosas. Carlos, por sua vez, permanecia inteiramente absorto em suas batalhas encarniçadas contra o duque de Lorena, ignorando seu principal aliado.

Eduardo decidiu que não tinha outra escolha a não ser agir no melhor interesse da Inglaterra, e mandou dizer a Luís que gostaria de abrir negocia­ções sobre um tratado entre seus dois países. Luís estava em seu elemento, e deu início às negociações clandestinas. Eduardo colocou seus termos na mesa imediatamente: se, em duas semanas, Luís pagasse a ele 75 mil coroas — a quantia gasta na guerra até aquele momento — e garantisse a Eduardo uma pensão anual vitalícia de 50 mil coroas, o rei inglês ficaria feliz em fazer a paz. Luís concordou, desde que seu filho pudesse desposar uma das prince­sas inglesas, à qual seria concedido um dote de 60 mil coroas. Eles apertaram as mãos no ato para selar o acordo, e a Guerra dos Cem Anos entre a França e a Inglaterra finalmente chegava ao fim.

Quando Carlos tomou conhecimento do acontecido, ficou furioso e par­tiu na direção do acampamento de Eduardo, censurando seu cunhado por ser um vira-casaca. Eduardo replicou no mesmo tom, criticando Carlos por não honrar o Tratado de Londres. Carlos partiu em cólera, afirmando que não precisava dos ingleses para atingir seus objetivos, e que não faria a paz com a França antes de pelo menos três meses após a retirada do exército inglês. Eduardo deixou Carlos com seu acesso de raiva e voltou para a Inglaterra.

Tomando o lugar da Inglaterra contra a França juntamente com seus outros aliados, como o rei de Nápoles e João de Aragão, Carlos batalhou. Contudo, continuava obcecado com as insurreições na Lorena e na Suíça, e determinado a seguir lutando até que a vitória fosse sua.

Sem a ajuda financeira de seus aliados, as jóias de Carlos precisavam ser­vir a seu objetivo primordial: comprar exércitos mercenários. Mas, por ser o símbolo máximo do poder, o Sancy permaneceu em posse de Carlos. Carlos submeteu Lorena com mão sanguinária e vingativa, tornando inevitável uma guerra em grande escala entre a Suíça e a Borgonha. O duque não tomou nenhuma iniciativa diplomática, e na verdade apreciava a perspectiva de uma batalha encarniçada.

Em janeiro de 1476, Carlos iniciou sua primeira campanha nos cantões suíços com 15 mil homens cuja lealdade fora comprada com seu ouro e suas jóias. O duque fez seu primeiro ataque cruel e impiedoso em Grandson, onde suas forças vitoriosas executaram por enforcamento quatrocentos de­fensores da cidade e jogaram centenas de outras vítimas no lago para que se afogassem. Estimulado por essa cruel vitória, ele então marchou para Neufchâtel.

Os cartões suíços, que por séculos haviam acordado em sair em auxílio uns dos outros, tinham criado um exército confederado e marcharam juntos ao encontro cio tirano borgonhês em Neufchâtel. Eles expulsaram as desba­ratadas forças de Carlos de volta a Grandson em 2 de março. Segundo todos os relatos, na manhã seguinte uma pesada neblina cobria o lago, que acom­panhava toda a extensão direita da planície que se tornaria o campo de bata­lha. As forças de Carlos foram apanhadas de surpresa pelos suíços, que chegaram por uma ravina e partiram para o ataque soando suas trombetas, que reverberavam contra as encostas das montanhas. O alarido era ensurde­cedor e desorientou os borgonheses. Carlos, fatalmente, ordenou que seus homens cedessem terreno, alegando mais tarde que suas ordens foram mal compreendidas, e provocou um pânico geral. Os borgonheses foram empur­rados para trás — alguns para o rio, outros para dentro do lago e dos pânta­nos próximos. O ataque suíço em uma passagem na montanha implicara não permitir liberdade de manobra, e isso fez dos borgonheses presas fáceis. De acordo com o cronista Paradin (1510-1567), "todos pareciam fugir em uma maravilhosa desordem, como se eles estivessem sendo escorraçados do local por alguma força invisível. Os borgonheses fugiam mais rápido do que os suíços eram capazes de perseguir".

Os exultantes suíços infestaram o acampamento de Carlos e passaram os três dias seguintes em uma orgia de saque e violação dos maiores tesouros da época. De acordo com o cronista de Carlos, Molinet, que foi feito prisionei­ro pelos suíços em Grandson, "e o duque René de Lorena, extremamente contente e orgulhoso de seu povo, passou a noite no acampamento do du­que Carlos da Borgonha, que ele descobriu ser bem servido de provisões, anéis, jóias, prataria e utensílios. E em retribuição por seus serviços presta­dos aos suíços, estes deram a ele um parque e os despojos de guerra dos borgonheses, como os que ele encontrou no campo de batalha".

O cronista suíço Jean de Troyes relatou: "Foi aqui que ele perdeu toda a sua riqueza — ouro, prata, jóias, tapeçarias, toda a sua artilharia, barracas, pavilhões e tudo o que tinha levado para Grandson."

Olivier de la Marche, que foi um servo leal de Carlos até o amargo fim, escreveu pouco depois de se reunir a seu derrotado mestre de volta do cam­po de batalha: "O duque está terrivelmente triste e bastante melancólico por ter perdido neste dia, em que seus ricos anéis e jóias foram arrancados de seu exército destruído. Os suíços ganharam, neste dia de batalha, jóias, o palácio arborizado do duque com sua prataria mui rica, todos os seus pavilhões, as tapeçarias e riquezas do duque Carlos."

Mas talvez tenha sido Commines, que raramente escreveu em detalhe sobre as jóias ou a fortuna de Carlos, e que já tinha deserdado seu mestre borgonhês pela proteção de Luís XI, quem resumiu melhor a situação quando escreveu: "Agora podemos ver como o mundo mudou depois des­ta batalha."

É, porém, Paradin que nos revela o destino do Sancy naquele dia, quan­do conta a história do que se passou com ele. Ele interpreta para a posterida­de a exata importância da perda de poder de Carlos quando escreve:
Como, nesta viagem específica, ele [Carlos] teve de levar consigo tudo o que tinha, de modo a demonstrar sua excessiva grandeza para os estrangeiros. (...) A perda em que o duque incorreu neste dia foi estimada em termos monetá­rios em trinta vezes cem mil écus [2,2 bilhões de dólares ou 1,4 bilhão de li­bras, em valores de hoje], que tornaram os suíços ricos, já que eles nunca antes haviam tido conhecimento deste tipo de riqueza e do valor do butim: ao separarem o butim, eles dividiram em pedaços os mais belos e suntuosos pavilhões que o mundo já vira e que eles poderiam revender bem caro para seu lucro pessoal. (...) Entre eles havia um soldado suíço que pegou o porta-jóias particular em que estava o grande diamante do duque, com uma grande pérola pendendo dele. Ele tirou o diamante da caixa, olhou para ele, então recolocou-o na caixa, jogou-a sob as rodas de uma carroça que passava e de­pois foi pegá-la. Ele a vendeu para um padre por um florim, e o padre o deu a seus mestres, que pagaram a ele três francos pelo objeto. Há um enorme mercado para isso, o mais belo dos diamantes da cristandade. É um de três jóias de tamanho inacreditável. O primeiro é chamado Os Três Irmãos, o se­guinte, uma jóia chamada La Hotte, e o terceiro um rubi-balache chamado La Balle de Flandres [o Sancy], que são as mais belas pedras que alguém pode sonhar encontrar.
O relato de Paradin produziu séculos de confusão acerca da perda do Sancy em Grandson. Ele se refere corretamente pelo nome às três maiores jóias pertencentes a Carlos, mas se equivoca — sem dúvida não intencional­mente — em sua descrição. O Três Irmãos era uma grande jóia de rubi e diamante, reputada principalmente pelos rubis. La Hotte era um enorme rubi, não um diamante. Ao se referir ao "rubi-balache chamado La Balle de Flandres" ele confundiu o Belle balais de Flandres [o belo rubi-balache de Flandres] com o diamante La Balle de Flandres. Os mais belos diamantes da cristandade sem dúvida foram perdidos naquele dia em Grandson — juntamente com os mais belos rubis —, mas Paradin, infelizmente, não legou à posteridade uma des­crição sólida na qual confiar. É certo que Carlos mandou criar um novo ar­ranjo para La Belle Fleurde Lys de Flandres, o diadema originalmente produzido para João Sem Medo, do qual ele poderia extrair La Balle de Flandres (o Sancy) para usá-lo isoladamente. Mas isso não é motivo para descartar inteiramente o relato de Paradin.

Enquanto Carlos fugia em um estado quase catatônico, os cantões con­cordaram entre si em compilar uma lista completa do butim, conhecido como Burgunderbeute, ou Butim da Borgonha, que descreve em minúcias quem pegou o quê de quem e quanto do que tinha sido pego foi entregue. Os sol­dados suíços seriam condenados à morte se não entregassem sua parte no saque. Centenas de páginas descrevem a fortuna que Carlos levou consigo para Grandson e perdeu de forma tão despropositada naquele dia.

No butim levado a Lucerna, onde seria dividido igualmente entre os suíços, estavam potes, baixelas, tigelas, canecas e outros utensílios de prata, talheres de ouro e castiçais que foram pesados e avaliados em quatro quintais (o que corresponde a cerca de 240 quilos em prata ou ouro). Mas para cada item contabilizado em Lucerna estima-se que 99 outros itens de valor ines­timável foram desviados pelos soldados suíços vitoriosos. Mesmo pela avaliação suíça mais conservadora, apenas um centésimo do butim foi docu­mentado. O butim de Lucerna continha alguns mantos de prata e ouro, ou­tras roupas e tecidos de seda e ouro e muitas iguarias que os empobrecidos suíços nunca tinham visto antes e que tiveram dificuldade de descrever em um registro escrito. Havia também muitas grandes tapeçarias, uma das quais era inteiramente feita de fios de ouro, com seis belas pérolas e seis grandes rubis costurados, juntamente com uma relíquia religiosa.

Alista do Burgunderbeute é impressionante, descrevendo com eficiência suíça quem adquiriu quais peças, a qual contingente suíço elas pertenciam, o núme­ro de homens naquele contingente e por fim as próprias peças, da melhor for­ma possível. Previsivelmente, embora haja mais de cem jóias mencionadas no Burgunderbeute, há poucos diamantes grandes. Há, porém, referência a um dos diamantes do duque da Borgonha e seus acompanhamentos, descritos como "inestimáveis". Diz-se do diamante que é como a "metade de uma noz", engastado em ouro com duas grandes pérolas pendendo dele, como um pingente que poderia ser separado do diamante por um fecho. Ele estava inserido em um conjunto com sete grandes diamantes, sete grandes rubis e 15 grandes pérolas, e foi descrito como "algo maravilhoso e inestimável".

Poderia este ser o Sancy, anteriormente descrito como "uma noz"? Não há registro de Carlos haver cortado o grande diamante, nem teria ele motivo para fazê-lo. Embora haja diamantes e outras jóias inestimáveis nesta lista, nenhuma das grandes jóias de Carlos aparece, e certamente as três grandes jóias descritas por Paradin não estão nesta abrangente e impressionante litania da fenomenal riqueza do duque. Não consta a jóia da Ordem do Velo de Ouro. A jóia Rosa Branca, presenteada a ele por seu cunhado, não está em parte alguma. O Federlin, ou pequena pluma, que sabidamente esteve em posse dele, não aparece. La Hotte e La Balle de Flandres, ou o diadema La Belle Fleur de Lys de Flandres, não são mencionados. Se a precisão suíça determinava que todo o butim precisava ser registrado sob pena de morte, então certamente todo o saque estaria na lista.

Portanto, parece provável, tomando como ponto de partida Paradin, Schilling e outros cronistas suíços, e considerando onde o Sancy reapareceu depois, que o "padre" citado era um padre do bispado de Basiléia. Embora Basiléia tenha contribuído com seu próprio contingente de homens para a batalha como um parceiro menor na empreitada suíça, era amplamente sabi­do que não iria receber uma parcela "integral" do butim. O padre, tendo confirmado que o diamante era real quando ele não se despedaçou ao ser jogado sob as rodas da carroça (já que a "indestrutibilidade" dos diamantes não era questionada na época), teria procurado o bispo ou seu camareiro para dar a ele as boas novas de seu achado. O padre se sentia plenamente recom­pensado, já que não tinha idéia de seu valor. O bispo, porém, diante do ex­traordinário butim dos Três Irmãos, La Hotte e La Balle de Flandres (o Sancy), sabia precisamente o que fazer. Os termos da divisão do espólio estabele­ciam que tudo precisava ser transportado para Lucerna, e lá dividido igual­mente entre todos os participantes da batalha, do mesmo modo que em quaisquer outras batalhas por vir. A escolha do bispo de Basiléia era simples; ele ficou quieto, não fez nada, e esperou.

Nove meses depois de perder seus preciosos tesouros em Grandson, Carlos travou sua última batalha, em Nancy, onde foi irremediavelmente derrotado e golpeado até a morte pelo povo da cidade quando jazia, mortal­mente ferido, no campo de batalha.

A notícia correu de boca em boca pela Europa como relâmpago. O pode­roso duque Carlos perdera seus diamantes indestrutíveis, sua riqueza e um reino como o qual outro não havia. Ele certamente devia ter sido amaldi­çoado para chegar a tal fim.

Enquanto isso, o Sancy e as outras gemas encontradas no porta-jóias es­magado de Carlos, o Temerário, permaneceriam trancadas em segredo por outros 14 anos.
6

O diamante desaparece



1476-1507
Bem escondida nos arquivos de Basiléia há uma nota de venda secreta, datada de 1504, para Jacob Fugger, dono de uma grande casa bancária co­mercial sediada em Augsburg, Alemanha, pela compra de quatro jóias do bispado de Basiléia. A forma de pagamento, o momento em que a venda deveria ser concluída e as condições pelas quais Jacob teria acesso às jóias estão todos determinados neste documento secreto.

O Ehrenspiegel (inventário) de Fugger de 1508 descreve essa transação e nos dá a primeira pista do paradeiro do Sancy:

Os suíços o [Carlos] derrotaram inteiramente, dispersaram seu exército, to­maram todos os seus valores, armas e bens valendo bem mais de dez vezes cem mil gulden, ou florins. O valor da prataria passou despercebido, pois os suíços acreditaram que era peltre. Os esplêndidos pavilhões de seda e outros itens domésticos magníficos fizeram parte do butim suíço. Qualquer que te­nha sido a forma de distribuição do saque, ele de alguma forma incluiu o gran­de diamante ogival, o que era conhecido em toda a cristandade [o Sancy]. A jóia Três Irmãos, desse modo chamada por seus três grandes rubis de mesmo tamanho, espessura e peso, também estava no butim. Ela é ornada com três das maiores pérolas orientais, de acordo com o antigo costume. O primeiro diamante [o Sancy] não foi vendido imediatamente, mas em segredo, alguns anos mais tarde. A jóia seguinte foi oferecida a Jacob Fugger, conhecido em toda parte por sua enorme fortuna. Embora esta jóia, com suas pedras puras, tão grandes e magníficas, tenha também pertencido ao duque da Borgonha, o mesmo Jacob Fugger comprou, como descrito a seguir, a gema, mais um rubi e uma gema embutida, por 47 mil florins [34,2 milhões de dólares ou 21,4 milhões de libras] do cidadão suíço Kauffweiss e a manteve por alguns anos.
O Ehrenspiegel de Fugger, como todas as crônicas da época, retrata os suíços como desinteressados do butim tomado nas batalhas em Grandson, Morat e Nancy. Em verdade, o fato de que eles dividiram fisicamente as inestimáveis tapeçarias que caíram em suas mãos em vários pedaços comprova isso. Em­bora o bispo de Basiléia soubesse que o Sancy era precioso, ele provavelmente não tinha consciência do verdadeiro valor de mercado de tal gema, ou das outras jóias em seu poder. Sabiamente, o bispo esperou... e esperou. O Butim da Borgonha foi calculado, registrado e partilhado em Lucerna, enquanto cada vez mais "soldados" suíços vestiam blusões de ouro e seda, comiam em pra­tos de ouro, montavam belos cavalos e ostentavam outras formas de riqueza bem acima de suas possibilidades.

À medida que a riqueza acumulada no país começou a desaparecer com os anos, o bispo supôs que as jóias em seu poder eventualmente seriam es­quecidas, assim como os cantões se "esqueceram" de perseguir aqueles que tinham escancaradamente roubado o Butim da Borgonha. O sagaz e caute­loso bispo sabia que, quando chegasse o momento de vender sua reserva pre­ciosa, deveria fazê-lo por intermédio de um colega suíço. Isso daria a ele mais poder ao ameaçar o comprador com o fogo do inferno e a danação, para não falar na pena de morte como lavrado no Édito de Lucerna de 21 de março de 1477, que estabelecia as punições para todos aqueles que roubaram do Butim da Borgonha.

E foi assim, em 1491, 15 anos após a derrota de Carlos, como mostram os registros de Basiléia, que o Sancy, descrito como "um enorme diamante branco do tamanho de uma noz", foi vendido para a família Hertenstein, mercadores de Lucerna, por pouco mais de 5 mil florins (606 mil dólares ou 379 mil libras, em valores de hoje). Os Hertenstein não eram uma das gran­des famílias de banqueiros mercantis que dominavam o comércio europeu na época, e nunca teriam acesso a tal capital. Eles podem ser mais bem des­critos como intermediários atuando como agentes na obtenção de pequenos lucros do que como mercadores internacionais agindo em benefício de gran­des famílias como os Fugger.

Hertenstein, embora não fosse um especialista em jóias finas ou diaman­tes, certamente sabia como conseguir um elevado lucro com aquela oportu­nidade. Ele nunca cogitaria ser um vira-casaca e receber uma recompensa insignificante por notificar os cantões da falha do bispo. Ele saberia exata­mente quem o compraria dele fora da Suíça pelo maior valor — e pode muito bem ter sido o intermediário do comprador eventual. Com o idioma sendo uma barreira, e os relacionamentos comerciais, outra, Hertenstein teria uma preferência natural por um colega mercador de língua alemã. E o maior de­les era Jacob Fugger.

Jacob era a estrela mais brilhante do negócio da família, que levou ao auge no início do século XVI. Os Fugger não eram uma das antigas e bem rela­cionadas famílias comerciantes de Augsburg como os Welser, os Herwart ou os Lagenmantel. De acordo com seu testamento de 1409, o mercador de te­cidos Hans Fugger deixou uma considerável fortuna de 3 mil florins, mas ainda bem menos do que era necessário para criar um grande império ban­cário mercantil. O filho mais novo de Hans, Jacob (o Velho), um homem modesto e trabalhador, casou-se com a filha do tesoureiro de Augsburg, que, de acordo com o biógrafo de Fugger, Victor von Klarwill, "tinha ótimas rela­ções e ligações comerciais com todos os tipos de mercadores". O sogro de Jacob acabou no Tirol, para onde Jacob e sua esposa seguiram, fazendo a primeira fortuna da família minerando prata.

Com sua morte em 1469, seus três filhos mais velhos — Ulrich, Georg e Peter — continuaram no negócio da família. Os dois mais novos, Marcus e Jacob, destinavam-se a ingressar na Igreja. Mas quando Peter morreu su­bitamente em 1473, o atormentado Jacob abandonou a perspectiva de se tor­nar padre para ingressar nos negócios da família. Aos 14 anos de idade, Jacob freqüentava a Fondaco dei Tedeschi (a Fundação Alemã) em Veneza, estu­dando administração, como faziam tantos jovens alemães, com a vantagem extra de observar os negócios da família em ação em seu escritório e depósi­to de Veneza. À época de sua maioridade, Jacob demonstrou uma aptidão para os negócios muito superior à de seus irmãos mais velhos. Ele era como um mestre de xadrez, sempre pensando três movimentos à frente de seus oponentes e sempre vencendo. Dizia-se que não ocorria nenhuma grande transação na Europa sem o conhecimento de Jacob Fugger, e que se ele pu­desse cavar um papel para a Casa de Fugger em qualquer transação com lu­cro financeiro ou político, ele o faria.

Quando Georg morreu em 1506, seguido pouco depois por Ulrich, Jacob se descobriu o único encarregado pelo império da família. Quieto, altamen­te inteligente, e ponderado, Jacob conseguiu capitalizar com o relacionamento que Ulrich primeiramente cimentara com o Sacro Imperador Romano Habsburgo Frederico III em 1473, quando Jacob forneceu o traje de seda fina para a audiência de Frederico com Carlos, o Temerário, em Trèves. Não há dúvida de que Jacob acompanhou a derrota de Carlos com um olho na oportunidade, especialmente já que o genro de Carlos, Maximiliano I, era o monarca reinante com quem ele tinha de negociar a questão das minas de prata e cobre do Tirol.

Em 1496, Jacob abriu mão de seus prudentes acordos de financiamento usuais e concordou em adiantar 121.600 florins (14,7 milhões de dólares ou 9,2 milhões de libras, em valores de hoje) para sustentar a tolice de Maximiliano de ser coroado Sacro Imperador Romano em Roma. O único motivo para o sábio financista se envolver em um episódio tão custoso teria sido ganhar vantagens políticas. No final, Jacob precisou adiantar apenas 40 mil florins no total, o que teria sido um perfeito investimento na expansão de seu império financeiro na Itália.

Então, quando um diamante descrito como "do tamanho de uma noz" foi vendido para Hertenstein, há pouca dúvida de que Jacob Fugger sabia da transação e era um dos poucos comerciantes da Europa com meios políticos e financeiros de comprá-lo, Como freqüentemente era o caso, não sobrevi­veu nenhuma nota de venda, se é que houve alguma. A transação pode facil­mente ter sido parte em dinheiro, parte em favores, ou um acerto por muitas contas não pagas, e talvez nunca saibamos como foi.

Em 1502, Jacob foi abordado por "homens de confiança" e abriu nego­ciações diretamente com o bispado de Basiléia para comprar outras quatro jóias que tinham sido escondidas juntamente com o Sancy. Isto é em si uma outra prova de que o bispo acreditava que Jacob seria o comprador final do Sancy, e um dos pouquíssimos homens com uma fortuna suficiente para adquirir em segredo suas jóias remanescentes. Jacob estabeleceu um flores­cente comércio com o papa a partir de 1500, e já era conhecido como o "ban­queiro do papa". Ele também era banqueiro dos Habsburgo e de Maximiliano.

Tendo inicialmente sido treinado para a Igreja, Jacob falava a língua do prelado, e foi recomendado a todos os outros opulentos curas como "um homem com quem é possível fazer negócios". O bispo não poderia desejar uma recomendação melhor do que a fortuna ou a discrição de Jacob. Em 16 de setembro de 1504, a nota de venda secreta entre Basiléia e Jacob Fugger foi assinada, dando a Jacob direito às outras quatro jóias "do tesouro de Carlos, o Temerário", especificamente:


  1. A Ordem da Jarreteira, um colar da ordem criada por Eduardo III que em 10 de janeiro de 1459 Eduardo IV rei da Inglaterra, conferiu a seu futuro cunhado Carlos da Borgonha;

  2. A Rosa Branca, que representa o brasão de armas da família real de York, reis da Inglaterra, feita de pedras preciosas; provavelmente também um presente de Eduardo IV rei da Inglaterra;

  3. O Federlin (ou Pequena Pluma), um pequeno alfinete de chapéu compos­to de pedras preciosas e mais de setenta pérolas, também proveniente de Eduardo IV rei da Inglaterra;

  4. Os Três Irmãos, com rubis adquiridos por João Sem Medo; a jóia, criada por Felipe, o Bom, foi herdada por Carlos, o Temerário, duque da Borgonha.

O preço de compra destas jóias foi de 40.200 florins renanos (10,7 mi­lhões de dólares ou 6,7 milhões de libras, em valores de hoje), dos quais 19 mil florins seriam pagos em ouro e o restante em moedas de prata cunhadas em Milão, Zurique, Lucerna, Friburgo, Saint Gallen ou no distrito suíço de Vaiais. Até que toda a quantia fosse paga, as jóias permaneceriam com o ven­dedor, e os Fugger teriam autorização para ver as gemas, mas não para alterá-las de modo algum. Seriam cobrados juros sobre os extraordinários valores a pagar, e a venda deveria ser concluída dentro de cinco anos.

As negociações, assim como o acordo, foram mantidas inteiramente em segredo. A maior parte do dinheiro de Jacob Fugger foi utilizada especial­mente para pagar dívidas da cidade de Basiléia com Estrasburgo, por servi­ços que Estrasburgo tinha prestado à cidade suíça fronteiriça. Uma parcela dos pagamentos foi feita em ouro, e foram cobrados juros de 3% sobre os pagamentos em moedas de prata feitos ao longo do tempo. No dia 15 de outubro de 1506, três "homens de confiança" da Casa de Fugger chegaram com a prestação final de prata e tomaram posse das jóias.

Mas por que motivo Jacob colecionaria tantas gemas valiosas da herança do último grande duque da Borgonha? Certamente Jacob era conhecido por sua aversão a bens de luxo pessoais e por sua tradicional prudência. Ele che­gou mesmo a ignorar o título de "Conde" quando lhe foi oferecido mais tar­de. Um motivo pode ter sido criar, por intermédio das gemas, uma "reserva de capital" facilmente transportável nos tempos tumultuosos em que vivia. Contudo, há pouca dúvida de que Jacob Fugger vira naquelas gemas fabulosas o valor de instrumentos de poder político e financeiro, a serem empunhados para ampliar seu próprio império financeiro e a Casa de Fugger.

Em janeiro de 1502 surgiu um provável "comprador" para o grande dia­mante de Flandres. Dom Manuel I, rei de Portugal, que nos sete anos ante­riores consolidara um tremendo tesouro real para a emergente talassocracia de Portugal, tornou-se o próximo alvo financeiro de Jacob.
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Os reis e as casas comerciais



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