A traição de FHC
A novidade de Fernando Henrique, portanto, não é a continuação do desmantelamento do setor produtivo estatal e o favorecimento aos grupos estrangeiros. A verdadeira novidade dos anos FHC é o desmantelamento do setor privado da economia nacional, com a venda de grandes empresas de capitalistas nacionais ao capital estrangeiro. Dizia-se de Getúlio que ele tinha sido o pai dos pobres e a mãe dos ricos. Salvo algumas exceções, como Antônio Ermírio de Moraes que ficou com Fernando Henrique até o fim e foi um dos poucos e explícitos apoiadores de José Serra nas eleições passadas, a burguesia brasileira, com FHC, ficou sem pai e sem mãe.
No final de 1997, o Brasil começou a quebrar. Em setembro daquele ano, o movimento de capitais para o Brasil refluiu em função da chamada Crise da Rússia: houve uma saída líquida do país de 4,5 bilhões de dólares. O governo apelou para o remédio de sempre: por alguns meses, puxou os juros para além de 30% reais ao ano. De novembro de 97 a abril de 1998, a receita funcionou. A entrada líquida de capitais foi de 2 bilhões de dólares, em novembro, para 12 bilhões em março e 10 bilhões de dólares em abril. Em maio, no entanto, começou uma sangria desatada que iria levar para fora do Brasil, em setembro, um saldo líquido de 17 bilhões de dólares.
Para injetar dólares na economia que se esvaía, o governo radicalizou na privatização. Mudou as regras que anunciara para a privatização da Telebrás. Sérgio Motta, o ministro das Comunicações e braço direito de Fernando Henrique, falava em manter o controle nacional. Com a crise, a consigna mudou: vender tudo, preferencialmente para o capital estrangeiro. O discurso ressaltava que somente os estrangeiros poderiam modernizar nossas telecomunicações. De fato, buscava-se desesperadamente dólares para fechar o vazamento gigante do nosso balanço de pagamentos.
Em agosto de 1998, Stanley Fischer, então diretor-gerente do FMI, visitou o presidente no Palácio do Planalto. Quem contou o episódio, recentemente, foi o próprio Fernando Henrique numa entrevista à imprensa. O presidente e o homem do FMI examinaram o quadro político. Haveria eleições em poucos meses. Fernando Henrique era candidato à reeleição contra Lula. Só que o país estava praticamente falido. A avaliação de Fischer, segundo FHC, é de que o país poderia quebrar antes das eleições, em setembro.
FHC não contou até hoje e dificilmente contará as negociações que fez para se reeleger nessa conjuntura. Há indicações claras, no entanto, de que nessa época se desenvolveu uma das histórias políticas mais vergonhosas de seus dois mandatos, envolvendo o seu alto comando financeiro. Eles começaram a negociar secretamente, com o Tesouro dos EUA e com o FMI, um acordo que foi barganhado por novas regras de funcionamento do governo brasileiro. Essencialmente, ficou acertado que sairia um grande empréstimo logo após as eleições, desde que FHC, antes do pleito, anunciasse formalmente as novas normas para o gasto do dinheiro público. Foi planejada, assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que o presidente delineou em um discurso no Itamaraty, em 23 de setembro. A LRF estabelece, basicamente, que o orçamento público passa a ter uma prioridade: o superávit entre receitas e despesas, destinado ao pagamento dos credores.
A essa altura, meados de 1998, grupos nacionais descontentes com a política de dependência do capital externo estavam gravando secretamente as conversas do presidente do BNDES, André Lara Resende. Essas gravações, ao que tudo indica, estão em dezenas de fitas. Muitas delas ainda não foram reveladas. As gravações foram feitas por participantes do leilão das empresas do Sistema Telebrás, que foi conduzido pelo BNDES. O conteúdo das gravações que foram divulgadas até agora mostra, nitidamente, que o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o presidente do BNDES, e mesmo o presidente da República, tinham preferência pela vitória dos grupos estrangeiros no leilão.
Graças a essas revelações se soube, por exemplo, que Malan disse a Resende, que redigiu o discurso de FHC no Itamaraty, no dia 23 de setembro, que dirigentes do FMI e do Tesouro dos Estados Unidos queriam ver o discurso. Resende diz na gravação que ia falar com Stanley Fischer, diretor-adjunto do FMI. E Malan lhe explica: “Eles estão, tanto o Fundo quanto o Tesouro, dizendo, pedindo, assim, quase que dizendo: 'Nos deixem ler antes ...'. Porque a idéia é que eles saiam com expressão de apoio. Eles querem ter acesso antes ... Para poder expressar apoio”, diz Malan.
No seu discurso, Fernando Henrique anuncia um ajuste rápido, para o país voltar a crescer aos níveis adequados, o mais cedo possível. Quase dois meses depois, no dia 13 de novembro, Malan anunciou o acordo com o Fundo de 41,5 bilhões de dólares, que previa que o país economizaria, para pagar juros e evitar que a dívida crescesse e se tornasse impagável, o equivalente a 2,6% do PIB em 1999, 2,8% em 2000, e 3,0% em 2001. Com isso, afirmavam, a dívida pública ficaria estabilizada em 44,5% do PIB.
A decadência
Mas, apesar de ter passado a governar em parceria com o Fundo, o ajuste anunciado por FHC em 1998 não bastou. No início de 1999, o governo tentou organizar uma retirada ordenada da política cambial anterior, que consistia em manter o real valorizado. Trocou Gustavo Franco por Chico Lopes na presidência do Banco Central e anunciou uma política cambial de desvalorização controlada da moeda brasileira. Os mercados atropelaram os planos do novo presidente do BC e o real foi desvalorizado abruptamente, à força, de 1,3 por dólar para mais de 2 reais por dólar. Chico Lopes caiu sem sequer ter sido sabatinado pelo Senado para se confirmar no cargo. Sabe-se hoje, também pela fitas gravadas com conversas do presidente do BNDES, André Lara Resende, que Lopes não agradava ao FMI e aos americanos. Depois, ele seria envolvido em denúncias espetaculares de corrupção. Para o seu lugar veio Armínio Fraga, diretamente de Wall Street.
As fitas do BNDES, com sinais visíveis das operações dos mais altos dirigentes do governo para favorecer grupos estrangeiros no leilão da Telebrás e da trama feita com o FMI para a reeleição de FHC, fortaleceram, na oposição, o plano de afastar o presidente por meio da mobilização popular, como se havia feito na campanha do “Fora Collor”, em 1992. Desenvolveu-se então a campanha do “Fora FHC”, que pedia o seu impeachment e acabou realizando, em agosto de 1999, uma Marcha a Brasília, com cerca de 100 mil pessoas.
O governo, no entanto, resistiu. E a partir do final de 1999, o PT, reunido em Congresso, decidiu afastar-se da liderança da campanha do “Fora FHC”, que aos poucos se extinguiu.
Houve uma relativa estabilidade monetária internacional entre o segundo trimestre de 1999 e o terceiro trimestre de 2000. Foram feitas algumas grandes privatizações pelos governos estaduais: a do Banespa, o banco oficial do governo de São Paulo, vendido ao Santander; a do Banestado, do governo do Estado do Paraná, vendido ao Itaú; a da Eletropaulo, distribuidora de energia elétrica de São Paulo, vendida à americana AES.
A partir do final do ano 2000, no entanto, as crises na periferia do império americano, que vinham desde 1995 e que pareciam problemas internos das economias emergentes, se revelaram parte de algo maior, muito mais perturbador e perigoso: o fim de um ciclo de expansão do sistema capitalista, centrado na economia dos EUA. A economia americana, como toda economia capitalista, evolui por ciclos, com altos e baixos – períodos de expansão e de contração. Entre um ciclo e outro há recessões, períodos em que a produção anual cai em relação ao ano anterior. Isso é assim desde que o capitalismo surgiu. De 1920 para cá, por exemplo, a economia dos Estados Unidos teve 15 ciclos, mediados por recessões. O fato que entusiasmava os neoliberais mais radicais do governo de Fernando Henrique era, no entanto, ver que, desde o final de 1992, a economia americana vinha se expandindo sem parar. Entre o início de 1991, logo depois da Guerra do Golfo, e o final de 1999, a Bolsa de Nova Iorque teve o seu período histórico de maior crescimento. O valor total dos papéis negociados elevou-se de forma inédita: foi de 3 trilhões de dólares para 15 trilhões de dólares. Desde 1999, essa expansão estava paralisada e o índice da Bolsa parecia estagnado, em torno de 11.000 pontos. No último trimestre do ano 2000, esse índice desabou. Na crise, começou a cair drasticamente o movimento de capitais para o Brasil. O dólar, que entre 1999 e 2000 esteve estacionado na casa de 2 reais, começou a subir.
No plano político, os neoliberais terminaram 2000 derrotados por um amplo crescimento do PT nas eleições municipais. Alguns analistas compararam esse feito com a vitória oposicionista no Senado em 1974, quando, logo após o “milagre econômico” dos anos 1968-73, começou a ser abalada a ditadura militar. Assim como em 1974 o povo escolheu o MDB, o partido do movimento democrático brasileiro, como canal para extravasar seu descontentamento, em 2000, nas eleições municipais das grandes cidades, onde o pleito se dá em dois turnos, o povo escolheu o PT para derrotar os candidatos da frente governista. O PT saiu das eleições municipais com as prefeituras de São Paulo, Porto Alegre, Recife, Goiânia e Belém, além de dezenas de outras, e em condições de ser a viga-mestra da articulação oposicionista para eleger um presidente da República em 2002.
No começo de 2001, o governo sofreria outro golpe político institucional ao tentar rearticular-se para as eleições de 2002. Antônio Carlos Magalhães, talvez o mais destacado líder do PFL, que ajudara Fernando Henrique desde sua primeira eleição em 1994 e se tornara uma espécie de co-piloto do governo, abandonou o barco, disparando contra o presidente e seus principais assessores. ACM era presidente do Senado e viu seu tapete puxado quando o PSDB formou uma aliança com o PMDB, visando às eleições de 2002. No período 2001-2002, um dos caciques peemedebistas, Jader Barbalho, do Pará, assumiria a presidência do Senado e o peessedebista Aécio Neves a presidência da Câmara, deixando o PFL de fora do comando do Congresso.
ACM não caiu sozinho. Renunciou para não ser cassado – manobrou para conhecer a votação nominal de senadores na sessão secreta de cassação do senador Luiz Estevão –, mas disparou contra Jader uma bateria de denúncias de corrupção que acabaram acuando o peemedebista, que também se viu obrigado a renunciar para não ser cassado.
No final de 2001, o campo governista era uma espécie de terra arrasada, dividido em facções, sem um candidato a presidente forte, capaz de reuni-las. Para agravar as coisas, a Argentina, onde as teses neoliberais tinham atingido o paroxismo com o estabelecimento na Constituição do país da paridade entre o dólar e o peso, começou a desmoronar.
Para agravar a situação, num setor essencial, o de energia elétrica, as mudanças introduzidas com as privatizações produziram um desastre nacional: o primeiro racionamento nacional da história moderna da energia elétrica no Brasil. A privatização do setor visava, na opinião de seus defensores, criar um ambiente de competição entre os preços de compra e venda de eletricidade, liberando-os e estabelecendo um mercado, em que a lei da oferta e da procura se encarregaria de fixar as tarifas a serem praticadas. Os investimentos para expandir o setor, diziam, viriam como conseqüência natural do novo modelo.
Porém, o resultado foi exatamente o contrário: os investimentos externos não chegaram, a expansão do sistema não foi feita e o país teve de racionar energia a partir do segundo semestre de 2001. Com as sucessivas crises econômicas e sem apoio popular o modelo não poderia sobreviver sem a co-gestão do FMI para dar credibilidade ao governo junto aos credores.
Em 3 de agosto de 2001, o Ministério da Fazenda anunciava novo acordo com o Fundo. O FMI subiu à cabine de comando da economia brasileira, onde ainda permanece. O compromisso, em troca de um empréstimo de 15 bilhões de dólares, era com superávits maiores: de 3,35% do PIB em 2001 e 3,5% em 2002. Em 2001, a dívida pública estava em 51% do PIB.
Mesmo isso não bastou. Um terceiro acordo foi feito no dia 4 de setembro de 2002, nas vésperas da eleição de Lula: um empréstimo de 30 bilhões de dólares, com o compromisso de um superávit primário de 3,88% do PIB em 2002 e de 3,75% do PIB em 2003, 2004 e 2005.
Uma guerra social que mata a juventude pobre do país
O crescimento da violência é um forte indício da degradação social. O preço mais caro pela desestruturação social tem sido pago pela juventude pobre das periferias dos grandes centros urbanos.
Antônio Nascimento trabalha há 10 meses como porteiro no posto de uma central sindical no bairro operário de Santo Amaro, zona sul da capital paulista. Há 8 anos não consegue trabalho para exercer seu ofício de fresador, função especializada na metalurgia que lhe rendeu empregos na Bosh, na empresa de autopeças UPT, na fábrica de bicicletas Caloi e na fábrica de armas Taurus. Na última década, a Taurus deixou a zona sul de São Paulo, a UPT faliu, as outras empresas demitiram. “Isso tudo graças ao sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que fechou o país”, diz Antônio. “E você viu ele lá fora outro dia, recebendo o 'prêmio nobel da paz'? Que vergonha! Com aquela comitiva dele! Com a família! Até a com Regina Duarte! Representar o país lá fora, ganhar prêmio? E a gente aqui?”
O prêmio a que Antônio se refere não é o Nobel da Paz, mas o Mahbub ul Haq, recém-instituído pelas Nações Unidas para condecorar personalidades públicas que promovam a questão social na agenda política dos países. A premiação de FHC, em 9 de dezembro de 2002, em Nova York, seria merecida pelos supostos méritos dos programas sociais de seu governo.
Antônio pode até se embaralhar sobre as condecorações recebidas pelo ex-presidente, mas ele sente o pulso da situação social do país. Recebe diariamente uma legião de desempregados na porta da central sindical, todos ansiosos por se cadastrarem nas listas da agência de emprego da entidade. Todos os dias aparecem mais de mil pessoas, mas Antônio tem apenas 600 senhas para distribuir a partir das 5 horas da manhã, quando já tem gente dormindo na fila.
Mahbub ul Haq, o título do prêmio dado a FHC, é o nome do economista paquistanês que criou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) empregado pela ONU para medir a qualidade de vida no mundo e que é calculado a partir de um cruzamento de dados de saúde (a esperança de vida ao nascer), de educação (uma combinação de taxas de matrícula e de alfabetização) e da renda per capita de um país. Mais de uma vez durante os seus mandatos, FHC argumentou que todo o esforço de privatização e busca da estabilidade tinha por objetivo liberar a máquina estatal para tratar melhor das questões sociais. A questão central, porém, é: melhorou, de fato, a situação social do país? Pela medição do IDH a resposta é, sim. De fato, o IDH brasileiro passou de 0,737 em 1995, para 0,757, no ano 2000. Mas essa melhoria, de 0,2, não é diferente, aliás é ligeiramente inferior, da que houve de 1985 para 1990, quando o índice foi de 0,692 para 0,713 – melhoria de 0,21 – e da que houve de 1990 para 1995, quando o índice passou de 0,713 para 0,737 – melhoria de 0,24. Ou seja: na área social FHC nada fez de diferente de José Sarney ou de Fernando Collor e Itamar Franco.
A fórmula para o cálculo do IDH foi revista em 1999 para dar menos peso à renda per capita. A renda per capita, como se sabe, mascara as desigualdades sociais pois divide as riquezas produzidas no país pelo número de habitantes, como se todos as pessoas da nação ganhassem exatamente o mesmo quinhão ao final de um ano. A mudança no cálculo fez com que países mais pobres, mas com maiores cuidados com educação e saúde, como Cuba, evoluíssem para posições melhores no ranking do IDH. Do posto 85, o país de Fidel Castro foi alçado para o posto 58. Já o Brasil passou do posto 62 numa fila de 173 países, para o posto 79, 17 lugares para trás. É claro que o fato de ter havido uma mudança nos critérios de classificação não significa que o país piorou. Mesmo assim, o rearranjo metodológico foi alvo de críticas oficiais do governo brasileiro. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na época, Roberto Martins, reagiu com grosseria: “Esse informe é indefensável do ponto de vista lógico. Há algo muito errado nele, pois não se entende como países miseráveis como a Índia, o Paquistão e o Lesoto tenham evoluído para o grupo médio enquanto o Brasil foi rebaixado. Não é sem razão que o inspirador dessas mudanças, o dr. Sen [Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia] seja um indiano”. O fato é que, com fórmula velha ou fórmula nova, o IDH brasileiro continuou vários pontos abaixo do da Argentina – que está na 39ª posição, com IDH 0,827 – e mesmo da média da América Latina e do Caribe, que foi de 0,767 no ano 2000.
Provavelmente os cinco jurados escolhidos pela ONU para selecionar o líder mundial ou chefe de nação que receberia o Mahbub ul Haq consideraram louváveis a chamada rede de proteção social que FHC freqüentemente destaca em seus pronunciamentos. Fernando Henrique refere-se a um conjunto de 11 programas sociais que teriam sido desenvolvidos nos seus oito anos de governo. Oito deles faziam parte da Rede de Proteção Social. O Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Agente Jovem e Auxílio-Gás são programas de transferência direta de renda por meio do chamado Cartão do Cidadão, que permite às famílias cadastradas sacarem o benefício diretamente nos bancos autorizados.
90% eram obrigação
Os valores dos repasses para o Bolsa-Escola são de 15 reais mensais. Segundo relatório do governo, o programa atingiu 10,2 milhões de crianças de 6 a 15 anos, com freqüência escolar acima de 85%. O mesmo vai para os inscritos no Bolsa Alimentação – cedida a 1,6 milhão de gestantes, mães lactantes e crianças com risco nutricional de até 6 anos e 11 meses. O Auxílio-Gás paga 15 reais a cada 2 meses para a família selecionada – a previsão era atender 9,3 milhões famílias em 2002. As crianças entre 7 e 14 anos beneficiadas pelo Peti – 810 mil contabilizados – recebem mensalmente 25 reais se deixarem o trabalho no campo e 40 reais se pararem de trabalhar na cidade. O Programa Agente Jovem paga 65 reais por mês a jovens entre 15 e 17 anos (100 mil registrados) que prestam serviços à comunidade.
Ainda na Rede de Proteção Social estão três programas, que pagam um salário mínimo mensal, com recursos da Seguridade Social. O Benefício de Prestação Continuada é destinado a deficientes físicos e idosos com mais de 67 anos que pertençam a famílias cuja renda per capita mensal seja menor do que ¼ do salário mínimo – 1,5 milhão beneficiados. A Renda Mensal Vitalícia é para idosos acima de 70 anos e inválidos – 724 mil contemplados. E a Aposentadoria Rural destina-se a trabalhadores e trabalhadoras rurais com mais de 60 e 55 anos, respectivamente – 6,4 milhões atendidos. Os dois últimos são pagos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
O governo considera também benefício social programas para os desempregados que dependam dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que tem a maior parte de sua receita originada no recolhimento do PIS-PASEP. O Abono Salarial garante um salário mínimo anual a trabalhadores que têm média salarial anual de até 2 salários mínimos – 5,2 milhões de beneficiados. O Bolsa-Qualificação é pago a trabalhadores que têm contrato de trabalho suspenso temporariamente – 10,4 mil beneficiados. E o Seguro-Desemprego é entregue àqueles que tenham trabalhado formalmente 6 meses seguidos – foram 4,4 milhões beneficiados. É bom lembrar que para gozar os benefícios dos três programas sociais o cidadão precisa ter tido emprego formal, com registro na carteira, condição de apenas 47% dos trabalhadores do país.
Grande foi a publicidade governamental sobre o crescimento dos recursos destinados aos programas sociais. Entretanto, é preciso destacar que 90,3% dos recursos dedicados ao “social” são vinculados a direitos assegurados pela Constituição de 1988, como a aposentadoria rural, por exemplo. Ao contrário do que afirma o governo passado, não resultam da vontade de FHC, que ainda os restringiu.
O crescimento de recursos foi de cerca de 20% nos 8 anos do Plano Real. No mesmo período, a receita do governo federal subiu 31% e a participação dos gastos sociais nas despesas correntes caiu de 60% para 55%, de 1995 a 2001.
Um estudo do Ipea, com base na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) de 2001, aponta a existência de 24,73 milhões de brasileiros vivendo na miséria, ao final de 2001, com renda inferior a 55 reais por mês – menos de 2 reais por dia, quantia considerada insuficiente para suprir as necessidades de alimentação. A proporção de miseráveis teria subido de 14,51% em 2000 para 14,60% em 2001.
Esses miseráveis fazem parte dos 54 milhões de pessoas consideradas pobres, integrantes de famílias que têm renda mensal média per capita menor do que ½ salário mínimo. Isso corresponde a 32,1% da população. Esses números surgem de um relatório feito pelo IBGE para o Fundo das Nações Unidas para a População, também com dados da Pnad.
Pela soma do número de beneficiados listados, tirando o Vale-Gás, que paga a média de 7,5 reais por mês às famílias e é bem recente, os programas alardeados por FHC teriam atingido 30.954.400 de pessoas. O que se vê, portanto, é que, em oito anos de ação social condecorada, o governo federal conseguiu atender, muitas vezes com a modesta quantia de 15 reais mensais, apenas 57,2% da população carente.
Entre os indicadores sociais do governo Fernando Henrique deveria ser inserido o que mostra a situação do desemprego no país. De um total de 108 nações selecionadas, o Brasil foi da 10ª pior posição em 1985 para a sexta pior em 1995 e para a segunda, em 2000, com 11, 4 milhões de desempregados. O desemprego na região metropolitana de Belo Horizonte em 1996 (quando o Dieese começou a coletar dados sobre o assunto na cidade) era de 12,7% da PEA (População Economicamente Ativa). Em 2001, esse índice saltou para 18,3% – ver texto nas páginas de 40 a 43. Além da destruição do emprego no país, o trabalhador que ainda encontra ocupação sofre, agora, com o que tem sido considerado seu pior momento desde a implantação do Plano Real. Segundo o Ipea, o rendimento médio do trabalhador brasileiro vai chegar ao fim de 2002 com perda estimada de 0,74% durante os oito anos do Real. Os ganhos obtidos nos anos 93 a 95, quando o país saiu da grande recessão de 90 a 92, foram sendo progressivamente corroídos. No final de 1994, o salário médio do trabalhador no Brasil era de 664,93 reais e, no fim de 2002, terá chegado a 660 reais, em valores de janeiro de 2000.
Pela fila de desempregados atendidos por Antônio na porta da central sindical em Santo Amaro, São Paulo, um salário de 660 reais é um sonho. Os salários e vagas publicados nos classificados do jornal distribuído pelo sindicato não são nada animadores. A melhor renda oferecida era de 2 mil reais, para diplomados em medicina que se candidatassem à vaga de médico do trabalho. Os outros salários eram de 300 reais para uma costureira de máquina reta; 200 reais, a um borracheiro; 350 reais para balconista de papelaria; 467 reais para manobrista; 730 reais destinados a mecânico de refrigeração; 282 reais a um auxiliar de limpeza; 400 reais para um açougueiro; 640 reais para vigilante. Dasilton, um dos operários atendidos, diz que uma vaga de vigilante seria bem vinda.
Dasilton é chefe de família e sua filha é beneficiada com os 15 reais mensais do programa Bolsa-Escola. Mas o que segura as despesas de casa, incluindo o aluguel de 200 reais, é a pensão de 400 reais que sua mulher recebe por estar sofrendo de tendinite devido a seu trabalho de frentista em posto de gasolina. Dasilton sabe que pode ser preterido pelos candidatos que fizeram algum curso para a função. Ele não pode fazer um curso assim. “Os cursos de 15 dias custam 300 reais, mais a condução, um lanche... Ali você aprende a usar uma arma, defesa pessoal, mas para quem está desempregado, como vai arrumar quase 500 reais? E o curso não garante que você vai ganhar a vaga”.
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