A influência de Butler foi difundida por meio de um guia para a Living History (1970), publicado pela Associação Psiquiá-trica Norte-Americana, e por uma série de artigos de pesquisado-res e terapeutas que procuravam testar suas idéias. Em parte de-vido ao desacordo a respeito de o que, exatamente, se entendia por reminiscência normal, e também pela reflexão insuficiente sobre os efeitos desfiguradores da perda da auto-identidade pelo internamento, nada de suficientemente conclusivo surgiu dessas
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pesquisas.8 A arremetida prática final na Grã-Bretanha proveio niais dos assistentes sociais e do pessoal hospitalar que consti-tuíam a linha de frente no atendimento ao número hoje rapida-mente crescente de idosos necessitados.
Já havia alguns precedentes na prática do serviço social, tais como a utilização de "livros de vida",. com documentos e foto-grafias, desenvolvidos inicialmente para o atendimento de crian-ças para ajudá-las a tecuperar um sentido claro identidade, depois de atordoantes transferências de uma instituição para outra, ou ao entregá-las a pais adotivos. Os livros de vida têm sido utilizados, mais recentemente, com adultos mentalmente de-ficientes. Ocasionalmente , houve também casos de utilização da reminiscência no serviço social com idosos. A questão funda-mental, .porém, foi uma tomada de consciência cada vez maior da "enorme arrogância ", como a denominou Malcolm Johnson, de profissionais - de classe geração diferentes, e de experiência de vida diferente - ao supor que podiam definir as necessidades de seus clientes sem primeiro compreender o diagnóstico que eles mesmos faziam da própria condição. Isto significava encarar os problemas da velhice da perspectiva da própria experiência e vida da pessoa idosa: ouvindo-os, "para identificar o caminho trilbado por sua história de vida e o modo como esta modelou seus problemas preocupações atuais". Desse modo, surgiriam as prioridades dos indivíduos para as fases mais avançadas da vidas resultado de toda uma vida de "derrotas, vitórias, temores, satisfações aspirações não realizadas". Muitos assistentes so-ciais viram-se diante dessa relevância do passado quando ele mostrou ser uma pista para um caso particularmente intrigantes por exemplo, o velho incapaz de cuidar-se sozinho e, no entanto, obstinadamente relutante em ir para um asilo. Sua resistência tor-nou-se imediatamente compreensível assim que se soube que, quando criança, estivera num orfanato. Em suma, ouvir era pro-fissionalmente útil.9
Nesse ínterim, Mick Kemp, um arquiteto do governo que trabalhava com alojamentos para idosos, incomodado pela baixa
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qualidade de vida que observara nos muitos asilos que tinha que visitar, fora autorizado a desenvolver experimentos no uso de imagens para estimular idosos retraídos a falar e a responder. As primeiras imagens que usou eram artísticas, mas, depois, desco-briu que figuras antigas de cenas e eventos - como interiores domésticos, a abdicação de Eduardo VIII, o general Strike, ou a Jarrow March - eram ainda mais eficientes. Como também mú-sicas antigas, associadas às figuras. A partir de 1980, o projeto Recall foi dirigido pelo Help the Aged Education Department, onde Joanna Bornat teve condições de contribuir com sua expe-riência pessoal como historiadora oral. No prazo de um ano, foi dada a público uma série de seis fitas gravadas e seqüências de slides, associando música, canto e memórias faladas do passado, para utilização prática com grupos de idosos.
Barato e simples de usar, precisando, de início, apenas de um gravador de fita, um projetor de slides e uma parede branca, os pacotes do Recall tiveram enorme êxito, como demonstração imediata e prática da eficiência das idéias de Butler. Em grande variedade de situações, desde os centros e clubes para os idosos ativos que moram em casa, até o doente crônico em vias de ser internado, os gravemente deprimidos, os dementes, ou até mesmo os pacientes psicóticos hospitalizados, têm sido relatados os admiráveis efeitos obtidos pela reminiscência. Num grupo normal de idosos um tanto aborrecidos e retraídos, haverá uma repentina mudança de atmosfera: à medida que o espetáculo de gravações e slides vai transcorrendo, começam a conversar e a cantar as canções e continuam a conversar depois - e os outros os escutam. Ainda mais notável é que idosos que permaneciam silenciosos há meses subitamente conversam com os outros; um deles, em geral inteiramente imóvel, é visto batendo com o pé no ritmo da música; e uma mulher idosa inteiramente descuidada consigo mesma começa a interessar-se pela própria aparência; um velho, silenciosamente recolhido numa depressão aguda, troca lembranças com um antigo colega de trabalho - e sorri. De igual importância é o impacto dessa mudança de atmosfera
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sobre outras pessoas. Os que cuidam dos velhos vêem que algo pode ser feito; os parentes começam a visitá-los mais vezes e ficam por mais tempo. Em resumo, o Recall desencadeia um tema de conversa; e uma vez reiniciada a comunicação, as pessoas se redescobrem como seres humanos.
A primeira série de pacotes do Recall - sobre "Infância" na década de 1900, "Juventude" nos anos 20, "Os anos 30", as duas guerras, etc. - vendeu 1 500 exemplares em três anos. Atualmente, vários distritos têm produzido seus próprios pacotes locais. Há cursos regulares de treinamento para o uso de reminis-cência para enfermeiras, assistentes sociais, terapeutas ocupacio-nais e outros profissionais e voluntários que trabalham com ido-sos. A terapia da reminiscência tomou-se uma onda revitalizadora, um elemento catalisador de mudança no atendimento das pessoas mais velhas, que pode promover a mudança de atitudes de inú-meras maneiras, modestas mas cumulativamente significativas. John Adams pendurou velhos cartazes num pavilhão de atendi-mento permanente num hospital do Sul de Londres e descobriu que estes também provocavam a conversação entre residentes e visitantes: "Podia-se ouvir os pacientes explicando a seus visitan-tes, com a ajuda de um cartaz do Imperial War Museum, de que modo diferençavam os aviões alemães dos britânicos durante a Primeira Guerra Mundial". Os pavilhões deviam receber nomes que significassem alguma coisa para os idosos, como o de uma artista do teatro de variedades, e não de um santo ou de um pro-prietário fundiário local, e deviam ser decorados com igual inten-ção, de modo que "a reminiscência deixe de ser um evento espe-cial e simplesmente se tome parte da textura geral da vida no pavilhão". Andrew Norris e Mohammed Abu El Eileh, atendendo a uma sugestão feita numa sessão de terapia de grupo, levaram alguns frágeis velhos, pacientes psicogeriátricos de um hospital de Dartford, para um passeio por lugares de interesse que eles haviam mencionado, visitando antigos locais de trabalho, casas, escolas e bares: "A reação de nossos rememoradores foi sur-preendente". A discussão em grupo resultou também na desco-213
berta de três antigos músicos entre os pacientes, para quem con-seguiu-se comprar instrumentos para o entretenimento do pavi-lhão. Grupos mais ativos chegaram a produzir folhetos e espetá-culos locais. Por vezes, um trabalho dessa espécie, como a história de vida de uma mulher branca casada com um nego-ciante de ópio na Chinatown de Londres e, depois, ela própria também negociante, gravada com Annie Lai por Bob e Pippa Little num asilo de velhos em Hackney, não só se mostrou capaz de restabelecer a confiança de uma mulher idosa envergonhada de seu passado, mas também de constituir evidência histórica excepcionalmente valiosa.10
Continua muito pouco claro o quão útil pode ser a reminis-cência em sentido estritamente médico. Por certo, não consegue eliminar condições como a demência: "Simplesmente pode tor-nar um pouco mais suportável e significativa a vida no hospital". Igualmente evidente é que sua aplicação e seus efeitos podem variar, dependendo de se o contexto é o de assistência social com idosos que vivem em suas próprias casas, ou em casas de re-pouso, ou em situações hospitalares diversas; e variar também de indivíduo para indivíduo. Peter Coleman salienta que a reminis-cência não se ajusta igualmente a todo o mundo. Sua própria pes-quisa é excepcional, pois teve a oportunidade de acompanhar os oito sobreviventes de um grupo de 51 idosos que entrevistara dez anos antes, num asilo em Londres. Originalmente, descobriu que 21 deles eram "rememoradores felizes", que gostavam de falar sobre o passado; mas havia também dezesseis que não viam sen-tido em rememorar, pois estavam enfrentando ativamente a vida de outras maneiras. Os "rememoradores felizes" mostraram ser o grupo mais animado, mas entre os não-rememoradores ativos só havia alguns de moral baixo, como um solitário ex-prisioneiro: mais tipicamente, estavam ativamente ocupados e a reminiscên-cia lhes parecia uma perda de precioso tempo. O contraste mais chocante era entre outros dois grupos. Oito eram "rememorado-res compulsivos" cuja "ruminação do passado" estava "dominada por tristes lembranças": eles falavam demais, mas não se sentiam
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bem com isso. Seus prognósticos mostraram-se maus, apresen-tando um aumento de perturbação psicológica. Pessoas como essas podem de fato ser prejudicadas pela terapia de grupo: preci-sam é de aconselhamento pessoal especializado. As perspectivas também foram desoladoras para os seis que evitavam rememorar porque isso os tornava mais deprimidos, uma vez que o presente lhes parecia muito pior que o passado. Tipicamente, estes haviam sofrido alguma grande perda, com a morte de um parente, .pró-ximo, e não conseguiam lidar com a dificuldade de ajustamento a uma vida de viuvez, a uma vida de solidão sem a companhia de toda uma vida. Aqui também, precisavam de uma terapia indivi-dual, que não receberam: os que não haviam morrido, continua-vam deprimidos dez anos depois. Em suma, não há soluções au-tomáticas: "cada pessoa tem que ser considerada de modo especial".11
Aí está exatamente o X da questão. A terapia de reminiscên-cia, tanto quanto a psicanálise, não é uma panacéia. Os funda-mentos de seu poder transformador, como se dá com a própria história oral, são bastante simples: escutar com seriedade o que as pessoas idosas têm para dizer. Por meio disso é que urna pes-soa desprezível, difícil e lamentosa pode se tornar uma pessoa completa, até mesmo alguém com algumas experiências seme-lhantes, aos olhos de urna jovem enfermeira antilhana. Quando o pessoal de atendimento não chega a conhecer seus pacientes, e fácil se tomarem eles meros corpos a quem se deve dar de comer e de beber, controlar e manter vivos. A comunicação pode torná--los gente novamente.
Ao olhar para mim, enfermeira, o que vê?
Ao olhar para mim, o que pensa -você?
Velhinha meio tola, uma velha implicante,
Modo de ser incerto, olhar sempre distante,
Que refuga a comida e não diz sim nem não
Ao você insistir: Trove, faço questão...
Isso é o que você pensa, isso é o que você vê?
Abra os olhos, então, que essa não sou eu...
Com dez anos, não mais que uma menina em flor,
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Tenho pai, mãe, irmãos, irmãs, e muito amor.
Moça, com dezesseis, flutuo leve, leve,
E sonho que um amor vou encontrar em breve...
Aos vinte e cinco, então, filhos para criar.
Que precisam de mim para terem um lar...
Vou chegando aos quarenta, os filhos vão-se embora,
Mas meu marido fica: e o coração não chora...
Mas depois ele morre e tudo se escurece:
Olho para o futuro, o medo me estremece...
Agora já estou velha, e a natureza é má:
Faz que o velho pareça um perfeito gagá...
Mas na velha carcaça a jovem ainda habita,
E o coração sofrido muita vez palpita.
Lembro o que trabalhei, lembro o quanto sofri,
E amo e vivo, outra vez, o que amei e vivi...
Olhe bem! Olhe bem! Só assim você vê
Não a velha implicante: olhe, esta - sou
* What do you see nurses, what do you see,/ What are you thinldng when you look ai me?/ A crabbit old woman, no' veiy wise,/ Uncertain of habüs with far-away eyes/ Who dribbles her food, and makes no reply/ When you say in a loud voice, "I do wish you'd try".../ Is that what you are thinkirg, is that what you see?/ Then open your eyes, you're not looking ai me.../ I'm a small child of ten with a father and mother,/ Brothers and sisters who love one another./ A young girl ai sixteen with wings at her feet,/ Dreaming that soon now a lover she'll mect.../ Ayt twenty-five now l have young of my own,/ Who need me to build a secure happy home.../ At forty my young now will soon be gone/ But my man stays beside me lo see I don't moum.../ Dark days are upon me, my husband is dead:/I look ai the future, I shuddu with dread.../ I'm an old woman now and nature is cniel, / Tis herjest to make old age look like a fool... But inside this old carcase a young girl still dwells,/ And now and again my battered heart swells,/ I remember the jobs, I remember the pain,/ And I'm loving and living life over again.../ So open your eyes nurses, open and see,/ Not a crabbit old woman, look closer - see me.
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PROJETOS
A história oral ajusta-se particularmente bem ao trabalho por projeto. Isso porque a natureza essencial do método é, ela mesma, criativa e cooperativa. É verdade que a evidência oral, uma vez coletada, pode ser utilizada pelo estudioso independente tradicional que trabalha apenas na biblioteca. Isto porém signi-fica perder uma das principais vantagens do método - a capaci-dade de localizar a nova evidência exatamente onde se deseja, saindo para o campo. O trabalho de campo, para ser bem-sucedido, exige habilidades humanas e sociais ao trabalhar com os infor-mantes, tanto quanto conhecimento profissional. Isto significa que os projetos de história oral de qualquer espécie começam com vantagens incomuns. Exigem uma série de habilidades que não serão monopolizadas pelos mais velhos, especialistas, ou que escrevem melhor, e assim permitem a cooperação em base muito mais igualitária. Deles nos vem não apenas estímulo intelectual, mas, as vezes, por ingressar na vida de outras pessoas, uma expe-riência humana, profunda e comovente. E podem realizar-se em qualquer lugar - pois toda comunidade carrega dentro de si uma história multifacetada de trabalho, vida familiar e relações sociais à espera de alguém que a traga para fora.
Os projetos de história oral podem ter lugar em muitos con-textos diferentes, sob a forma de empreendimentos individuais ou em grupo: em escolas, faculdades e universidades; ou em gru-pos de educação ou de alfabetização de adultos, e a partir de
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museus ou de centros comunitários. Podem envolver toda espécie de pessoas: escolares, jovens adultos desempregados, pais que trabalham ou os idosos aposentados. Embora com muitos aspec-tos em comum, cada um desses contextos proporciona urna ên-fase distinta que traz consigo suas vantagens e seus problemas. Por isso, iremos examiná-los um de cada vez. E como esta expo-sição pretende ser prática, vamos relatar a experiência específica de vários projetos executados recentemente. As idéias que se seguem não são apenas sugestões ideais, mas já provaram que funcionam.
Comecemos com as escolas. Urna vez que um projeto de história oral constitui urna operação complexa e que consome muito tempo, é provável que a primeira pergunta de um professor seja: por que lhe dar um lugar no currículo? Os argumentos edu-cativos podem ser resumidos rapidamente. O trabalho por projeto proporciona um objetivo concreto e um produto imediato. Pro-move o debate e a cooperação. Ajuda as crianças a desenvolver suas habilidades lingüísticas, um sentido de evidência, sua cons-ciência social e aptidões mecânicas. Para os professores de Histó-ria, os projetos de história oral têm a vantagem especial de fran-quear para o estudo a história de importância local. Mas também têm sido utilizados com êxito para o ensino do inglês, de estudos sociais, de estudos ambientais, geografia, ou estudos integrados; e, de formas variadas, em qualquer estágio de desenvolvimento social e intelectual entre as idades de 5 e 18 anos.
Todo projeto escolar de história oral deve ajudar as crianças no sentido de uma apreciação muito mais aguda da natureza da evidência, pois estarão diretamente envolvidas em sua coleta. Isso pode parecer uma idéia revolucionária e indesejável a auto-res e editores, a quem não agradam os projetos escolares que criam suas próprias fontes, e até mesmo a alguns historiadores profissionais. Mas num nível simples, ao coletar narrativas e me-mórias sobre como as pessoas viviam no passado, como se ves-tiam, sobre as brincadeiras das crianças e as mudanças da paisa-gem - por mais primitivas que possam ser suas técnicas de
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entrevista e de gravação -, as crianças estão coletando evidên-cia. Ao mesmo tempo, acabam se envolvendo criativamente em sua avaliação. Enfrentam questões fundamentais: quando confiar numa informação ou duvidar dela, ou como organizar um con-junto de fatos. Vivenciam a história, em nível prático, como pro-cesso de recriação do passado. Como jovens arqueólogos, rece-bem pás em vez de aulas - são levados ao filão carbonífero para cavar como pesquisadores de história. E como estão coletando evidência de fontes que profissionais não utilizaram, têm a oportu-nidade de reuni-las em um trabalho pessoal de história - memó-rias de um bisavô sobre a Primeira Guerra Mundial, ou as memó-rias de um vizinho sobre urna rua cinqüenta anos atrás - que é exclusivo, dando-lhe, assim, um sentimento muito especial de realização pessoal.
No decorrer desse processo, podem desenvolver-se vários tipos de habilidade. Em primeiro lugar, habilidades de pesquisa. Assim que os alunos tenham começado a entrevistar, pode ser muito forte o desejo de descobrir mais coisas de outras fontes, levando à procura de livros nas bibliotecas da escola ou da cidade e, por meio desse processo, a técnicas como a utilização dos índi-ces de livros ou do sistema de catalogação da biblioteca. Apren-dem por meio de toda uma série de técnicas e não só da atividade de entrevistar.
A seguir, pode oferecer ajuda importante no desenvolvi-mento de habilidades lingüísticas, tanto em relação à linguagem escrita quanto à falada. Antes das entrevistas, as crianças têm que debater em conjunto qual a melhor redação das perguntas que deverão fazer. Quando ouvirem as fitas gravadas, poderão tam-bém criticar o modo corno as perguntas foram feitas. Quando estiverem entrevistando, têm que aprender a escutar os outros e captar exatamente o que querem transmitir. Isso exige intensa concentração. Sem se dar conta, estarão enfrentando os proble-mas de compreensão e interpretação que os exercícios de com-preensão do manual de inglês procura simular. Ao mesmo tempo, ao entrevistar, ou ao serem elas próprias entrevistadas, as crian-219
ças adquirem confiança em expressar-se por palavras. Isso pode ser transferido da palavra falada para a palavra escrita, por exemplo, fazendo-as escrever aquilo que ouviram numa fita gra-vada; ou, inversamente, utilizando uma versão duplicada da transcrição de uma fita como ponto de partida para debates. Tal-vez possam discutir as diferenças entre linguagem escrita e fa-lada. Num estágio mais adiantado do projeto, podem continuar com leituras na biblioteca, e com a apresentação escrita do pro-jeto, inclusive do material de transcrição de fitas.
Também serão adquiridas habilidades técnicas no manejo de máquinas, ao utilizar os gravadores - embora, sem dúvida, essas habilidades não sejam essenciais em projetos escolares. Elas podem ser levadas mais longe na apresentação do projeto: por exemplo, na edição de trechos de gravações numa só seqüên-cia, ou na associação de slides e som, ou na impressão de um folheto que combine fotografias e transcrições de fitas, ou numa exposição que utilize conjuntamente todos esses meios.
Finalmente, podem ser aprendidas habilidades sociais bási-cas. Por meio das próprias entrevistas, as crianças podem desen-volver algo do tato e da paciência, da capacidade de comunicar-se, de escutar os outros e de fazê-los sentir-se à vontade, o que é tão necessário para conseguir obter informações. Para entrevistar, é preciso comportar-se como adulto; não se pode estar com brin-cadeiras. Pode-se ajudar as crianças a aprender como se movi-mentar num mundo adulto. Ao mesmo tempo, podem ter não só uma visão viva de como era a vida no passado, mas também uma compreensão mais profunda de como é ser uma outra pessoa; e de como a experiência de outras pessoas, no passado e hoje, é diferente da que elas próprias têm - e por que isso é assim. Podem também ser ajudadas a compreender e a sentir-se solidá-rias com outras pessoas, e a enfrentar valores e atitudes conflitan-tes em relação à vida.
Basta de teoria. E quanto à prática? O melhor é recorrermos a alguns exemplos de projetos que deram certo. O primeiro é o de urna escola primária.
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Numa escola primária de um condado de Cambridge, Sallie Purkins utilizou história oral com os grupos de menor idade. Co-meçou com um projeto executado durante metade de um tri-mestre, em duas tardes por semana, com uma classe de vinte crianças de 7 anos de idade. Era um grupo muito variado: algu-mas das crianças vieram do estrangeiro, e enquanto nove delas não sabiam ler, havia outras muito brilhantes. O projeto seria sua primeira experiência no aprendizado de história. Um dos objeti-vos foi tomar esse primeiro encontro excitante e interessante e conseguir que as crianças sentissem que podiam coletar evidên-cia histórica, e que a história era alguma coisa real e importante para seu próprio presente. Uma vantagem do projeto foi ter sido executado numa escola sem fronteiras disciplinares, de modo que Sallie Purkins teve facilidade para entrar na área de artes e de língua inglesa, e para fazer visitas externas.
Como ponto de partida concreto, por sugestão de um biblio-tecário local, ela escolheu uma fotografia da própria escola quando acabara de ser aberta, sessenta anos antes, onde apare-ciam os primeiros alunos de pé no meio do entulho da constru-ção. As crianças logo se interessaram por isso, comentando sobre as roupas dos alunos. Procuraram descobrir de onde havia sido tirada a fotografia e com que idade estariam agora aquelas pri-meiras crianças - na verdade, com a idade de seus avós. Por causa disso, a "vovó" foi escolhida como a figura simbólica prin-cipal do projeto (tias e outros parentes podiam ser postos no lugar) - e aconteceu que este resultou numa experiência nova para avôs e avós sentirem-se envolvidos na vida da escola. Não foram usados gravadores, mas foi enviado um questionário es-crito. Ele foi preparado após discussão com as crianças e, consi-derando retrospectivamente, era longo demais, pois gerou mais material do que se pôde organizar satisfatoriamente -'- teriam bastado algumas poucas perguntas. Não todas, mas a maioria das avós respondeu, e uma das crianças, que no final do projeto se autodenominava "historiador", entrevistou três pessoas. Uma
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outra produziu um texto datilografado. Houve assim abundância de material de boa qualidade.
Sallie Purkins montou um livro de leitura para a classe, se-lecionando trechos sobre determinados temas e ela própria pondo-os por escrito. O primeiro tema era "O que vovó disse sobre as roupas" - roupas masculinas e femininas, e sapatos (o avô de uma das crianças era sapateiro). As crianças fizeram dese-nhos disso. Também trouxeram fotografias, muitas vezes tão pre-ciosas que tinham que ser protegidas em plásticos; elas foram um grande espetáculo e as crianças identificavam-se orgulhosamente com elas. Depois, começaram a ser trazidos objetos - peças de vestuário, ferros de engomar, e assim por diante. Alguns deles eram estonteantes, como "o chapéu que meu pai usou no enterro de meu avô", que veio numa grande caixa marcada com "É PROIBIDO ABRIR". Algumas das crianças apegaram-se à lei-tura (embora fosse difícil encontrar livros apropriados para crian-ças dessa idade). Outras crianças fizeram uma maquete de loja de roupas com caixas de sapato. A classe foi visitar um museu. Todas as crianças fizeram redações - sobre compra de roupas, sobre o dia de lavar roupa; e sobre o "Dia da Vovó". Pois não há dúvida de que o climax do projeto foi o Dia da Vovó: a tarde em que, para sua visível alegria, as aves foram convidadas a vir à escola para tomar um chá e conversar com as crianças.
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