A voz do passado



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Neste estágio, o momento ideal do método documental já havia passado. Ele sempre teve seus críticos. Até mesmo Lan-glois e Segnobos advertiram contra as "deformações mentais" a que os estudos críticos haviam levado na Alemanha: uma crítica textual, perdida em minúcias insignificantes, separada por um abismo não só da cultura geral, como também das questões mais amplas da própria história. "Alguns dos críticos mais consuma-dos meramente fazem de sua habilidade um negócio, e jamais refletiram sobre os fins para os quais sua arte é simples meio." Comentaram também sobre a facilidade com que se pode desen-volver uma "credulidade espontânea" em qualquer coisa docu-mentada (muito caracteristicamente apresentando as memórias como um tipo de documento merecedor de "desconfiança espe-cial") e argumentaram em favor da crítica analítica e da evidên-cia comparativa para o estabelecimento de fatos: "Mediante a as-sociação de observações é que se constrói qualquer ciência: um fato científico é o centro para o qual convergem várias observa-ções diferentes". A primeira tese deles foi repetida por R. G. Col-lingwood em The Idea of History (1946), que condena uma for-mação que "tinha como corolário que nada era um problema legitimo de história a não ser que fosse ou um problema micros-cópico, ou então passível de ser tratado como um grupo de pro-blemas microscópicos"; dá como exemplo Mommsen, que "era

capaz de compilar, com precisão quase inacreditável, um corpus de inscrições ou um manual de legislação constitucional romana (...) mas sua tentativa de escrever uma história de Roma sucum-biu exatamente no ponto em que suas próprias contribuições para

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a história romana começavam a ser importantes . Se esses co-mentários eram vigorosos naquele momento, são ainda mais nos dias de hoje, num mundo em rápida mudança, que exige explica-ções para sua própria instabilidade. É cada vez mais injustificado que se fuja aos mais importantes problemas de interpretação his-tórica para a investigação microscópica. A tradição documental tem, pois, estado cada vez mais na defensiva em face do cresci-mento das ciências sociais, com sua reivindicação de maiores po-deres de interpretação e teoria.


Mais criticamente ainda, a escola documental enfrenta uma alteração de seus próprios fundamentos, pois o próprio docu-mento vem tendo mudanças em sua função social de duas manei-ras. Primeiro, as comunicações mais importantes entre as pessoas não se fazem mais por meio de documentos (se é que algum dia se fizeram) mas sim oralmente, em contato direto ou por tele-fone. Em segundo lugar, os registros perderam sua inocência (se é que algum dia tiveram); sabe-se, agora, que eles têm um valor potencial como propaganda futura.

As etapas dessa mudança foram discutidas sagazmente por A. J. P. Taylor, o principal mestre da moderna escola documental inglesa. Elas se manifestaram, em primeiro lugar, na documenta-ção da história diplomática:


O historiador da Idade Média, que trata com superioridade o his-toriador "contemporâneo", tende a esquecer que as fontes que tanto es-tima constituem uma coletânea casual, que sobreviveu à devastação do tempo e que o arquivista lhe permite ver. Todas as fontes são suspeitas; e não há razão alguma por que o historiador diplomático deva ser menos crítico do que seus colegas. Nossas fontes são, primordialmente, os re-gistros que os ministérios de Relações Exteriores conservam dos princi-pais entendimentos que mantiveram entre si; e o autor que se baseia unicamente nos arquivos provavelmente pretenderá ser possuidor de vir-tudes acadêmicas. Porém, a política exterior tem que ser definida, bem como executada (...) A opinião pública devia ser considerada; o público devia ser instruído (...) A política exterior devia ser justificada tanto antes quanto depois de elaborada. O historiador jamais esquecerá que o material assim propiciado foi concebido para fins de defender uma causa, e não como contribuição para a ciência pura; seria tolo, porém, se

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o recusasse como não valioso (...) O mesmo se dá com os livros de memórias, nos quais os estadistas buscam justificar-se aos olhos de seus concidadãos ou da posteridade. Todos os políticos possuem memórias seletivas; e isso ainda é mais verdadeiro em relação a políticos que, ori-ginalmente, atuaram como historiadores, O registro diplomático é, cm si mesmo, produzido como um mecanismo de publicidade. Nisto a Grã-Bretanha está na dianteira (...)


com os Blue Books parlamentares, seguida, na década de 1860, pela França e Áustria e, mais tarde, pela Alemanha e Rússia. Cer-tos historiadores, particularmente privilegiados, também tinham acesso aos arquivos para escrever seus textos históricos. A seguir, passou a ser feita, pelos governos, a publicação integral dos arquivos, em geral para justificar ou para desacreditar seus antecessores. A primeira dessas grandes coletâneas foi a série francesa sobre as origens da guerra de 1870, publicada a partir de 1910; porém, 'a verdadeira batalha de documentos diplomáticos" teve início no final da Primeira Guerra Mundial, com a publicação, pelos russos, dos tratados secretos e, depois, por séries sucessivas Idas a público pela Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália.32
Assim sendo, a partir da década de 1920, nenhum diplomata podia, de modo algum, esquecer que qualquer documento que eventualmente preservasse podia, mais tarde, ser usado contra ele. O registro original devia, pois, ser tão prudente quanto possí-vel um expurgo periódico dos arquivos era sempre desejável. Nesse ínterim, processo semelhante de mudança teve inicio em relação a documentos guardados em casa. Papéis confidenciais do ministério eram guardados por políticos e alguns destes pude-ram utilizá-los em suas memórias. Por muito tempo combateu-se essa tendência, mas o reconhecimento efetivo de que documento algum podia ser encarado como permanentemente confidencial (exceto, talvez, pela polícia ou pelos serviços secretos) veio com redução para apenas trinta anos do período de espera para o Ocaso normal para estudiosos. A conseqüência disso pode ser vista no comentário que Richard Crossman, antigo ministro, fez para A. J. P. Taylor: "Ao ler todos os documentos do Ministério relativos às reuniões de que eu havia participado, descobri que,

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freqüentemente, os documentos não tinham praticamente relação alguma com o que realmente acontecera. Agora sei que as atas do Ministério são escritas por Burke Trend (secretário do Ministé-rio), não para dizer o que de fato aconteceu no Ministério, mas o que a administração pública quer que se acredite que aconteceu, de modo que se possa traçar uma diretriz clara". Nas décadas que antecederam à Primeira Guerra Mundial, porém, essa adulteração apenas começava. Igualmente importante é o fato de que essa foi a era de ouro da correspondência pessoal. Ao tratar do período pós-Primeira Guerra Mundial, o próprio Taylor defendeu o uso de "fontes não bibliográficas (...) Quanto mais evidência temos, mais questionadores nos tomamos. Hoje em dia, possuímos ins-trumentos para registrar tanto a imagem quanto o som". Mas ele via essas necessidades em contraposição a um período anterior:


Os setenta anos cobertos por este livro são um campo ideal para o historiador da diplomacia. Faziam-se registros completos, sem pensar que algum dia seriam publicados, a não ser, vez por outra, pela resolução que algum estadista britânico redigisse "para o Blue Book". Foi a grande era da escrita. Até mesmo amigos íntimos escreviam um para o outro, às vezes duas ou três vezes por dia. Bismarck elaborava sobre o papel todo pensamento, e não estava sozinho nisso. Só Napoleão III manteve para si mesmo seus segredos pessoais e frustrou a posteridade. Hoje em dia, o telefone e o encontro pessoal deixam lacunas cm nosso conhecimento que jamais serão preenchidas. Embora a diplomacia tenha se tomado maios formal, escapa-nos o verdadeiro processo de decisão.33
Em suma, chegamos à era do telefone e do gravador: uma mudança de métodos de comunicação que, a seu tempo, acarreta-rão alteração tão importante no caráter da história quanto fize-ram, no passado, o manuscrito, a imprensa e o arquivo.
Parece, também, que pode haver urna mudança mais veloz. A base tecnológica certamente se desenvolveu com grande rapi-dez. A primeira máquina de gravar, o fonógrafo, foi inventada em 1877, e o gravador em fio de aço, pouco antes de 1900. Na dé-cada de 1930, uma versão consideravelmente melhorada já era bastante boa para uso na radiodifusão. Na década seguinte, já se

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dispunha da fita magnética e foi posto à venda o primeiro grava-dor de rolo (de dois carretéis). Os gravadores de cassete, muito mais baratos, apareceram no começo da década de 1960. Hoje é possível a todo historiador cogitar do uso de um gravador para colher evidências. Essa transformação tecnológica oferece uma das razões por que o moderno movimento da história oral, na maioria dos países, tem sua origem em empreendimentos que re-cebem financiamento substancial, muitas vezes financiamento nacional, ainda que mais recentemente tenha crescido com igual velocidade como uma forma de história local e popular ampla-mente difundida.


Examinemos, agora, como se deu o reflorescimento da his-tória oral, tendo em mente as restrições impostas pelos recursos. Onde a história oral cresceu mais vigorosamente? De que modo têm variado, de lugar para lugar, as contribuições intelectuais para o renascimento do uso da evidência oral, e os padrões de patrocínio? É conveniente iniciar pela América do Norte, que foi onde se assistiu ao crescimento mais explosivo de todos.
Ali, os antecedentes do movimento vêm de muitos anos. A atividade de entrevistas de H. H. Bancroft foi seguida de outros trabalhos intermitentes nas colônias de fronteira; e a American Folldore Society data de 1888. Mais importante ainda foi a grande arrancada da sociologia urbana norte-americana, desde suas ori-gens de influência britânica até os estudos de Chicago da década de 1920, corno o Gold Coast and Slum (1929) de Harvey Zor-baugh, vibrantes com a observação direta e a interpretação da vida na cidade, e essência]mente preocupados em documentá-la e explicá-la. Naqueles primeiros anos, os sociólogos de Chicago foram notavelmente inventivos em seus métodos, fazendo uso da entrevista direta, da observação participante, da pesquisa docu-mental, do mapeamento e da estatística. Desenvolveram interesse especial pelo método de história de vida para o estudo de dois aspectos dos problemas sociais urbanos.
O primeiro foi urna contribuição prática à criminologia. As obras-primas de Clifford Shaw, tais como The Jack Roller: a De85

linquent Boy's Own Story (1930) ou Brothers in Crime (1938), utilizaram apenas algumas das muitas centenas de histórias de vida que ele colheu entre os jovens dos bairros pobres da zona central da cidade de Chicago. A técnica de Shaw pode ser ras-treada não só até as vidas de criminosos londrinos, de Henry Mayhew, como também à tradicional busca de confissões de con-denados sobre o cadafalso ou - como os reformadores rebatiza-ram a cadeia - na penitenciária. Na Grã-Bretanha, John Clay, capelão da prisão de Preston, estimulava os internos a escrever ou a ditar "narrativas curtas de suas vidas, seus atos criminosos, suas convicções pessoais e sua penitência", acreditando que esses relatos ilustrariam "uma história de que ainda somos por demais ignorantes - o atual estado social e moral de nossos pobres compatriotas". Clay publicou algumas das narrativas que colheu em seus relatórios de prisão a partir da década de 1840, utili-zando-as para argumentar em defesa do sistema de celas separa-das. Analogamente, na década de 1900, nos Estados Unidos, o juiz Ben Lindsay, de Denver, utilizava confissões de "relato de vida" como um meio de tratar dos jovens em seu tribunal juvenil modelo, e o dr. Williatn Healey, fundador do Institute for Juve-nile Research, dirigido mais tarde por Shaw, e criador da confe-rência de caso psiquiátrico, utilizava uma técnica paralela de "história pessoal", tanto para terapia, quanto para procurar com-preender as atitudes dos delinqüentes. A influência crucial dessa abordagem de história de vida sobre o estudo social de caso e sobre a terapia é, hoje, tão fundamental que é vista como algo comum, mas naquela época era novidade. Do mesmo modo, os livros de Shaw, ao situar as histórias de vida, com muito cuidado, dentro de seu contexto familiar e social, mostrava tão convincen-temente que a delinqüência não era apenas resultado de um caracter patológico, mas também reação à privação social, que acaba-vam por parecer redundantes: o ponto estava ganho.34


O segundo aspecto, a mudança social a longo prazo, sobre-põe-se de maneira mais óbvia à história oral, ao recorrer a in-formantes mais idosos: mas tanto convencendo-os a escrever au86

tobiografias ou diários ou a emprestar cartas, quanto por meio de entrevista de história de vida. Assim, W. I. Thomas e F. Zna-niecki, em seu vasto relato pioneiro sobre a imigração, The Po-lish Peasant in Europe and A,nerica (19 18-20), dedicaram todo um volume ao registro da vida de um imigrante, Life Record of an Immigrant, autobiografia escrita por especial solicitação, que fornece um vinculo entre os estudos sobre a desorganização so-cial na Polônia e as origens da emigração e os estudos sobre a comunidade polonesa em Chicago. Znaniecki continuou a traba-lhar na Polônia e nos Estados Unidos. Fundou a bem definida "tradição humanista" dentro da sociologia polonesa, que utiliza sistematicamente concursos públicos para coletar "memórias" es-critas sobre determinados ternas. Ela foi desenvolvida pelos co-mentaristas sociais radicais que a utilizaram para demonstrar a situação difícil do campesinato polonês e dos desempregados na década de 1930 (e inspirou urna obra britânica semelhante de Memoirs of the Unentployed, colhidas por meio de urna convoca-ção pelo rádio em 1933) 35. No pós-guerra, os concursos polone-ses de memórias tornaram-se uma forma de cultura popular sur-preendentemente viva. Pode-se observar uma continuação desse interesse no antigo estudo de John Dollard, Criteria for Lfe His-tory (1935). Porém, são surpreendentemente raros os vínculos di-retos com a sociologia da história de vida mais recente. Esse tra-balho polonês é pouco conhecido no Ocidente; enquanto a escola de Chicago, a despeito daquele começo promissor, tomou-se, há muito tempo, vítima da profissionalização dos sociólogos, e reti-rou-se da imediatez da cidade que a circunda para a segurança dos doutorados de pesquisa baseados em análise estatística e na teoria geral abstrata.


Mas seu legado não foi esquecido. Continua vivo na obra do jornalista e historiador oral de Chicago, Studs Terkel. O próprio instituto de Shaw deu início a uma fecunda revitalização das his-tórias de vida na sociologia do comportamento desviante com a publicação de The Fantastic Lodge: the Autobiography of a Girl DrugAddict (1961), a partir de gravações feitas por Howard Bec

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ker. Outro vínculo com o presente é por meio da antropologia norte-americana. Os anos entre as grandes guerras foram um pe-ríodo em que a tendência geral na antropologia foi fortemente influenciada pelo argumento de Malinowski de que a tradição oral, exatamente por ter como função essencial a justificação e a explicação do presente, não tinha praticamente valor algum como história: o mito não era "nem uma história fictícia, nem um relato de um passado morto; ele é uma constatação de uma realidade maior em parte ainda viva". Muito embora suas opiniões se apli-cassem mais à tradição oral do que à evidência pessoal direta da história de vida, sem dúvida inibiu também qualquer movimento nesta direção. Os antropólogos europeus que se haviam espa-lhado, para o trabalho de campo, pelos mais remotos cantos dos impérios coloniais, raramente mostraram qualquer preocupação pelas palavras textuais de seus informantes. Nos Estados Unidos, porém, os antropólogos que trabalhavam entre os índios norte-americanos e no México também estavam em contato com o de-senvolvimento da psicologia e da sociologia e adotaram o mé-todo da história de vida. Assim, a obra de Oscar Lewis e Sidney Mintz, a partir da década de 1950, pode ser rastreada, através de Sun Chief (1942), de Leo Simmons, projeto de história oral pa-trocinado conjuntamente pelos antropólogos, psiquiatras e soció-logos de Yale, até Crashing Thunder (1926), de Paul Radin, história de vida de um índio norte-americano inspirada pela necessidade "de obter uma visão interior da cultura deles, de sua própria boca e por sua própria iniciativa". Entre esses antecedentes encontra-se o admirável retrato feito por Ruth Landes do povo indígena canadense nômade e caçador em The Ojibwa Woman (1938), que contém uma excelente coletânea de histórias de vida femininas.36
Mais surpreendente do que tudo foi o experimento desenca-deado sob patrocínio governamental para o combate ao desem-prego no New Deal: o Federal Writers' Project da década de 1930. Foi colhida, em todo o país, uma série extraordinária de entrevistas de histórias de vida com antigos escravos negros, ope-rários e sitiantes, cuja riqueza só agora está sendo plenamente

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apreciada. Grande parte desse material permaneceu inédito, mas unia seleção feita naquela época, publicada na Carolina do Norte, organizada por W T. Couch sob o título These Are Our Lives (1939), mostra uma compreensão notável do potencial radical da história oral. A sociologia, dizia Couch, tem em geral "se contem lado em tratar os seres humanos como abstrações" ou, quando se utilizaram histórias de casos, em dissecá-los como "segmentos de experiência" na análise de determinados problemas, como o de-4ajustamento social. Mas seria possível, "por meio de histórias de vida selecionadas de modo a representar os diferentes tipos que existem no seio do povo" - em proporções apropriadas -, fazer um retrato de toda a comunidade. A coletânea de histórias de vida que ele próprio fez pretendia representar, para a região em que foram colhidas, "um retrato imparcial da estrutura e do funciona-mento da sociedade. Ao que eu saiba, esse método de retratar a qualidade de vida de um povo, de revelar o verdadeiro funciona-mento das instituições, costumes, hábitos, nunca foi utilizada antes em relação ao povo de qualquer região ou país".37


Apesar desses prenúncios, de outra direção é que veio o passo essencial na direção do movimento moderno: a história política. "A história oral", declarou a Oral History Association (norte-americana), "foi instituída em 1948 como uma técnica moderna de documentação histórica, quando Allan Nevins, histo-riador da Universidade de Colúmbia, começou a gravar as me-mórias de personalidades importantes da história norte-ameri-cana." A abordagem de Colúmbia, o projeto de gravação com os "grandes homens", com financiamento privado, mostrou-se ex-tremamente atraente para fundações nacionais e para financiado-res locais, especialmente para políticos que se aposentavam. De fato, durante duas décadas pelo menos, isso foi a "história oral" nos Estados Unidos - e somente a partir da década de 1970 o método foi vigorosamente revivido em relação à história dos ín-dios, à história dos negros e ao folclore, e estendido a novos cam-pos, tal como a história das mulheres. O panorama da América do Norte apresenta, hoje, variedade e vitalidade, especialmente

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se se inclui a Canadian Oral History Association, constituída em 1974, que possui sua própria revista especializada. Só essa asso-ciação de história oral possui 1 500 membros e seu anuário de 1982 relacionava quinhentos projetos em andamento. Nos dois países em conjunto já havia, em 1971, 100 mil horas gravadas de entrevistas realizadas, e mais de um milhão de páginas de trans-crições. Essas cifras refletem claramente os recursos que torna-ram possível o trabalho de campo nessa escala. Uma das conse-qüências disso é que proporção extremamente alta de historiadores orais norte-americanos são documentalistas. Porém, paralelamente ao trabalho comunitário, há também uma corrente acadêmica cada vez mais forte, que se espelha com nitidez nos artigos e bibliog-rafias da Oral History Review da associação na década de 1980; e, particularmente pela influência de Ron Grele - atualmente dirigindo o programa de Colúmbia e fundador do International Journal of Oral History em 1980 -, que introduziu perspectivas da antropologia e da história oral européia, essa corrente tem se tomado mais reflexiva e mais aberta.


A segunda maior concentração é na Europa ocidental. É aqui que, iniciadas em Bolonha, em 1976, e em Colchester, em 1979, se realizam as conferências bienais internacionais de histó-ria oral. Mas como demonstram essas conferências, há também considerável atividade em outras partes. Na América Latina, o cenário vivo e variado recebe diversas influências: a escola de história de vida da antropologia norte-americana; o impressio-nante programa nacional de história oral do México, desenvol-vido desde 1959, que registra movimentos sociais, políticos e cultu-rais; a pesquisa sobre mobilidade social dos sociólogos argentinos Jorge Balan e Elizabeth Jelin, que analisou estatisticamente his-tórias de vida com base em amostras, no estudo que fizeram em Monterrey, no México, na década de 1960; e os programas con-temporâneos de história política, como no Rio de Janeiro, Brasil, todos possuindo uma urgência adicional num continente em que seguidas rebeliões políticas destroem regularmente a documenta-ção escrita. Na Austrália, a história oral possui sua associação e

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revista especializada, e reuniu historiadores locais e de movimentos operários com antropólogos dos povos indígenas. Na Ásia, Cingapura possui seu arquivo oficial, em chocante contraste com a Índia, onde a maior parte do trabalho ainda depende de estudio-sos e radialistas britânicos. No mundo comunista, tem havido muito pouca história oral gravada; porém, além da Polônia com seus concursos populares de autobiografia e grupos de memória de fábrica depois do horário de trabalho, tem havido, na China, um interesse oscilante pela história oral. A coleta nacional de memó-rias revolucionárias teve início na década de 1950, logo depois da vitória comunista; em 1958, com a primeira onda da Revolução Cultural, a ênfase desviou-se para os grupos de história de orga-nizações de base, fábricas, brigadas e aldeias, incluindo velhos operários analfabetos, que investigam a "tortuosa e complexa", "dura e gloriosa luta das classes trabalhadoras"; porém, ambas as campanhas desapareceram com o antiintelectualisrno e com o caos final dos anos da Revolução Cultural.38 Em meio a suas desastro-sas conseqüências, coube a um norte-americano, William Hinton, voltar e dar-lhes sentido numa obra-prima de história oral, Shen-fan: the continuing revolution in a Chinese village (1983).


Na África, e também em Israel, as influências norte-ameri-casas e européias combinaram-se de modos diversos com o na-cionalismo renascente. Na era pós-colonial, a história da África, que antes era a dos poderes imperiais, mudou bruscamente seu foco para as nações africanas amplamente não-documentadas. Por ironia, a nova escola que surgiu, utilizando cada vez mais e de maneira refinada como fonte a tradição oral, foi predominan-temente anglo-norte-americana; e com exceção de alguns proje-tos muito recentes na África do Sul, inclui pouca história social que registre a experiência da gente comum africana. Quanto a Israel, em contraposição, após a sistemática destruição das comu-nidades israelitas sob o fascismo, a evidência oral de testemunhas de toda espécie passou a fazer parte essencial da luta nacional e cultural pela sobrevivencia.
Na Europa, observa-se algo semelhante, mais remotamente

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no vínculo que existe entre o nacionalismo do século XIX e a coleta de folclore, mas também diretamente. Na Itália, unia das origens da história oral contemporânea foi a rede de centros lo-cais para o estudo dos guerrilheiros antifascistas do tempo da guerra. Posteriormente, os resultados políticos e sociais descon-certantes da expansão do pós-guerra, com a migração camponesa para as grandes cidades e a mudança da consciência da classe operária, deu origem, na década de 1970, a um modelo de histó-ria oral interdisciplinar, bem como estimulou a continuidade da pesquisa: de modo admirável, pelo sociólogo Franco Ferrarotti, a respeito dos cortiços e favelas de Roma, pelas interpretações cul-turais de Sandro Portelli sobre os metalúrgicos de Temi, e pelo grupo de estudos de história social de camponeses, operários e mulheres em Piemonte e Turim. Foi a partir deste último círculo que o jornal especializado em história oral da Itália, Fonti orali, foi editado por Luisa Passerini; e dele faz parte Nuto Revelli, o mais amplamente lido dos historiadores orais italianos, cujos vi-gorosos livros de testemunhos se deslocaram, significativamente, da guerra e resistência para a miséria no campo e, finalmente, para as memórias de mulheres camponesas das montanhas.39 Do-cumentar o fascismo foi também um objetivo de primeira impor-tância na Holanda, onde, desde 1962, a história oral tem crescido, a partir de uma cooperação bem organizada entre historiadores políticos contemporâneos, o Instituto Internacional de História Social e a rádio holandesa, ampliando-se posterioremente para a história social.


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