Uma das razões básicas logo se evidencia quando examinamos o campo de ação da tradição oral nas sociedades pré-letradas. Nesse estágio, toda a história era história-oral. Tudo mais, porém, também tinha que ser lembrado: destrezas e habilidades, o tempo e a estação, o céu, o território, a lei, as falas, as transações, as negociações. E a própria tradição oral era muito variada. Jan Vansina, em seu clássico Oral Tradition: a study in historical methodology (1965),2 dividiu a tradição oral africana em cinco categorias. Em primeiro lugar, há as fórmulas - fórmulas de aprendizagem, rituais, gritos de guerra e outros, os títulos. A seguir, há as listas de nomes de lugares e de nomes de pessoas. Vem, em seguida, a poesia oficial ou privada - histórica, religiosa ou pessoal. Em quarto lugar, há as narrativas - históricas, didáticas, artísticas ou pessoais. Finalmente, há as memórias, legais e de outros tipos. Nem todas essas categorias se encontram em todas as sociedades africanas. A poesia oficial e as narrativas históricas, por exemplo, só aparecem quando há um grau relativamente elevado de organização política. Não obstante, na maioria das sociedades, existe normalmente um leque muito amplo de evidência oral. A importância social de algumas dessas tradições orais resultou também em sistemas confiáveis para sua transmis46
são de uma geração a outra, com um mínimo de distorção. Práticas tais como o testemunho grupal em ocasiões rituais, disputas, escolas para o ensino do saber tradicional e recitações ao assumir um posto podiam preservar por séculos padrões exatos, inclusive arcaísmos, mesmo quando não fossem mais compreendidos. Tradições desse tipo assemelham-se a documentos legais, ou livros sagrados, e seus detentores tomavam-se funcionários altamente especializados em muitas cortes africanas. Em Ruanda, por exemplo, genealogistas, memorialistas, rapsodos e abiiru, cada um deles era responsável pela preservação de um tipo diferente de tradição. Os genealogistas, abacurabwenge, tinham que se lembrar das listas dos reis e das rainhas-mãe; os memorialistas, abateekerezi, os acontecimentos mais importantes de cada reinado; os rapsodos, abasizi, preservavam os panegfricos aos reis; e os abiiru, os segredos da dinastia. “Sem nós, os nomes dos reis se desvaneceriam no esquecimento, nós somos a memória da humanidade”, proclamavam com razão os cantores de louvores:
‘Ensino aos reis a história de seus ancestrais, de modo que as vidas dos antigos possam servir de exemplo, pois o mundo é antigo, mas o futuro brota do passado”.3
Havia também os portadores-de-tradição das aldeias, que, mais freqüentemente do que os especialistas da corte, continuaram a transmitir as tradições até hoje. Havia equivalentes a eles em muitas outras culturas, como no skald escandinavo ou no rajput indiano. Um dramático encontro com um desses griot da África ocidental foi descrito por Alex Haley no relato que fez da redescoberta de seus ancestrais - mais tarde amplamente divulgado sob a forma semificcionalizada de Roots (1976). Sua família tinha uma tradição rara entre negros norte-americanos - a de como seu primeiro ancestral chegara às colônias como escravo
- que incluía alguns detalhes: como fora capturado quando estava cortando lenha, que seu nome africano fora Kintay, que chamava violão de “ko” e rio de “Kamby Bolongo”; como desembarcara em “Naplis” e trabalhara com o nome inglês de Toby para seu dono William Waller. No tocante à linhagem dessa famí47
lia negra nos Estados Unidos, Haley conseguiu obter provas a partir de pesquisas em arquivos, até chegar a um anúncio na Maryland Gazette, de outubro de 1767, sobre “escravos recém-chegados à venda” do Lord Ligonier e sobre urna transferência realizada entre os irmãos John e William Waller de “um escravo negro chamado Toby”. Tudo isso, porém, foi posterior ao momento mais alto de sua busca, do outro lado do Atlântico - momento em que, agora nos parece, o entusiasmo talvez tenha ido além do que a evidência permitia. A língua de seu ancestral fora identificada como mandinga e “Kamby Bolongo” como o rio Gâmbia; então, em Gâmbia, ele ficou sabendo que existia um antigo clã familiar chamado Kinte. Até aí tudo bem. A seguir, depois de muito procurar, foi localizado, numa aldeia minúscula e distante do interior, um portador-de-tradição do clã, ou griot. Acompanhado por intérpretes e músicos, Alex Haley finalmente chegou até ele: “E, a uma certa distância, pude ver aquele homenzinho de chapéu de copa arredondada e traje de um branco sujo e, mesmo á distância, havia uma atmosfera de ‘importância’ em tomo dele”. As pessoas se juntaram em semicfrculo em tomo de Alex Haley, para contemplar o primeiro negro norte-americano que viam. E depois voltaram-se para o velho:
O velho, o griot, o historiador oral, Kebba Kanga Fofana, de 73 chuvas de idade, começou então a contar-me a história ancestral do clã dos Kinte, do modo como ela tem sido contada através dos séculos, desde a época dos antepassados. Era como se um longo pergaminho estivesse sendo lido. Não era apenas uma conversa comum. A ocasião era muito formal. As pessoas ficaram absolutamente silenciosas, imóveis, O velho estava sentado numa cadeira e quando ia falar endireitava-se, seu corpo se enrijecia, os cordões de seu pescoço saltavam e ele emitia as palavras como se fossem objetos materiais que saíssem de sua boca. Falava uma sentença ou duas e relaxava, enquanto faziam a tradução. Da cabeça daquele homem jorravam detalhes sobre a sucessão das gerações, que parecia impossível guardar. De dois, três séculos atrás. Quem se casou com quem, quem teve que filhos, que filhos se casaram com quem e os filhos que tiveram, e assim por diante, simplesmente inacreditável. Fiquei perplexo não só com a profusão de detalhes, como também pelo padrão bíblico em que ele os expressava. Algo assim como: “e fulano
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tomou por esposa sicrana e gerou e gerou e gerou”, e nomeava os esposos e seus filhos, e assim por diante. Ao localizar as coisas no tempo, não o fazia com datas do calendário, mas datava as coisas com acontecimentos físicos, como... uma inundação.
Assim, passo a passo, o velho relatou a história do clã dos Kinte: como haviam chegado do Velho Mali, haviam sido ferreiros, ceramistas e tecelões, haviam se fixado na aldeia atual, até que, aproximadamente entre 1750 e 1760, o filho mais novo da família, Omoro Kinte, tomou por esposa Binta Kebba, de quem teve quatro filhos, cujos nomes eram Kunta, Lamin, Suwadu e Madi.
No momento em que chegou àquele nível da família, o griot já havia falado provavelmente durante cinco horas. Havia parado talvez umas cin4ücnta vezes no correr da narrativa... E aí foi feita uma tradução como todas as demais, calmamente, e começava dizendo “Ao tempo em que chegaram os soldados do rei”. Essa era uma daquelas referências para marcar ‘o tempo. Mais tarde, na Inglaterra, procurei ansiosamente descobrir, nos registros parlamentares britânicos sobre o que falava ele, porque eu tinha que ter a data do calendário. Mas naquele momento, no interior da África, o griot Kcbba Kanga Fofana, o historiador oral, contava a história do modo como ela fora transmitida durantc séculos, desde a época dos longínquos antepassados do clã Kinte. “Ao tempo em que chegaram os soldados do rei, o mais velho desses quatro filhos, Kunta, saiu desta aldeia para cortar lenha e nunca mais foi visto.” E continuou com seu relato. Eu fiquei imóvel como se estivesse esculpido cm pedra...
Depois de alguns momentos, Alex tirou do bolso seu caderno de anotações e mostrou aos intérpretes que essa era a mesma história que, quando criança, ouvira de sua avó no alpendre da casa dela no Tennessee; seguiu-se, então, uma cerimônia espontânea de reconciliação com seu povo, em que ele impôs as mãos sobre as crianças e eles o levaram para dentro da mesquita e oraram em árabe: “Louvado seja Alá, por um dos nossos há tanto tempo desaparecido de entre nós que Alá trouxe de volta “4.
Por inúmeras razões, a identificação de Kinte é muito mais duvidosa do que Alex Haley acreditou naquele momento. Seu griot, que carecia do treinamento tradicional completo, não era
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um portador-de-tradição ideal, mas, como bom griot, buscava no estoque genealógico de sua mente a evidência de que certo público precisava - e ele pode ter tido, antecipadamente, uma idéia do que Haley queria. Posteriormente, houve variações de detalhes, quando voltou a dar seu testemunho. E, mais importante ainda, as gerações africanas e norte-americanas se ajustam mal - embora isso possa dever-se a uma condensação não incomum em tradição oral - e a referência para a fixação da data é muito frágil para uma região onde os soldados europeus haviam estado presentes durante muito tempo. Porém, se procurarmos em outros lugares, será fácil encontrar outros casos de precisão da tradição oral em sociedades iletradas; na Grécia antiga, por exemplo, onde a exatidão da descrição de detalhes de armaduras obsoletas e listas de nomes de cidades abandonadas, preservadas oralmente por seiscentos anos, até que circulassem as primeiras versões escritas da Ilíada, tem sido confirmada pelos estudos clássicos e pela arqueologia.
Não obstante, o relato de Haley prova, com grande vigor, o prestígio de que desfrutava o historiador oral, antes que a disseminação da documentação nas sociedades letradas tomasse supérfluos esses momentos públicos de revelação histórica. Não podemos mais distinguir, como os suaíles, entre os “mortos vivos”, cujos nomes ainda são relembrados na tradição oral, e os inteiramente esquecidos. O genealogista de hoje trabalha em reservado silêncio no gabinete de um arquivo. A memória foi rebaixada do status de autoridade pública para o de um recurso auxiliar privado. As pessoas ainda se lembram de rituais, nomes, canções, histórias, habilidades; mas agora é o documento que se mantém como autoridade final e como garantia de transmissão para o futuro. Em conseqüência, exatamente aquelas tradições orais públicas e de longo prazo, outrora as de maior prestígio, é que se têm mostrado mais vulneráveis. Em contraposição, a reminiscência pessoal e as tradições particulares das famílias, que raramente são postas no papel - exatamente porque a maioria das pessoas não as considera muito importantes para os outros -, é que se toma50
ram o tipo padrão de evidência oral. E, em geral, apenas entre grupos de menor prestígio, tais como as crianças, os pobres da cidade, as pessoas isoladas no campo, é que hoje se coletam outras tradições orais, tais como jogos, canções, baladas e narrativas históricas. E as mais vigorosas recordações comunais são as de minorias perseguidas. As comunidades de lavradores de fala gaélica do Noroeste da Grã-Bretanha lembram-se, como se tivessem acontecido ontem, dos deslocamentos de rebanhos do século XVIII nas Highlands, que os compeliram a sair de suas antigas cidades para a beira do mar. Na França, as famílias realistas da Vendéia transmitiram durante 150 anos sua narrativa da resistência â República. Ainda mais notável, nos vales protestantes das Cévennes de hoje, as tradições familiares ainda transmitem uma interpretação, mais precisa do que os documentos da época, da guerrilha sem precedentes - e por isso mal relatada - dos camisards (“camisas brancas”), em 1702-4, na qual seus ancestrais camponeses conseguiram deter na baía a armada real de Luís XIV e garantiram a sobrevivência de sua fé. Assim, a. mudança da condição social dos portadores-de-tradição oral está claramente relacionada com o prolongado declínio de seu prestígio e, inversamente, com seu radicalismo atual.
Na Europa ocidental isso se deu muito lentamente. Os primeiros textos históricos escritos remontam provavelmente a 3 mil anos. Eles fixavam a tradição oral existente sobre o passado distante e, gradualmente, passaram também a registrar as crônicas do presente. Exatamente por ter começado tão cedo na Europa, esse estágio é mais fácil de observar onde aconteceu mais recentemente: na coleta sistemática de tradições históricas dos plebeus pelo historiador real chinês do século III, Sima Qian, e das famílias nobres, determinada pelo imperador japonês no século VIII; a reunião das memórias dos profetas no mundo muçulmano do século IX; ou a preciosa documentação sobre a história e a cultura asteca anterior á conquista, feita a partir da memória de velhos por Sahagun e pelos frades franciscanos espanhóis no México, em meados do século XVI. Sabemos, porém, que, a par51
tir de um estágio bastante precoce, houve uns poucos proeminentes escritores de história europeus que tentaram avaliar sua evidência. O método de Heródoto, por exemplo, no século V a.C., era procurar testemunhas oculares e interrogá-las rigorosa e nunuciosamente. No século III de nossa era, encontramos Luciano aconselhando os que tinham pretensões a historiador a buscarem os motivos de seus informantes; enquanto Herodiano cita muitas de suas fontes para indicar a ordem em que as classifica - autoridades em coisas antigas, informações palacianas, cartas, atas do Senado e outras testemunhas. E, no início do século VIII, Bede, no prefácio a sua History of the English Church and Peo pie distinguia cuidadosamente entre suas fontes. Para a maior parte das províncias inglesas, teve que se basear em tradições orais a ele enviadas por outros clérigos, mas teve condições de recorrer aos registros de Canterbury, e conseguiu até cópias de cartas dos arquivos papais por meio de um sacerdote de Londres que visitou Roma. Porém estava mais seguro da evidência relativa a sua própria Northumbria, onde ‘anão dependo de nenhum outro autor, mas apenas de um sem-número de testemunhas confiáveis que conhecem ou se lembram dos fatos, além daquilo que eu mesmo sei”.5
A atitude de Bede em relação à evidência, e seu pressuposto de que podia merecer mais confiança onde tivera a possibilidade de, ele mesmo, coletar evidência oral de testemunhas oculares, teria sido compartilhada por todos os historiadores mais críticos do século XVIII - para não falar nos muitos cronistas e hagiógrafos menos meticulosos que se encontravam entre eles. Nem a difusão da imprensa nem a racionalidade secular do Renascimento trouxeram qualquer mudança nesse modo de ser. Isso talvez seja menos surpreendente quando nos damos conta de que o estudioso típico antes ouvia do que lia, ele mesmo, os livros impressos que se tomavam acessíveis. E nos casos em que a verdade era o mais importante, ela tinha que ser falada. Os papas pronunciavam suas palavras finais sobre a doutrina católica ex cathedra: e, quer no inundo cristão quer no muçulmano, os tribunais - que muito rapidamente haviam descoberto quão fácil era
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forjar um documento - continuaram a insistir em que as testemunhas deviam ser ouvidas, pois só assim podiam ser interpeladas minuciosamente. Até mesmo registros contábeis deviam ser conferidos em voz alta, ou “auditados”, todo ano. E, na prática, c~ historiadores mais conhecidos continuaram a ser bem menos [Cuidadosos do que Bede. Guiccardini, na Itália do século XVI, por exemplo, evita a citação direta de documentos e tem por certo que sua participação pessoal na época que descreve é suficiente garantia da verdade. A History of the Rebellion and Civil Wars in England (1704), de Clarendon, exibe um tom semelhante, embora apenas casualmente se refira à reminiscência, e se tenha dado ao trabalho de examinar as atas da Câmara dos Comuns relativas aos dez anos em que não fazia parte dela. A history of His Own lIïme (1724), do bispo Burnet, é menos dogmáfica, mas ainda assim considera fundamenta-lo valor da evidência oral, que manipula com excepcional cuidado. Menciona regularmente os autores de seus relatos e, quando suas testemunhas discordam, coloca uma contra a outra. Em contraposição, considera que as autoridades impressas são inferiores: “Deixei de lado toda interação com os livros comuns. Se alguma vez digo coisas que ocorrem em qualquer livro, é em parte para manter o fio da narrativa de um modo menos complicado”.’
Mais surpreendente, talvez, seja encontrar pouca mudança imediata, pelo menos quanto à atitude diante da evidência em relação à história recente, entre os historiadores do Iluminismo do século XVIII. Voltaire era certamente bastante cínico em relação aos mitos “absurdos” da tradição oral vinda do longínquo passado, recitada de uma geração para outra, que haviam sido, originalmente, os “fundamentos da história”: na verdade, quanto mais remota sua origem, menor seu valor, pois “elas perdem um vau de probabilidade a cada uma das sucessivas transmissões”. Rejubilava-se com o fato de que “os augúrios, os prodígios e as aparições estão sendo agora mandados de volta para as regiões da fábula. A história tem necessidade de ser iluminada pela filosofia. Dos historiadores modernos, exigia “mais pormenores, fatos
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mais bem comprovados”. Mas, muito embora para as próprias obras recolhesse evidência tanto oral quanto documental, raramente citava suas fontes, e seus comentários gerais indicam que não fazia diferença entre elas. Em sua História de Carlos XII (1731), por exemplo, vangloriava-se de não haver “ousado apresentar um único fato sem consultar testemunhas oculares de indubitável veracidade”. Depois da publicação dessa obra, mencionou como indicativa de sua confiabilidade unia carta de aprovação do rei da Polônia, que “fora, ele próprio, testemunha ocular” de alguns dos acontecimentos descritos. Defendeu-se, também, por não haver citado autoridades em A era de Luís XIV (1751), com base em que “os acontecimentos dos primeiros anos, por serem conhecidos por todos, só precisavam ser colocados de uma perspectiva correta; e quanto aos de data posterior, o autor fala sobre eles como testemunha ocular”. Em contraposição, sentiu necessidade, em sua História do império russo sob Pedro, o Grande (1759-63), de enumerar, pelo menos de início, “seus fiadores, dos quais o principal é o próprio Pedro, o Grande”.8 Para este trabalho, teve a ajuda de documentos selecionados e copiados pelos funcionários russos e enviados para sua casa em Genebra. Embora mantendo uma consideração especial pelo testemunho pessoal, curiosamente Voltaire demonstra ter pouca consciência do possível viés, quer no julgamento de um monarca sobre o próprio reinado, quer num conjunto de documentos conservados e até mesmo selecionados pelos próprios funcionários do rei.
Além disso, Voltaire foi um historiador que possuía muitos admiradores eminentes. James Boswell registrou uma discussão, em um café da manhã em 1773, entre Samuel Johnson, que abandonara o trabalho de codificação da língua inglesa e as delícias de Londres para buscar a experiência direta de unia sociedade primitiva nas ilhas da Escócia, e dois líderes do IIuminismo de Edimburgo, o advogado lorde Elibank e o historiador filósofo William Robertson, reitor da universidade. A conversa recaiu sobre a última grande revolta das Highlands escocesas contra a dominação inglesa, a rebelião de 1745. Jobnson concordava que
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isso “daria uma bela peça histórica”, mas discordou da dúvida de Elibank sobre “se alguém daquela época podia falar sobre ela imparcialmente”, citando o método de Voltaire em seu Luís XIV “Conversando com pessoas de lados diferentes, que tenham sido atores dela, e escrevendo tudo que ouvir, alguém poderá, antes que seja tarde, reunir o material para uma boa narrativa. Você deve considerar que, de início, toda história era oral”. E nisso foi vigorosamente apoiado pelo historiador escocês que também conhecia Voltaire: “É mais do que tempo, agora, de se fazer essa coleta sugerida pelo dr. Johnson; pois muitas das pessoas que, na ocasião, estavam em armas, estão desaparecendo; e tanto os whigs quanto os jacobitas teriam condições agora de falar com moderação” .
Não é por acaso que tão precoce convocação para um projeto de “história oral” surgisse naquele momento. Eles estavam no limiar de um período de grande mudança na natureza dos estudos históricos. Atrás dele, estavam os efeitos cumulativos de dois séculos de imprensa: uma explosão de recursos históricos, tanto quantitativa, quanto qualitativa. Tomemos, por exemplo, A New Method of Studying History: recommending more easy and complete instructions for improvements in that science, publicado por Langlet du Fresnoy, bibliotecário do príncipe da Sabóia, em 1713, e posteriorrnente traduzido para o holandês, alemão e inglês. Acontece que não há nada de muito novo no método que Fresnoy apresenta - ele afirma até que os historiadores que associam “estudo persistente e uma grande experiência de negócios” são consideravelmente superiores aos “que se trancam em seus gabinetes para ali estudar, confiando em outros, os fatos sobre os quais não foram capazes, eles próprios, de se informar”.10 De muito maior importância é seu segundo volume, pois ele consiste inteiramente de bibliografia, relacionando ao todo cerca de 10 mil títulos de obras históricas nas línguas européias mais importantes. A produção de urna relação como essa indica a existência de enorme comunidade de estudiosos. Demonstra, também, o desenvolvimento de recursos profissionais básicos.
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Um historiador inglês, por exemplo, podia, naquela época, utilizar uma série de histórias regionais e locais, biografias e coletâneas biográficas e relatos de viajantes. Estavam sendo publicados conjuntos impressos de assentamentos da Igreja, de crônicas manuscritas e de anais públicos medievais. Na English Historical Libraiy do bispo William Nicolson, tinha acesso a uma bibliografia crítica. O equipamento para escrever história a partir do gabinete estava sendo montado: pelo menos para alguns historiadores, tornava-se possível dispensar o trabalho pessoal de campo e basear-se em documentos e evidência oral publicados por outros.
Não obstante, o efeito imediato da enorme expansão de fontes impressas, que continuou durante todo o século XVIII, foi um enriquecimento positivo da produção histórica. Voltaire insistiu, justificadamente, que um bom historiador moderno dá “mais atenção aos costumes, leis, práticas tradicionais, comércio, finanças, agricultura, população. Dá-se com a história o mesmo que com a matemática e a física. Seu campo de ação aumentou prodigiosamente”.” O impacto da mudança a longo prazo pode ser observado especialmente em Macaulay, cuja História da Inglaterra (1848-55) foi, provavelmente, em termos de vendas, o livro de história em língua inglesa mais popular do século XIX. Como político militante e mestre do estilo, Macaulay pode ser visto como um herdeiro de Guiccardini e de Clarendon. Mas talvez os trechos mais brilhantes de seu livro sejam aqueles em que apresenta o ambiente social, desde o modo de vida do fidalgo fundiário até a situação do pobre urbano e do rural. Utiliza como matéria-prima levantamentos de sua época, poesia e romances, diários e memórias publicadas. Faz, também, interessante uso da tradição oral. Nas histórias sobre salteadores “que detêm uma posição aristocrática na comunidade dos ladrões”, nos relatos “de sua ferocidade e audácia, de seus atos ocasionais de generosidade e boa índole, de seus amores, de suas fugas miraculosas (...) há, sem dúvida, grande mescla de fábula; nem por isso, porém, deixam de ser dignas de registro, pois é um fato ao mesmo tempo autêntico e importante que essas narrativas, sejam elas falsas ou verdadei56
ras, eram ouvidas por nossos antepassados com grande interesse e fé”. Ele cita por extenso uma canção popular injuriosa de rua que chama de “o brado veemente e amargo do trabalho contra o capital”, e afirma que evidência desse tipo deve ser utilizada na história social. “A gente comum daquela época não tinha o hábito de comícios para discussão pública, ou para fazer discursos de protesto, nem de fazer petições ao Parlamento. Nenhum jornal defendia sua causa... Grande parte de sua história só pode ser conhecida a partir das canções populares.”12
Como historiador geral, Macaulay não só recorreu a um leque muito mais amplo de fontes publicadas, mas também ao desenvolvimento de toda uma série de outras modalidades de produção histórica. Uma das autoridades que ele citava no uso da tradição oral era sir Walter Scott. Quando jovem, antes de começar a escrever romances, Scott foi advogado no interior, e uma de suas primeiras publicações foi Minstrelsy of the Scottish Border (1802), conjunto de canções populares que colheu entre os habitantes rurais, com seu amigo Robert Shortreed. Esse seu interesse, por sua vez, fora despertado em parte por uma coletânea ainda mais antiga, as Reliques ofAncient English Poetry (1765), do bispo Percy. Mas ele pode também ter tido conhecimento de outras. A mais conhecida talvez fosse Britannia (1586), de William Camden, que contém capítulos sobre o desenvolvimento da língua inglesa, provérbios, nomes, e também poesia. Essa é urna das obras fundamentais do estudo histórico da língua e do folclore. Havia, também, o trabalho acentuadamente radical dos populistas de Newcastle, John Brand e Joseph Ritson, que encaravam o estudo da cultura popular como um dever dos “amigos do homem”, e associavam a coleta da tradição oral com esquemas para o estimulo da auto-expressão popular numa ortografia simplificada do inglês baseada na língua vernácula falada.13
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