A voz do passado



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Scott prosseguiu e deu uma colaboração ainda mais impor­tante para unia segunda forma de texto histórico, o romance his­tórico. Também neste caso, colheu pessoalmente grande parte da evidência oral de que necessitava. Visitou as Highlands, “falando

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com os jacobitas que haviam tomado parte na rebelião de 45”. Pela conversa com esses velhos, Scott ficou sabendo o que real­mente havia acontecido como resultado daquela rebelião. Cullo­den assistiu ao fim de urna cultura; a dispersão ou destruição dos clãs das Highlands, uma sociedade tribal e um modo de vida an­tigo, fundamentalmente diferente. “Os velhos com quem falou eram verdadeiros documentos históricos; e o contato com eles contribuiu para dar a sua escrita aquela veracidade que impregna romances mais antigos como Waverley, The Antiquary, Rob Roy e Guy Mannering.” Para homenagear suas fontes, tanto quanto para zombar de si mesmo, é que ele usou como epígrafe de al­guns de seus romances os versos de advertência de Robert Burns:


Um jovem está entre vocês tomando notas

e creiam que ele vai publicar tudo.t4


Como um tomador de notas, e sob a forma de romance his­tórico, Scott estabeleceu o modelo para algumas das obras de imaginação mais importantes do século XIX. Dickens, por exemplo, situou muitos de seus romances no mundo de Londres de que se lembrava do tempo da infância e, quando não era muito fácil recorrer à memória oral, como para Hard limes, partia para o trabalho de campo. Shirley, de Charlotte Brontê, extrai grande parte de seu drama do conhecimento que ela possuía das recorda­ções locais do levante dos ludistas. Esther Waters, história da vida de uma empregada doméstica, de George Moore, deve seu realismo a seu costume de bisbilhotar nas casas do interior e por toda parte. Foi de modo semelhante que George Borrow passou a compreender os ciganos de East Anglia. Na França, a obra de Émile Zola buscou material para Germinal em suas conversas com os mineiros de Mons. Mais tarde, na Grã-Bretanha, Arnold Bennett foi outro grande ton3ador de notas, e seu Clayhanger foi também a reconstrução de um mundo rememorado. Ainda mais próximo de Scott esteve Thomas Hardy, com sua observação aguda dos costumes rurais tradicionais e sua capacidade de uti­lizá-los corno ilustrações do conflito e da mudança na estrutura

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social como um todo. Mas isso é pensar multo para a frente - e para um estágio em que, em prejuízo próprio, os historiadores estavam menos preparados para aprender com os romancistas.


Um terceiro tipo de obra histórica que se expandiu de ma­neira especialmente rápida a partir de fins do século XVII foi a biografia. Nesta, a utilização da evidência oral continuou a ser, naturalmente, um método tido por certo. A popularidade cada vez maior das memórias trouxe interessantes ampliações de seu campo de ação. Em primeiro lugar, houve inúmeros projetos de coletâneas de biografias que visavam representar grupos sociais inteiros, e não simplesmente indivíduos excepcionais. O mais fa­moso desses projetos, Brief Lives, de Jobn Aubrey, embora fosse conhecido enquanto ele vivia, só foi de fato publicado dois sécu­los depois, em 1898. Aubrey, que escreveu que desde menino “sempre adorou conversar com pessoas de idade, como histórias vivas”, era um fidalgo rural empobrecido, obrigado a fazer de seu hobby um meio de vida, trabalhando para outros como auxiliar de pesquisa de antigüidades.’5 No decorrer dessa atividade, encon­trou tempo para reunir relatos e informações de inúmeras fontes para compor um retrato biográfico de seu círculo social, a intelli­gentsia do século XVII, como um todo. Exemplo menos conhe­cido em nível local foi Human Nature Displayed in the History of Myddle (1833), de Richard Gough, em Sbropshire, escrito em 1700-6, e que recentemente tem despertado o interesse de histo­riadores. No prefácio que fez para a reedição dessa obra, W. G. Hoskins diz ser ele “um livro único. Oferece-nos um quadro da Inglaterra do século XVII em todos os seus pormenores maravi­lhosos e variados de um modo a que nenhum outro livro que conheço sequer remotamente se aproxima”. Gough começou fa­lando sobre os edifícios do distrito; mas, assim que chegou ao da igreja, utilizou seus bancos como moldura para uma investigação social, tomando uma por uma as famílias que ocupavam cada um dos bancos, discutindo suas origens e profissões, e contando de maneira saborosa quer seus êxitos, quer seus deslizes - bebida, suborno e devassidão. Ademais, essa informação não é mera­59

mente ilustrativa; pois seu valor também ficou patente, num estudo histórico moderno, no estabelecimento de fatos demográfi­cos fundamentais e na correção de erros de interpretação que de outro modo teriam sido cometidos a partir de fontes mais con­vencionais, tais como testamentos e registros. 16 Pela franqueza com que documentou o escândalo, talvez Gough seja único; mas o fato de centralizar a atenção sobre pessoas e não sobre institui­ções oferece um dos primeiros casos de valiosa forma minoritária de história local. Um exemplo posterior é a History and Tradi­tions of Darwen and its People que J. G. Shaw, editor de um jornal local, taquigrafou a partir do relato de um homem idoso da cidade, e publicou em 1889.


Ainda mais surpreendente e, sem dúvida alguma, reflexo do início do surgimento da classe operária na Grã-Bretanha, foi o notável florescimento, no século XIX, de grande variedade de autobiografias individuais da classe operária: intelectuais, políti­cas ou pessoais. Isso tinha diversas fontes. Uma era a vida publi­cada como exemplo moral. As biografias religiosas de membros de seitas puritanas de meados do século XVII foram as primeiras originárias de classes inferiores; e entre os grupos de Spirituall Experiences publicados encontravam-se, ainda que mais rara­mente, alguns testemunhos de mulheres. Relatos de conversão e de salvação foram também coletados no século XVIII entre os camisards protestantes da França e os dissidentes e pioneiros me­todistas na Grã-Bretanha: e, na década de 1820, um historiador local do wesleyanismo do Norte não só conseguiu fazer aprovar pela Conferência uma resolução de que devia ser dever de todo superintendente colher testemunhos de fervor e de sofrimentos dos primeiros metodistas, como também escolheu como página de rosto de seu livro um esboço (de sua autoria) de Richard Bra­dley, de 90 anos de idade, que havia sido um de seus ‘oráculos vivos”.17 Outras vidas de meados do século XIX foram publi­cadas por editores de folhetos religiosos, apresentadas por pas­tores, ou com títulos tais como O caminho do trabalhador no mundo. A moralidade foi secularizada por Samuel Smiles, que

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publicou coletâneas biográficas de mecânicos, fundidores e ferra­menteiros, bem como seu clássico Selfhelp: with Illustrations of Character and Conduct (1859). “18 Dentro do mesmo espírito, o divulgador da moral e da educação Charles Knight publicou, em 1845, a biografia, notavelmente completa, do alfaiate autodidata Thomas Carter. Tendência inteiramente diferente foi representada pelas memórias de aventura picaresca. No século XVIII, isso em geral implicava um enredo de jogo ou de sexo, mas podia esten­der-se a outras formas de “vida da plebe”, e, mais tarde, autobio­grafias de gente de circo ou de ladrões apresentavam algo do mesmo sabor.


Em meados do século XIX houve uma convergência dessas duas abordagens autobiográficas, à medida que a classe operária fazia sentir sua presença política e passava a ser encarada como problema. As obras semi-autobiográficas do oficial mecânico Thomas Wright - Some Habits and Customs of the Working Classes (1867), The Great Unwashed (1868) e Our New Masters (1873) - forneciam para a classe média informações tão confor­tadoras quanto pitorescas. Há também sinais de preocupação de alguns autores em manter, na obra impressa, algo da vivacidade das formas de falar do trabalhador. Ao mesmo tempo, o próprio movimento operário começou a produzir autobiografias, com a Memoir of Thomas Hardy (1832), a respeito dos anos revolucio­nários franceses, seguida, após muito tempo, por clássicos como Early Days (1848), de Samuel Bamford, e autobiografias cartistas como The Life and limes of William Lovett (1876); muito embora a biografia política de trabalhadores tenha acabado por assumir uma forma bem mais restrita. O surgimento inicial da autobiografia operária na Grã-Bretanha pode, pois, estar estreitamente vinculada à atividade da classe operária, primeiro na reli­gião e a seguir na política. O mesmo se deu bem mais tarde na França. É surpreendente que, em contraposição, não se tenha es­tabelecido na Alemanha, durante o século XIX, tradição alguma, nem do romance social, nem da autobiografia operária. Apenas em 1904 é que o deputado socialista no Reichstag, Paul Göhre,

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lançou a primeira série de autobiografias, com a intenção delibe­rada de revelar para os leitores de classe média as condições de vida da classe inferior, bem como que as pessoas da classe operá­ria compartilhavam dos “pensamentos e sentimentos humanos e reagiam à alegria e ao sofrimento do mesmo modo que eles”.19


Finalmente, em fins do século XVIII, pode-se ver, entre as novas formas de produção histórica, o início de uma história so­cial independente. Nessa etapa, não havia uma divisão profissio­nal entre os processos de criação de informação, construção de teoria social e análise histórica, de modo que elas caminhavam ora juntas, ora separadas. Não se pode, em conseqüência, separar as origens de um método de “história oral” da evolução geral da coleta e utilização da evidência oral. Duas das mais antigas con­quistas, por exemplo, vieram da Escócia. Em 1781, John Millar publicou seu Origin of the Distinctions of Ranks, que apresentava uma teoria histórica e comparativa da desigualdade. Ele não só se antecipou a Marx, ao vincular as etapas das relações senhor-es­cravo a mudanças da organização econômica, como também, ao discutir “a posição e a condição das mulheres em diferentes ida­des”, elaborou uma das primeiras explicações históricas da desi­gualdade entre os sexos. Esse exercício pioneiro de sociologia histórica dependia de ampla variedade de fontes publicadas, desde histórias antigas até as descrições recentes de costumes sociais locais feitas por viajantes europeus em outros continentes. A se­guir, anos depois, foi dado um passo muito importante na criação de fontes, o primeiro Statistical Account of Scotland (1791-9), uma coleção nacional de informações sociais contemporâneas e históricas levada a cabo pelo clero das paróquias e organizada por sir John Sinclair. Desde o Domesday, não houvera uma in­vestigação em escala semelhante nas ilhas britânicas. Enquanto isso, na Inglaterra, um importante modelo de investigação social foi propiciado pelas viagens de “trabalho de campo” de Arthur Young, que reunia suas observações e entrevistas com outros em seus importantes relatórios sobre o estado da agricultura britâ­nica. Mais tarde, as viagens de William Cobbett, documentando

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as conseqüências muitas vezes devastadoras do progresso econômico da agricultura, utilizaram o mesmo método de Young. Ou­tros, menos vigorosos, planejaram atalhos que iriam mostrar-se instrumentos metodológicos fundamentais para o futuro. O pri­meiro questionário foi atribuído a David Davies, um reitor de Berkshire, que investigava orçamentos de trabalhadores rurais e que enviou resumos impressos a colaboradores potenciais na es­perança de que coletassem informações semelhantes em outros lugares. E foi para uma outra investigação sobre The State of the Poor, também na década de 1790, que sir Frederick Eden enviou um dos primeiros entrevistadores modernos: “pessoa notavel­mente confiável e inteligente, que passou mais de um ano via­jando de um lugar para outro, com o objetivo expresso de obter informações exatas, conforme um conjunto de quesitos que lhe forneci”.20


O século XIX iria assistir ao rápido avanço realizado por esse processo de desenvolvimento no método de trabalho de campo, análise histórica e teoria social - porém num contexto de crescente separação e especialização. Isto sucedeu até mesmo dentro do próprio campo da metodologia do trabalho de campo. A investigação itinerante, por exemplo, tomou-se uma especiali­dade de trabalho de campo do antropólogo colonial, e o levanta­mento (survey), do sociólogo das sociedades “modernas”. E surgiram marcadas diferenças entre a forma ‘do método de levan­tamento utilizado em diferentes países europeus. Na França, Bél­gica e Alemanha, bem como na Grã-Bretanha, o levantamento foi utilizado primeiro por filantropos independentes, reformadores médicos e, por vezes, por jornais, e depois adotados em pesquisas oficiais do governo. Porém, quando os franceses começaram sua primeira enquéte ouvriêre em larga escala, por temor dos levan­tes revolucionários de 1848, eles não buscavam a evidência dire­tamente, mas sim mediante sua burocracia local bem organizada. E os levantamentos sociais alemães, iniciados na década de 1870, eram invariavelmente enviados para funcionários, clérigos, pro­fessores e proprietários fundiários locais, para serem devolvidos

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sob forma de dissertação, segundo o modelo das enquêtes france­sas e belgas.


Na Grã-Bretanha, em contraposição, adotaram-se técnicas para a coleta direta de evidência. Isso começou a ser feito regu­larmente com o lançamento, em 1801, do recenseamento dece­nal, executado, sob instruções centralizadas, por investigadores espalhados por todo o país - instituindo, desse modo, o levanta­mento nacional por entrevista. Só eram publicados os resultados sinópticos do censo. Mas os levantamentos sociais parlamentares e as Royal Commissions que passaram, cada vez mais, a ser pu­blicados como Blue Books eram também, em geral, executados mediante entrevistas, ainda que de tipo diferente. As vezes era feita uma pesquisa in loco, mas normalmente as testemunhas eram convocadas perante a comissão de inquérito e interrogadas por seus membros. O intercâmbio e os debates entre a comissão e as testemunhas eram freqüentemente reproduzidos juntamente com a publicação do relatório oficial. Isso constituía um rico re­positório de evidências orais autobiográficas e de outra espécie. E seu potencial como fonte logo foi reconhecido. Os Blue Books foram a base das descrições da vida da classe operária feitas por Disraeli em Coningsby e Sybil. E mostraram-se igualmente úteis a Karl Marx.
Marx e Engels, em seus textos mais diretamente políticos, em geral recorreram consideravelmente tanto a sua própria expe­riência direta, quanto a relatórios, escritos e orais, provindos de seus inúmeros correspondentes e visitantes. Do mesmo modo, a Condição da classe operária na Inglaterra em 1844, de Engels, associa material extraído de jornais, Blue Books, e outros comen­tários contemporaneos, a seus próprios relatos como testemunha ocular da vida da classe operária. Engels chegara a Manchester em 1842 para trabalhar na filial inglesa da firma de seu pai e, nas horas vagas no cotonifício, teve a possibilidade de estudar as condições industriais da cidade e de encontrar-se, com a ajuda de uma jovem operária, Mary Burns, com alguns dos líderes cartis­tas. Contudo, para sua análise teórica mais elevada, Marx apoiou64
se em fontes publicadas. O capital é solidamente documentado mediante bibliografia e notas de rodapé. Exceto citações casuais de literatura clássica, Marx menciona dois tipos de fonte: teoria e comentários políticos e econômicos da época; e descrições da época, entre as quais, muitas vezes, relatos pitorescos, extraídos de jornais e dos Blue Books do Parlamento. Não há dúvida de que essa decisão de Marx de utilizar apenas material oral já publi-cado, em vez de levar a cabo qualquer novo trabalho de campo, deveu-se em parte ao gosto pessoal e em parte a que isso lhe permitia reforçar seus argumentos com autoridades inatacáveis. Dada, porém, a influência que O capital iria ter no futuro da história social, ele estabeleceu um precedente fundamental.
É igualmente significativo da situação de mudança o fato de que essa escolha estivesse aberta a Marx. Pois ainda não esgota-mos os novos passos mais importantes na criação da fonte oral para e história social. Além das pesquisas feitas pelo governo, o trabalho de levantamento social foi empreendido por organismos voluntá-rios. Em fins da década de 1830, havia sociedades estatísticas em Londres, Manchester e outras cidades, formadas principalmente por médicos, prósperos homens de negócios e outros profissionais, que deram contribuições importantes para as técnicas de coleta e análise -de informações sociais. Elas realizaram investigações locais te condições da classe operária, usando pioneiramente o levantamento por questionário de porta em porta aplicado por entrev-istadores pagos, e publicando seus achados em tabelas esta-cas antecedidas de breve relatório. Dessa forma, a maior das evidências da entrevista original eram eliminadas.
Por outro lado, um modelo alternativo foi criado pela investigação feita por jornais, a qual se desenvolveu na década de e culminou no levantamento feito pelo Morning Chronicle, direção de Hemy Mayhew. Esta investigação, concebida no rastro da grande epidemia de cólera de 1849, tem sido chamada "o primeiro levantamento empírico sobre a pobreza como"21 O objetivo de Mayhew era demonstrar a relação entre os is de salário industrial e as condições sociais. Assim sendo,

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em vez de um levantamento de porta em porta, ele analisou uma série- de ramos de atividade mediante uma amostra estratégica. Em cada ramo, procurou trabalhadores representativos de cada nível de trabalho e, a seguir, colheu informações suplementares de trabalhadores incomumente bem pagos, num extremo, e de trabalhadores eventuais em péssima situação, no outro. Obteve as informações quer por correspondência, quer por entrevista direta, e, para ambos os casos, desenvolveu uma série detalhada de per-guntas. Mais surpreendente foi a técnica de entrevista por ele adotada. Parece que tinha muito respeito por seus informantes, coisa muito rara entre pesquisadores da época. Os comentários que fazia demonstram tanto simpatia emocional quanto disposi-ção para escutar suas opiniões. De fato, suas mudanças de ponto de vista mostram que estava inegavelmente preparado para ser influenciado por eles. Sem dúvida, essa atitude ajudava-o a ser aceito nos lares operários e a que estes lhe confiassem suas histó-rias de vida e sentimentos. E é significativo o fato de que estava preso a uma preocupação incomum com as palavras exatas deles. Em geral, ia para as entrevistas acompanhado de um estenógrafo, de modo que tudo que era dito podia ser diretamente registrado em taquigrafia. E em seus relatos deu considerável espaço à cita-ção direta. Nas páginas de Mayhew, como em nenhum outro lugar, pode-se ouvir a fala das pessoas comuns da Inglaterra dos meados da época vitoriana. Essa é a razão por que continuam a ser lidas.


Apesar de sua popularidade, Mayhew não teve continuado-res diretos. Porém, com o surgimento do movimento socialista, em fins do século XIX, sentiu-se, na Grã-Bretanha como na Alemanha, uma nova preocupação para entender tanto as condições de vida quanto o espírito das classes trabalhadoras. Resultado disso foi o movimento de settlernent que estimulava as pessoas idealistas da classe média a conviver com os pobres, às vezes em grupos, como trabalhadores voluntários, mas também sozinhas e até mesmo disfarçadas. Na Inglaterra, por exemplo, escreveram-se inúmeras "visões do abismo" no interior de albergues e asilos de pobres, além das famosas narrativas de Jack London e, depois,

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de George Orwell. Na Alemanha, em 1890, Paul Göhre, então jovem estudante de teologia, trabalhou incógnito numa fábrica de máquinas-ferramenta de Chemnitz, para escrever Three Montlzs in a Workshop (1895): estudo da cultura da fábrica que repre-sentou uma guinada na investigação social alemã - bem como colocou Göbre na trilha que mais tarde o levaria, como vimos, a lançar as primeiras autobiografias da classe operária. Robert She-rard também se valeu de técnicas clandestinas para elaborar os vivos relatos de seu The White Slaves of England (1897): "as fábricas foram por mim visitadas como um invasor, e correndo os riscos que corre um invasor". Em geral, ele evitava o contato com os patrões, por achar que somente se ririam de suas "histó-rias de injustiças" em seus "luxuosos salões de fumar". De ma-neira semelhante, urna compreensão direta da cultura da classe operária foi procurada abertamente por Alexander Paterson, cujo Across the Bridges (1911) baseia-se nos anos que viveu ~m South Làndon. Nos estudos rurais, essa compreensão se expressa pelo respeito de George Sturt pela gente do campo em Change in tire Village (1912), e mais ainda nos livros de Stephen Reynolds sobre os pescadores de Devon, com os quais compartilhou de uma casa, A Poor Man's House (1909) e Seems So! (1913). A simpatia de Reynolds acabou por levar a um explícito "repúdio pela vida de classe média", com a crença de que a vida mais simples dos pobres era fundamentalmente "melhor do que as vidas da espécie de gente entre as quais fui criado".22 Natural-mente, poucos teriam ido tão longe. Pode-se, porem, encontrar algo dessa nova simpatia e compreensão até mesmo na mais ad-mirável e influente das investigações sociais inglesas de fins do século XIX - Life and Labour of tire People in London (18 89-1903), de Charles Booth. Booth utilizou grande variedade de mé-todos, entre os quais a observação participante, alojando-se in-cógnito numa casa de operários, muito embora para seu principal levantamento sobre a pobreza não tenha usado entrevistas dire-tas, mas se baseado em relatos de inspetores escolares. Colheu grande quantidade de evidência oral para sua investigação sobre



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religião, mas isso principalmente com membros do clero. Apesar de toda a sua riqueza, sua obra-prima de dezessete volumes ca-rece, por isso, da imediatez da fala da classe operária. Seebohm Rowntree, ao desenvolver o método de Booth para o estudo que fez em York, Poverty (1901), realizou entrevistas diretas, muito embora seu relatório fosse feito dentro da tradição estatística, evitando citações. Mais tarde, em seu Unemployment (1911), uti-liza, com muita propriedade, citações diretas das anotações dos entrevistadores e, embora isso se mantenha bem abaixo do pa-drão de Mayhew, ofereceu importante exemplo inicial do levan-tamento sociológico do século XX, com a associação que fez de tabelas e citações de entrevistas. Outro trabalho pioneiro menos conhecido é o estudo cultural sobre Tire Equipment of the Wor-kers (1919), levado a cabo por um grupo altruísta de educação de adultos no St. Philip's Settlement de Sheffield, que utilizou tanto um plano de amostra quantitativa, quanto um certo número de entrevistas qualitativas mais aprofundadas que incluíam histórias de vida. É um livro ímpar, mas ainda assim exemplo de um mé-todo que poderia ter sido - embora no caso não fosse - ado-tado na época pelos historiadores.

Urna segunda linha de influência a partir do levantamento social de Booth leva mais diretamente para o interior da história. De sua equipe de investigadores fazia parte a jovem Beatrice Webb. Suas contribuições a respeito do trabalho nas docas e do explorado ofício de alfaiate constituem as melhores análises in-dustriais em toda a série de Booth. Ela também tinha experiência anterior em coleta de informações de porta em porta corno rece-bedora de aluguéis para Octavia Hill. Assim, quando escreveu seu primeiro estudo histórico independente, Tire Co-operative Movement in Britain (1891), e, posteriormente, em seu clássico History of Trade Unionism (1894), em colaboração com Sidney Webb, realizou, de maneira extremamente sistemática, a coleta de evidência oral, juntamente com a documental. Desde o início, Beatrice associava as buscas mediante registros com visitas a so-ciedades cooperativas e com entrevistas com personalidades proe-68

minentes do cooperativismo. Posteriormente, desenvolveu com Sidney um método de incursões casuais intensivas no trabalho de campo, instalando seu quartel-general em hospedarias de cidades das províncias durante duas ou três semanas, e "trabalhando duro; examinando livros de atas, entrevistando e assistindo a reu-niões de trabalho dos sindicatos". -Embora de início Sidney prefe-risse o trabalho documental, por ser "tímido para interrogar fun-cionários, que geralmente começam como testemunhas relutantes e exigem uma manipulação gentil mas enérgica", parece que in-ventaram uma "técnica devastadora de entrevista conjunta, em que bombardeavam, cada um de seu lado, o objeto de suas aten-ções - às vezes um adversário político, às vezes um funcionário que nunca se preocupara muito com as implicações subjacentes a seus atos oficiais - com um firme pingue-pongue de perguntas, argumentos, afirmações e contestações que o deixava transtor-nado, aturdido ou indignado, conforme o caso".23 Posteriormente, Beatrice pôs em ação essas e outras habilidades menos dúbias de entrevistadora para criar deliberadamente a evidência que dese-java diante da Poor Law Commission, de 1905, quer para conse-guir e instruir testemunhas, quer para interrogá-las rigorosamente.


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