RESUMO DO LIVRO
O capítulo 1 caracteriza a Península Ibérica assinalando que o seu
desenvolvimento, por se dar em um território fronteiriço, não ocorreu da mesma
forma que em outros países europeus. Esse fato deu à região uma série de
características peculiares, que seriam trazidas ao Brasil no bojo das grandes
conquistas marítimas. Entre esses aspectos singulares estava a cultura da
personalidade, na qual o apego pelo prestígio pessoal resultava na ausência de uma
moral de culto ao trabalho, diferente dos países protestantes. Daí teria origem uma
outra característica importante: a fraqueza das instituições e falta de organização
social. Em contrapartida, o fato de os hispânicos não conceberem uma disciplina
baseada em consentimento coletivo, gerava entre eles um paradoxal senso de
obediência.
No capítulo 2, seguindo o paradigma das tipologias weberianas, são
construídos os modelos do trabalhador e do aventureiro. O primeiro, único que
poderia colonizar o Brasil justamente por possuir uma excepcional adaptabilidade,
caracterizava-se por buscar novas experiências, ignorar fronteiras e viver de
horizontes distantes. Já o segundo era marcado pelo esforço persistente, por
conseguir tirar proveito das insignificâncias e ver antes a parte que o todo. A grande
lavoura, principal unidade produtiva da colônia, se constituiu não com base em um
plano preconcebido pelos portugueses, mas sim ao sabor das condições primitivas
do meio. O uso de escravos foi a forma escolhida para o trabalho, o que também se
adequava à repulsa lusitana pela atividade manual e contribuía para diminuir ainda
mais a necessidade de cooperação entre os conquistadores.
Herança colonial, o capítulo 3, tematiza a estrutura rural da sociedade
colonial. O declínio da mesma se deu a partir de 1850 em função do fim do tráfico
escravo, que era sua base de sustentação desde o século XVI. Nesse contexto, se
estabelece uma nova dicotomia, a relação rural-urbano, que se manifesta igualmente
no universo mental, onde a visão de mundo tradicional entra em conflito com
valores modernos. O malogro de Mauá, em tempos onde o patriarcalismo e o
personalismo eram hegemônicos, aponta para a incompatibilidade das estruturas
nacionais com as práticas mais ―industrializantes‖. Aqui, a fazenda, vinculada a
uma idéia de nobreza, ainda predomina sobre a cidade. Estreitamente ligado ao
capítulo anterior, ―O semeador e o ladrilhador‖, um dos mais brilhantes do livro,
estabelece uma nova oposição. O espanhol, ou o ladrilhador, se caracterizava por
tornar suas cidades um exemplo de racionalidade, onde a linha reta obtinha o
triunfo. O semeador, ao contrário, representava o português, aferrado ao litoral, que
construía cidades irregulares, nascidas e crescidas sem o mínimo planejamento. A
origem desses traços lusitanos era explicada pelo seu desejo de fazer fortuna rápida,
dispensando o trabalho regular.
O quinto capítulo, um dos mais discutidos, aborda alguns elementos que
definiriam (não de forma absoluta) a identidade nacional. Apropriando-se de um
conceito de Ribeiro Couto[1], Sérgio Buarque afirma que o "homem cordial" é
resultado da cultura patrimonialista e personalista própria da sociedade brasileira. A
nossa cordialidade enfatizava o predomínio de relações humanas mais simples e
diretas que rejeitavam a polidez e a padronização, características da civilidade. A
dificuldade de constituição de um Estado ―civil‖ brasileiro se expressava no fato de
que essa instituição não era (e não é) um prolongamento da família. A hegemonia de
valores familiares e patriarcais, vinculadas também ao homem cordial, impedem
uma distinção clara entre a noção de público e privado.
46
O sexto capítulo debate as consequências da presença lusitana na
configuração da sociedade brasileira, a partir da vinda da família real para o Brasil.
Apesar do choque causado aos velhos padrões coloniais, a permanência do
personalismo português determina alguns traços da nossa intelectualidade, ou seja, o
conhecimento (superficial) era importante apenas na medida em que dava prestígio e
diferenciação. O apego às idéias fixas e simplórias facilitava o trânsito do
positivismo entre nossos pensadores. A decorrência disso na vida política
correspondeu à ausência de um espírito democrático, demonstrando a necessidade
de transformar o paradigma dos movimentos reformistas, feitos, até então, somente
de cima pra baixo.
O sentido marcadamente político da obra aparece em ―Nossa revolução‖,
onde o autor demonstra a diferença das revoluções ocorridas aqui na América em
comparação com os movimentos europeus. E no caso brasileiro, apesar do urbano ir
assumindo a sua independência em face do rural, esse processo ainda não está
completo. Somente quando aniquilarmos as raízes ibéricas de nossa cultura e
propiciarmos a emergência das outras camadas sociais, aí sim teríamos finalmente
concluído a nossa ―revolução‖. É evidente, nos alerta Sérgio Buarque, que ao
ocorrer esse processo, as resistências conservadoras poderão surgir, no entanto,
ainda podemos acreditar que uma democracia efetiva se concretize na América
Latina. E é pela defesa desse ideal que o caráter político de Raízes do Brasil salta
aos olhos em seu último capítulo, finalizando um trabalho de peso na nossa
historiografia. Tais traços, afirma Sérgio, ainda não foram superados, pois essas
―sobrevivências arcaicas, o nosso estatuto de país independente até hoje não
conseguiu extirpar‖ (p. 180). A argúcia dessa percepção pode ser utilizada até o
presente, pois certamente ainda convivemos com essa realidade. O que dizer de
casos de nepotismo ou de uso de dinheiro público em benefício pessoal, tão banais
na nossa política?
No campo da historiografia, apesar de empreender uma análise histórico-
psicológica, o autor consegue captar um aspecto típico da chamada história das
mentalidades, que ganhará destaque nos anos sessenta, ou seja, um elemento que
pertence ao campo do estrutural, da longa duração: ―A influencia dessa colonização
litorânea, que praticavam, de preferência, os portugueses, ainda persiste até nossos
dias. Quando hoje se fala em ―interior‖, pensa-se, como no século XVI, em região
escassamente povoada e apenas atingida pela cultura urbana‖ (p. 101).
Um segundo ponto que considero de extrema relevância na obra é a
utilização do conceito weberiano de tipo ideal, que, de forma geral, seria a
construção ideal de como se desenvolveria uma forma particular de ação social se
ela fosse feita racionalmente em direção a um fim. Nesse sentido, o tipo ideal é um
conceito vazio de conteúdo real que procura servir de horizonte para uma
comparação com os fenômenos históricos. Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque
traduz essa metodologia através de um mapeamento dos pares antagônicos como,
por exemplo, o trabalhador e o aventureiro, o rural e o urbano, o impessoal e o
afetivo, etc. Como foi afirmado, essas tipificações são ideais. O autor nos alerta que
elas não ―possuem existência real fora do mundo das idéias‖ (p. 44/45).
Outro elemento levantado, ainda dentro da ótica weberiana, é a utilização,
por meio de uma metodologia comparativa, dos conceitos de patrimonialismo e
burocracia para analisar o Estado brasileiro e constatar que este não se enquadra no
modelo estatal elaborado pelo sociólogo alemão: ―para o funcionário patrimonial, a
própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as
funções, os empregos e os benefícios que deles aufere-se relacionam-se a direitos
pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro
Estado burocrático, em que prevalecem as especializações das funções e o esforço
47
para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos‖ (p. 146).
Ao que parece, muito mais inovador que o uso desses instrumentos para a
análise de nossa formação histórica e social, é o fato de, até os anos trinta, Sérgio
Buarque ter sido o primeiro a empreender uma tentativa de aplicar os conceitos de
Max Weber dentro da historiografia brasileira. Mais uma grande questão que se
evidencia em Raízes do Brasil é a presença de elementos modernistas na obra. A
crítica ferrenha elaborada por Sérgio à intelectualidade brasileira, é produto do
contexto literário modernista em que estava inserido. Quando ele afirma que: ―é
freqüente, entre os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se
alimentam, ao mesmo tempo, de doutrinas dos mais variados matizes e com que
sustentam, simultaneamente, as convicções mais díspares‖ (p. 155), coloca em
questão o próprio exercício da atividade intelectual, que até então se preocupava
apenas com as reflexões vindas de fora, sem pensar o Brasil a partir da sua própria
cultura. E essa aproximação com a nossa nacionalidade, exigência dos ―modernos‖,
estava relacionada com a busca por uma identificação do novo intelectual com a
cultura popular. No que tange à necessidade moderna de construir um sentimento de
brasilidade, desligado da visão de mundo puramente européia, Sérgio Buarque foi
um dos primeiros a dizer claramente que ―o próprio povo brasileiro tinha de assumir
as rédeas do seu destino‖, aniquilando as suas raízes ibéricas, exacerbando assim um
claro traço nacionalista.
Dostları ilə paylaş: |