3.1.1 A fundamentação teórica
É importante compreender a história temática no contexto das transformações pelas quais o ensino de História vem passando ao longo dos últimos 40 anos. Permeando a ampliação de objetos, problemas e abordagens, estavam discussões sobre o papel do professor das disciplinas escolares em relação aos saberes produzidos pelas universidades. Diante destes, o professor passou a assumir a posição de produtor/mediador de conteúdos, e não reprodutor.
Essas reflexões não se baseavam unicamente em concepções didático-pedagógicas, mas político-ideológicas, que pretendiam enfatizar a cultura escolar como detentora de uma lógica própria que abarca os diversos níveis do saber, tomando-o como algo em construção, livre de uma hierarquia que a colocava em segundo plano em relação à universidade.
Dessas considerações, emergiu, no âmbito escolar, um embate entre as chamadas formas tradicionais de ensino de História e as novas propostas. As primeiras entendem o ensino de História como o ensino de fatos, a memorização de informações e conceitos e o sequenciamento cronológico. Isso não ocorre só no Brasil. Em oposição ao que Marc Bloch e Lucien Febvre preconizavam – uma história que não fosse baseada nos eventos –, também na França
[...] essa estrutura cronológica é estritamente observada pelos professores, os quais hesitam, na sala de aula, em fazer links entre passado e presente ou questionar o passado a partir de questões do presente argumentando que isso pode “causar confusão na cabeça dos alunos”. No caso do estudo dos monumentos, por exemplo, os professores só os abordam se forem ensinar o período no qual os mesmos foram construídos. Os significados que os mesmos adquirem com o tempo e o papel que possuem para o presente ou para o futuro, na constituição de uma memória coletiva ou na formação da identidade, não aparecem.
TUTIAUX-GUILLON, Nicole. History Teaching in France: questions and perspectives in the field of historical consciousness apud LIMA, Marina. As diferentes concepções de ensino e aprendizagem no ensino de História. Fronteiras, Dourados, v. 11, n. 20, p. 49, jul./dez. 2009.
Dos antigos que buscavam na História exemplos que justificassem a honra e a perseverança, passando pela visão teleológica cristã, que conferiu à História um ordenamento cronológico universal e coordenado e que procurou dar sentido a eventos desconectados, até as propostas racionalistas do século XIX calcadas em parâmetros científicos de imparcialidade, chegamos ao século XX. Neste, novas abordagens deram fôlego à História como disciplina e estimularam reformulações do ensino de História nas escolas.
Assim, essas novas maneiras de entender o ensino de História, das quais se pode destacar a História Temática, rompem com as ideias tradicionais e promovem reflexões críticas sobre a história. A História Social contribuiu para essa inovação, ao incorporar novos grupos sociais e fazer pensar sobre outras maneiras de construir as narrativas históricas, como os estudos por temas, propostos no início da década de 1990.
Página 300
Nesse modelo, assume o protagonismo o desenvolvimento de conceitos como linearidade; simultaneidade; permanências e mudanças; progressividade; durações e ritmos; semelhanças e diferenças; decadência, evolução e progresso; sujeito histórico; fato histórico; e documento histórico, possibilitando que os alunos desnaturalizem a História e a compreendam como construção social e, portanto, “multiperspectivada”.
Uma decorrência da História temática é a utilização de projetos de pesquisa, os quais mobilizam práticas como a formulação de hipóteses, classificação e análise de fontes e relações de causalidade, todas elas concorrendo para o aprimoramento das habilidades relacionadas ao pensamento histórico. Para tal, o professor que opte pelo ensino temático conta, a seu favor, com o auxílio das tecnologias de informação, que proveem os alunos com boa parte das informações necessárias à realização das pesquisas.
Por fim, é preciso salientar que a História temática encontrou nas transformações geradas a partir da década de 1970 o ambiente propício para o desenvolvimento de seus pressupostos. As bases dessas mudanças podem ser encontradas nas seguintes características: perspectiva da história global, noções múltiplas de temporalidades e a história com base em questões-problema.6 Estas, em conjunto com debates e discussões organizados pela Associação Nacional de História (Anpuh) e pelo Ministério da Educação levaram, após uma década, à elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) que incorporaram como possibilidade de ensino de História a História Temática.
Este [o ensino por eixos temáticos] possibilita um estudo da história a partir das experiências de vida dos alunos, ao partir de uma problematização da realidade social e histórica dos estudantes. O estudo da História através dos eixos temáticos permite que se transite das partes para o todo e vice-versa, em constante vai e vem no tempo e no espaço, permitindo a compreensão da totalidade do social em suas contradições, mudanças e permanências e, portanto, na sua historicidade.
AZEVEDO, Crislane Barbosa; STAMATTO, Maria Inês Sucupira. Teoria historiográfica e prática pedagógica: as correntes de pensamento que influenciaram o ensino de história no Brasil. Antíteses, v. 3, n. 6, p. 719, jul./dez. 2010.
Ao lado da História Temática, portanto, deve estar a história-problema, propondo que o estudo de História seja algo ao qual os alunos deem significado e com o qual possam pensar sobre o presente. É preciso lembrar, no entanto, que essa proposta não pode limitar a visão de História a algo sempre e inequivocamente atrelado ao imediato e ao âmbito da vivência cotidiana dos alunos, mas que abarca as mais diversas experiências de variados grupos humanos ao longo do tempo.
3.2 O ensino de História da África e história da cultura afro-brasileira e indígena
Por meio das leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 – fruto de lutas históricas dos movimentos sociais cujo objetivo é construir uma perspectiva crítica, livre de equívocos e de desigualdades étnicas, assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases –, o currículo escolar passou oficialmente a integrar novos conteúdos sobre a História da África e da cultura afro-brasileira e indígena que possibilitam a reflexão sobre a democracia racial e a formação cultural brasileira.
Para orientar o cumprimento da legislação, foram sancionadas as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação das Relações Étnico Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro Brasileira e Africana. De acordo com essas diretrizes, a educação escolar deve se basear em três princípios: consciência política e histórica da diversidade; fortalecimento de identidades e de direitos; ações educativas de combate ao racismo e às discriminações. Esses princípios básicos norteiam os estabelecimentos de ensino na hora de adotarem as diversas e necessárias atitudes e posturas para a efetivação do ensino multicultural. Compreender e vivenciar o multiculturalismo possibilita transformação, pois significa uma resistência clara à ideia de homogeneidade cultural. Cabe ressaltar que o termo multiculturalismo pode ser usado para designar tanto o fato de as sociedades serem compostas de grupos culturalmente distintos quanto uma política que visa à coexistência pacífica e inclusiva de grupos étnica e culturalmente diferentes, como a apontada pelas leis e pela diretriz já mencionadas.
Página 301
Neste ponto, destacam-se os referenciais para a implementação das diretrizes curriculares, como: valorização das raízes africanas na nação Brasileira, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no âmbito de todo o currículo escolar e de todas as atividades pedagógicas, articulação pedagógica com as entidades dos movimentos negros, o resgate das histórias milenares dos povos africanos não se restringindo às denúncias de miséria e fome, a celebração de todas as manifestações das culturas negras, a divulgação de personalidades negras envolvidas na construção da história nacional e em todas as áreas de conhecimento, incluindo as personalidades africanas e também as lutas dos povos africanos contra a opressão e o racismo.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes de. A construção dos fundamentos teóricos de uma nova política pública de promoção da igualdade racial na educação brasileira. In: NASCIMENTO, Alexandre do et al. Histórias, culturas e territórios negros na educação: reflexões docentes para uma reeducação das relações étnico-raciais. Rio de Janeiro: Faperj; E-papers, 2008. p. 17.
As leis são importantes, pois elas abordam uma questão fundamental que ultrapassa a inserção desses conteúdos e tratam de uma mudança na forma de ver e ensinar a história e a cultura afro-brasileira e indígena.
Além da legislação, é preciso intensificar a conscientização sobre o preconceito étnico e o combate a ele. Isso se faz por meio do engajamento, do aprendizado e do comprometimento pessoal de todos os envolvidos na educação – educadores, professores e gestores escolares. Assim, é possível a construção de uma política educacional igualitária. Só dessa forma crianças e jovens poderão ser preparados para valorizar a diversidade e então construir uma sociedade em que a igualdade étnica, também chamada de democracia racial, real mente se efetive.
[...] no cotidiano escolar a educação antirracista visa à erradicação do preconceito, das discriminações e de tratamentos diferenciados. Nela estereótipos e ideias preconcebidas, estejam onde estiverem (meios de comunicação, material didático e de apoio, corpo discente e docente etc.) precisam ser duramente criticados e banidos. É o caminho que conduz à valorização da igualdade nas relações. E para isso, o olhar crítico é ferramenta mestra.
SANTOS, Isabel Aparecida dos. A responsabilidade da escola na eliminação do preconceito racial: alguns caminhos. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e antirracismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 105.
Os estudos sobre essas culturas pretendem fornecer as bases ao reconhecimento de uma questão importante para o Brasil e devem ser vistos menos sob o prisma da obrigatoriedade do que como o resultado de décadas de lutas pela inclusão de parcelas significativas da população brasileira nas narrativas históricas abordadas no ensino básico.
Como lembrou o sociólogo Valter Roberto Silvério,7 desde os movimentos negros do começo do século XX, a educação foi tema central nas ações e reivindicações desses grupos. Isso não aconteceu com o movimento indígena, que não se concentrava na consolidação desses direitos ligados à educação por estar voltado à organização das escolas das próprias comunidades indígenas.
Portanto, dos estudos das sociedades indígenas, africanas e afro-brasileiras, e dos respectivos movimentos sociais decorrem aspectos sociais importantes para a formação das novas gerações de alunos, as quais, com o auxílio dessas novas abordagens, podem ter uma compreensão mais complexa da História do Brasil e seus agentes.
3.3 A linguagem visual e audiovisual nas aulas de História
Há muito tempo o estudo de História tem se caracterizado pela análise de fontes diversas. Em razão do tema estudado, uma ou outra fonte (visual, sonora e textual) pode ser privilegiada ou, então, inter-relacionada com outras.
3.3.1 A pintura
As expressões culturais das diferentes sociedades sempre foram um reflexo da visão de mundo de cada uma delas a respeito do que é humano
Página 302
e do que é sagrado. Assim, as manifestações artísticas têm sido, das expressões culturais, as mais utilizadas. Entre as muitas manifestações artísticas, a pintura é uma das mais antigas e, para a História, uma de suas fontes de estudo. A “pintura de história” é apenas um dos gêneros ensinados nas academias de arte que formaram grande parte dos artistas que viveram entre os séculos XV e XIX na Europa e, posteriormente, na América. Esse gênero era tido como o mais importante na hierarquia da academia, por ter surgido da tradição do “paragone”, uma disputa entre a pintura e a literatura. Na tentativa de elevar a pintura ao status já alcançado pela poesia, desenvolveu-se a pintura baseada na narrativa. O pintor de fatos históricos deveria ser, então, um humanista, um indivíduo capaz de criar uma cena agregando, ao mesmo tempo, diversos elementos, não necessariamente reproduzindo a realidade.
A “pintura de história” europeia teve um caráter “moralizante” até meados do século XIX. O objetivo não era representar com fidelidade a realidade, e sim, entre outros, enaltecer a nobreza e os heróis com suas virtudes morais e/ou espirituais. Esse gênero é responsável pelas cenas de acontecimentos históricos, mitológicos e bíblicos. Foi apenas na segunda metade do século XIX, na França, que se começou a discutir se essas pinturas deveriam representar os fatos com fidelidade ou como foram idealizados pelo artista.
No Brasil, essa discussão não chegou a influenciar a Academia Imperial de Belas Artes, principal instituição fomentadora das “pinturas de história” produzidas no século XIX. A Academia permaneceu fiel à perspectiva “idealista” até o final do Império.
Nos livros didáticos de História, esse gênero artístico é muito valorizado. A imagem junto ao texto pode, de certa forma, dar a impressão de que o fato histórico aconteceu exatamente como está retratado. Desse modo, as reproduções das imagens de obras de arte têm servido para a perpetuação do imaginário que fazemos do passado. São paisagens, roupas, monumentos arquitetônicos e interiores de ambiente que nos dão a impressão de que determinada época ou fato poderia ter sido daquele modo.
Contudo, muito mais do que mera ilustração, as imagens são importantes instrumentos pedagógicos no processo de aprendizado quando sua análise vai além do que é possível perceber à primeira vista. Analisar uma imagem, portanto, é mais do que descrever o que se “vê”; o aluno pode tecer relações entre a obra e o contexto de sua produção.
Toda obra de arte envolve determinado contexto em que o artista vive. Ele pode ou não ter recebido uma encomenda, fator que influenciará sua criação. Além disso, ao se levar em consideração a biografia do artista, é possível explorar a relação entre a produção da obra e a sociedade daquela ocasião, entre o artista e as instituições que detinham o poder político e econômico no momento de sua produção e saber como essas forças utilizavam o trabalho artístico. Desse modo, ao explorar uma imagem, além de se perguntar “o que”, é possível questionar “quem”, “por quê” e “para quê”.
Além de trabalhar o contexto de produção, você pode explorar com os alunos a relação entre as obras e a sociedade ao longo do tempo. Todas as produções artísticas – como pinturas, esculturas e monumentos arquitetônicos – têm sua própria história. Aquelas que chegam até nós foram conservadas por diversos motivos, também passíveis de investigação. Em muitos casos, elas têm relação com o que a sociedade que as produz quer dizer a respeito de si própria. Lembrando as palavras de Marc Bloch:
A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos não surgem, aqui ou ali, por efeito (de não se sabe) qual misterioso decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo deriva de causas humanas que não escapam de modo algum à análise, e os problemas que sua transmissão coloca, longe de terem apenas o alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra assim posto em jogo é nada menos do que a passagem das lembranças através das gerações.
BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p. 83.
Muitas das imagens com as quais temos contato atualmente foram criadas para a construção ou celebração de um imaginário e, por meio das
Página 303
inúmeras reproduções ao longo do tempo, são utilizadas para reforçá-lo. Percorrer essa trajetória depois de explorar o contexto de sua produção e tecer relações entre passado e presente de determinada imagem auxilia-nos a desconstruir esse imaginário, pois revelamos assim as camadas de significação que vão sendo sobrepostas no decorrer dos anos.
Ao explorar a imagem no processo de ensino, é possível fazer o aluno compreender não apenas como ela foi produzida mas também como as partes que a compõem se articulam para formar o todo e, desse modo, como transmitem determinada mensagem. É um trabalho interdisciplinar por excelência. Cada momento, cada escola apresenta características dominantes, que influenciam os artistas, sobretudo os que atendem às academias de arte. As formas são modificadas com o tempo; por exemplo, o Renascimento deu lugar ao Barroco, que, paulatinamente, foi sendo substituído pelo Neoclassicismo, e assim por diante. Esses processos de transição também estão relacionados a seus contextos e às transformações pelas quais as sociedades passaram. De certo modo, funcionam ainda como agentes dessas transformações. Um exemplo claro é o Neoclassicismo francês, usado pela Academia de Artes Francesa para produzir as imagens oficiais de Napoleão Bonaparte, representado como um “herói em ação”, ao contrário das cenas da Corte e dos retratos produzidos durante o Antigo Regime nos estilos barroco e rococó.
Os materiais e suportes também devem ser levados em consideração ao analisar a imagem. Algumas obras têm dimensões monumentais, e outras foram encomendadas para ocupar paredes inteiras no interior de um edifício; há obras, como as gravuras, que foram reproduzidas para aumentar sua circulação, algumas avulsas, outras reproduzidas em livro, como é o caso de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret. Se a forma não está desvinculada do conteúdo nem do meio social no qual ela é concebida, o suporte também não.
Ao escolhermos uma imagem de arte no processo de ensino, é importante procurarmos compreender também qual é o significado dela para o aluno hoje. Algumas das obras com as quais eles têm contato – mesmo descoladas da realidade deles por se tratar de uma expressão artística considerada mais “erudita” – vêm sendo utilizadas com o objetivo de perpetuar uma memória construída no passado. Essa distância deve ser levada em consideração no momento de análise da obra, de modo que instrumentalize o aluno para decodificar os códigos dessa imagem de arte concebida com base na estética de outro tempo e lugar.
Para o trabalho cotidiano com as imagens disponíveis no livro didático, apresentamos a seguir uma proposta de análise.
A leitura pode começar com a observação da imagem. Deve-se procurar entender não só “o que” está representado, mas “como” está representado. As incidências de luz e sombra destacam ou camuflam elementos da pintura e são, em geral, propositais. Nas obras neoclássicas é possível identificar os elementos agrupados em esquemas geométricos. O mais comum deles é uma pirâmide, na qual o personagem principal costuma figurar no topo, evidenciando a hierarquia entre os personagens. Ao observar a imagem, o aluno pode descrever o que ele vê e ir além; afinal, o que está representado na pintura é uma criação, e não se pode afirmar que, na época de produção da obra, pessoas, roupas e cenários efetivamente fossem do jeito que são mostrados.
É possível também, por meio dos dados da obra, saber quando ela foi produzida, se há distância temporal entre o tema e a produção, a medida dela, onde está hoje (acervo ao qual pertence), o material de que é feita e quem foi o artista.
Os primeiros passos na investigação do percurso da obra de arte usam essas informações.
Uma pesquisa preliminar sobre a biografia do artista ajuda a descobrir suas intenções ao criar a obra e a ligação dele com as esferas de poder e, até mesmo, com o assunto em questão. Com base nisso, é possível descobrir o contexto em que a obra foi produzida, a relação entre o contexto e a representação feita e o que a sociedade da época pretendia informar sobre si. Por meio da exploração das obras de arte, pode-se investigar a construção do imaginário e a perpetuação dele ao longo do tempo, estimulando os alunos a fazer o caminho inverso.
3.3.2 A fotografia
A fotografia, entre outras fontes visuais, é também muito utilizada na sala de aula e principalmente nos materiais didáticos.
Página 304
A palavra fotografia é formada por phôs, que significa “luz”, e grafia, que significa “desenho” ou “escrita”. Assim, fotografia é a arte de fixar, por meio de técnicas específicas, a luz refletida nos objetos.
As primeiras fotografias datam da década de 1820, e, durante o século XIX, essa técnica de registro de imagem foi sendo aperfeiçoada e difundida. Em 1885 foi usada pela primeira vez em um jornal, e, por volta de 1888, surgiu o primeiro aparelho fotográfico portátil, dando impulso para a difusão e o uso das fotografias. Entretanto, foi a partir do século XX que ela se tornou elemento importante na publicidade, popularizando cada vez mais o fotojornalismo. Foi o uso publicitário das fotografias que fez com que elas passassem do retrato individual ou privado para os registros de fatos coletivos e públicos.
Hoje a fotografia digital tornou esse tipo de registro bastante popular, já que diversos aparelhos eletrônicos – como celulares, tablets e câmeras digitais – são capazes de registrar imagens. Assim, qualquer pessoa, a qualquer tempo, pode registrar sua história pessoal e eternizar momentos importantes de sua trajetória.
Desde sua invenção, a fotografia foi reconhecida como documento, e a História a considera importante fonte de pesquisa. No entanto, cabe ressaltar que, como todo documento histórico, ela não é a reprodução fiel do real, já que é produto das escolhas de quem a realizou.
A fotografia é, pois, arte e documento a um só tempo. É criação e testemunho amalgamados; binômio indivisível, revelador e unívoco, cuja terrível ambiguidade nos informa e confunde, também, a um só tempo.
Por maior que seja a “fidelidade” da fotografia em relação ao assunto, ela nunca escapará do fato de ser uma representação do real. Uma representação selecionada através de um filtro cultural que é seu autor: o fotógrafo. A fotografia é, portanto, o resultado de uma leitura particular do real, ou melhor, de uma interpretação pessoal aprioristicamente carregada de pré-conceitos e pré-juízos acerca do mundo e da vida. [...]
KOSSOY, Boris. Análise e interpretação do documento fotográfico: novas abordagens. In: SEMINÁRIO PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA, 1988, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 1988. p. 161-162.
As fotografias, independentemente de quem as tirou, podem e devem ser usadas como fontes documentais da história. No entanto, é importante considerar que, atualmente, usando programas de computador, pode-se alterar muito a imagem registrada. Essa manipulação não é novidade, pois, historicamente, para atender a interesses políticos, fotografias foram adulteradas em laboratório. Portanto, cabe sempre um olhar crítico para esse documento, atentando também para esse fato.
Para usar a fotografia como documento, é necessário explorá-la como qualquer outra fonte. Perguntas básicas: o que foi registrado; quem registrou; por que motivo; onde foi tirada; quando; que fato a fotografia registrou; quais elementos compõem a cena; que mensagem a fotografia transmite; além de outras, que dependem da imagem estudada. Esses questionamentos podem ser feitos para todas as fotografias, visando à “leitura” dessa fonte. Se houver informações, principalmente no caso de fotografias jornalísticas, cabe repassá-las aos alunos para o bom aproveitamento desse documento em sala de aula.
A utilização de uma metodologia do ensino de história pelo uso didático de imagens, a partir de leituras e das interpretações dos sinais, aparentes e subjacentes, que um determinado quadro imagético apresenta. Este tipo de ação possibilitará ao aluno a construção do processo de síntese histórica, ao lhe permitir uma reflexão sobre o acontecimento histórico, ou seja – seu tempo, seu lugar, seus atores sociais, as ideologias presentes, seus aspectos materiais e seus modos de vida, as tramas sociais, reflexão esta motivada a partir do contato com a imagem analisada, e que lhe desperta interesses de outras naturezas, além da histórica. Reflexão que o leva para uma apreensão e entendimento desse conhecimento histórico como um processo histórico mais amplo, bem como possibilitará relacioná-la às problemáticas atuais, a partir das comparações pelas mudanças ocorridas entre o passado e o presente das imagens, sempre considerando o patamar de compreensão do aluno, dos seus graus de escolaridade.
AMORIM, A. R. A. de. As imagens e o ensino de História: uma proposta metodológica para o ensino da História. In: SEMINÁRIO DO ENSINO DE HISTÓRIA, 4., 2001, Recife. Anais... Recife, 2001. p. 2.
Página 305
3.3.3 Os filmes
O cinema tornou-se realidade no final do século XIX como consequência dos avanços científicos e do aperfeiçoamento de técnicas de projeção de imagens feito por diversos cientistas.
No início do século XX, o cinema ainda não havia se popularizado, mas, aos poucos, foi se transformando em um programa popular, motivo pelo qual ainda não interessava aos meios intelectuais. A característica popular do cinema levou-o a ser usado politicamente pelas lideranças da Revolução Russa (1917). Liev Trotski utilizou essa arte para doutrinar politicamente a população. Mais tarde, os nazistas também usaram o potencial educativo e propagandístico dela para divulgar suas ideias.
O uso didático dos filmes começou já na década de 1920, quando o diretor francês Abel Gance percebeu essa possibilidade para o ensino de História. E datam da década de 1930 os primeiros estudos feitos nos Estados Unidos da América sobre a utilização de filmes na educação. Esses estudos despertaram o interesse de empresas da recém-criada indústria cinematográfica, que passaram a produzir filmes, de certa forma, didáticos, ou seja, com possibilidade de uso nas aulas.
Para o ensino de História, os filmes oferecem muitas possibilidades. De certo modo, todos eles podem ser objetos de estudo, já que são produtos de seu tempo – e, portanto, refletem a sociedade que os produziu –, bem como são exemplos da tecnologia disponível na época da produção.
Há filmes que, por sua temática, são denominados históricos, os quais, geralmente, são os mais utilizados em sala de aula, assim como os documentários, pois descrevem, relatam ou analisam fatos históricos. Cabe lembrar que, como todo documento, qualquer tipo de filme é uma interpretação do fato ou do personagem, que, em razão das características de produção (filmagem, montagem, roteiro etc.) e do aspecto comercial, é fruto da escolha de quem o produziu e precisa ser analisado por esse viés, e não como reprodução fiel do real:
O historiador pode usar os filmes como objeto de estudo de duas maneiras. Como documentos para representar a concepção de mundo de diferentes épocas ou pode estudar o cinema na História, isto é, a repercussão dos filmes na sociedade e seu papel como instrumento de divulgação de ideias e de comportamentos, como incentivadores de questionamentos ou de alienação etc.
Ao trabalharmos com o filme em sala de aula, é necessário oferecermos ao aluno informações básicas sobre o contexto da produção e outros dados que ele poderia ter dificuldade em obter e que facilitarão o seu estudo. No trabalho pedagógico com filmes, é preciso levantarmos várias questões a serem discutidas com os alunos, apresentando previamente um roteiro para a interpretação do filme. Todavia, lembramos que, muitas vezes, tanto professores quanto alunos se deparam com a necessidade de pesquisas que lhes permitam maiores aprofundamentos nos assuntos relativos ao filme.
A seguir apresentamos algumas questões que orientam o trabalho com filmes no estudo da História:
Contexto da produção – Quando e onde o filme foi produzido? Quem o produziu e dirigiu? Quanto custou? Há relação entre o filme e a situação econômica, política, social e cultural vivida à época? Que relação há entre o filme e a trajetória do cineasta?
A repercussão – Como o filme foi recebido pelo público? E pela crítica? Como foi divulgado? Onde foi exibido? Participou de concursos? Foi premiado?
O tema e o enredo – De que trata o filme? Quais as cenas marcantes? Que relação existe entre o título e o enredo? Que fatos ou processos históricos se relacionam com o enredo? Como os elementos históricos são apresentados: cenário, figurino, linguagem etc.?
Personagens – Que conflitos vivem? Expressam as características, o modo de viver, de falar, a mentalidade, o gestual de uma época?
Símbolos – Há símbolos presentes no filme, como objetos que remetem a ideias de valores? Em caso afirmativo, eles são atuais? Em que situação eles aparecem? Como eles são explorados na trama?
Linguagem cinematográfica – Há uma ordem cronológica nas cenas? Há uma noção de continuidade nas cenas? As cenas são rápidas ou longas? Como o espaço é apresentado? Como é explorada a relação do som com a imagem? Como é usada a luz? São usados efeitos especiais? A psicologia das personagens ou a dramaticidade das cenas são exploradas por meio de recursos técnicos?
CAMPOS, Helena Guimarães; FARIA, Ricardo de Moura. História e linguagens. São Paulo: FTD, 2009. p. 55 -56.
Página 306
3.3.4 Os documentos textuais
Os estudos e as pesquisas em História, sem dúvida, pautam-se e são orientados, em grande medida, pela utilização das fontes textuais. Isso se aplica às primeiras elaborações historiográficas da Antiguidade clássica e continua sendo válido nos dias de hoje, mesmo com a profusão de novos tipos de fontes históricas, conforme já foi citado.
[...] Durante muito tempo, os historiadores pensaram que os verdadeiros documentos históricos eram os que esclareciam a parte da história dos homens digna de ser conservada, transmitida e estudada: a história dos grandes acontecimentos (vida dos grandes homens, acontecimentos militares e diplomáticos, batalhas e tratados), a história política e institucional. A ideia de que o nascimento da história estava ligado ao aparecimento da escrita levava a privilegiar o documento escrito. Ninguém mais que Fustel de Coulanges privilegiou o texto como documento histórico.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão et al. 5. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. p. 106.
Para além das tradicionais abordagens sobre o tema, proporemos uma análise sucinta acerca de alguns aspectos relativos aos documentos escritos sobre os quais nos deteremos, ainda que brevemente.
Os documentos textuais podem ser classificados de acordo com suas origens, intencionalidades e agentes. Assim, há os trabalhos acadêmicos, os documentos oficiais, os relatos memorialistas, as obras ficcionais, as produções jornalísticas, entre outros, todos produzidos por órgãos de governo, instituições e indivíduos dos mais variados grupos sociais.
A cada conjugação de fontes e produtores surge um tipo de discurso narrativo e determinada forma. Nesse sentido, mesmo as obras ficcionais (literárias, musicais, poéticas etc.) podem ser utilizadas em sala de aula, contanto que fiquem evidenciadas algumas características próprias a elas, a começar pelo fato de não terem o compromisso com a verdade daquilo que está sendo dito. Mas essas obras podem revelar modos de pensar e agir, assim como hábitos e valores, de sociedades ou grupos sociais em uma época qualquer. A literatura de ficção, portanto, pode ajudar a compreender as identidades sociais dos grupos estudados.
No caso específico das letras musicais e dos poemas, é preciso estar atento a duas questões peculiares a essas formas de composição: as representações simbólicas da linguagem poética, as quais, muitas vezes, imputam outros significados às palavras, o que exige do aluno a capacidade de analisar e depurar os novos sentidos dados aos termos poéticos; e as mudanças no padrão usual de fraseamento, ou seja, inversões entre sujeito e objeto nas frases, em função do ritmo, da melodia e das rimas.
O que essas produções textuais têm em comum, com relação a práticas pedagógicas, é a ampliação do repertório vocabular e, sobretudo, analítico dos alunos, pois cada uma delas necessita de aproximações e habilidades cognitivas específicas. Essas particularidades são um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para aprimorar a capacidade de leitura deles, preparando-os para atuar no mundo como cidadãos e agentes históricos conscientes e aptos a interpretar as múltiplas fontes documentais escritas e seus respectivos discursos e intencionalidades.
3.4 As novas tecnologias
O uso das novas tecnologias está aumentando e se tornando bastante comum neste século XXI, devido à facilidade de acesso e principalmente ao barateamento de alguns produtos, como computadores domésticos, celulares e tablets, que podem ser conectados à internet em diversos ambientes. Essa ampliação do acesso a computadores e dispositivos móveis permite contato com conteúdos digitais produzidos pelos mais variados agentes sociais e disponibilizados na internet. Universidades, grupos de pesquisa, conglomerados jornalísticos que atuam nos vários segmentos de mídia, institutos, ONGs etc. organizam e distribuem trabalhos e pesquisas elaborados por especialistas. Assim, as pessoas com acesso às tecnologias digitais de informação podem ampliar seu repertório de conhecimentos e práticas.
Os alunos estão em contato com informações e entretenimento multimidiáticos com mais frequência e intensidade, pois essas tecnologias estão mais presentes no cotidiano de crianças e jovens. Por isso, elas podem tornar o processo de aprendizagem mais dinâmico e estimulante. Os materiais audiovisuais,
Página 307
disponíveis em grande quantidade na internet, e os conteúdos interativos propiciam novas maneiras de abordar os assuntos tratados em sala de aula.
Por sua vez, o desenvolvimento de plataformas de produção de conteúdo digital tem o potencial de tirar os alunos da condição de receptores passivos da informação e transformá-los em produtores de conteúdos e de mídias com base nos assuntos abordados durante os estudos de História. De acordo com a já comentada intensa relação entre a História temática e a utilização de projetos de pesquisa, essas ferramentas tecnológicas podem colaborar com os alunos para a produção de materiais que sejam dinâmicos, lúdicos, interativos e atrativos em termos de estética e de conteúdo. Como exemplo, podemos mencionar pesquisas que versem sobre a cidadania e a democracia, nas quais os alunos podem conhecer produções musicais que criticavam o regime militar brasileiro das décadas de 1960 e 1970 ou elaborar uma composição musical que poderia ser gravada e adicionada à pesquisa ou disponibilizada em arquivos de compartilhamento na internet para que outros alunos tenham contato com ela.
Os benefícios da integração da tecnologia são melhor percebidos quando a aprendizagem não é meramente um processo de transferência de fatos de uma pessoa para outra, mas quando o objeto do professor é delegar poderes aos alunos como pensadores e pessoas capazes de resolver problemas. A tecnologia oferece uma excelente plataforma, um ambiente conceitual, na qual as crianças podem coletar informações em vários formatos e, então, organizar, visualizar, ligar e descobrir relações entre fatos e eventos. Os alunos podem usar as mesmas tecnologias para comunicar suas ideias a outras pessoas, discutir e criticar suas perspectivas, para persuadir e ensinar outras pessoas e para acrescentar níveis maiores de compreensão a seu conhecimento em expansão.
Assim, a aprendizagem passa a ser vista como algo que o aluno faz e não algo que é feito para ele. [...] os professores mais eficientes são aqueles que conseguem atingir um equilíbrio entre as atividades de instrução e de construção.
MARQUES, Adriana Cavalcanti; CAETANO, Josineide da Silva. Utilização da informática na sala de aula. In: MERCADO, Luís Paulo Leopoldo (Org.). Novas tecnologias na educação: reflexões sobre a prática. Maceió: Edufal, 2002. p. 147.
O acesso à informação também se tornou muito mais fácil e dinâmico com o uso da internet. Vários sites de busca disponibilizam o conteúdo procurado em poucos segundos e de maneira atrativa. Contudo, como qualquer pessoa pode criar uma página e colocá-la no ar, é preciso tomar alguns cuidados ao usar a internet como fonte de pesquisa. Faz parte do trabalho educacional orientar os alunos em relação à natureza dos sites visitados por eles para obter informações ou recursos. Nesse contexto, o letramento midiático digital é essencial. Ele envolve o processo de compreensão e utilização das mídias digitais de massa. Para ajudar os alunos, é necessário que eles tenham consciência da natureza dos meios digitais de massa, das técnicas utilizadas e do impacto delas, e que sejam críticos em relação a isso. O objetivo é fazer com que percebam as diferentes construções dos meios digitais, aproveitem o que há de melhor e descartem o que não serve para o trabalho escolar.
A imagem gráfica, pictórica, televisiva, cinematográfica e digital deve ser discutida e integrada às metodologias pedagógicas. Os projetos de comunicação nas escolas devem dar ênfase ao trabalho com a imagem, não apenas por seu potencial comunicativo, mas, sobretudo, pelo universo linguístico e expressivo que mobiliza. Nesse sentido, os educadores precisam se apropriar de metodologias que desenvolvam nos alunos uma relação crítica e não ingênua com seu universo audiovisual e virtual, tornando-se capazes de dialogar com autonomia nestes campos. Os novos cidadãos que estamos formando necessitam saber “ler e interpretar” o que veem, e também produzir e se expressar em meio audiovisual e virtual.
MONTEIRO, Eduardo; FELDMAN, Márcia. Mídia – educação: formando os cidadãos da era da informação. Revista Pátio, Porto Alegre, n. 9, p. 21, maio/jul. 1999.
Por ser dinâmica e concentrar informações de naturezas diferentes e em várias linguagens, a internet possibilita a ampliação de repertórios. É possível acessar músicas, vídeos, notícias e imagens de qualquer lugar do mundo apertando um botão. No entanto, para que ela não seja usada apenas para entretenimento, é necessário que nós, professores, direcionemos as pesquisas e orientemos os alunos no que diz respeito às fontes e aos conteúdos
Página 308
procurados, relacionando a pesquisa virtual com os temas trabalhados em aula. Desse modo, o assunto pode ser desdobrado em várias vertentes, conforme as escolhas dos próprios alunos, que encontrarão em linguagens diferentes as informações de que precisam para cumprir a tarefa.
Em sala de aula, a tecnologia também torna o trabalho mais atrativo, mas pode ir além de ilustrar um tema com imagens e apresentações ou mostrar vídeos que apenas reforçam o imaginário acerca de determinado assunto. Ela deve servir também para incentivar a busca pelo conhecimento e pela pesquisa, mostrar que alguns tipos de texto e imagem são muito recorrentes e até evidenciar o que se pode inferir dessas recorrências. Levar a tecnologia para a sala de aula aproxima o aluno dos elementos de seu cotidiano, mostrando que o ensino e a pesquisa podem ser atrativos e estimulantes e que os recursos tecnológicos auxiliam a desvendar mistérios que fazem parte da própria lógica do sistema no qual ele, bem como o universo tecnológico, está inserido.
No entanto, deve ser lembrado que esse universo não deve substituir as experiências reais, uma vez que estas estão associadas ao desenvolvimento de habilidades sociais fundamentais para a vida de qualquer pessoa. O contato face a face produz experiências únicas no que tange ao reconhecimento dos diversos tipos de linguagem humana (verbal, paraverbal e não verbal) que acontecem durante o ato da comunicação e não são devidamente cobertos pelos meios digitais. As expressões corporais, bem como a entonação da fala, que compõem boa parte da nossa expressão linguística, são identificadas durante conversações presenciais. Por esse motivo, o universo tecnológico não pode prescindir das tradicionais formas de expressão, comunicação e encontro social.
Conhecendo bem as tecnologias que pretende usar, você pode potencializar essa ferramenta em vez de subutilizá-la. Quanto mais o instrumento e suas linguagens são conhecidos, mais é viável explorá-los.
Além da pesquisa e da comunicação, as tecnologias possibilitam aos alunos o desenvolvimento da criatividade. Atualmente, boa parte dos celulares fotografa; além disso, as câmeras digitais estão tornando-se cada vez mais acessíveis. É possível, assim, registrar fatos, lugares e situações, os quais podem ser editados e expostos, ou divulgados.
Com os mesmos objetos, é possível também a produção de pequenos filmes e a captura de parte da realidade pela ótica dos alunos. Softwares simples e gratuitos possibilitam a edição e montagem de imagens e vídeos. Nesse tipo de atividade, além de trabalhar a técnica e a linguagem, você tem a oportunidade de perceber como o aluno observa o mundo e o que ele quer dizer a respeito do que vê.
É possível ainda trabalhar questões relacionadas à estética e à cultura visual nas quais o aluno está inserido, além de saber quais são as referências que ele traz de suas experiências no lugar em que mora e a relação delas com os produtos da indústria cultural.
O acesso aos recursos tecnológicos está sendo cada vez mais ampliado e esses recursos podem tanto ser uma distração para o aluno, tornando a “competição” entre aula e divertimento digital desigual, quanto proporcionar momentos mais interessantes estabelecendo vínculos entre a realidade e a escola e oferecendo espaço para desenvolver a criatividade. Nesses casos, entretanto, o domínio da tecnologia para utilizá-la a serviço do trabalho proposto e em benefício do estudante dependerá do professor.
3.5 A perspectiva interdisciplinar
Com os recursos digitais, o mundo está cada vez mais interligado. As informações chegam ao aluno de maneira rápida e diversa, sem que, indispensavelmente, a escola seja mediadora. Contudo, nem sempre o estudante tem o discernimento necessário para compreender todas as informações a que tem acesso e que abarcam, ao mesmo tempo, as mais diferentes áreas. Para possibilitar a compreensão do mundo a sua volta de maneira integrada, o trabalho interdisciplinar na escola deve fornecer condições para que as partes do todo sejam percebidas e interconectadas, proporcionando o acesso ao conhecimento de maneira não fragmentada e mais condizente com suas experiências.
A interdisciplinaridade estimula o conhecimento mais amplo de determinado assunto e aproxima a escola das experiências que o aluno vivencia fora dela.
Página 309
Ivani Fazenda8 explica o significado da palavra interdisciplinaridade: o prefixo inter significa “troca”, “reciprocidade”, já a palavra disciplina quer dizer “ciência” ou “ensino”. A troca entre as disciplinas não é somente troca de informação, é também trabalho realizado em conjunto com algum objetivo.
Para Hilton Japiassu,9 o trabalho interdisciplinar abrange mais do que a troca de informação, ele pressupõe o intercâmbio entre métodos e o entendimento da maneira pela qual as diferentes áreas de conhecimento tratam do mesmo problema e de como ocorrem as relações entre as disciplinas durante esse intercâmbio. O que o autor denomina de “fenômeno interdisciplinar” não é somente a troca de dados. Ele ressalta que esse trabalho deve proporcionar a troca de conceitos, diretrizes e metodologias para o enriquecimento mútuo, como fruto de uma articulação voluntária e coordenada relacionada ao interesse comum do grupo de pessoas de diferentes áreas de conhecimento, de modo que sejam visíveis as relações entre as disciplinas e não apenas como elas abordam o mesmo assunto.
A pesquisa interdisciplinar somente torna-se possível onde várias disciplinas se reúnem a partir de um mesmo objeto, porém é necessário criar-se uma situação-problema no sentido de [Paulo] Freire, onde a ideia de projeto nasça da consciência comum, da fé dos investigadores no reconhecimento da complexidade do mesmo e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a cada dúvida ou a cada resposta encontrada. Neste caso, convergir não no sentido de uma resposta final, mas para a pesquisa do sentido da pergunta inicialmente enunciada.
Para o pensador Edgar Morin, o conhecimento não é – nem pode ser – mutilado. Apesar da importância das especificidades de cada área de conhecimento e de cada disciplina, as conexões, muitas vezes não tão visíveis entre elas, devem ser levadas em consideração, pois fazem parte da vida, e o conhecimento fragmentado deve dar lugar àquele que promove a compreensão do objeto em seu contexto, sua complexidade e seu conjunto.10
A realidade em sala de aula, o cotidiano em que estão integrados os alunos e professores, é diferente do currículo. O contexto escolar não é fragmentado, separado em partes por áreas de conhecimento. As experiências acontecem o tempo todo e os alunos se esforçam muito para apreender o significado dessas experiências integralmente. No contexto escolar é importante reconhecer as especificidades de cada área, assim como as diferenças e aproximações entre elas. Mas, ao percebê-las, é necessário entender também como se articulam para formar o todo.
Os dados devem ser situados em seu contexto, ou seja, as partes devem ser entendidas como formadoras do todo para que o conhecimento escolar adquira sentido e, então, seja relacionado com a vida do aluno. E, no todo, estão todas as áreas de conhecimento dialogando entre si.
A integração entre as partes também deve ser observada. O todo é formado pela soma das partes, mas elas não são sobrepostas de maneira aleatória, e sim articuladas de maneira organizacional. A maneira pela qual as partes se unem para formar o todo é fator primordial do trabalho interdisciplinar. Para chegar ao que Edgar Morin chama de “conhecimento pertinente”, é necessário enfrentar a complexidade do conhecimento na investigação da relação entre a unidade e a multiplicidade, ou seja, entre cada disciplina e a soma articulada das disciplinas.
No processo de aprendizagem, os assuntos não são isolados uns dos outros, nem na própria disciplina nem no contexto geral. Alguns conhecimentos de outras áreas são necessários para a compreensão de determinado assunto. Mas, para isso, é preciso primeiro que o aluno reconheça cada disciplina, seus objetos e métodos, e, então, faça conexões entre as áreas a fim de apreender o assunto e relacioná-lo com sua realidade. Para que essa proposta seja concretizada, a ação dos professores é necessária, uma vez que precisam se abrir para a troca contínua e estimular no aluno esse tipo de percepção.
Um dos primeiros passos para a realização do trabalho interdisciplinar é entrar em contato,
Página 310
sem reservas, com a área do colega. Conceitos e métodos podem ser divergentes, mas é importante lembrar que cada área tem sua especificidade e importância, e que é necessário, por meio do diálogo, trocar essas informações respeitando como o outro profissional entende o problema ou objeto.
Por meio do diálogo, as trocas podem acontecer e se materializar em projetos temáticos com algum objetivo bem definido, por exemplo. Entretanto, a interdisciplinaridade só ocorre no momento em que se consegue perceber como as áreas envolvidas lidam com o problema ou objeto. Esse trabalho vai além de usar as disciplinas para preencher lacunas de informação ou para submeter todas elas a uma só. A construção do conhecimento com base na perspectiva interdisciplinar deve possibilitar a identificação das áreas de conhecimento e de como elas trabalham juntas naquele projeto e, posteriormente, na vida.
O processo interdisciplinar impõe desafios não somente para sua elaboração e realização, como também para sua avaliação, já que envolve profissionais de distintas disciplinas, com as respectivas particularidades. Outro fator que deve ser considerado é o relativo à avaliação como meio de reflexão do aluno sobre sua participação no processo de aprendizagem e não apenas como instrumento de medição aplicado pelo professor. Ademais, ela não deve ser a única forma de mensurar erros e conquistas e tampouco ser usada para escalonar os alunos em função de seu desempenho escolar. Na atividade interdisciplinar, a avaliação precisa levar em conta todo o processo de engajamento e de aprimoramento das capacidades cognitivas dos alunos.
Portanto, avaliação sem trabalho reflexivo não só perde sentido como também pode vir a se tornar um elemento de ansiedade para o aluno e consequentemente de dificuldade em sua trajetória escolar. Ao contrário, a avaliação deve servir para que os alunos aprendam mais e melhor, dentro de uma concepção que valoriza a subjetividade dos sujeitos, o autoconhecimento e o diálogo com o outro, o que Ivani Fazenda e colaboradores chamam de avaliação formativa.11 No caso da avaliação interdisciplinar, os mesmos autores mencionam os fatores que devem contemplá-la: humildade, coerência, espera, respeito e desapego.
Humildade para perceber e aceitar o erro na hora de avaliar e sabedoria para trabalhar o erro do aluno; coerência entre aquilo que se ensina com o que e para que se avalia; espera, porque os resultados não devem ser vistos como fim, mas como processo; respeito às novas formas de conhecimento e às individualidades do aluno e desapego da forma tradicional de avaliação, tão arraigada na cultura.
FAZENDA, Ivani Catarian Arantes et al. Avaliação e interdisciplinaridade. Revista Interdisciplinaridade, São Paulo, n. 0, p. 32, 2010. Disponível em:
Dostları ilə paylaş: |