Esses estranhos Homens deveriam ficar muito satisfeitos por serem julgados mais maldosos dó que realmente são



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O rosto apontou fora do vidro e olhou de soslaio para ele. “O nome é Yackle, e eu não sou nem senhor nem sou bom. Que tipo você quer nesta noite, Senhor Fulano?” Quem falava através do painel era uma idosa, com dentes escassos e uma brilhante peruca branca e rosa que caía por um lado de sua calva perolada.

“Tipo?”, disse Avaric, e, então, ostentando mais coragem: “Qualquer tipo”

“Eu quero dizer os ingressos, pão docinho. Fazer pose e tocar desafina­do no salão, ou armar um puteiro nas velhas adegas?”

“Tudo que houver”, disse Avaric.

“Você compreende as regras da casa? As portas fechadas, a política de você-só-brinca-se-pagar?”

“Dê-nos sete ingressos, e vamos logo com isso. Não somos bobos.”

“Vocês nunca são bobos”, disse a mulher bestial. “Bem, então aqui estão vocês, e venha o que vier. Ou quem vier.” Ela afetou uma postura de virtuosa, como se fosse a pintura de uma santa virgem unionista. “Entrem e sejam salvos.”

A porta se abriu, e eles desceram um lance de degraus de tijolos irregu­lares. No patamar do lance havia um anão que carregava um albornoz roxo. Ele olhou para seus ingressos e disse: “De onde vocês são, almofadinhas? De fora da cidade?”.

“Somos todos da universidade”, disse Avaric.

“Uma turminha eclética. Bem, vocês têm ingressos com sete-de-dia­mantes. Vejam aqui, os sete diamantes vermelhos da ilustração, e aqui.” Ele disse: “Tomem um drinque na casa, vejam o show da mulher, e dancem um pouco se quiserem. A cada hora, mais ou menos, eu fecho esta porta para a rua e abro a outra”. Ele apontou para uma enorme porta de carvalho, barrada com duas monstruosas vigas fechadas por argolas de cadeados de ferro.” Vo­cês entram todos juntos ou não vão entrar de jeito nenhum. Essa é a regra da casa.”

Havia uma cantora cantando uma imitação de “O que será de Oz sem Ozma”, e zombando de si mesma com um boá de plumas cor de papagaio. Uma pequena banda de elfos ― elfos verdadeiros! ― soprava e arranhava em minúsculo acompanhamento. Boq nunca tinha visto um elfo, embora sou­besse que havia uma colônia deles não muito longe de Margens Agitadas. “Que esquisito”, ele disse, seguindo em frente. Eles pareciam macacos sem pêlos, e nada vestiam exceto pequenos bonés vermelhos, não apresentando características sexuais avaliáveis. Eram verdes como o pecado. Boq se virou para dizer: Olhe, Elfinha, é como se você tivesse tido uma boa ninhada de bebês, mas ele não a viu e aí se lembrou de que ela não tinha vindo. Nem Glinda, pelo jeito. Maldição.

Eles dançaram. A multidão era a mais heterogênea que Boq já vira na vida. Havia Animais, humanos, anões, elfos, e várias coisas robóticas de gênero incompleto ou experimental. Um esquadrão de rapazes louros bem apanhados circulava com canecos de vinho ordinário, que os amigos bebiam porque era gratuito.

“Eu não sei se eu quero fazer alguma coisa mais audaciosa que isto”, disse Pfannee para Boq a uma certa altura. “Quero dizer, olhe, aquela namo­rada de um Babuíno está quase pelada. Talvez seja o que chamamos de uma grande noite.”

“Você acha?”, disse Boq. “Quero dizer, eu estou na jogada, mas se você se sente incomodada...”. Oh, hurra, uma saída. Ele se sentia incomodado tam­bém. “Bem, vamos atrás do Avaric. Ele está por aí conduzindo a Shenshen.”

Mas, antes que eles pudessem abrir caminho na pista de dança apinha­da de gente, os elfos começaram a emitir um grito agourento de bruxa, e a cantora lançou os quadris para a frente e disse: “Este é o chamado de acasa­lamento, bonecos! Senhoras e gentis amigos! Vamos fazer, e eu quero dizer fazer mesmo” ― ela lia uma anotação em sua mão ― “carta seis de paus preta, três de paus preta, seis de copas vermelha, sete de diamantes vermelha, e ― em sua lua-de-mel, não é um doce?” ― ela simulou gagueira ― “dois de espadas preta. Vamos lá pra toca da felicidade infinita, gentis galináceos”.

“Avaric, não”, disse Boq.

Mas a idosa lá da frente, que se chamava Yackle, veio agitada pelo salão ― tendo, ao que tudo indicava, fechado a porta temporariamente ― e ela lembrou aos possuidores as cartas designadas, e os nomeou com um sorriso. “Montarias e cavaleiros, preparem-se”, ela disse, “aqui estamos, no finalzinho da noite! Alegrem-se, rapazes, não é um funeral, é uma diversão!” Tinha sido um funeral, Boq se lembrou, tentando invocar o caloroso, abnegado espírito de Ama Clutch. Mas o tempo de fugir, se esse tempo chegara a existir, havia passado.

Eles foram varridos para dentro das portas de carvalho e foram entran­do por uma passagem ligeiramente inclinada cujas paredes eram revestidas de veludo vermelho e azul. Uma alegre canção estava sendo executada mais adiante, uma melodia de dança sincopada. Um cheiro de folhas de tomilho assadas ― doce e envolvente, você quase podia senti-las abrindo suas bordas arroxeadas. Yackle os levava, e os vinte e três festeiros seguiam, num confuso estado de apreensão, exaltação e tesão. O anão seguia logo atrás. Boq tentava se manter frio, tanto quanto sua mente trôpega lhe permitia. Um Tigre ereto, usando botas altas e uma capa. Um par de banqueiros e suas consortes da noite, todos usando máscaras negras: como proteção contra chantagem ou como afrodisíaco? Um grupo de comerciantes de Ev e Fliann, a negócios na cidade. Um par de mulheres de dentes mais ou menos longos, enfeitadas como uma joalheria. O casal em lua-de-mel era de Glikkus. Boq esperava que sua turma não fosse tão debilóide quanto os dois. Quando lançou um olhar ao redor, viu que apenas Avaric e Shenshen pareciam ansiosos ― e Fiyero, talvez porque ele não tivesse ainda compreendido o que era aquilo. Os outros pareciam pouco mais que enjoados.

Eles entraram num pequeno teatro circular escuro, com o espaço para o público dividido em seis compartimentos. Acima, o teto se dissolvia numa escuridão de pedra. Velas finas e longas tremulavam, e uma música abafa­da era transmitida através das fissuras na parede, fazendo ainda maior uma atmosfera extraterrena de deslocamento e estranheza. Os compartimentos circundavam e davam de frente para o palco central, que estava coberto por um cortinado negro. Os compartimentos eram separados um do outro por tiras verticais de madeira de treliça e ripas de espelho. Todos os grupos es­tavam se misturando, todos os amigos e companheiros se separavam. Havia incenso no ar também? Ele parecia fazer a mente de Boq se partir ao meio, como palha de milho, e permitir que uma mente mais amena, mais compla­cente, emergisse. O mais suave, o mais vulnerável aspecto, a intenção oculta, o eu submisso.

Ele sentiu que estava cada vez menos e menos consciente, e que era mais e mais belo ficar assim. Por que ele ficara alarmado? Estava sentado num tamborete, e em volta dele no compartimento se encontravam, quase sobrenaturalmente próximos, um homem de máscara negra, uma Áspide que ele não notara antes, o Tigre cujo hálito chegara quente e carnoso em seu pescoço, uma bela colegial, ou era aquela noiva na noite de núpcias? Teria o compartimento todo se inclinado para a frente, como um balde suavemente oscilante? De qualquer modo, eles se encostavam juntos no tablado central, que era um altar de véus e sacrifícios. Boq afrouxou o seu colarinho e depois o seu cinto, sentiu o vivo apetite entre o coração e o estômago e o conseqüente enrijecimento do aparato lá embaixo. A música de flautas e assobios era para­lisante, ou era ele que observava e esperava e respirava tão, tão lentamente que a secreta área do seu interior, onde nada importava, deixava cair seu manto?

O anão, agora com um capuz mais escuro, apareceu no palco. De seu ponto vantajoso, ele podia ver todos os compartimentos, mas os farristas, se­parados em cada um deles, não podiam ver-se uns aos outros. O anão se inclinou e tocou uma mão ou outra que aqui e ali lhe dava boas-vindas, acenando. Chamou uma figura de mulher que estava num compartimento, de um outro chamou um homem (seria Tibbett?) e, no compartimento onde Boq estava, gesticulou para o Tigre. Boq sentiu pouco não haver sido escolhido quando viu o anão passar um frasco fumegante nas narinas dos três acólitos, e ajudá­-los a tirar as suas roupas. Havia algemas, e uma bandeja de óleos aromáticos e emolientes, e um baú cujo conteúdo permanecia misterioso. O anão colocou vendas negras em torno das cabeças dos engajados.

O Tigre andava de quatro e rosnava suavemente, atirando sua cabeça para a frente e para trás em aflição ou excitação. Tibbett ― pois era ele, embora quase inconsciente ― foi estendido de costas no piso do palco. O Tigre andou em largas passadas sobre ele e permaneceu impassível quando o anão e seus assistentes amarraram seus pulsos no peito, e seus tornozelos no pélvis do Tigre, de modo que Tibbett ficou pendurado à barriga do Tigre, como se fosse um porco no espeto, seu rosto enfiado no pêlo do peito do Animal.

A mulher foi colocada num tamborete virado, quase como uma enorme tigela inclinada, e o anão enfiou alguma coisa aromática e ágil nas regiões ocultas. Então, o anão apontou para Tibbett, que começava a se contorcer e gemer no peito do Tigre. “X agora será o Deus Inominável”, disse o anão, empurrando Tibbett pelas costelas. Depois, bateu no flanco do tigre com um chicote de montaria, e o Tigre avançou com esforço, colocando sua cabeça entre as pernas da mulher. “Y será o Dragão do Tempo em sua caverna”, disse o anão, batendo no Tigre outra vez.

Enquanto prendia a mulher numa meia-concha, esfregando os bicos de seus seios com uma pomada brilhante, passava a ela o chicote de montaria com o qual ela poderia açoitar os flancos e o rosto do Tigre. “E Z será a Bruxa de Kumbric, e veremos se ela existe nesta noite...” A multidão chegou mais perto, quase todos participantes, e o excitante senso de aventura fazia-os arrancar seus próprios botões, morder os próprios lábios e ir se encostando mais, mais e mais.

“Tantas são as variáveis em nossa equação”, disse o anão enquanto o aposento ficava ainda mais escuro. “Agora, sim, vamos começar o verdadeiro e clandestino estudo do conhecimento.”


8
Os industriais de Shiz, desde o princípio um tanto cautelosos quanto ao poder crescente do Mágico, tinham escolhido não estender a linha ferroviária de Shiz à Cidade Esmeralda como fora originalmente planejado. Portanto, levava uns bons três dias de viagem ir de Shiz à Cidade Esmeralda ― e isso quando o tempo estava em seu melhor, para os abastados que podiam pagar por uma constante muda de cavalos. Para Glinda e Elphaba levou mais de uma semana. Uma semana árida, branqueada pelo frio, em que os ventos de outono arrancavam as folhas das árvores com um bramido seco e um chocalhar dos frágeis, lamurientos ramos.

Elas descansavam, como outros viajantes de terceira classe, nos quar­tos modestos sobre as cozinhas das tabernas. Num simples catre, elas se ajuntavam para obter calor e estímulo e, Glinda dizia a si mesma, proteção. Os homens que cuidavam dos cavalos murmuravam e gritavam na área de estábulo abaixo, as moças da cozinha iam e vinham, barulhentas, em horas importunas. Glinda se sobressaltava como se estivesse num sonho terrível, e se aninhava ainda mais em Elphaba, que parecia nunca dormir à noite. De dia, Elphaba atenuava as longas horas passadas em carruagens de péssimas molas encostando-se ao seu ombro. A terra lá fora parecia menos suculenta e variada. As árvores eram ranzinzas, como se lutassem para conservar a sua força.

Mais à frente, o árido cerrado se mostrava domado pelas terras de cul­tivo. Campos de pastagem eram manchados pela presença de vacas, com suas espáduas atrofiadas e secas, seu surdo desespero. Um vazio se instalara nas fazendas. Glinda viu uma fazendeira parada à porta de casa, as mãos profun­damente enfiadas nos bolsos do avental, o rosto marcado pela aflição e a raiva diante do céu inútil. A mulher viu a carruagem passar, e seu rosto demonstrou um anseio de seguir dentro dela, de estar morta, de estar em qualquer outro lugar, menos nessa carcaça do que fora uma propriedade.

As fazendas davam lugar a moinhos desertos e granjas abandonadas. Então, abrupta e decisiva, a Cidade Esmeralda ergueu-se diante delas. Uma cidade de insistência, de afirmação abrangente. Não fazia sentido, cobrindo o horizonte, brotando como uma miragem nas terras planas monótonas da Oz central. Glinda odiou-a desde o primeiro momento em que a viu. Cidade presunçosa como um novo-rico. Ela supôs que era a sua superioridade gilli­kinesa que reagia. Ela estava contente por isso.

A carruagem passou por um dos portais do norte, e o tumulto da vida se ergueu novamente, mas numa clave urbana, menos restrita e indulgente que aquela de Shiz. A Cidade Esmeralda não se divertia consigo mesma, nem considerava a diversão uma atitude adequada a uma cidade. Sua autoconsi­deração elevada se refletia nos espaços públicos, praças cerimoniais, parques e fachadas e lagos espelhados. “Que imaturidade, que ausência de ironia” murmurou Glinda. “A pompa, a pretensão!”

Mas Elphaba, que tinha passado uma vez apenas pela Cidade Esmeral­da, a caminho de Shiz, não tinha interesse algum por arquitetura. Seus olhos estavam grudados nas pessoas. “Não há Animais”, ela disse, “não que você possa ver, ao menos. Talvez tenham ido todos para os subterrâneos.”

“Subterrâneos?”, disse Glinda, pensando em ameaças lendárias como o Rei Gnomo e sua colônia do subsolo, ou anões em suas minas de Glikkus, ou o Dragão do Tempo dos velhos mitos, sonhando o mundo de Oz lá de sua tumba fechada.

“Nos esconderijos”, disse Elphaba. “Veja, os pobres ― quero dizer, serão eles os pobres? Os famintos de Oz? Saídos das fazendas falidas? Ou eles são apenas ― o excedente? A descartável perfumaria humana? Olhe para eles, Glinda, essa é uma questão real. Os quadlings, mesmo não tendo nada, pareciam ― mais ― que estes...”

Longe do bulevar, quando começaram a trilhar aléias ramificadas, viram folhas de lata e papelão servindo como tetos para o dilúvio de indigentes. Muitos deles eram crianças, embora alguns fossem os minúsculos munchki­neses, e alguns fossem anões, e alguns fossem gillikineses vergados pela fome e pela seca. A carruagem se movia lentamente, e os rostos se erguiam. Um jovem glikkunês sem dentes e sem pés ou barrigas da perna, com seu coto de joelhos, dentro de uma caixa, mendigando. Uma quadling. “Olhe, uma quadling!”, disse Elphaba, agarrando o pulso de Glinda. Glinda teve o vis­lumbre de uma mulher de um vermelho queimado que usava um xale e que erguia uma pequena maçã para uma criança que estava pendurada numa tira em torno de seu pescoço. Três garotas gillikinesas vestidas como mulheres de aluguel. Mais crianças num amontoado, correndo e guinchando como porquinhos, arremetendo-se sobre um mercador, para bater a sua carteira. Mercadores esfarrapados empurrando carriolas. Guardas de quiosques cujas mercadorias ficavam trancadas sob grades de segurança. E uma espécie de milícia civil, se podia ser chamada assim, perambulando aos quartetos em cada quarteirão, brandindo porretes e espadas.

Pagaram o dono da carruagem e caminharam com seus pacotes de rou­pas em direção ao Palácio. Este se erguia, de um modo recuado, uma constru­ção de domos e minaretes, botaréus ostensivos no mármore verde, biombos de ágata azul nas janelas intervaladas. Centrais e mais destacados, os amplos e suaves dosséis do pagode se erguiam junto à Sala do Trono, cobertos por trabalhadas escamas de ouro puro, brilhantes na luz da tarde que se esvaía.

Cinco dias depois tinham passado pelo guardião do portal, pelas recep­cionistas e pela secretaria social. Tinham ficado horas a fio esperando por uma entrevista de três minutos com o Comandante-Geral das Audiências. Elphaba, com uma expressão dura, contraída, em seu rosto, ensaiara expelir as palavras “Madame Morrible” de seus lábios grampeados. “Amanhã às onze horas”, disse o Comandante-Geral. “Vocês terão direito a quatro minutos entre o Embaixador de Ix e a Matrona da Brigada de Nutrição da Guarda Social do Lar das Senhoras. É preciso observar o código de vestimenta.” Ele passou a ela um cartão de regulamentos que, estando elas desprovidas de traje social, foram obrigadas a ignorar.

Às três da tarde seguinte (tudo se atrasava), o Embaixador de Ix deixou a Sala do Trono parecendo agitado e raivoso. Glinda afofou as plumas arrui­nadas de seu chapéu de viagem pela octagésima vez, e suspirou: “Agora é você quem dirá o que deve ser dito”. Elphaba concordou. Para Glinda, ela parecia cansada, assustada, mas forte, como se sua constituição fosse de ferro e uísque em vez de osso e sangue. O Comandante-Geral de Audiências apareceu à entrada da porta do salão de espera.

“Vocês têm quatro minutos”, ele disse. “Não se aproximem até que sejam autorizadas a fazê-lo. Não falem, a menos que a palavra lhes seja dirigida. Não se metam a dar palpite a menos que seja para responder a um comentário ou a uma pergunta. Vocês podem se referir ao Mágico como ‘Sua Alteza’.”

“Isso me soa bem régio. Eu pensei que a monarquia havia sido...” Mas aí Glinda deu uma cotovelada em Elphaba para fazê-la calar-se. Realmente, Elphaba perdia o bom senso, de vez em quando. Elas não tinham chegado tão longe para serem expulsas devido a um radicalismo adolescente.

O Comandante-Geral não pareceu ter notado nada. Enquanto se apro­ximavam de um cenário de altas portas duplas, entalhadas com sinais sigilosos e outros hieróglifos ocultos, o Comandante-Geral mencionou: “O Mágico não está de bom humor hoje devido a notícias de uma rebelião no distrito de Ugabu no norte do Estado de Winkie. Eu ficaria preparado para o pior, se fosse vocês”. Dois estóicos guardas abriram as portas, então, e elas entraram.

Mas o trono não se estendia diante delas. Em vez disso, a antecâmara conduzia à esquerda, e depois da arcada havia uma outra, e outra. Era como olhar através do reflexo de um corredor de espelhos em que estes ficassem de frente um para o outro; dava uma desorientação interior. Ou, pensou Glinda, como passar pelas estreitas, tortuosas câmaras de um submarino. Elas per­correram o circuito de oito ou dez salões, cada um ligeiramente menor que o outro, cada um impregnado de uma luz coalhada que vinha das vidraças centralizadas acima. Por fim, as antecâmaras terminavam numa arcada den­tro de uma sala circular cavernosa, mais alta do que ampla, e escura como uma capela. Prateleiras de arcaico ferro batido sustentavam archotes de cera de abelha moldada que ardiam numa profusão de pavios, e o ar era rarefei­to e ligeiramente farinhoso. O Mágico estava ausente, embora eles tivessem visto o trono num tablado circular, cravejado de esmeraldas que brilhavam foscamente à luz das velas.

“Ele saiu para ir ao toalete”, disse Elphaba. “Bem, esperaremos.”

Elas ficaram na arcada, não se atrevendo a ir além dali sem serem con­vidadas.

“Se temos apenas quatro minutos, espero que isso não conte”, disse Glinda. “Quero dizer, tomou-nos dois minutos chegar de lá até aqui.”

“Nesta altura...”, disse Elphaba, e então fez “Shhhh”.

Glinda se calou. Ela não achou que escutara alguma coisa, então não estava certa de nada. Não havia mudança que ela pudesse discernir na pe­numbra, mas Elphaba parecia um cão pointer em alerta. Seu queixo se pro­jetava, sua cabeça estava erguida e suas narinas dilatadas, os olhos escuros examinando furtivamente e arregalando-se para tudo esquadrinhar.

“O quê?”, disse Glinda, “o quê?”

“O som de...”

Glinda não ouvia sons, a menos que fosse o ar quente que emanava das chamas nas sombras arrepiantes que havia entre os escuros caibros. Ou era o farfalhar de roupões de seda? Seria o Mágico se aproximando? Ela olhava para uma e outra direção. Não ― havia um farfalhar, uma espécie de silvo, como o de toucinho estalando numa frigideira. As chamas das velas subitamente penderam todas, obedecendo a um vento irritado que vinha da área do trono.

Então, o tablado foi atingido por grossas gotas de chuva, e um estre­mecimento de trovão caseiro que afetasse mais caldeiras de cozinha que tím­panos. No trono havia um esqueleto de luzes dançantes; a princípio, Glinda pensou que fosse um relâmpago, mas daí ela notou que eram ossos luminosos enganchados uns nos outros para sugerir alguma coisa vagamente humana, ou ao menos mamífera. A armadura da costela se dobrou e abriu como duas mãos gastas, e uma voz falou na tempestade, não de dentro do crânio, mas do olho escuro da tempestade onde o coração da criatura fulgurante devia ficar, no tabernáculo da armadura.

“Eu sou Oz, o Grande e Terrível”, a coisa disse, e fez tremer a sala com seu próprio eflúvio. “Quem são vocês?”

Glinda olhou de relance para Elphaba. “Vamos lá, Elfinha”, ela disse, acotovelando-a. Mas Elphaba parecia aterrorizada. Bem, claro, era devido à chuva. Ela tinha esse problema com tempestades.

“Quemmm sãããooo vocêssss?”, bramiu a coisa, o Mágico de Oz, fosse o que fosse.

“Elfinha”, silvou Glinda. E então disse: “Oh, seu coisa inútil, que só conversa e ― eu sou Glinda de Frottica, tenha a bondade, Sua Alteza, des­cendo em linha materna dos Arduennas das Terras Altas, e esta ao meu lado, tenha a bondade, é Elphaba, a Terceira Descendente do Thropp de Pedras do Ninho. Tenha a bondade”.

“E se eu não tiver a bondade?”

“Oh, realmente, foi criancice”, disse Glinda, ofegante. “Elfinha, vamos, eu não consigo dizer por que a gente veio aqui!”

Mas o comentário banal do Mágico pareceu tirar Elphaba de seu terror. Ficando onde estava à entrada da sala, agarrando a mão de Glinda como apoio, ela disse: “Somos alunas de Madame Morrible em Crage Hall em Shiz, Sua Alteza, e estamos de posse de informações vitais”.

“Estamos mesmo?”, disse Glinda. “Obrigada por me contar.”

A pequena chuva pareceu cessar um pouco, embora o quarto estivesse escuro como se houvesse ocorrido um eclipse. “Madame Morrible, aquele paradigma de paradoxos”, disse o Mágico. “Informações vitais da parte dela, como?”

“Não”, disse Elphaba. “Isto é, não cabe a nós interpretar o que ouvimos. Fofoca não é coisa confiável. Mas...”

“Fofoca é instrutivo”, disse o Mágico. “Revela para que lado o vento está soprando.” O vento então soprava na direção das garotas, e Elphaba recuava mais para evitar ser molhada. “Vão em frente, jovens, podem contar a fofoca.”

“Não, disse Elphaba. “Estamos aqui para uma finalidade mais importante.”

“Elfinha!”, disse Glinda. “Você quer que nos ponham na cadeia?”

“Quem são vocês para decidirem o que é importante?”, rugiu o Mágico.

“Eu fico de olhos abertos”, disse Elphaba. “Você não nos chamou aqui para ouvir conversa fiada; nós viemos aqui com nossa própria agenda.”

“Como sabem que eu não chamei vocês aqui?”

Bem, elas não sabiam, especialmente depois do que quer que houvesse acontecido com elas no chá com Madame Morrible. “Abaixe a voz, Elfinha”, sussurrou Glinda, “você o está deixando furioso.”

“E daí?”, Elphaba disse. “Eu estou furiosa.” Ela ergueu a voz novamente. “Eu tenho notícias do assassinato de um grande cientista e pensador, Sua Alteza. Tenho novas de importantes descobertas que ele vinha fazendo, e da supressão dessas descobertas. Eu tenho todo interesse em procurar a justiça e eu sei que Sua Alteza também, pois as espantosas revelações do Doutor Dillamond o ajudarão a reverter seus recentes julgamentos sobre os direitos dos Animais...”

“Doutor Dillamond?”, disse o Mágico. “Isso é tudo de que você tem para falar?”

“É sobre uma população inteira de Animais sistematicamente privados de seus...”

“Eu sei do Doutor Dillamond e sei de seu trabalho”, disseram os ossos brilhantes do Mágico, rindo com desdém. “Lixo derivativo, inautêntico, en­ganador. O que se pode esperar de um Animal acadêmico. Baseado em duvi­dosas idéias políticas. Empirismo, charlatanismo, infantilidade. Choradeira, arenga e retórica. Você foi talvez contagiada pelo seu entusiasmo? Pela sua paixão de Animal?” O esqueleto dançou uma jiga, ou talvez fosse um espasmo de desagrado. “Conheço os interesses e as descobertas dele. Sei muito pouco do que você chama de seu assassinato e eu pouco me importo.”

“Não sou escrava de emoções”, Elphaba disse firmemente. Ela estava puxando papéis da manga de sua camisa, de onde aparentemente os trazia enrolados em torno do braço. “"Isto não é propaganda, Sua Alteza. Isto é uma bem articulada Teoria da Inclinação da Consciência, tal como ele a chama. E Sua Alteza ficará espantado ao ver suas descobertas! Nenhum governo bem pensante poderá se dar ao luxo de ignorar as implica...”


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