Fédon (a imortalidade da alma)


participação da essência própria da natureza que ela própria participa e que, no



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Platao-Fedon


participação da essência própria da natureza que ela própria participa e que, no
caso concreto da geração do dois, não saberás inform ar outra causa se não for a
participação da dualidade? Dessa dualidade é que terá de participar o que tiver de
ficar dois, com o participará da unidade, tudo o que vier a ser um . Quanto às
divisões e acrescentam entos e dem ais sutilezas do m esm o gênero, m andarás
todas elas passear, deixando o cuidado da resposta a quem for m ais sábio do que
tu. Quanto a ti, de m edo, com o se diz, da própria som bra e de tua inexperiência, e
firm ado naquele pressuposto seguríssim o, responderias daquele j eito. E no caso
de investir o adversário contra tua própria tese, não lhe darias atenção nem
responderias a ele sem prim eiro verificares se as consequências de seu postulado
são dissonantes ou harm ônicas. E na hipótese de fundam entar tua proposição, fá-
lo-ias da m esm a form a, com adm itir um novo princípio, que se te afigurasse
m ais valioso, até conseguires resultado satisfatório. Ao contrário dos disputadores,
não confundireis com suas consequências o princípio em discussão, caso
quisesses alcançar algum a realidade. Com esta, ao que parece, é que nenhum
deles se preocupa no m ínim o. Com todo o seu saber, o que fazem é baralhar
tudo, m uitos anchos de si m esm os. Tu, porém , se te incluis entre os filósofos,
farás o que te disse.
Falaste a pura verdade, disseram a um só tem po, Sím ias e Cebete.
Equécrates - Por Zeus, Fedão, nem lhe seria possível expressar-se de outro
m odo, pois m e parece de clareza m eridiana sem elhante explanação, até m esm o
para quem for dotado de parco entendim ento.
Fedão - Perfeitam ente, Equécrates; todos os circunstantes foram desse
m esm o parecer.
Equécrates - Que é tam bém o de todos nós que não participam os do colóquio
e te ouvim os neste m om ento.
L - E depois disso, o que disseram ?
Fedão - Segundo creio, depois de lhe concederem esse ponto e de adm itirem
a existência real das idéias e que é da sua participação que as diferentes coisas
recebem determ inação particular, perguntou Sócrates o seguinte: Se é assim que
falas, continuou, quando dizes que Sím ias é m aior do que Sócrates porém m enor
do que Fedão, não equivale isso a dizer que em Sím ias se encontram am bas:
grandeza e pequenez?
Sem dúvida.


No entanto, adm ites que a expressão: Sím ias ultrapassa Sócrates, não deve ser
tom ada no sentido literal; não é por sua própria natureza, por ser Sím ias, que ele o
ultrapassa, m as por sua grandeza ocasional, com o não ultrapassa Sócrates por
este ser Sócrates, m as pela pequenez deste, no que entende com a grandeza do
outro.
Certo.
Com o tam bém ele não será ultrapassado por Fedão, por este ser Fedão, m as
em virtude da grandeza de Fedão em com paração com a pequenez de Sím ias.
Isso m esm o.
Desse m odo, aplica-se a Sím ias, a um só tem po, o apelido de grande e de
pequeno, por estar ele a m eio cam inho dos dois, excedendo com sua grandeza a
pequenez de um deles e reconhecendo no outro a grandeza que vence sua
pequenez. Depois, acrescentou sorrindo: Minha linguagem parece de escrivão;
m as o que eu disse está certo.
Concordou.
Falei desse j eito por desej ar que com partilhes de m inha m aneira de pensar.
O que m e parece, é que tanto a grandeza em si m esm a não desej a ser grande e
pequena ao m esm o tem po, com o a própria grandeza presente em nós não aceita
j am ais aceita a pequenez nem consente em ser ultrapassada. De duas um a terá
de ser: ou ela foge e sai do cam inho quando dela aproxim a seu contrário, a
pequenez, ou, com sua chegada, deixa de existir. O que de nenhum m odo desej a,
havendo adm itido e recebido a pequenez, sem deixar de ser o que era, continuou
sendo pequeno, ao passo que a grandeza, com ser grande, j am ais consente em
ser pequena. O m esm o vale para a pequenez em nós, que nunca se decide a
tornar-se grande ou a ser isso m esm o, o que se tam bém se dá com todos os
contrários, enquanto cada um é o que é, recusam -se a tornar-se e ser ao m esm o
tem po o seu contrário, retirando-se ou desaparecendo quando essa conj untura se
apresenta.
É exatam ente assim que eu penso, observou Cebete.
LI - Nesse instante um dos presentes falou, não saberei dizer com segurança
quem tivesse sido: Pelos deuses! Em nossa prática de há pouco não foi dito
j ustam ente o oposto do que é afirm ado agora, que do m aior nasce o m enor, e
vice-versa, do m enor o m aior, e que essa é, precisam ente, a m aneira de
nascerem os contrários, de seus respectivos contrários? No entanto, quer parecer-
m e que afirm aste não ser isso possível.
Sócrates, que se inclinara para m elhor ouvi-lo, então falou: A observação é
coraj osa, porém não apanhaste bem a diferença entre o que foi dito antes e a
presente afirm ativa. O que então dissem os é que a coisa contrário nasce da que
lhe é contrária, porém agora que o contrário j am ais adm ite ser seu próprio
contrário, nem em nós nem na natureza. Naquela ocasião, m eu caro, falávam os
de coisa que têm contrários; agora, porém tratam os dos próprios contrários
inerentes as coisas, cuj a presença em presta a todas a respectiva designação. Ora,
o que afirm am os é que esses contrários, j ustam ente, não adm item transição de
um para outro.


Ao dizer isso, voltou-se para Cebete e lhe falou: Porventura, Cebete, lhe disse,
deixou-te atrapalhado a obj eção deste aqui?
Não é o m eu caso, respondeu Cebete, conquanto não possa dizer que tudo
para m im estej a claro.
Mas o fato, prosseguiu, é que j á assentam os que nunca o contrário pode ser o
contrário de si m esm o.
Sem a m ínim a restrição, foi a sua resposta.
LII - Então, considera tam bém o seguinte, continuou, para ver se estás de
acordo com igo. Não há algum a coisa a que dam os o nom e de quente, e outra que
denom inam os frio?
Sem dúvida.
E serão, porventura, o m esm o que a neve e o fogo?
Não, por Zeus; nunca afirm ei sem elhante coisa.
Logo, o quente não é a m esm a coisa que o fogo, nem o frio o m esm o que a
neve.
Exato.
Mas, estou certo de que tam bém adm ires que nunca poderá a neve, com o
neve, conform e dissem os há pouco, depois de receber o calor, continuar a ser o
que era: neve com calor. Com a aproxim ação do calor, ou ela se retira ou vem a
fenecer.
Perfeitam ente.
Tal qual com o o fogo: com a chegada do frio, retira-se ou perece; de j eito
nenhum , depois de receber o frio, se atreveria a ser o que antes era: fogo, a um
tem po, e frio.
Falaste com m uito acerto, observou.
Pode acontecer, continuou, nalguns exem plos desse tipo, que não som ente a
idéia em si m esm a tenha o direito de conservar eternam ente o m esm o nom e,
com o tam bém algo diferente que, sem ser daquela idéia, apresenta-se, enquanto
existe, com sua form a. E possível que com o seguinte exem plo eu deixe m ais
claro m eu pensam ento. O núm ero ím par terá de conservar sem pre esse nom e
com o que designam os. Ou não?
Perfeitam ente.
Mas, é só com ele que isso acontece - é o que pergunto - ou com m ais
algum a coisa que, sem ser, de fato, o ím par em si m esm o, ao lado do seu próprio
nom e terá forçosam ente de ser sem pre denom inado dessa m aneira, por ser de
tal natureza, que nunca pode dispensar o ím par? Com isso, quero referir-m e ao
que se passa com o conceito da tríade e m uitos outros da m esm a espécie.
Considera apenas o núm ero três. Não te parece que ele precisará sem pre ser
designado, a um só tem po, pelo seu próprio nom e e pelo do ím par, apesar de não
ser o nom e ím par a m esm a coisa que três? Sej a com o for, de tal m odo é
constituída a natureza do três, do cinco e de toda um a m etade dos núm eros, que
apesar de cada um deles não ser a m esm a coisa que o ím par, sem pre terão de


ser ím pares. O m esm o se passa com o dois, o quatro e toda a outra m etade dos
núm eros, que, sem serem o par, sem pre terão de ser partes. Adm ites isso ou não?
Com o não adm itir? Foi a sua resposta.
Presta agora atenção, disse, ao que m e disponho a dem onstrar. Trata-se do
seguinte: é fora de dúvida que não são apenas os contrários que se excluem
reciprocam ente, m as todas as coisas que, sem serem contrárias entre si, não
adm item a idéia contrária da que lhes é própria, à aproxim ação da qual ou
cedem o lugar ou vêm a perecer. Pois j á não dissem os que o núm ero três
prim eiro deixará de existir ou sofrerá sej a o que for, antes de vir a ficar par, por
ser, de fato, o que é, precisam ente três?
É m uito certo, falou Cebete.
No entanto, continuou, os núm eros dois e três não são contrários entre si.
Nunca.
Logo, não são apenas as idéias contrárias que não adm item a aproxim ação
recíproca; há outras, tam bém , que não aceitam essa aproxim ação dos contrários.
É m uito certo o que afirm as, respondeu.
LIII - E não acharias bom , continuou, determ inarm os, na m edida do possível,
quais essas idéias?
Perfeitam ente.
Não serão, Cebete, prosseguiu, as que forçam as coisas de que elas se
apoderam a conservar tanto a sua própria form a com o a que sem pre lhes é
contrária?
Que queres dizer com isso?
O que declaram os neste m om ento. Com o m uito bem sabes, todas as coisas de
que se apossa a idéia do núm ero três, tanto terão, por força, de ser três com o
ím pares.
É m uito certo.
Ora bem ; o que dizem os é que a idéia contrária à form a eu a constitui nunca
pode entrar nela.
Nunca, de fato.
O que a constitui é a idéia do ím par, não é isso m esm o?
Certo.
Com o o seu contrário é a idéia do par.
Sem dúvida.
Sendo assim , no três j am ais entrará a idéia de par.
Nunca.
Pelo sim ples fato de o três não participar do par.
Isso m esm o.
Visto ser ím par.
Exatam ente.


Pois era isso, precisam ente, que eu queria determ inar: as coisas que, sem
serem contrárias entre si, não adm item o seu contrário. Será o caso do três quem ,
sem ser o contrário do par, de form a algum a o aceita, pois ele lhe opõe sem pre o
seu contrário, com o faz o dois com o ím par, o fogo com o frio e um infinito m ais
de exem plos. Dize-m e agora se não concluirias que não é apenas o contrário que
não recebe o seu contrário, porém tudo o que leva a idéia do contrário da coisa
que o recebe, não adm ite nesta o contrário daquilo que ele leva. Recapitulem os
tudo o que dissem os até aqui, pois não há m al em ouvir a m esm a coisa várias
vezes: O núm ero cinco não adm ite a idéia de par, nem o dez, o dobro daquele, a
de ím par. Por sua vez, o duplo é o contrário de outra coisa, porém não adm ite a
idéia do ím par, com o tam bém não a adm item os núm eros sesquiálteros, o m eio e
outras frações do m esm o tipo, nem a idéia de todo, de terço e de tudo o m ais da
m esm a natureza, se é que m e acom panhas e estás de acordo com igo.
Não som ente estou de inteiro acordo, disse, com o te acom panho.
LIV - Então, repete tudo isso do com eço, continuou, porém não m e responda
com m inhas próprias palavras, m as de outra form a, tom ando-m e com o m odelo.
O que digo é que, além da resposta certa que eu apresentei no com eço,
encontrou outra de não m enor confiança no que ficou dito depois. De fato, se m e
perguntasses: Que precisas haver no corpo para que ele fique quente? Não te
daria a resposta, certa, sem dúvida, porém ingênua, que é o calor, porém outra
m uito m ais aprim orada, com base em nossa exposição anterior: fogo. Com o
tam bém se m e perguntasses o que precisa haver no corpo, para que ele adoeça,
não responderia que é a doença, porém algum a febre. E no caso de perguntares
o que precisa haver num núm ero para ser ím par, não m e referira a im paridade,
m as à unidade, e assim sucessivam ente. Agora vê se apanhaste bem m eu
pensam ento.
À m aravilha, respondeu.
Então, m e digas, continuou, que precisa haver no corpo para que ele viva?
Alm a, respondeu.
E sem pre terá de ser assim ?
Por que não? Foi sua resposta.
Logo, tudo o de que a alm a se apodera, a isso ela dá vida?
É o que ela faz, de fato, respondeu.
E porventura haverá algum a coisa contrária à vida? Ou não há?
Sem dúvida, respondeu.
Que é?
A m orte.
De onde vem , que a alm a nunca poderá aceitar o contrário daquilo que ela
sem pre traz consigo; é o que se conclui de tudo o que dissem os até agora.
Conclusão certíssim a, respondeu Cebete.
LV - E então? O que não adm ite a idéia do par, que nom e lhe dem os agora
m esm o?


Ím par, respondeu.
E o que não recebe o j usto, ou não recebe o harm ônico?
Desarm ônico, disse, ou inj usto.
Muito bem . E o que não recebe a m orte, com o denom inarem os?
Im ortal, foi a sua resposta.
Ora, a alm a não recebe a m orte.
Não.
A alm a é, pois, im ortal?
Im ortal.
Muito bem . Podem os afirm ar, por conseguinte, que isso ficou dem onstrado?
Ou com o te parece?
Ficou dem onstrado à saciedade, Sócrates.
E agora, Cebete, continuou: se o ím par fosse indestrutível por força das
coisas, não teria tam bém de ser indestrutível o três?
Com o não?
E se o não- quente tam bém fosse por necessidade indestrutível, sem pre que
alguém aproxim asse da neve o fogo, não se retiraria a neve intacta e sem
derreter-se? Não pereceria, é claro, e por m ais que ficasse exposta ao calor, não
o receberia.
É m uito certo, respondeu.
Com o tam bém , segundo penso, se o não-frio fosse indestrutível por natureza,
e alguém aproxim asse do fogo o frio, j am ais o fogo se apagaria ou viria a
fenecer, porém afastar-se-ia incólum e.
Necessariam ente, respondeu.
E não será tam bém preciso falarm os nesses m esm o term os no que entende
com o m ortal? Se o im ortal tam bém for im perecível, a alm a, sem pre que a
m orte se aproxim ar dela, não poderá m orrer; pois de acordo com o que dissem os
antes, ela não adm itirá a m orte nem virá a m orrer, da m esm a form a que o três,
conform e vim os, nunca poderá ser par, e com ele o ím par, nem o fogo ficará
frio nem o calor que há no fogo. Porém o que im pede - poderia alguém obj etar -
que o ím par, m uito em bora não fique par à aproxim ação do par, e sobre isso, j á
nos declaram os de acordo, venha, de fato, a perecer, por transform ar-se em par?
A quem tal obj etasse, não poderíam os responder que não perece, pois o ím par
não é indestrutível. Porém se isso houvesse sido aceito antes por nós, fora fácil
retorquir que à aproxim ação do para o ím par e o três se retiram . Da m esm a
m aneira responderíam os com respeito ao calor, ao fogo e a tudo o m ais. Ou não?
Sem dúvida.
Sendo assim , agora, com relação ao im ortal, um a vez adm itido por nós dois
que tam bém é im perecível, a alm a, terá de ser por força im perecível. Caso
contrário, precisaríam os lançar m ão de outro argum ento.
Não por causa disso, retorquiu; dificilm ente poderia haver que não adm itisse


a destruição, se o im ortal, com ser eterno, fosse passível de acabar.
LVI - Quanto a Deus, falou Sócrates, ao que suponho, e à idéia da vida e a
tudo o m ais que possa haver de im ortal, todos estão de acordo em que nunca
podem parecer.
Sim , por Zeus, todos os hom ens, respondeu, e, com m aioria de razões, os
próprios deuses.
Era, um a vez que o im ortal é im perecível, a alm a, sendo im ortal, não terá de
ser, da m esm a form a, im perecível?
Forçosam ente.
Logo, com o parece , ao aproxim ar-se dos hom ens a m orte, o que neles for
m ortal terá de perecer, enquanto sua porção im ortal cede o lugar à m orte e
continua sã e incorruptível.
Claro.
É certíssim o, por conseguinte, Cebete, continuou, ser a alm a im ortal e
im perecível, e existirem realm ente nossas alm as no Hades.
Enquanto a m im , Sócrates, falou Cebete, nada tenho a obj etar contra teus
argum entos, nem o que alegar para não adm iti-los. Porém no caso de Sím ias ou
qualquer outro querer dizer algum a coisa, fará bem em não se conservar calado,
pois não sei que m elhor oportunidade do que esta poderá encontrar quem se
disponha a falar ou a ouvir sej a o que for a respeito destas questões.
Eu tam bém , falou Sím ias, não vej o razão para não aceitar o que foi dito.
Dada, porém , a grandeza da m atéria e por não confiar m uito na fraqueza de
m atéria e por não confiar m uito na fraqueza hum ana, sou forçado a declarar que
ainda alim ento algum as dúvidas com respeito ao que foi explanado.
Não é só isso, Sím ias, falou Sócrates com o m uito bem te exprim iste, até
m esm o nossas proposições iniciais, por dignas de confiança que pareçam ,
precisam ser consideradas m ais a fundo, e, um a vez suficientem ente analisadas,
estou certo de que acom panhareis a argum entação, na m edida da capacidade de
com preensão do hom em , até que, tudo esclarecido, nada m ais tenhais a
investigar.
É m uito certo o que dizes, respondeu.
LVII - Porém devem os senhores, considerar tam bém o seguinte: se a alm a
for im ortal, exigirá cuidados de nossa parte não apenas nesta porção do tem po
que denom inam os vida, senão o tem po todo em universal, parecendo que se
expõe a um grande perigo quem não atender esse aspecto da questão. Pois se a
m orte fosse o fim de tudo, que im ensa vantagem não seria para os desonestos,
com a m orte livrarem -se do corpo e da ruindade m uito própria j untam ente com
a alm a? Agora, porém , que se nos revelou im ortal, não resta à alm a outra
possibilidade, se não for tom ar-se, quanto possível, m elhor e m ais sensata. Ao
chegar ao Hades, nada m ais leva consigo a não ser a instrução e a educação,
j ustam ente, ao que se diz, o que m ais favorece ou prej udica o m orto desde o
início de sua viagem para lá. O que contam é o seguinte: ou m orrer alguém , o
dem ónio que em vida lhe tocou por sorte se encarrega de levá-lo a um lugar em


que se reúnem os m ortos para serem j ulgados e de onde são conduzidos para o
Hades com guias incum bidos de indicar-lhes o cam inho. Depois de terem o
destino m erecido e de lá perm anecerem o tem po indispensável, outro guia os traz
de volta, após num erosos e longos períodos de tem po. Esse cam inho não é o que
diz Télefo, de Ésquilo, ao afirm ar que o cam inho do Hades é sim ples; a m eu ver
nem é sim ples nem único. Se fosse o caso, seria dispensável guia, pois ninguém
se perde onde a estrada é um a só. O que parece é que ele é cheio de voltas e
bifurcações. Digo isso com base nos ritos sagrados e cerim ônias aqui em uso. De
qualquer form a, a alm a prudente e m oderada acom panha seu guia,
perfeitam ente consciente do que se passa com ela; m as, com o disse há pouco, a
que se agarra avidam ente ao corpo esvoaça durante m uito tem po em torno dele
e do m undo visível, e depois de grande relutância e de sofrim entos sem conta, é
por fim arrastada dali, à força e com dificuldade pelo dem ônio incum bido de
conduzi-la. Um a vez alcançado o lugar em que se encontram , outras alm as, a
que se acha im pura pela prática do m al, de hom icídios inj ustos ou de crim es
sem elhantes, irm ãos daqueles e iguais aos que soem praticar alm as irm ãs, de
um as alm a com o essa todas se afastam , evitam na, não havendo guia nem
com panheiro de j ornada que com ela se associe. Tom ada de grande
perplexidade, vagueia por todos os lugares até escoar-se certo tem po, depois do
que a arrasta a Necessidade para a m oradia que lhe foi determ inada. A que
atravessou a vida com pureza e m oderação e alcançou deuses por guias e
com panheiros de j ornada, obtém m oradia apropriada.
LVIII - A Terra apresenta um sem - núm ero de lugares m aravilhosos, não
sendo nem de tão extensa nem da form a com o a im aginam as que se
com prazem em discorrer a seu respeito, conform e alguém m o dem onstrou.
Nessa altura falou Sím ias: Que queres dizer com isso, Sócrates? Sobre a Terra
eu tam bém j á ouvi dizerem m uita coisa; porém não o de que te m ostras
convencido. De m uito bom grado te ouviria falar a esse respeito.
Para fazer essa descrição, Sím ias, não m e parece necessária a arte de
Glauco. Mas o que se m e afigura m ais difícil do que a arte de Glauco é provar a
sua veracidade. É possível, até, que m e falte capacidade para tanto; porém
m esm o que a tivesse, o pouquinho de vida que m e resta, Sím ias, não chegaria
para tão longa exposição. Contudo não vej o im pedim ento em expor-te a idéia
que faço da form a da Terra e de suas diferentes regiões.
Será o suficiente, falou Sím ias.
Para com eçar, principiou, fiquei convencido de que, se a Terra é de form a
esférica e está colocada no m eio do céu, para não cair não precisará nem de ar
nem de qualquer outra necessidade da m esm a natureza: por que para sustentar-
se é suficiente a perfeita uniform idade do céu e seu equilíbrio natural. Pois um a
coisa em equilíbrio natural. Pois um a coisa em equilíbrio no m eio de qualquer
elem ento hom ogêneo, não se inclinará, no m ínim o, para nenhum lado, m as se
conservará sem pre fixa e no m esm o estado. Foi esse o prim eiro ponto,
arrem atou, que passei a adm itir.
E com razão, observou Sím ias.


Ao depois, continuou, que tam bém se trata de algo im ensam ente grande e
que nós outros, m oradores da região que vai do Fásis às Colunas da Hércules,
ocupam os um a porção insignificante da terra, em torno do m ar à feição de
form igas e rãs na beira de um charco. É que por toda a Terra há m uitas
concavidades, de form a e tam anho variáveis, para as quais converge água, vapor
e ar. Porém a própria terra se acha pura no céu puro, onde estão os astros,
denom inado éter por quantos costum am discorrer sobre essas questões, cuj a
borra, precisam ente, é tudo aquilo que não pára de depositar-se nas cavidades da
terra. Quanto a nós, por não percebem os que m oram os nessas concavidades,
im aginam os viver em cim a da Terra com o se daria com quem m orasse no m eio
do m ar fundo e pensasse estar na superfície, e vendo através da água o Sol e os
outros astros, tom aria o m ar pelo céu. Por indolência e fraqueza m uito próprias,
nunca subiu até o espelho da água, nem viu nunca, depois de em ergir do m ar e
de levantar a cabeça fora da água na direção desses lugares, quanto são m ais
puros e m ais lindos do que o outro, o que tam bém não poderia ter ouvido de
nenhum a testem unha ocular. É exatam ente o que se dá conosco. Habitantes de
um a dessa concavidades da Terra, im aginam os m orar em cim a dela, e dam os
ao ar o nom e de céu, com o se o ar fosse o próprio céu em que se m ovim entam
os astros. É igualzinha nossa situação: por indolência e fraqueza, não som os
capazes de atingir o lim ite extrem o do ar. Pois no caso de chegar alguém ao
cim o ou de adquirir asas e de voar, em ergiria e passaria a ver com o os peixes
aqui de baixo quando põem a cabeça fora da água e vêem o que se passa entre
nós: de igual m odo veria o que há por lá, e no caso de agüentar sua natureza por
algum tem po sem elhante vista, reconheceria ser aquele o verdadeiro céu, a
verdadeira luz e a verdadeira terra. Sim , porque esta nossa terra, as pedras e toda
a região que nos circunda estão estragadas e corroídas, tal com o corroído está
pela salsugem tudo o que há no m ar. Nada cresce no m ar digno de m enção, nem
há nada perfeito, por assim dizer; apenas cavernas, areia, lam a a perder de vista
e lodo por onde quer que haj a terra, nada, em sum a, que suporte cotej o com as
coisas belas de nosso m undo. Mas aquelas, por sua vez, em confronto com as
nossas, de m uito as ultrapassam . Se fosse oportuno, contar-vos-ia um belo m ito,
Sím ias, digno de ser ouvido, de com o é constituída essa terra situada em baixo do
céu.
Mas nem há dúvida, Sócrates, falou Sím ias; escutarem os teu m ito com o
m aior prazer.
LIX - O que dizem , com panheiro, para com eçar, é que essa terra fosse vista
de cim a por alguém , pareceria um desses balões de couro de doze peças de
cores diferentes, de que são sim ples am ostras as cores conhecidas entre nós que
os pintores em pregam . Toda aquela terra é assim , porém de cores m uito m ais
pura e brilhantes; um a parte é de cor é púrpura e adm iravelm ente bela; outra é
dourada; outra, ainda, com ser branca, é m ais alva do que o giz e a neve, o
m esm o acontecendo com todas as cores de que é feita, em m uito m aior núm ero
e m ais belas do que quantas possam os j á ter visto. Pois até m esm o as
concavidades da terra, estando cheias de ar e de água, m ostram um a cor de
brilho especial, resultante da m istura de todas as cores, de form a que a Terra


apresenta colorido de uniform e variedade. Nessa terra assim constituída, tudo
cresce nas m esm as proporções: árvores, flores ou frutos. Com as m ontanhas dá-
se o m esm o; as pedras, relativam ente, são m ais m acias e translúcidas e de cores
m uito lindas, das quais são parcela insignificante nossas pedrazinhas tão
apreciadas: sardônicas, j aspe e esm eraldas, e todas as outras da m esm a natureza.
As de lá são todas desse j eito e ainda m ais belas. A causa disso, vam os encontrá-
la no fato de serem puras aquelas pedras e não ficarem estragadas nem
corroídas, com o as nossas, pela putrefação e pala salsugem que convergem para
os lugares cá de baixo e que deform am e deixam doente não som ente as pedras
e o solo, com o tam bém os anim ais e as plantas. Tudo isso enfeita aquela terra,
tam bém ouro e prata e o que m ais houver do m esm o gênero, de tanta
refulgência tudo em tão grande cópia espalhado pela vastidão da terra que sua
vista é verdadeiram ente edificante. Existem nela anim ais em profusão, e
tam bém em parte nas m argens do ar, com o nós m oram os nas do m ar, em parte
nas ilhas cercadas de ar, perto dos continentes. Num a palavra: o ar para eles é
com a água e o m ar para nossas necessidades, assim com o para eles o éter é o
que para nós é o ar. As estações entre eles são de tal m odo tem peradas, que
ninguém cai doente, vivendo todos m uito m ais tem po do que os hom ens cá de
baixo. Quanto à vista, o ouvido o pensam ento e dem ais atributos desse gênero,
eles nos ultrapassam na m esm a proporção em que o ar vence em pureza a água
e o éter o próprio ar. Há tam bém entre eles tem plos e bosques sagrados, nos
quais viver efetivam ente as divindades, bem com o vozes, profecias e aparições
dos deuses, que é com o se com unicam com eles, de rosto a rosto. Adem ais,
vêem o sol, a lua e as estrelas com são na realidade, andando a par com tudo isso
o restante de sua bem -aventurança.
LX - Assim é a natureza da terra em seu conj unto e das coisas que a
circundam . Nas entranhas da terra, por todo o seu contorno notam -se num erosas
concavidades, algum as m ais profundas e patentes do que esta em que m oram os,
outras tam bém profundas, porém com entrada m ais angusta do que a nossa,
havendo, ainda, um as tantas de m enor fundura, porém m ais largas do que esta.
Todas essas regiões se com unicam entre si em m uitos lugares por passagens
subterrâneas, de largura variável, além de possuírem outras vias de acesso. Muita
água corre de um a para outra, com o nos grandes vasos, havendo, outrossim ,
em baixo da terra rios perenes de grandeza descom unal, de água quente e fria, e
tam bém m uito fogo e grandes rios de fogo, bem com o correntes de lam a líquida,
ora m ais lim pa, ora m ais suj a, tal com o antes de lava os rios de lam a da Sicília, e
depois a própria lava. Essas diferentes regiões se enchem de sem elhante m atéria,
de acordo com a direção ocasional da corrente. Essas águas se m ovim entam
para cim a e para baixo, com o um pêndulo colocado no interior da terra.
Sem elhante oscilação deve provir do seguinte: Entre as aberturas da terra, um a
há particularm ente grande, que a atravessa em toda a sua extensão e a que se
refere Hom ero nos seguintes term os:
Essa voragem profunda que em baixo da terra se encontra, e que por ele
m esm o e m uitos outros poetas é denom inada Tártaro. É para essa abertura que
confluem todos os rios, com o é dela, tam bém , que todos partem , adquirindo cada


um as propriedades do terreno por onde passam . A razão de saírem de todos os
rios dessa abertura e de voltarem para ela, é carecerem suas águas de fundo e de
base; daí oscilarem e flutuarem para cim a e para baixo. Concorrem para o
m esm o efeito o ar e o vento que as envolvem , por acom panhá-las tanto quando
se precipitam para as regiões do outro lado da terra com o quando se dirigem
para o lado de cá. E assim com o o sopro de quem respira se encontra em
constante m ovim ento, na inspiração e na expiração, do m esm o m odo o sopro
predom inante naquelas regiões, j untam ente com as águas, quando entram e
quando saem , produz ventos de irresistível violência. Ao se dirigirem as águas
para os lugares que denom inam os de baixo, afluem para os leitos das correntes
desse lado e os enchem , com o nos sistem as de irrigação; quando, inversam ente,
os abandonam e retornam para cá, voltam a encher os deste lado. Um a vez
cheios, correm pelos canais e pela terra, seguindo as vias naturais do solo e
passam a form ar lagos, m ares, rios e fontes. De lá, voltando a m ergulhar na
terra, depois de um a parte das águas circular por m aios núm ero de regiões e
m ais extensas, enquanto outras fazem traj eto pequeno em m enos lugares,
lançam -se outra vez no Tártaro, algum as m uito m ais abaixo do nível em que
corriam , outras um pouco m enos, conquanto desem boquem todas m uito abaixo
do ponto de partida. Alguns rios irrom pem do lado oposto da saída, outros do
m esm o lado; sim , casos há de descreverem um círculo com pleto: enrolando-se
um a ou m ais vezes em torno da terra, à feição de serpentes, descem o m ais
possível para de novo se lançarem no Tártaro. Os rios de am bos os lados podem
baixar até o centro, porém não ultrapassá-lo, pois de cada lado a m argem desses
rios é de aclive acentuado.
LXI - Há m uitas outras caudais do m ais variado aspecto, porém nessa
m ultidão de rios há quatro, particularm ente, dos quais o m aior e m ais afastado do
centro, denom inado Oceano, circunda a Terra inteira. De fronte deste e em
sentido contrário deflui o Aqueronte, que além de atravessar m uitas regiões
desertas, corre por baixo da terra, até alcançar a Lagoa Aquerúsia, para onde
vão as alm as da m aioria dos m ortos, as quais, depois de ali perm anecerem o
tem po m arcado pelo destino, um as m ais outras m enos, são reenviadas para
renascerem em anim ais. O terceiro rio irrom pe dentre os dois prim eiros, para
lançar-se, perto de sua origem , num lugar am plo e cheio de fogo, onde form a
um lago m aior do que o nosso m ar, de água e lam a ferventes. Daí, torvo de tanta
lam a, descreve um círculo e depois de contornar a terra e atravessar outros
lugares, atinge o lim ite extrem o da Lagoa Aquerúsia, sem que suas águas se
m isturem com as desta. Por fim , depois de m uitas voltas sem pre dentro da terra
lança-se na porção m ais baixa do Tártaro. Esse é que tem o nom e de
Piriflegetonte, cuj as lavas j ogam partículas incandescentes em diversos pontos
da superfície da terra. Defronte dele, por sua vez, desem boca o quarto rio, a
princípio num a região selvática e pavorosa, e, ao que se diz, toda ela de colorido
azul escuro, denom inada Estígia, sendo cham ada Estige a lagoa em que ele vem
lançar-se. Depois de nela cair e adquirirem suas águas propriedades terríveis,
afunda pela terra, traçando voltas sem conta em sentido contrário às do
Piriflegetonte, com o qual vai defrontar-se no lado oposto da lagoa Aquerúsia.


Suas águas, tam bém , não se m isturam com as outras, vindo ele a desaguar no
Tártaro defronte do Piriflegetonte. O nom e desse rio, no dizer dos poetas, é
Cócito.
LXII - Sendo essa a disposição natural dos rios, quando os m ortos chegam ao
local determ inado para cada um o seu dem ônio particular, antes de m ais nada
são j ulgados, tanto os que levaram vida bela e santa com o os que viveram m al.
Os classificados com o de procedim ento m ediano, dirigem -se para o Aqueronte e
sobem para as barcas que lhes são destinadas e que os transportam para a lagoa.
Aí passam a residir e se purificam , e no caso de haverem com etido algum a falta,
cum prem a pena im posta e são absolvidos ou recom pensados, de acordo com o
m érito de cada um . Os reconhecidam ente incuráveis, por causa da enorm idade
de seus crim es, roubos de tem plos, repetidos e graves, hom icídios iníquos e
contra a lei, e m uitos outros do m esm o tipo que se com etem por aí: esses lança-
os no Tártaro a sorte m erecida, de onde não sairão nunca m ais. Os autores de
faltas sanáveis, em bora graves - seria o caso dos que, num m om ento de cólera,
usaram de violência contra o pai ou a m ãe, m as que se arrependeram o resto da
vida, ou os que se tornaram hom icidas por idênticos m otivos - todos terão
fatalm ente de ser lançados o Tártaro. Porém m ano depois de ali caírem , as
ondas j ogam os assassinos para o Cócito, e os culpados de violência contra o pai e
a m ãe para o Piriflegetonte. Arrastados, assim , pela correnteza, quando atingem
a Lagoa Aquerúsia, alguns cham am a vozes os que eles m esm os m ataram ,
outros as vítim as de suas violências; e ao acorrerem todos a seus brados,
im ploram perm issão de passar para a lagoa e de serem recebidos. Se conseguem
com eles que os atendam , ingressam na lagoa, term inando logo ali seus
sofrim entos; caso contrário, são m ais um a vez levados para o Tártaro e deste,
novam ente, para os rios, prolongando-se, dessa form a, o castigo até conseguirem
o perdão de suas vítim as. Essa pena lhes é im posta pelos j uízes. Por últim o, os
que são reconhecidos com o de vida em inentem ente santa, ficam dispensados de
perm anecer nessas m oradas subterrâneas e, com o egressos da prisão atingem , as
regiões puras e passam a residir na terra. Entre esses, os que j á se purificaram
suficientem ente por m eio da filosofia, vivem daí por diante sem corpo e vão para
m oradias ainda m ais belas do que as outras. Desisto de descrevê-las, à um a, por
não ser fácil tarefa, à outras, por não dispor agora de tem po para tanto. Do que
vos expusem os, Sím ias, precisam os tudo fazer para em vida adquirir virtude e
sabedoria, pois bela é a recom pensa e infinitam ente grande a esperança.
LXIII - Afirm ar, de m odo positivo, que tudo sej a com o acabei de expor, não
é próprio de hom em sensato; m as que deve ser assim m esm o ou quase assim no
que diz respeito a nossas alm as e suas m oradas, sendo a alm a im ortal com o se
nos revelou, é proposição que m e parece digna de fé e m uito própria para
recom pensar-nos do risco em que incorrem os por aceitá-la com o tal. É um belo
risco, eis o que precisam os dizer a nós m esm os à guisa da form ula de
encantam ento. Essa é a razão de m e ter alongado neste m ito. Confiado nele; é
que pode tranqüilizar-se com relação a sua alm a o hom em que passou a vida
sem dar o m enor apreço aos prazeres do corpo e aos cuidados especiais que este
requer, por considerá-los estranhos a si m esm o e capazes de produzir,


j ustam ente, o efeito oposto. Todo entregue aos deleites da instrução, com os quais
adornava a alm a, não com o se o fizesse com algo estranho a ela, porém com o
j óias da m ais feliz indicação: tem perança, j ustiça, coragem , nobreza e verdade,
espera o m om ento de partir para o Hades quando o destino o convocar. Vós
tam bém , Sím ias e Cebete, acrescentou, e todos os outros, tereis de fazer m ais
tarde essa viagem , cada um no seu tem po. A m im , porém , para falar com o herói
trágico, agora m esm o cham a- m e o destino. Mas esta quase na hora de tom ar o
banho. Acho m elhor fazer isso antes de beber o veneno, para não dar às
m ulheres o trabalho de lavar o cadáver.
LXIV - Depois de dizer essas palavras, falou Critão: Está bem , Sócrates;
porém que determ inações m e deixas ou a estes aqui, a respeito de teus filhos, ou
o que m ais poderem os fazer por am or de ti, que nos fora grato executar?
O que sem pre vos digo, Critão, foi a sua resposta; nada tenho a acrescentar:
se cuidardes de vós m esm os, tudo o que fizerdes será tanto por am or de m im e
dos m eus com o de todos, ainda m esm o que nada m e tivésseis prom etido neste
m om ento. Porém no caso de vos descuidardes de vós m esm os e de não
orientardes a vida com o que no rastro do que vos disse agora e no passado, por
m ais num erosos e solenes que fossem vossos j uram entos neste instante, não
avançareis um único passo.
Quanto a isso, respondeu, esforçar-nos-em os para viver dessa m aneira. Mas,
com o devem os sepultar-te?
Com o quiserdes, disse; basta que segureis de verdade e que eu não vos
escape.
Depois, sorriu de m ansinho e disse, olhando para o nosso lado: Não consigo,
senhores, convencer Critão de que eu sou o Sócrates que neste m om ento
conversa com ele e com enta seus argum entos; tom a-m e por quem ele irá ver
m orto dentro de pouco. Por isso pergunta com o deverá sepultar-m e. Quanto ao
que vos tenho dito tantas vezes, que depois de beber o veneno não ficarei
convosco m ais irei com partilhar da dita dos bem aventurados, ele acha que eu só
falo assim para tranqüilizar-vos e a m im tam bém . Servim e, pois, de fiador j unto
de Critão, porém que sej a essa fiança o oposto da que ele prestou perante os
j uízes. Em penhou, então, a palavra em com o eu ficaria; por vossa vez, afirm ai-
lhe, que não ficarei depois de m orto, porém sairei daqui e partirei, para que ele
se m ostre m ais paciente e não se aflij a tanto por m inha causa, quando vir
queim arem ou enterrarem m eu corpo, no pressuposto de que eu estej a sofrendo
enorm em ente, nem diga nos m eus funerais que expõe Sócrates, ou o carrega, ou
o sepulta. Fica sabendo, continuou, m eu adm irável Critão, que a im precisão da
linguagem , além de ser um defeito em si m esm a, produz m al às alm as. Im porta
criares coragem e dizer que é m eu corpo que vais enterrar; depois sepulta- o
com o te aprouver e com o te parecer m ais de acordo com as leis.
LXV - Tendo acabado de falar, levantou-se e foi para outro com partim ento,
a fim de banhar-se. Critão o acom panhou; a nós m andou que esperássem os. Ali
ficam os, então, a conversar e com entar tudo o que ele dissera e a discorrer sobre
o nosso grande infortúnio. Sentíam os, em verdade, com o quem houvesse perdido


o pai e tivesse de ficar órfão para o resto da vida. Depois de tom ar banho,
trouxeram - lhe os filhos - dois ainda eram pequenos; o outro, m ais crescido. -
Chegaram tam bém as m ulheres de casa, com as quais ele conversou na frente
de Critão, e depois de lhes haver feito certas recom endações, pediu que
retirassem dali as m ulheres e os m eninos e veio para o nosso lado. O sol j á estava
quase a desaparecer, pois Sócrates havia ficado lá dentro bastante tem po. Ao vir
do banho, sentouse, porém não conversou m uito. Achegou-se-lhe o com issário
dos Onze, que lhe disse:
Sócrates, falou, de ti não terei de queixar- m e com o dos outros, que se
zangam com igo e rom pem em palavras e pragas, quando os convido a tom ar o
veneno por determ inação superior. No teu caso, pelo contrário, durante todo este
tem po e em várias outras oportunidades, pude reconhecer em ti o hom em m ais
nobre, m ais delicado e m elhor de quantos para aqui têm vindo. Hoj e,
especialm ente, tenho certeza de que não te zangarás com igo, pois sabes m uito
bem que é dos outros a culpa. E agora, j á que ficaste ciente do que vim anunciar-
te. Adeus; suporta o inevitável da m elhor m aneira possível.
E desatando a chorar, deu as costas e retirou-se. Sócrates olhou para ele disse:
Adeus, tam bém para ti; farem os isso m esm o.
Depois, voltando-se para o nosso lado: Que hom em delicado! Disse. Durante
todo este tem po, vinha sem pre ver-m e e várias vezes conversou com igo.
Excelente criatura. Agora m esm o, quanta generosidade revela com esse choro
por m inha causa! Porém vam os, Critão; obedeçam os-lhe; tragam logo o veneno,
se estiver pronto; senão, cuide de preparálo o encarregado disso.
Critão observou: O que eu acho, Sócrates, lhe disse, é que o sol ainda está por
cim a das m ontanhas; não baixou de todo. Sei tam bém que m uitos tom aram o
veneno bem depois da intim ação e de com erem e beberem à farta; sim , alguns
m esm o depois de relações am orosas com que lhe apetecesse. Não te apresses;
tem os tem po.
E Sócrates: É natural, Critão, assim falou, que esses tais procedessem
conform e disseste, por im aginarem que disse lhes adviria algum a vantagem . Mas
é tam bém natural não proceder eu dessa m aneira, pois não vej o o que posso vir a
lucrar em beber o veneno um pouco m ais tarde, se não for tornar-m e ridículo a
m eus próprios olhos, por agarrar-m e dessa m aneira à vida e tentar econom izar o
que j á não existe. Vam os, continuou: obedece- m e e só faças o que eu digo.
LXVI - Ouvindo-o, Critão fez sinal ao m enino que se encontrava m ais perto.
Este saiu e voltou pouco depois em com panhia do encarregado de lhe dar o
veneno, que j á o trazia esprem ido na taça. Ao ver o hom em , Sócrates perguntou-
lhe. E agora, m eu caro: j á que entendes destas coisas, que precisarei fazer?
Nada m ais, respondeu, do que andar depois de beber, até sentires peso nas
pernas, e em seguidas deitar-te. Assim o veneno atuará.
Depois dessas palavras, estendeu a Sócrates a taça, que a tom ou das m ãos
dele com toda a tranquilidade, sem o m enor trem or nem alteração da cor ou das
feições. Mirando por baixo o hom em , com aquele seu olhar de touro, perguntou-
lhe: Que m e dizes? E se eu fizesse um a libação com um pouquinho disto aqui? E


perm itido ou não?
Só preparam os, Sócrates, respondeu, a quantidade que nos parece suficiente.
Com preendo, retrucou. Mas pelo m enos é perm itido, e até um dever, pedir
aos deuses que façam feliz a passagem deste m undo para o outro. É o que peço.
Prouvera que m e atendam !
Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e com toda a naturalidade, sem
vacilar um nada, bebeu até à últim a gota. Até esse m om ento, quase todos
tínham os conseguido reter as lágrim as; porém quando o vim os beber e que havia
bebido tudo, ninguém m ais aguentou. Eu tam bém não m e contive: chorei à
lágrim a viva. Cobrindo a cabeça, lastim ei o m eu infortúnio; sim , não era por
desgraça que eu chorava, m as a m inha própria sorte, por ver de que espécie de
am igo m e veria privado. Critão levantou-se antes de m im , por não poder reter as
lágrim as. Apolodoro, que desde o com eço não havia parado de chorar, pôs se a
urrar, com ovendo seu pranto e lam entações até o íntim o todos os presentes, com
exceção do próprio Sócrates.
Que é isso, gente incom preensível? Perguntou. Mandei sair as m ulheres, para
evitar esses exageros. Sem pre soube que só se deve m orrer com palavras de
bom agouro. Acalm ai-vos! Sede hom ens!
Ouvindo-o falar dessa m aneira, sentim o-nos envergonhados e param os de
chorar. E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de
costas, com o recom endara o hom em do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe
os pés e as pernas. Depois, apertando com m ais força os pés, perguntou se sentia
algum a coisa. Respondeu que não. De seguida, sem deixar de com prim ir- lhe a
perna, do artelho para cim a, m ostrou- nos que com eçava a ficar frio e a
enrij ecer. Apalpando-o m ais um a vez, declarou-nos que no m om ento em que
aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o
baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto - pois o havia tapado antes - disse, e
foram suas últim as palavras: Critão, exclam ou, devem os um galo a Asclépio.
Não te esqueças de saldar essa dívida!
Assim farei, respondeu Critão, vê se queres dizer m ais algum a coisa.
A essa pergunta, j á não respondeu. Decorrido m ais algum tem po, deu um
estrem eção. O hom em o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão
fechou-lhe os olhos e a boca.
Tal foi o fim do nosso am igo, Equécrates, do hom em , podem os afirm á-lo,
que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o m elhor e tam bém o m ais
sábio e m ais j usto.

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