Depois de semanas no Clube, Irene encontrara um amigo com quem podia se relacionar sem se incomodar com as normas do clube. Precisava dar-lhe um nome já que Gilda lhe negou os papéis de transferência do cavalo, no qual, com certeza, estaria registrado o nome do Quarto de Milha puro sangue deixado por Yves.
A Doutora era uma das maiores criadoras de cavalos Quarto Milha do Brasil e tinha um olho clínico para julgar a raça. O cavalo a impressionara com seu perfeito corpo compacto e músculos massivos. O cavalo lhe lembrava a cor de cobre. Irene lembrou-se de sua amiga Susan que tinha um cavalo chamado Copper que morrera de cólicas após uma competição. Para homenagear o lindo cavalo de Susan, Irene rebatizou o Quarto de Milha de Yves com o nome de Copper.
Yves, que disse não saber nada sobre Freud, acertara na terapia para fazer com que Irene se sentisse mais à vontade e alegre durante sua estadia no Merlin.
Duas semanas se passaram sem grandes novidades no Clube.
Irene era assídua companhia dos soldados cavalariços e perambulava grande parte do dia pelos estábulos. Para sorte de todos, não houve nenhum incidente nos piquetes determinados para Irene cavalgar. Gilda teve que ir até Avaré para comprar-lhe mais dois pares de calças para montaria, botas de borracha, cenouras para Copper e dois livros que não estavam disponíveis na biblioteca do Clube.
Estevão chegou no domingo pela manhã e encontrou Irene nos estábulos dando um banho em Copper. Irene se surpreendera com a aparição repentina de Yves e não tinha se dado conta que já passavam duas semanas desde que o vira pela última vez.
Yves a cumprimentou, perguntando ao mesmo tempo se ela tinha gostado do Quarto de Milha.
Yrene, ironicamente, respondeu que até agora era a única coisa boa que ele fizera desde que o conheceu.
– Menos mal. Depois que tudo isso acabar você pode ficar com ele, se quiser, disse Yves.
– Além dos vinte milhões terei que pagar pelo cavalo também? perguntou Irene.
– Não! Considere um presente pessoal, até porque ainda você não nos doou os vinte milhões, Rebateu Yves, Logo desviando o assunto para outro tema antes que levasse outro tapa.
Os dois almoçaram juntos na varanda e desta vez Yves deixou o assunto a ser tratado para após a refeição. Irene estava preocupada e com saudades de seu filho. Perguntou se Yves tinha alguma notícia dele.
– Logo teremos se você decidir gravar a mensagem hoje, respondeu Yves, esperando para ver a reação de Irene.
– Se for aquele script que a sua guarda me passou pode esquecer porque eu não vou ficar na frente de uma câmara para falar um monte de mentiras, atacou Irene ameaçando levantar-se e ir para a suíte novamente.
– OK! OK! Você é muito temperamental e parece que quer ficar no Clube indefinidamente. Depois da sesta vamos voltar a conversar novamente. Se você não me der uma resposta afirmativa, eu lhe farei uma proposta que você não poderá recusar.
Irene, emburrada, disparou para sua suíte.
Após um banho morno, Irene, de fato, caiu no sono durante a leitura de um de seus novos livros que encomendara. Estava no segundo capítulo do livro Armas, Germes e Aço (O Destino das Sociedades Humanas), do escritor Jared M. Diamond.
Acordou assustada com os tiros vindos da direção da piscina. Ficara estarrecida na cama. O primeiro pensamento que lhe viera à mente fora o da polícia estar invadindo seu cativeiro e lutando com os soldados de Yves para libertá-la. Não se atreveu a mover-se da cama. Ficou ali congelada esperando seus heróis.
Cinco minutos se passaram quando Irene ouviu as três familiares batidas na porta e a chave sendo torcida para esquerda. Seu coração acelerou-se com a expectativa de estar livre. Não desejou outra opção.
Gilda apareceu na porta e a convidou para acompanhá-la até o gramado da área da piscina onde Yves estava lhe aguardando para terminar o assunto discutido no almoço.
Decepcionada com a imagem na porta, Irene perguntou o que havia sido aquele monte de tiros lá fora.
Gilda respondeu que os soldados treinam a cada 30 dias e hoje era o dia de tiro ao alvo.
Yves estava de pé montando uma mira telescópica em um rifle quando Irene se aproximou escoltada por Gilda e outra soldado.
– Como lhe disse durante o almoço nós temos que resolver agora sobre a gravação da mensagem. Gostaria de saber se você já está preparada para gravar?
Irene respondeu:
– Não vou gravar o seu script hoje, nem nunca.
– OK! OK! disse Estevão, convidando Irene para sentar-se na cadeira e assistir aos soldados praticarem alguns tiros.
Enquanto alguns dos soldados atiravam com suas armas de cano longo, outros atiravam com pistolas.
Yves perguntou se ela queria praticar, ou se gostava de armas.
Não veio nenhuma resposta de Irene.
– Bem! Vejamos, comentou Yves olhando para Irene. Preste atenção para o rifle de Gilda. É um rifle Remington modelo M700 versão inox com cano de 26 polegadas Bull barrel. Seu calibre é o 308 Winchester ou o 762 da NATO. Eu diria que é mortal a qualquer distância até 1.000 metros. Essa luneta que ela está regulando é a Leopold com objetiva ajustável e regulagem paralax 12 X 36 X 40. Em palavras mais simples: Se eu estiver a 1.000 metros de um alvo eu posso regular a Leopold para ver o alvo tão claro e preciso como eu estou vendo você daqui. E nós estamos a 1 metro um do outro.
– Eu vou lhe ensinar a usar esse binóculos para você assistir a um treino muito especial. Yves deu uma breve explanação para Irene sobre o binóculos Ranger Finder. Ensinando-lhe a manusear suas lentes para medir a que distância estava, um alvo, na borda do mato, do outro lado do lago.
Irene teve dificuldade, mas acabou achando a medida aproximada de 590 metros.
– OK! OK! incentivou Yves, enquanto Gilda regulava sua luneta.
– Muito bem Doutora Irene, eu achei a mosca no mel. Aqui na minha Leopold deu 595 metros, falou Gilda olhando pela luneta do seu M700.
Irene se esforçou com o binóculos e colocou um close-up nas lentes para ver o alvo melhor. Era um desses alvos de academia de tiros onde a figura de um homem fora desenhado grosseiramente. Tinha vários círculos saindo um de dentro do outro começando no peito e expandindo para o resto do desenho com pequenos números entre os círculos.
– Vamos lá! disse Yves. Prepare o seu binóculo e olhe onde a Gilda vai acertar os tiros.
Gilda se posicionou em pé, com as pernas um pouco abertas e flexionadas, encostou a coronha do rifle no ombro mirou pela luneta, prendeu a respiração por sete segundos e disparou.
Irene não conseguiu ver com seu binóculo nenhum sinal de tiro na mosca do alvo.
– Nada, você errou, falou para Gilda.
– Está bem! respondeu Gilda. Vou dar mais um.
Repetiu o mesmo alvo, desta vez dois centímetros para à direita. Baixou o rifle para o chão e pediu a Irene para levantar seu binóculo e olhar entre os dois olhos não no peito do alvo.
– Sim! respondeu Irene se esforçando para ver o rosto do alvo. Estou vendo disse ela. Dois buraquinhos, um ao lado do outro.
– Não costumo errar com meu Remington, falou a Irene enquanto desmontava a luneta do rifle e colocava seu equipamento em um estojo comprido de plástico preto, almofadado por dentro.
Yves falou a Irene, com um tom de voz sério e claro:
– Antes de você voltar aos seus aposentos quero que você veja alguém. Pegou o rádio de uma das soldados que estava ao lado de Irene e falou com outro soldado que estava nas imediações do alvo para virar o alvo do outro lado.
Em seguida, ordenou a Irene que olhasse, novamente, com o binóculo o alvo atingido com os dois tiros.
Irene já estava de pé pronta para retornar a sua suíte. Voltou a colocar o binóculo de Gilda e olhou na direção do alvo. Focalizou o binóculo e viu um pôster de Antônio, seu filho, usando um de seus ternos Giorgio Armani, azul marinho, com um belo sorriso na face e dois furinhos de balas entre os olhos.
Irene largou o binóculo no chão, mas não conseguiu energias para falar, andar ou esbofetear novamente Yves.
Gilda e a outra soldado ajudaram Irene a se sentar novamente e uma delas lhe deu um copo de água.
Assim que ela acabou de tomar a água, Yves falou em sua face:
– Não somos assassinos. Isso aqui só foi uma demonstração de uma das alternativas que o MBN considerará caso você não grave a mensagem na próxima semana.
Depois do desabafo forçado, Yves saiu em direção ao seu carro.
Irene se isolou dos soldados por dois dias. Fazia as refeições em seus aposentos e não conseguia ânimo para ver Copper ou ir até a academia do clube se exercitar.
No terceiro dia, após tomar a decisão certa, chamou Gilda em sua suíte e pediu outra cópia do Script que ela teria que memorizar, pois havia rasgado e jogado a sua dentro do vaso.
Gilda lhe providenciou outra cópia dizendo que quando estivesse preparada era para avisá-la.
Irene que voltara a cavalgar pelas manhãs, também, ensaiava todos os dias durante três horas ou mais seu papel no script.
Achava mesmo tudo aquilo muito bem planejado e arquitetado. Estava em dúvidas quanto ao verdadeiro motivo da parte referente à Síndrome de Estocolmo. Perguntava-se qual seria mesmo o objetivo daquela parte. Era possível que Yves pensara que ela poderia ter um caso com ele enquanto estava sob sua tutela? E aí, ela facilitar as negociações em seu favor?
No sábado avisou Gilda que estava pronta.
Yves como de costume chegou no domingo pela manhã muito animado com a idéia de filmar logo a primeira mensagem de Irene para dar seqüência aos seus planos.
Irene estava completamente mudada e desta vez não parava de mostrar seu contentamento ao cumprimentar Yves. Irradiava uma energia positiva não demonstrada nos encontros anteriores dos dois.
Yves, pego de surpresa, ficou meio sem jeito dizendo que Gilda estava preparando o cenário e mais tarde iriam começar as filmagens.
Aproveitou a alegria momentânea de Irene para tirar de uma sacola que carregava a filmadora digital um pequeno pacote embrulhado em um papel, marrom claro, reciclado amarrado com embira. Deu o presente para Irene, dizendo que tivera muito trabalho para encontrar tal raridade e que havia sido extremamente difícil tentar descrever com palavras a fragrância de um perfume do qual não sabia o nome.
Nas cinco melhores lojas de perfumes que estivera, inclusive o Duty Free do aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro, ele se tornara persona non grata. Deixara as demonstradoras todas enfurecidas e estonteadas no meio de tantos aromas esborrifados no ar e em cartãozinhos de cheirar.
– Espero que seja o seu, complementou Yves.
Irene delicadamente abriu a caixinha e lhe agradeceu quando percebeu que Yves lhe dera o seu perfume favorito. Com um sorriso no rosto, disse-lhe que gostava do Caraná-AM pela fragrância rara e exótica que exalava.
Comentou com Yves que, de fato, o perfume era muito difícil de se encontrar. Ela tivera sorte de ser incluída em um clube muito seleto de pessoas clientes, exclusivas, do Caraná-AM. O perfume é vendido somente para pessoas que contribuem para projetos sociais de uma ONG no Estado do Amazonas.
– Parece-me que são menos de 100 em todo o mundo.
O Caraná-AM é um óleo puro sem qualquer interferência de produtos químicos e de uma raridade única. Imagine que, em toda a Floresta Amazônica, a árvore que contém a essência da Caraná Branca, também conhecida como pau-rosa-fêmea, só nasce em uma pequena faixa de terra firme nas margens esquerda do Rio Negro, ao lado da área indígena Waimiri/Atroari, no Estado do Amazonas.
O óleo da Caraná Branca, depois de extraído, é juntado a uma essência de uma orquídea rara que só nasce na região.
A ONG não revela ou vende a fórmula, secreta, para ninguém. Por isso a exclusividade do perfume.
Cada frasco do óleo é comercializado por cinco mil dólares.
Não é preciso usar o óleo todos os dias e um frasco dura em média quatro meses.
O preço não me incomoda, pois o dinheiro é doado a ONG que protege uma RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural, de onde é tirada a essência da Caraná Branca.
O IBAMA, através do Ministério do Meio Ambiente, fiscaliza e protege a Reserva, certificando-se que ninguém destrua sua flora, fauna e toda a biodiversidade contida na RPPN. O decreto de uma RPPN é irreversível e espero que outras pessoas sigam o exemplo dessa ONG.
– Agora, Monsieur Yves, você vai me contar como é que você conseguiu saber o nome e onde encontrar o meu amado perfume? Se não me engano nem o meu filho sabe desse segredo. O primeiro frasco me foi dado quando fiz vinte anos de casada pelo meu falecido marido. Viciei na hora e desde então não consigo me livrar dessa dependência aromática. Confesso que sou contribuinte vitalícia da ONG que criou essa tentação vinda da floresta virgem.
– Ok! OK! Irene. Eu só contarei se você prometer que não vai perder essa alegria radiante que se incorporou em você, não me dar outro tapa e não repreender uma pessoa que me deu a dica. Está bem?
Irene, curiosa, prometeu que se comportaria como uma dama.
– Pois bem! começou a confessar Yves. Eu já lhe disse que sei muitas coisas a seu respeito, mas confesso que não tinha a menor idéia do tipo de perfumes que você usava.
Até hoje não consigo explicar porque fiquei com aquele aroma seu impregado no meu cérebro, no dia em que a carreguei no ombro. No seu hangar eu já havia sentido o seu cheiro nos seus telefones. Só sei dizer que desde o primeiro instante que tive contato com o raro aroma meu olfato se nega a esquecê-lo.
Mas respondendo à sua pergunta.
A sua governanta, a Nina, me foi muito prestativa querendo obviamente ajudar você.
Na semana retrasada, eu a abordei na rua e lhe contei que era da polícia, pois desci de um carro da Polícia. Eu disse a ela que estávamos secretamente tentando localizar a Doutora Irene.
Nina respondeu, assustada, e disse que a Doutora estava no exterior e que não sabia quando ela voltaria e se eu quisesse mais informações era para ir até a sede da VÊNUS e procurar seu filho ou o Dr. Moisés.
Fui duro com ela e lhe contestei que a Doutora Irene não estava no exterior e que fora seqüestrada na sua fazenda em Araçatuba. A Polícia estava investigando secretamente o caso e eu precisava de algumas informações que poderiam ajudar a encontrar a Doutora Irene. Continuei dizendo que poucos empregados da VÊNUS sabiam da verdade e era para eles não falarem com ninguém a respeito do ocorrido. Mas, que ela era fora uma das pessoas escolhida pela Polícia porque, além de saber a versão verdadeira do ocorrido, poderia ajudar muito nas investigações policiais.
Nina não queria falar mais comigo e então eu lhe disse que se algo de mal ocorresse com a Doutora Irene ela seria uma das responsáveis por esconder evidências da Polícia.
O truque funcionou e a senhora Nina não agüentou a pressão Policial.
Ela relatou que o Antônio estivera com dois senhores estrangeiros lá no Morumbi e eles lhe fizeram um monte de perguntas. A única coisa que ela lhes disse foi que tinha preparado a sua bagagem para passar dois dias na fazenda. A roupa de montagem, ela deixava na Limoeiro; portanto, ela levara uma valise pequena. Ela saíra para o aeroporto com quatro seguranças em dois carros, e ninguém telefonara no dia do seqüestro, ou depois, para a Doutora Irene.
Após seu relato eu a convidei para dar uma olhada na viatura policial de onde eu saíra para abordá-la. Ela sem entender do que se tratava e com um certo receio me seguiu até a viatura onde mais dois homens e uma cadela estavam me esperando.
Eu contei para a sua governanta que o nome daquela cachorra era Ginger, que ela era treinada para encontrar pessoas desaparecidas ou escondidas em cativeiros. Para tanto, a Polícia precisava de algo perfumado da Doutora ou até mesmo saber que tipos de perfumes ela usava para tentar encontrá-la.
Nina soltou o verbo, com certo receio em coçar a cabeça da Pit Bull, que lhe lambia a mão. Logo me contou que a Doutora tinha poucas marcas de perfume, mas que, no dia em que ela foi para a Limoeiro, tinha levado o perfume raro que vinha do Amazonas para ela, três ou quatro vezes ao ano. Eu lhe perguntei o nome, mas ela não se lembrava direito e me disse que o nome era parecido com Guaraná-AM.
Agradeci a senhora Nina e lhe disse se precisasse de algo mais que eu lhe telefonaria, pois tinha o número da casa da Doutora Irene. Pedi-lhe para manter a nossa conversa em sigilo.
– O resto foi fácil, concluiu Yves.
– Está bem! respondeu Irene. Você me surpreendeu mais uma vez.
– Vamos filmar a mensagem. Já memorizei o seu script.
As exigências
Depois de várias tentativas e 43 dias após o desaparecimento de Irene, Yves preparava-se para filmar, com uma câmara digital, pela segunda vez a mensagem que a Doutora iria transmitir ao seu filho e a dois diretores executivos que comandavam seu império financeiro.
Ela estava em uma suíte isolada do resto do pessoal que ocupava o Clube Merlin. Tinha acabado de tomar um banho quente, enquanto Gilda esperava para ajudá-la com a maquiagem e o cabelo. Gilda era a soldado responsável pela alimentação e por vigiar a Doutora Irene. Prometeu a Estevão que deixaria a Doutora tão linda e atraente como no dia da sua abordagem. Lembrou a Yves que quando era jovem fizera um curso de esteticista, entre outras coisas em sua terra natal, Porto Alegre.
Yves sorriu e disse que, além das suas convicções políticas, ela tinha sido escolhida para participar do MBN por ser a melhor atiradora com armas de fogo que ele já conhecera e, também, pelos seus dotes eséticos. Tinha dúvidas quanto aos seus dotes culinários.
A roupa que a Doutora Irene iria vestir na filmagem foi comprada em outro estado. Camisa branca de manga comprida, jeans, meias de algodão brancas e um tênis Nike rosa claro comprado por Yves no melhor shopping da cidade.
Doutora Irene, mesmo bastante estressada emocionalmente, procurava não demonstrar seus verdadeiros sentimentos a Yves ou a Gilda. Ao contrário. Após as demonstrações olímpicas de tiro, tendo seu filho como alvo, resolveu fazer o jogo de Yves e, no processo, preservar a vida de seu filho e a sua. A comida caseira de boa qualidade, seu cavalo e os livros ajudaram-na a se equilibrar novamente.
Yves queria vê-la bem disposta, alegre e bastante descontraída. Doutora Irene já tinha lido a mensagem que lhe fora escrita pelo MBN uma dezena de vezes e achou que já a tinha memorizado.
Yves foi bastante claro e relembrou que desde o primeiro instante de sua chegada ao Clube fora notificada que este momento chegaria. Já era tempo para a mensagem sair naturalmente, e tudo aquilo era, de fato, como um teste para atriz principal em uma peça de teatro. Recomendou que ela teria que dar o máximo de si para poder conquistar o desejado papel e que no final da apresentação viriam os aplausos.... viria a continuação da vida.
Irene já não argumentava mais com Yves. Obedecia suas ordens ou até dava sugestões tais como onde deveria ficar no momento da filmagem.
Depois de tomar um copo de água sem gelo, ela disse que estava pronta, e Yves começou a filmá-la com a luz natural vindo de uma janela aberta e do teto de vidro, transparente, em cima da cama. Irene sentou-se em uma cadeira de balanço ao lado da cama e começou a interpretar com perfeição o seu papel de atriz e executiva milionária.
No fundo do quarto via-se uma TV ligada, com o volume quase inaudível, dando o noticiário nacional ao vivo do meio dia de 20 de outubro de 2003.
Após a interpretação, perfeita, da Doutora Irene, Yves agradeceu-a pela colaboração e esforço dizendo que ela, com certeza, ganhara o papel da atriz principal.
Despediu-se da atriz dizendo que iria iniciar, imediatamente, as negociações com seu filho e a VÊNUS e que logo ela estaria em casa para retomar suas atividades.
Yves recomendou a Gilda que o esquema de vigiar o Clube continuaria o mesmo. Disse que retornaria em breve e seguiu para São Paulo para editar, em seu estúdio, as imagens do cartão de memória de sua filmadora digital em um DVD.
No outro dia de manhã, embarcou em um avião comercial para Porto Alegre. Lá chegando, tomou um taxí e foi para uma agência dos Correios, no centro, e despachou via SEDEX ESPECIAL o DVD, editado, para o escritório da VÊNUS em São Paulo aos cuidados de Antônio.
Retornou no mesmo dia.
A primeira mensagem
– Vocês aí da VÊNUS devem estar preocupados com o que aconteceu comigo, onde estou e como estou passando no presente momento. Agora não quero entrar em detalhes dos eventos que já passaram, mas sim dos que vão acontecer a partir do momento em que vocês receberem este filme. Para tanto, peço-lhes que retirem da sala, imediatamente, o nosso pessoal da segurança, negociadores e, também, a polícia que com certeza foi chamada por vocês. Não quero a polícia envolvida nisso oficialmente, muito menos extra-oficialmente. Favor colocar uma pausa no filme até que todos saiam da sala. Somente quero que assistam ao resto do filme o meu filho Antônio, Dr. Moisés e Sr. Júlio.
– Já saíram??? Estou aguardando!!
A Doutora Irene fica sorrindo para a câmara por alguns minutos sem dizer uma palavra como se estivesse esperando os indesejados a saírem mesmo da sala.
– Ok!. Vamos lá. Estou aguardando.
Na sala, além de Antônio, Dr. Moisés e Júlio, estavam dois diretores da RELEASE, Mr. Irwing Rosenberg e Mr. Edward Lloyd. O Sr. Rosenberg era um ex-coronel, aposentado, do exercito israelense, e o Sr. Lloyd, também com credenciais militares, foi da Royal British Air Force. A empresa fora contratada, anteriormente, pela VÊNUS para intermediar as negociações do resgate com os seqüestradores.
Até o presente momento não tinham conseguido quase nada em suas averiguações, a não ser começar uma investigação sobre os funcionários que trabalhavam nas quatro residências da Doutora Irene em diversos locais do Brasil. Concentravam as investigações na Fazenda Limoeiro e com os próprios seguranças da VÊNUS, inclusive um que estava com ela no dia do seqüestro e iriam, também, investigar outros funcionários da VÊNUS. Já tinham descartado o envolvimentos dos pilotos.
Antônio colocou em pausa o DVD que passava o filme na TV e pediu para os dois que saíssem da sala e que assim que terminasse de ver a mensagem de sua mãe os chamaria de volta.
Os senhores Rosenberg e Lloyd, sob protesto, disseram que era um erro, muito grave, tirá-los da reunião e que eles estavam ali justamente para orientá-los nas investigações e intermediação com os seqüestradores. O intermediador israelense reclamou que Antônio estava fazendo o jogo dos seqüestradores e que a RELEASE não poderia ser responsabilizada caso algo de ruim acontecesse com a Doutora Irene.
– Vocês estão nos privando de informações vitais para nossas investigações, disse Mr. Edward.
Dr. Moisés abriu a porta, e os dois, ainda reclamando, foram convidados a saírem da sala de Antônio. A secretária os direcionou para outra sala de reunião onde ficaram aguardando.
Antônio liberou a pausa do DVD novamente e continuaram a ver o filme.
– Depois eu vou ficar sabendo se somente vocês três ficaram na sala.
– Agora, o importante é vocês saberem que estou bem e com muita disposição de viver, por isso, depois que conheci os senhores aqui presentes e seus objetivos, tomei algumas decisões que vou elucidar da melhor maneira possível:
Primeira: como acionista principal e presidente da Holding que controla todas as empresas do grupo VÊNUS e como é o meu dinheiro que terá que ir parar nas mãos desses senhores aqui do outro lado, tomei a iniciativa, de livre e espontânea vontade, de eu mesma negociar com eles o preço de minha liberdade e também algumas condições de pagamento. Essa é uma regra nova para mim e para vocês. Esqueçam quaisquer outras opções.
Segunda: nenhum de vocês estão autorizados a copiar, mostrar e/ou divulgar este filme para terceiros. Eu estou pedindo a vocês que executem minhas ordens via este filme.
Estou cem por cento certa de que esta é a melhor forma e a de menos risco para todas as partes acabar logo com esta situação. Vocês podem achar que o meu caso é um outro Síndrome de Estocolmo, mas não é nada disso. É simplesmente um imprevisto que não estava orçado nos nossos planos financeiros, mas teremos que resolvê-lo de uma forma ou outra. Ou como dizem nos filmes americanos (It’s just business). Ou seja, a minha vida por dinheiro ou dinheiro por uma vida, tanto faz... E, como dinheiro eu tenho bastante e vida somente uma, o negócio foi fechado de comum acordo com os senhores aqui presentes em 20 milhões de dólares, os quais serão pagos por vocês em quatro parcelas de 5 milhões cada uma. A última parcela de 5 milhões de dólares terá que ser em reais, câmbio do dia.
Os detalhes da entrega, dias e locais, serão combinados em breve. Portanto, a partir desse momento, minha vida depende mais de vocês três do que desses senhores aqui presentes.
No próximo contato, vocês receberão as condições e já podem, imediatamente, ir arrumando a quantia total exigida e separá-la em quatro lotes.
É importante lembrar que a única maneira de esse negócio dar certo é justamente seguir minhas instruções ao pé da letra e não fazerem absolutamente nada estranho ao que eu pedir, tais como anotar número e séries das notas do dinheiro a serem pagos ou ainda colocar dispositivos eletrônicos ou químicos nas embalagens do dinheiro para que os receptadores possam ser seguidos ou qualquer outro meio usado por especialistas da área. O que acabei de mencionar é coisa do passado ou para outros que querem colocar a vida de alguém em risco. Eu já cheguei no limite dos riscos, daqui para frente decido eu a minha segurança e liberdade.
Para que não haja confusão entre outros grupos e ou pessoas que queiram tirar vantagem dessa situação, sempre mandarei um filme ou um bilhete atualizado para que vocês estejam seguros que a ordem partiu de mim, que estou bem e que estarei aqui esperando vocês executarem tais ordens. Isso feito, ambas as partes desse negócio estarão protegidas, e eu voltarei para casa o mais breve possível.
Na próxima quinta-feira, dia 23 de outubro, quero ler em dois jornais de grande circulação de Porto Alegre, na seção de mensagens pessoais o seguinte anúncio:
I LOVE YOU IRENE. VOLTE PARA CASA LOGO.
Não é necessário dizer que caso o anúncio não for publicado esta é a última vez que vocês ouvirão minha voz.
Quero, também, que vocês comprem um celular com um número novo para cada um de vocês e que somente vocês três tenham esses números. Memorizem esses números, OK? Daqui para frente estão proibidos de usarem os antigos celulares, telefones comerciais e residenciais para falar sobre mim e do assunto aqui tratado ou de futuras mensagens. Se precisarem discutir sobre esse assunto, entre vocês, façam pessoalmente ou usem os novos celulares. Em breve, eu também falarei com vocês nesses novos números.
Beijos e até breve.
Os três diretores da VÊNUS ficaram mudos por uns segundos e em comum acordo decidiram repassar o filme novamente para poderem, então, começarem a definir o que deveria ser feito. Após verem o filme três vezes seguidas, não havia mais dúvidas de que a mensagem era autêntica e que a pessoa do filme era mesmo a Doutora Irene Fontoura, a poderosa e milionária dona do grupo VÊNUS, mãe de Antônio e patroa dos outros dois diretores de um dos maiores grupos financeiros do país.
Após discussões, chegaram à conclusão que a mensagem poderia mesmo ser uma iniciativa da Doutora Irene com algumas restrições dos seqüestradores, já que o estilo da Doutora era de dominar uma reunião e sempre ela mesmo definir os padrões e quantias nos negócios importantes do grupo VÊNUS. Via-se aqui um padrão conhecido de seu comportamento.
Por outro lado, os três se perguntaram se os seqüestradores sabiam desse perfil autoritário e dominante da Doutora Irene. Em qualquer das hipóteses, chegaram à conclusão que seria melhor seguir as instruções do filme, já que as outras alternativas estavam proibidas quer seja pela Doutora Irene ou pelos seqüestradores e/ou ambos juntos.
Marcaram uma reunião para as oito horas do próximo dia para discutirem sobre o valor total do resgate, a maneira mais rápida e segura de conseguir tão enorme quantia em dinheiro vivo e o tempo que levariam para conseguir tal quantia.
Antônio recomendou aos dois outros diretores da VÊNUS o máximo de sigilo, isso também valia para suas esposas e filhos e ambos não estavam autorizados a comentar sobre as negociações com nenhum dos outros diretores.
Pediu ao Dr. Moisés para dispensar, por enquanto, os dois negociadores da RELEASE pedindo por favor para dizer-lhes que iriam chamá-los de volta, assim que tomassem uma decisão sobre a mensagem recebida hoje.
No fim do dia, Antônio chamou sua secretária e pediu para cancelar todos os compromissos até segunda ordem.
Ao sair do escritório não se sentiu à vontade para ir até a casa de Cristina, sua namorada, com quem havia combinado previamente um jantar. Antônio a chamou e sem dar o motivo verdadeiro cancelou o jantar.
Foi direto para seu apartamento, dispensou os seguranças e ligou a TV sabendo que teria uma longa noite pela frente.
Levara o DVD para casa e sozinho tentava descobrir alguma mensagem dirigida somente para ele ou qualquer outra mensagem mesmo que não aparente, mas embutida no contexto do filme.
Não conseguia ver outras opções, a não ser de que sua mãe realmente falara aquilo por livre e espontânea vontade, indicando que já tinha negociado sua futura liberdade com os seqüestradores ou que ela interpretara uma mensagem pré-escrita pelos seqüestradores.
Revendo o filme dezenas de vezes, ele não percebeu que ela estivesse lendo ou ouvindo alguém lhe ditar qualquer texto.
No meio da madrugada, telefonou para sua tia Angélica, irmã mais velha de Irene, e perguntou se sua mãe tinha feito algum curso em escola ou faculdade ligada às artes dramáticas, ou se sua mãe fizera parte de alguma peça teatral quando solteira ou mesmo logo após ter se casado.
Angélica, sem saber do que se tratava, respondeu que Irene nascera para ser uma atriz e que somente não foi porque se casara, muito jovem. Talvez depois de passar mais algum tempo do terrível acidente que ceifara a vida do seu pai, Irene teria mais liberdade e poderia seguir, se quisesse, o estrelato. – Por enquanto ela está advogando e muito bem não é? Mas se pensarmos bem a advocacia é uma forma de teatro, certo?
Antônio agradeceu, não entendeu nada do que sua tia, a espacial, tentou lhe falar e continuou a ver a mensagem que sua mãe lhe enviara até cair no sono com a TV ligada.
Foi acordado às sete e trinta pelo segurança que o aguardava na garagem do prédio.
Durante o percurso entre seu apartamento até os escritórios da VÊNUS, Antônio ia pensando sobre os eventos do dia anterior. Sentia que não tinha mais dúvidas de que a melhor opção, com respeito às negociações do seqüestro, seria executar as ordens de sua mãe instruídas no DVD que levava em sua pasta de negócios.
No carro, torcia para que tudo desse certo e que essa decisão seria a mesma que sua mãe tomaria caso fosse ele o seqüestrado.
Logo pela manhã, os três executivos da VÊNUS se reuniram na sala de Antônio e discutiram novamente sobre o seqüestro.
Unanimemente, concordaram que continuariam a seguir as instruções recebidas no filme.
Antônio pediu ao Dr. Moisés e ao Sr. Júlio que, em três dias úteis, queria o dinheiro disponível na sua sala.
Dr. Moisés e Sr. Júlio contataram seu banco e corretoras de valores e ordenaram que conseguissem em dinheiro vivo a quantia de 15 milhões de dólares e o equivalente a 5 milhões de dólares em Reais, usando o câmbio do dia com margem favorável ao Real. Ficou decidido que o Dr. Moisés cuidaria do anúncio no jornal e o Sr. Júlio ficaria responsável pela coleta do dinheiro.
Júlio, como diretor financeiro da VÊNUS, tinha o know how de como agilizar tal operação sem, entretanto, dizer o motivo de tanto dinheiro vivo aos demais diretores e funcionários que estariam encarregados de providenciar a enorme quantia.
Antônio lembrou que, se ele precisasse assinar algum documento, estaria à disposição.
Juntar essa enorme quantia em um curto espaço de tempo parecia um tarefa bastante difícil, mas não impossível já que algumas das empresas do grupo VÊNUS operavam no mercado financeiro, tais como bancos, financiadoras, seguradoras e corretoras de valores.
Dr. Moisés chamou pessoalmente os jornais de Porto Alegre e colocou o anúncio tal como mandara a Doutora Irene. Pediu aos jornais para colocarem os anúncios em negrito. Ele ainda continuava ruminando todas as informações contidas no filme e acreditava que, para segurança da Doutora Irene, era melhor mesmo seguir as instruções dadas no filme.
A polícia ficou sabendo, extra-oficialmente, sobre o seqüestro da Doutora Irene pelo segurança que dava cobertura a ela no dia de seu seqüestro. Careca comentou com outros seguranças, alguns deles ex-policiais como ele, que no momento também trabalhavam para o grupo Vênus.
No mundo dos informantes, pagos pela polícia, todos estavam cegos e surdos. Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém sabia absolutamente nada.
Antônio, seus familiares e a VÊNUS não registraram nenhuma ocorrência policial sobre o seqüestro.
Ao contrário, no próximo dia ao do seqüestro foi distribuído um press release da assessora de imprensa do grupo VÊNUS dizendo que Doutora Irene tinha ido para o exterior fazer um tratamento de saúde.
Na nota, não havia informações sobre o País para onde ela viajara ou a data de seu retorno.
A RELEASE, por força contratual, não podia dar ou pedir nenhuma informação à polícia a não ser com o consentimento da VÊNUS.
Com a polícia e os intermediadores fora das negociações, ficaram somente os três executivos nomeados pela Doutora Irene capitaneados por Antônio.
Recentemente formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e empossado como Vice-Presidente da Holding VÊNUS, Antônio herdara do pai e da mãe a habilidade natural de administrar e comandar o grande império financeiro que um dia seria seu. Apesar de ter somente 25 anos, era um competente administrador, extremamente hábil e inteligente.
O jovem administrador estava bem assessorado pelo Dr. Moisés e pelo Sr. Júlio e seguia administrando da melhor forma possível os negócios da VÊNUS, enquanto aguardava a próxima mensagem de sua mãe como prometido no filme.
No dia 31 de outubro, antes da dez horas da manhã, o moto-boy dos Correios e Telégrafos entregou um pacote endereçado ao Grupo VÊNUS, aos cuidados de Antônio. O pacote fora postado, via SEDEX, na manhã do dia anterior na cidade de Goiânia.
A secretária de Antônio o comunicou, imediatamente, que havia chegado um SEDEX de outro Estado em seu nome. Antônio já a havia instruído que qualquer encomenda em seu nome só poderia ser aberta por ele, pelo Dr. Moisés ou Sr. Júlio.
Chamou os outros dois diretores em sua sala e abriu o envelope. Notou que o envelope tinha as mesmas características do envelope anterior com a primeira mensagem da Doutora Irene.
Dentro do envelope, estava outro DVD que logo foi colocado na TV por Antônio.
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