História Universal da Destruição dos Livros Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque Fernando Báez



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SEGUNDA PARTE

Da era de Bizâncio ao século XIX
CAPÍTULO 1

Os livros perdidos de Constantinopla
I

O Império bizantino foi o vínculo mais direto com a cultura grega clássica. Na história da transmissão dos textos antigos, o mundo lhe deve a possibilidade de ler autores que, de outra maneira, seriam unicamente referência nominal. Sem sua contribuição, provavelmente não teríamos os livros de Platão, Aristóteles, Heródoto, Tucídides ou Arquimedes, para nomear apenas alguns.

A bibliofilia dos bizantinos abrangeu todos os campos. Há uma carta escrita por João Tzetzes ao imperador Manuel I em que lhe explicava o pesadelo que teve com um livro. Em meio ao fragor de uma batalha, vislumbrou a História de escitia, de Dexipo de Atenas, cujo exemplar ele buscou toda a vida só para obter uma informação precisa e secreta. O volume estava em chamas, mas ainda se mantinha intacto. A palavra, afirmou Tzetzes, venceu o fogo. Esse sonho é, de alguma maneira, um indício dos anseios da época.

Nos séculos II e III, foi imposto um novo formato para os livros - o códice -, que trazia muitas vantagens: permitia escrever nos dois lados da página, e seu material, o pergaminho, se mostrou mais resistente do que o papiro nos embates do uso e do tempo. Os escritos que adotaram o novo sistema sobreviveram até nossos dias, apesar dos conflitos dos séculos VII e VIII, quando a biblioteca do Colégio Real, com 36.500 volumes, foi queimada sem piedade.

No século IX, o número de cópias de livros começou a aumentar. De fato, foi o momento culminante da civilização bizantina. O patriarca Fócio (820-891) podia ler livros hoje extintos e resumir seus argumentos numa monumental biblioteca, que contava com 280 seções onde abundavam as resenhas de escritos em prosa de historiadores, romancistas e oradores; lia discursos do orador ateniense Licurgo e tratados do filósofo Enesidemo, hoje inexistentes. Fócio lia os relatos de aventuras de Aquiles Tácio e, apesar de condená-los por obscenos, não perdia ocasião de elogiar a beleza de suas heroínas. Também se destacou por proteger os copistas, que, com grande erudição, decidiram salvar livros antigos em manuscritos transcritos com uma letra minúscula, que lhes dava mais espaço e permitia trabalhar com mais velocidade. Esses livros substituíram os papiros e os códices em letra uncial, com a conseqüente obliteração e eliminação das cópias anteriores.

Durante o reinado de Constantino VII Porfirogênito, centenas de textos históricos, filosóficos e jurídicos foram copiados. É dessa época o manuscrito conhecido como Parisinus graecum 1741, elaborado com fins didáticos e que inclui as primeiras versões conhecidas da Retórica e a da Poética de Aristóteles, filósofo admirado então por seu Organon e depreciado por seu estilo áspero e labiríntico.

Os bizantinos usaram principalmente três tipos de material para os livros: papiro, pergaminho e papel. A importância do papiro se reduzia a livros e documentos imperiais (como o papiro Saint Denis). Acredita-se que a última amostra de um documento em papiro em Bizâncio foi o Tipikon de Gregório Pakourianos, datado de 1083. E evidente que o papel, uma invenção chinesa apropriada pelos árabes, interessou muito aos copistas. Atualmente, o manuscrito grego em papel mais antigo é o Códice Vaticanus 2200, escrito por volta do ano 800 por algum escriba árabe. Em Bizâncio, em compensação, o papel foi introduzido por volta do século IX ou X, e o primeiro papel encontrado ali é do tipo oriental (bombikinon ou bombakeron). O fato de ser mais barato do que qualquer outro material fez o papel se impor lentamente, mas sua fácil deterioração foi motivo de preocupação entre os monges.
II
O orgulho bizantino esteve presente em todas as manifestações espirituais do império. Temístio, em 357, ficou entusiasmado com a possibilidade da criação de uma biblioteca imperial para impedir o desaparecimento dos clássicos. Ele, como todos os eruditos de seu tempo, acreditava ser um dos propulsores do último refúgio intelectual do Ocidente. Miguel Psellos, neoplatônico, gabava-se da biblioteca de sua mãe, dotada de livros de Orfeu, Zoroastro, Parmênides,

Empédocles, Platão e Aristóteles. Entre outras bibliotecas particulares estava a de Eustácio Boilas, com 78 livros em 1059, a de Miguel Ataleiates, com 54 livros em 1079, e a de Teodoro Skaranos, com 14 livros em 1274. Acrescente-se que os mosteiros também tinham excelentes bibliotecas.

De qualquer maneira, estes esforços não bastaram para impedir a destruição em série de livros. Em 730, um incêndio devastou toda uma biblioteca com centenas de manuscritos. Em 781, um incêndio nos palácios e em parte da cidade reduziu a cinzas centenas de textos, entre eles os de São Crisóstomo. A tomada à força de basílicas, de 802 a 807, custou aos bizantinos um incêndio que destruiu mais de 120 mil livros.

Quando a Igreja de Bizâncio censurava uma obra, quase nunca era de autores clássicos. Em 1117, Eustrácio de Nicéia analisou dezenas de livros para atacar a Igreja da Armênia e descobriu duas ou três heresias ocultas nas obras do ortodoxo São Cirilo. Naturalmente, escreveu um longo informe que provocou a destruição de centenas de cópias dos livros analisados. Em 1140, as autoridades ordenaram o confisco dos livros de um monge rebelde e queimaram três exemplares.

Em 1204 sobreveio o caos. A Quarta Cruzada chegou a Constantinopla e milhares de manuscritos foram destroçados. Pelo menos durante três intermináveis dias os cruzados assassinaram, saquearam e destruíram, com fé excepcional. Atacaram com selvageria: violentaram as mulheres, roubaram os tapetes das igrejas, as obras de arte e os candelabros. Os sacerdotes, conscientes da necessidade de manter o temor a Deus como início de qualquer sabedoria, roubaram com timidez todas as relíquias encontradas e prometeram a absolvição aos saqueadores. Segundo o historiador Steve Runciman, "o saque de Constantinopla não tem precedentes na história... Nunca houve um crime maior contra a humanidade do que a Quarta Cruzada [...]".

No mesmo ano do desastre, desapareceu Hécale, um dos melhores textos de Calímaco de Cirene, citado e lido por Miguel Choniates com tanto deleite que hoje nos causa inveja. Também deixaram de existir exemplares de Safo e de outros clássicos. No entanto, os bizantinos recuperaram a estabilidade da cidade de Constantinopla e continuaram seu trabalho filológico. De 1261 até meados do século XVI os manuscritos proliferaram, e as escolas defendiam os mestres. O Ambrosianus ressaltou que toda a obra de Aristóteles devia ser lida com atenção.

Barlaam de Calábria (por volta de 1290-1348), aristotélico, foi grande amigo de Andrônico III Paleólogo, em Constantinopla, mas suas críticas e polêmicas o tornaram impopular e o concilio da cidade o condenou em 1341, com a expressa determinação de que todos seus escritos fossem queimados. Fugiu, como era de se esperar, e se estabeleceu em Avignon. Entre outras atividades, não precisamente menores, ensinou a Francesco Petrarca o grego antigo.
III
Em 1453, um grito dilacerou Constantinopla. Depois do feroz ataque das tropas turcas comandadas pelo sultão Maomé, os soldados cristãos fugiram apavorados porque deixaram cair as defesas e só se podia ouvir dizer de boca em boca: "Tomaram a cidade!" O imperador Constantino, desencantado, jogou suas insígnias ao chão e desapareceu em meio aos combates. Dois soldados se atribuíram depois sua decapitação, mas nunca se soube se mentiam ou diziam a verdade, pois "não sobrou um cadáver sem ser decapitado.

Os turcos se dedicaram a saquear a cidade durante três dias, de acordo com uma tradição estabelecida. Bairro a bairro, rua a rua, aniquilaram mulheres e crianças. Sem piedade, destruíram ícones, igrejas e manuscritos. No palácio imperial, em Blachernas, exterminaram a guarnição veneziana e tocaram fogo em tudo o que puderam. Eliminaram todos os livros encontrados, não sem antes arrancar as capas com jóias de alguns deles. Há provas de saques nas igrejas de Santa Sofia, São João de Patra, Chora e Santa Teodósia, assim como na tríplice igreja do Pantocrátor. Muitos centros religiosos se transformaram em mesquitas.

Segundo Edward Gibbon, 120 mil manuscritos impróprios à fé de Maomé foram amontoados e, quando se concluiu a violenta jornada, ficaram flutuando no mar até submergir. Constantino Láscaris, numa citação conservada por Migne em sua Patrologia latina (volume 161.918), assegurou que os turcos destruíram o exemplar de uma cópia integral da História universal, de Diodoro Sículo. De qualquer maneira, "a maioria dos livros foi queimada [...]".

A notícia da queda de Constantinopla percorreu toda a Europa e, como o leitor já sabe, o império se extinguiu definitivamente.




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