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de alguém, ou pelo contrário, o manter-se numa posição

fixa no espaço da SE; no campo da mímica estão substan-

cialmente o sorriso ou a ausência do mesmo, as lágrimas,

a expressão de vontade de contacto com o interlocutor, a

expressão que exclui o contacto (estou ocupado, tenho

Prática de Análise: Leituras Semióticas 219

pressa), a expressão de agradável surpresa, etc. E é natu-

ral que seja difícil descrever a expressão da cara «ade-

quada ao caso» em termos exactos. Além dos já enumera-

dos podem lembrar-se alguns outros gestos, com frequên-

cia improvisados, que cumprem uma função introdutória,

quer dizer, servem de sinal, de chamadas de atenção, etc.

Como, por exemplo, agitar uma mão, o chapéu, o lenço, o

pôr-se nos bicos dos pés, o saltitar, agitar a mão de cima

para baixo, que se pode interpretar como, basta, passemos

a outra coisa, o pôr-se em pé como indicativo do termo de

uma situação: visita, audiência, etc. Infelizmente, não foi

até agora elaborado um método simples de descrição dos

gestos de etiqueta, e, portando, o estudioso encontra-se

sempre perante um dilema: descrever como se não se ti-

vesse passado nada, como se faz em qualquer manual de

boas maneiras, e então tem-se pelo menos a garantia de

que cada leitor compreenderá o que se trata, ou senão

aplicar um método completo de descrição do carácter des-

locado dum determinado objecto no espaço, o que conver-

terá em absolutamente irreconhecíveis os gestos conheci-

dos ~14~. Pensemos que por enquanto é suficiente que nos

limitemos a tal enumeração, visto que dum ponto de vista

semiótico é mais importante o estudo da sintaxe dos signos

dum mesmo tipo ou de distintos tipos, isto é, o estudo da

combinação de kinemas e kinemas, de kinemas e pala-

vras, etc. (casos de obrigação, facultativos ou de proibi-

ção), que a descrição em si do material formal. Em certo

sentido o aspecto executivo, quer dizer, a função estética

dos comportamentos kinemáticos, talvez seja mais essen-

cial que as fórmulas verbais: os gestos são mais evidentes,

chamam mais a atenção e, portanto, é mais fácil, baseando-

-se neles, obter uma característica preliminar duma pessoa

(tanto mais quanto os gestos estão submetidos a limitações

mais rígidas e mais numerosas que as palavras, e o ideal

numa conversa seria eliminar os gestos, sobretudo os ex-

pressivos) ~ts>. Ao descrever os gestos de cumprimento-des-

pedida é necessário também tomar em consideração, além

das contra-senhas indicadas pela SE, o espaço em que se

desenvolve a SE, e nomeadamente a distância que separa

os partners, dos quais, em particular, pode depender tam-

bém a capacidade de serviço do canal de união. Por exem-

plo, A e a, que se encontraram por acaso um frente ao

outro na rua, limitam-se apenas a um gesto de cumpri-

220 Ensaios de Semiótica Soviética

mento (o agitar duma mão, etc.); passa-se o mesmo no tea-

tro, onde a conversa está fora de lugar não já pela audibi-

lidade (que favorece o diálogo), mas pelo género da SE,

que impõe limites também aos gestos de saudação.

A última secção dos instrumentos de etiqueta é o de-

nominado nível dos acessórios, que caracterizámos breve-

mente no começo deste artigo. O uso destes instrumentos

depende por inteiro (ou o ideal assim o quereria) do eCD

e das características complementares dos participantes, e

mais directamente das contra-senhas da SE. A conexão do

homem, ainda que em pequeno grau, com o nível dos aces-

sórios manifesta-se sempre, embora de diferentes formas,

de maneira deformada ou escondida (em particular na

negligência ou até no desprezo em relação a ela). A essên-

cia dos acessórios consiste no facto de que a cada SE e

- numa tramitação mais particularizada - a cada indi-

víduo corresponde um determinado conjunto de objectos,

que tem um significado ritual, que tem de usar-se de ma-

neira justa. De forma mais simples e clara, isto manifes-

ta-se para quem possua um uniforme especial, por exem-

plo, militar, que consiste em vários tipos: de verão ou de

inverno, de desfile ou do dia-a-dia, etc., e que é fixo para

todas as situações possíveis (como está escrito no regula-

mento e confirmado por ordens especiais); aliás, mediante

signos especiais (divisas, galões, faixas, o corte, a quali-

dade e a cor do tecido) o uniforme indica univocamente o

lugar que um determinado indivíduo ocupa em sentido lato

na sociedade em geral. Para as outras situações e para os

outros grupos sociais não há regras tão rigorosas (mas en-

tão também não devem existir medidas disciplinares para

os erros), mas existem tão-só regras, recomendações ou cos-

tumes mais ou menos vagos quanto à correspondência dos

acessórios a determinadas SE (o que com frequência se

exprime com fórmulas tais como: que vestido é melhor

que use, que é melhor para oferecer, que é que está

agora na moda, etc.). I~Iaturalmente, o acessário mais im-

portante (graças à sua obrigatoriedade) é o vestido (e como

seu complemento, o penteado, a cosmética, os adornos,

etc.); suõe-se que por analogia com a forma o vestido

tenha de corresponder ao género da SE e às características

do seu possuidor. Aqui naturalmente surge o problema do

significado da moda que diferencia socialmente (veja-se o

tema tão discutido da minissaia que depois superou o li-

Prática de Análise: Leituras Semióticas 221

mite da moda no sentido estrito). ilTão examinamos este

aspecto do CE de maneira particularizada porque na nossa

sociedade (aquela a que pertence o autor destas linhas) as

exigências duma correspondência do vestido, etc., a uma

SE determinada e a uma determinada posição social são

muito reduzidas, e em alguns casos completamente supe-

radas; por outras palavras, trata-se da diferente força dos

acessórios e em particular da moda, consideradas como

algo que modela o continuum da sociedade contemporânea.

Do pouco que fica pode indicar-se a proibição de se apre-

sentar num ambiente oficial (isto é, substancialmente, fora

da própria casa) com um vestido intimamente caseiro c16).

Para outras situações (o trabalho, a reunião oficial, a festa,

o aniversário, o luto, etc.), são desejáveis um vestido es-

pecial ou certos pormenores, mas não obrigatórios. Isto

não quer dizer que aqui não existam limitações e proibi-

ções no que se refere ao vestido: indubitavelmente existem

regras bastante rígidas, mas não se suscitam pelas exigên-

cias da situação, mas pvr outros factores, como, por exem-

plo, a tradição, os costumes nacionais ou considerações de

tipo particular (lembremos que nos anos da revolução,

quando se demolia para depois reconstruir a sociedade,

em geral, o vestido, isto é, o aspecto externo, era conside-

rado como a característica social fundamental do indiví-

duo, o índice do seu status social anterior. Vejam-se as dis-

cussões, então muito frequentes, sobre a possibilidade de

levar gravata e chapéu, de usar cosméticos, etc. Iviatural-

mente, tais concepções, ainda que tendo sido modificadas,

são actuais ainda hoje dentro de certos limites).

A análise da linguagem de cortesia - o conjunto dos

instrumentos, as regras de combinação dos signos, as re-

gras sobre o uso dos comportamentos de etiqueta - an-

tes de mais tem de basear-se sobre material concreto. O

conjunto das SE homogéneas descritas de maneira idên-

tica (por exemplo, o cumprimento-despedida) levará a es-

tabelecer as regras da sua construção, o que mais tarde

permitirá elaborar uma gramática geradora da linguagem

da etiqueta ~'~. O estabelecimento de tais regras, sobretudo

para as conversações denominadas «mundanas» com um

conteúdo mínimo, nalguns casos quase nulo, é relativa-

mente simples ~l8). É conveniente começar por uma ampla

tentativa de investigação das SE de massas, fazendo uso

de inquéritos estatísticos e prestando particular atenção

222 Ensaios de Semiótica Soviética

aos dados linguísticos. Sobre esta base é possível estabe-

lecer os principais tipos de SE e CE (este último depen-

dente da SE e dos seus participantes), o que no futuro

pode levar a pôr o problema da tipologia dos sistemas de

etiqueta como uma das tarefas principais e essenciais da

investigação semiótica, problema tanto mais importante

quanto é ao mesmo tempo investigação das estruturas so-

ciais, etc. Além disso, as relações sociais no interior duma

determinada sociedade são trazidas à luz a partir dum

material novo, que, aliás, se encontra num nível incons-

ciente, o que garante uma maior objectividade das conclu-

sões obtidas.

Tudo o que aqui foi dito está longe da solução destes

problemas. O problema, numa certa perspectiva, é mais

um convite para que se chegue a um contexto mais am-

plo e significativo, até aqui não equacionado.

rTotas

(1) A autora já tratou várias vezes os problemas da cortesia. Visto



que nos estudos que se publicaram foram abordados várias ques-

tões e cada um destes estudos em certo sentido continuava e de-

senvolvia o anterior (o que é aplicável a este ensaio), aqui se usa-

rão e exporão algumas teses já enunciadas, o que nem sempre se

precisará explicitamente. Veja-se T. V. Civ'jan, «K opisanniju eti-

keta kak semioticeskoj sistemy. Tezisyn em Simpozium po struk-

turnomu izuchenüu znaovych ststem Móscovo, 1962; «K nekotorym

voprosam postroenüa jazyka,>, em Programma i tezisy dokladov v

letneichkole po vloricnym, im sistemam, Tártu, 1964: «K nekhotorym

voprosam postroenüa jazyka etiketa», em Trudy po znakovym sis-

teman 11, Tártu, 1965; Contribuition à I'etude de certains" systèmes

sémiologiques simples (no prelo).

(2) Veja-se com referência a isto F Pap «Jazyk i etiket», em Russ-

kü jazyk v natsional noi chkole, 1964, Ï.

(3) A linguagem da etiqueta, aliás, sobretudo no que se refere à úl-

tima secção (os acessórios), reage duma maneira muito sensível

às mudanças da moda; em geral, o laço recíproco entre etiqueta e

moda é um problema de investigação semiótica e sociológica es-

pecial, que não tocaremos no presente trabalho.

(41 Existe um adequado e «humilder conjunto de comportamentos

de etiqueta; as fórmulas verbais do tipà de nós, os pobres, que

podemos fazer, ttós, então, ttão me atrevo; os meios supersegmen-

Prática de Análise: Leituras Semióticas 223

tares: as entoações marcadamente humildes; os gestos exagerada-

mente minuciosos: frequentes e profundas reverências, passinhos

curtos, etc.

(5) Veja-se J. Becker e A Boskoff, Modern Sociological Theory in

Continuity and Change, ~Nova Iorque, 1957, cap. X.

(6) Aqui e mais à frente, quando falarmos dos objectivos, referir-

-nos-emos não já tanto ao fim, de que é consciente o executante,

mas às funções dos comportamentos de etiqueta que derivam da

análise do CE em geral.

(7) Esta diferença manifesta-se, por exemplo, quando se ensina às

crianças a etiqueta; 1) eDC, regras gerais; não se devem dizer incon-

veniências aos mais velhos, não se deve responder dessa maneira

ao pro f essor, etc.; 2) as características complementares, os casos

concretos; não se deve ofender X: é pobre, Y é bom, e tu pelo con-

trário..., etc.

(8) Para estas confusões no comportamento, para o comporta-

mento contrário ao género da situação, veja-se também a caracte-

rística do grotesco em M. A. Bakhtine, Tvorcestva Fransua Rablé i

narodnaia kultura srednevekovüa i Renessansa, Moscovo, 1965, p. 48

[Tradução castelhana La cultura popular en la Edad Media y

en el Renacimiento. É'l contexto de François Rabelais, Barcelona,

Barral, 1974; trad. francesa Fraiçois Rabelais et la culture popu-

laire sous la Renaissance, Gallimard, 1970. (N. T.)]

(9) Por desgraça, verificamos que todos os exemplos apresentados

por nós se referem involuntariamente a uma esfera de humor

bastante mais modesta. A coisa pode explicar-se psicologicamente:

uma pessoa cheia de amor próprio (ou a humanidade cheia de

amor próprio), quando publicamente se encontra numa situação

embaraçosa, trata de rir-se em primeiro lugar para assim atenuar

a impressão desfavorável. O respeito pela etiqueta e a luta pelo

status são também uma questão de amor próprio. Porquê, então,

não nos apressarmos a ser os primeiros a rir?

(10) Em geral, na SE, os elementos da linguagem de etiqueta são

com frequência situáveis até ao ponto em que um determinado mo-

mento da situação está tão rigidamente determinado que tudo

aquilo que se diz pode adquirir o significado necessário, ditado por

um determinado momento da SE. Deste modo, os elementos da

linguagem de etiqueta carecem amiúde de significado próprio e

apenas possuem significado que varia em função da situação

(shif ters).

(11) Sobre idênticas linguagens na linguagem veja-se J. Vendryes,

Le langage. Introduction Rnguistique à t histoire, Paris, 1921, e a

ampla literatura sobre linguagem de grupos sociais e profissionais

concretos. Infelizmente, são muito escassos os estudos em que se

considere a própria linguagem do ponto de vista de estruturas

sociais mais agudas, que, em geral, se manifestam no interior da

colectividade social e profissionalmente homogénea.

zzn Ensaios de Semiótica Soviética

(12) Essa substituição das palavras de fórmula é realizada mediante

os sufixos diminutivos. Lembremos, por exemplo, o frequente pe-

dido nos meios de transportes públicos na Rússia: r2ão terá uma

moedita, compr~e-me um bilhetinho.

(13) É interessante notar que na narrativa, quando se descreve um

diálogo, as fórmulas de cumprimento-despedida omitem-se com

frequência (usam-se apenas as estilisticamente caracterizadas) e são

substituídas pelas fórmulas introdutórias. Veja-se Muza de Bunin

(o primeiro encontro entre os protagonistas): A: «Sou uma aluna

do conservatório, Muza Graf... vim para o conhecer. Tem alguma

coisa a opôr?»; a: «Sinto-me muito hsonjeado, sente-se, por favor.»

(14) Encontramos uma metodologia satisfatória para a descrição

dos gestos - cheremes - do ponto de vista formal proposta em W.

C. Stokoe, Sign Language Structure; an Outline of the Visual Com-

munication Systems of the American Deaf, Buffalo 1960. Também

se pode começar pela classificação semântica dós gestos, divi-

dindo-os em, por exemplo, emocionais e referenciais. Veja-se K.

Goldstein, Language and Language Disturbances, Nova Iorque

1948, p. 137. Na maioria das vezes propõe-se descrever a linguagem

dos gestos de maneira análoga à linguagem natural com os seus

níveis fonemáticos, morfemáticos, etc. Veja-se F. Voegelin «Sign

Language Analysis on One Level or Two?» em Internationál Jour-

nal of American Linguistics, XXIV, 1958, n ° 1, pp. 72-73.

(15) Esta última regra encontrava-se difundida entre determinadas

camadas sociais - a aristocracia, os intelectuais - e mais do que

as outras era a repressão das manifestações naturais da activi-

dade humana (motriz), por um lado, e, por outro, não era porta-

dora de nenhuma função utilitária (excepto a estética, mas em sen-

tido convencional). Trata-se dum exemplo quase em estado puro

dum comportamento de etiqueta da diferençação social.

(16) Em geral, neste campo as proibições são mais fortes que as

prescrições (exclui-se a rígida esfera dos esquemas absolutos nas

corporações fechadas: militares, sacerdotes, etc.).

(17) As SE que se consideram aqui são possíveis em primeiro lu-

gar, na análise que se aplica às microstruturas (veja-se, de H. Bec-

ker e A. Boskoff, Modern Sociological Theory, ed cit., cap. X) e,

em segundo lugar na análise que se baseia na aplicação da expe-

rimentação. A aplicação do método experimental na análise das

microstruturas sociais foi difundida por Moreno. Veja-se J. L.

Moreno, Sociometry. Experimental Method and the Science of So-

ciety, Nova Iorque, 1951.

(18) Os resultados duma experimentação semelhante são descritos

no artigo de F. Scholz «Grup and Anrufb, em KZ, LXXIV, 1956,

nums. 3-4, onde se descrevem as SE cumprimento-conversa mun-

dana-despedida: 1) numa aldeia irlandesa, 2) em Hamburgo. For-


Prática de Análise: Leituras Semióticas 225

malmente, todas as SE são construídas sobre signos verbais e ges.

tos fixos, que correspondem mais ou menos à seguinte SE sobre

material russo (moscovita).

A Bom dia (+ inclinação + sor- a Bom dia (+ inclinação + sor-

riso). riso).

A Como está? a Não estou mal. E o senhor?

A A trabalhar. a Desculpe tenho pressa, dê os

, A Obrigado igualmente, temos meus cumprimentos ~aos seus.

de voltar a ver-nos. a Claro. Logo que esteja livre.

A Cumprimentos (+ inclinação) a Igualmente (inclinação).
***

PARA UMA SEMÃNTICA DOS LADOS ESQUERDO

E DIREITO NAS RELAÇÕES COM OUTROS ELEMENTOS

SIMBÓLICOS

(1974)

N. I. e S. M. TOLSTÓI



Nos últimos tempos, numerosos trabalhos foram con-

sagrados à problemática da esquerda e da direita, sobre-

tudo tal como aparece nos usos e costumes simbólicos e

linguísticos dos povos eslavos (Tchaikievitch, 1960; Zétché-

vitch, 1963; Ivanóv e Toporov, 1965; Tolstói, 1965; Uspen-

skü, 1973, etc....).

Como na etimologia das palavras isoladas que signifi-

cam «direita» [prav-, dobr-, I'st'n-] e «esquerda» [hud-,

kriv-, campni-], o sentido funcional atribuído às mãos e aos

lados direito e esquerdo mostra que a oposição adireita-

-esquerda» significa fundamentalmente «bom-mau» («bem-

-mal», etc.). Contudo, esta oposição pode ser complicada

pela simbólica de outras oposições, pelo cariz funcional do

acto (do texto verbal, da representação, etc....) onde se

utiliza a continuação.

Assim, no caso em que as duas mãos (ou lados) ten-

dem a fazer ou a simbolizar o bem, a correlação «direita-

-esquerda» adquire um outro sentido. Por exemplo, o Ar-

canjo São Miguel pode ter uma cruz na mão direita e uma

espada de fogo na mão esquerda (representação dos Gout-

souls, Onichtchouk, 1909); a mão direita pode estar ben-

zendo, enquando a esquerda leva um papiro ou um livro

(o ícone de Santo Espiridão ou muitos outros santos);

Cristo-Rei (Autocrator) tem sempre o seu ceptro na mão

direita, como a cruz; se tem apenas um livro, segura-o ha-

bitualmente com as duas mãos ~l>.

Em todas estas circunstâncias se observa a oposição

dum princípio de carácter mais espiritual a um princípio

228 Ensaios de Semiótica Soviética

mais laico, dum princípio importante a um que o é menos,

dum princípio mais forte a um princípio mais débil, etc.

Do mesmo tipo é a oposição adireita»: «esquerda» -

- «masculino»: «feminino», que se manteve até aos nos-

sos dias entre os fiéis das paróquias dos velhos crentes ~2~ e

muitos outros casos, embora se tenha conhecimento de

exemplos - característicos, particularmente, da tradição

monástica - nos quais a correlação masculinus: f eminis

era equivalente a bonus: malus, pela dicotomia dexter: lae-

vus (por exemplo, A mulher é o receptáculo do Demónio),

ou então exemplos mais tardios ligados à tradição român-

tica - de oposição f ortis, potens: lenis, impotens ~3~.

Isto está bem ilustrado na obra do protopope Awa-

kum O Sinal da Cruz, cujo começo é:

Convém que todo o crente temeroso da saúde

da sua alma junte os dedos da sua mão direita se-

gundo a tradição dos Padres da Igreja. E, unidos,

os leve à testa em nome do Espírito não nascido, o

Pai que engendrou o Filho Deus Eterno de toda a

eternidade. E a seguir os leve ao umbigo em nome

da Sua vinda à terra e da Sua encarnação na Santa

Virgem Maria. E, logo, os leve ao ombro direito em

nome da ascensão de Cristo ao céu onde reina ao

lado do Pai e do Espírito Santo, e onde os justos

estão à sua direita. E, por último, ao ombro es-

querdo, em nome da condenação dos pecadores no

dia do Juízo Final e do seu tormento eterno ~4~.

O sinal da cruz é a tal ponto sagrado que levantar-se

a mão à esquerda pode não significar nada de mau em si,

e ser na realidade uma coisa boa - a condenação dos pe-

cadores.


Mas é precisamente no lado esquerdo que se encon-

tram os pecadores à espera do Juízo Final, da mesma ma-

neira que é detrás do ombro esquerdo que se esconde o

Diabo (daqui vem a expressão russa «cuspir por cima do

ombro esquerdo» e detrás do direito está o Anjo da

Guarda.


Como testemunha a simbólica do sinal da cruz, se-

gundo Avvakum, o sistema de significações da oposição

dexter-laevus sobrepõe-se a uma simbólica das partes do

Prática de Análise: Leituras Semióticas 229

corpo, o umbigo que simboliza a terra (a descida de Cristo)

e a carne (a encarnação na Virgem), a cabeça, associada ao

espírito não nascido (ao céu e a Deus, o imaterial de toda

a eternidade) ~5~. Durante as sessões de magia, de adivinha-

ção, durante as predições e outros exemplos de magia ne-

gra, esta complexização do sistema de relações dexter-lae-

vus através duma simbólica das partes do corpo comple-

menta-se com um elemento de inversão, de oposição, de ne-

gação, duma função `não', o momento do mais além, tal

como aparece nos rituais populares dos funerais.

Os investigadores que consultaram os textos adivinha-

tórios, os presságios... trazem factos que corroboram a sig-

nificação geral positiva do lado direito e a - negativa - do

lado esquerdo. De facto, estes exemplos são bastante fre-

quentes. Mas, em numerosos textos deste tipo, e particular-

mente certos textos de tradição muito antiga, tais como,

por exemplo, os Trépétniki da Rússia, da Sérvia, da Bulgá-

ria (Spéranski, 1899), vemos outros tantos casos em que o

lado direito (a parte direita do corpo) simboliza um prin-

cípio negativo e o esquerdo um princípio positivo.

Se os membros da direita se põem a tremer, é

um mau sintoma. Se os membros da esquerda co-

meçam a tremer, é um bom sintoma. Se o lado di-

reito da língua começa a tremer, é sintoma de des-

graça. Se o lado esquerdo da língua começa a tre-

mer, é sintoma de felicidade, etc....

Em muitos casos comprova-se que a oposição lados

esquerdo-direito está gasta e unem-se de novo os dois

quer num sentido positivo, quer num sentido negativo.


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