IÚRI M. LóTMAN, BORÍS USPENSKII,
V. IVANÓV E OUTROS
ENSAIOS DE SEMIÓTICA SOVIÉTICA
I
IÚRI M. LÓTMAN, BORÍS USPENSKII,
V. IVANÓV E OUTROS
ENSAIOS DE SEMIÓTICA SOVIÉTICA
LIVROS HORIZONTE
© VAAP - 1981
Livros Horizonte - 1981
Introdução, selecção e notas de: Salvato Teles de Me
Tradução de: Victória Navas e Salvato Teles de Mer
Capa de: Soares Rocha
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LIVROS HORIZONTE
INTRODUÇÃO
De SALVATO TELES DE MENEZES
Talvez seja útil, antes de nos ocuparmos da escola se-
miótica soviética, esclarecer alguns pontos prévios sobre a
Semiótica em geral. Hoje já é possível considerar como
ultrapassada a afirmação barthesiana, de 1964, «A semiolo-
gia continua, não obstante, à procura de si mesma,1, para
nãofalar do timorato projecto de Saussure de criação,
futuramente, de uma ciência que estude a vida dos signos
no seio da vida social,>. Por outro lado, é indispensável
corrigir a ideia generalizada de que a semiótica não passa
de uma disciplina recente,, lateral e gratuita,1. É até
muitofácil coligir um número bastante significativo de
provas que contrariam uma tão leviana afirmação (dupla-
mente leviana porgue utiliza como justificação exemplos
extraídos de trabalhos realizados por pretensos semiólo-
gos): o estudo dos vários tipos de semiosis existentes ou
potenciais 1'1 é tão antigo como affilosofia. Defacto, Um-
berto Eco, por exemplo, propõe uma releitura da história
dafilosofia sob um enfoque semiótico. Hoje já é inegável
o estabelecimento da semiótica como disciplina com esta-
tuto autónomo, a partir de várias contribuições e segundo
diferentes escolas, quer no campo da suafundamentação
teórica, quer das análises de qualquer tipo de objectos, e
enquanto ciência autocrítica e crítica da ciência, capaci-
dade de ref lexão sobre os modos de produzir e transmitir
que, como o afirma Lótman, teve de esperar o seu mo-
mento na evolução do pensamento para poder estabele-
cer-se com toda aforça que efectivamente possui.
Ensaios de Semiótica Soviética
Os primeiros exemplos desta preocupação podem ser
identificados nos pré-socráticos, essencialmente preocupa-
dos com a interpretação das mensagens divinas. Os estói-
cos jáfaziam uma clara distinção entre significante (1se-
mainon») e significado (asemainomenon») 12>. Por sua vez,
Platão define com assombroso rigor, no Crátilo, o signo
como «o que remete para outra coisa natural ou conven-
cionalmente,1. Aristóteles distingue entre onoma, signo que
por convenção significa uma coisa (como / Filon / ou
/ barco /), rema, signo que inclui na sua significação uma
referência temporal (como / está bom /) e logos, signo
complexo, discurso signijicativo completo. Em A Metafí-
sica, a distinção que propôe entre substância, matéria e
forma apresenta semelhanças evidentes com a divisão tri-
partida das duasfaces do signo em Hjelmslev. 131.
Galeno, por exemplo, utilizou o termo semiotiké para
designar a ciência dos sintomas em medicina.
Em Da Dialéctica, Santo Agostinho, no capítulo V, de-
fine o signo como «aquilo que se mostra a si mesmo ao
sentido e que,fora de si, mostra também algo ao espírito.
Falar é dar um signo com a ajuda de um som articulado»,
assim intuindo muitos dos desenvolvimentos posteriores
da ciência dos signos.
Portanto, as palavras mais não são do que signos.
Acrescenta no capítulo já citado: «...a palavra é o signo
de uma coisa que pode ser compreendido pelo receptor
quando é proferido pelo locutor, assinalando dois tipos
de relações: signo/coisa (designação e significação) e lo-
cutor/auditor (comunicação) 141. Há mesmo a possibilidade
de detectar em Santo Agostinho afirmações que levam a
que seja considerado um precursor da cinética 151:... os
sinais são uma produção do espírito assim como a cara
é expressão do corpo... Quando alguém diz Iratus sum
nenhum povo, a não ser o latino, o compreende. Mas se
a paixão da sua alma emfogo lhe sobe à cara e transf orma
a sua expressão, todos os espectadores pensam: `Um ho-
mem encolerizado' (De Doctrina Christiana).
William Ockham, na Summa Logicae, considera signo
«tudo o que, uma vez apreendido,faz conhecer outra
coisa,1. Os Modistae, grupo de gramáticos do século XIII
que assim se viram intitulados por escreverem tratados
sob o nome De Modis Significandi, apercebem-se que a lín-
gua é uma estrutura que está de certaf orma «garantida>,
Teoria da Semiótica da Cultura
pela estrutura do ser (modi essendi) e pela d'a mente (modi
intelligendi) 161. No que respeita a Descartes, a sua inegável
importânciaf oi afirmada por Noam Chomsky em Carthe-
sian Linguistics 1'1.
É todavia Locke o responsável pela introdução do
termo semiótica (semiotics) e pelafundação do seu pro-
jecto. Defacto, no célebre Essay on Huma.n Understand-
ing, determina três áreas do saber: afilosofia, que se ocupa
ada natureza das coisas como são em si mesmas, as suas
relaçôes e o seu modo de operar; a ética, aquilo que o
homem tem o dever defazer como agente racional e vo-
luntário para alcançar qualquerfim, e especialmente a
felicidade; e em terceiro lugar, a ciência que estuda os
modos e meios de alcançar e comunicar o conhecimento
destas duas ordens de coisas. A esta ciência pode-se cha-
mar semiotik, ou seja, doutrina dos signos...; o seu
objectivo é o de considerar a natureza dos signos de que
o espírito se serve para entendimento das coisas, ou para
transmitir a outros o seu conhecimento» 18>.
Antes de referir Peirce, bastará assinalar, sobrevoando
Hobbes, Hume e Berkeley, que de um ou de outro modo se
ocuparam da semiótica, a obra de J. Lambert, Semiotik, e
Wissenschaftstehre de Bolzano (1837), que apresenta um
capítulo justamente intitulado «Semiotik», ou ainda o en-
saio de Husserl «Zur Logik der Zeichen (Semiotik)», escrito
em 1890 e apenas publicado em 1970 19.
Até que chegamos a um dosf undadores da semiótica
moderna, Ch. Sanders Peirce, que também só muito recen-
tementefoi publicado. É portanto a Peirce, o lógico ame-
ricano, que se deve o trabalho de base indispensável ao
desenvolvimento da semiótica. Peircef oi um pensador tão
original que, como Jákobson apontou, não conseguiu du-
rante grande parte da sua vida obter um lugar na Uni-
versidade. A reputação que entretanto alcançou assenta
essencialmente nas suas lições de pragmatismo e tem
sido tristemente negligenciada a obra que dedicou à se-
miótica, da qual se considerava o «pai» (numa carta a
Lady Welby escreveu: «Sou... um pioneiro, ou pelo menos
um explorador, da actividade de classificar e lançar o que
chama semiótica, isto é, a doutrina da natureza essencial
e das variedadesf undamentais de toda a semiósis pos-
sível... »; mais àfrente, acrescenta, «...nunca mefoi pos-
sível empreender um estudo,fosse qualfosse o seu âmbito,
Ensaios de Semiótica Soviética
as matemáticas, a moral, a metafísica, a gravitação, a
termodinâmica, a óptica, a química, a anatomia compa-
rada, a astronomia, os homens e as mulheres, o whist, a
psicologia, afonética, a economia, a história das ciências,
o vinho, a meteorologia, sem o conceber como um estudo
semiótico,~). Infelizmente, o seu discípulo mais influente,
Charles Morris, deturpou as suas ideias quando as con-
jugou comformas particulares virulentas de behaviou-
rismo. L assim que as críticas duríssimas de Gombrich e
Chomsky acabaram por atingir a reputação de Peirce por
via de Morris. Todavia, nestes últimos tempos, a semiótica
de Peirce tem tido em Roman Jákobson um defensor escla-
recido e influente.
Os textos que mais nos importam são Speculative
Grammar, as cartas a Lady, Welby e Existential Graphs.
É neles que Peircefaz uma proposta de taxonomia das di-
ferentes classes de signos, base de sustentação semiótica
de uma lógica e uma retórica subsequentes. A classifica-
ção proposta, «a segunda tricotomia de signos, é de
ícone, índice e símbolo: a Um signo pode ser um ícone, um
índice ou um símbolo,, escreveu Peirce. Um ícone é um
signo que representa o seu objecto principalmente pela si-
milaridade; aqui a relação entre signif icante e significado ,
não é arbitrária, mas analógica ou de similitude. Os ícones
podem ainda ser divididos em imagens e diagramas. No pri-
meiro caso, as simples qualidades» são idênticas; no se-
gundo, as «relações entre as partes,. É evidente que muitos
diagramas contêm traços simbólicos,facto que Peirce de
antemão adnitiu, mas interessava-o muito particularmente
o aspecto ou dimensão dominante do signo. Um índice é
um signo em virtude da presença de um laço existencial
entre si e o seu objecto. O símbolo corresponde ao signo
arbitrário de Saussure. Tal como este, Peircefala de um
«contrato" em virtude do qual o símbolo é um signo. Um
símbolo não implica qualquer analogia com o seu objecto,
nem qualquer elo existencial. É convencional e temforça
de lei.
Estas categorias sígnicas de Peirce são osfundamentos
de qualquer avanço em semiótica. É entretanto importante
ter em conta que Peirce as não considerava mutuamente
exclusivas: os três aspectos sobrepõem-se e sãofrequen-
temente (ou invariavelmente, como por vezes sugere)
Teoria da Semiótica da Cultura
Há duas consequências que se retiram da globalidade
do pensamento de Peirce: a) o carácter social, cultural, dos
signos; b) a denominada semiosis ilimitada, isto é, ofacto
de o objecto de um signo ser sempre o signo de outro
objecto e de não existir uma realidade última absoluta-
mente objectual.
A outrafonte da semiótica moderna chama-se Saussure,
que algures se interroga: «Porque é que não existíu até
agora a semiologia?~. Para Saussure, a semiologia ou sig-
nologia, era somente uma possibilidade aberta aofuturo
de estudar exclusivamente sistemas de «sígnos convencio-
nais~, (linguagem gestual, linguagem dos surdos-mudos, re-
gras de cortesia, etc.). Uma veZ que centra a sua atenção
especialmente no estudo da langue, como sistema sígnico,
Saussure desenvolve uma linha de investigação semioló-
gica de base linguística (é daqui que surge a noção de que
semiologia seria a corrente europeia de base linguística,
enquanto semiótica seria a anglo-saxónica, de base lógico-
-filosófica, peirceana). Barthes, com Éléments de Sémiolo-
gie ~, vai inverter os termos da questão e propor a absor-
ção da semiologia por uma translinguística, já que todos
os sistemas de signos são de algum modo «falados~, e a
sua inclusão na linguística, ciência mais geral (a esta pro-
posta, de Barthes e da Escola de Paris, corresponde a deno-
minação semiologia da significação, que se opõe à semio-
logia da comunicação, de Buyssens e Prieto).
A herança saussureana, se bem que indispensável,
levou a algumas reduções inaceitáveis a abordagem semió-
tica. É Jákobson quem afirma: «O egocentrismo dos lin-
guistas, que excluem da esfera semióttca os signos orga-
nizados de modo diferente dos da língua, reduz efectiva-
mente a semiótica a um simples sinónimo da linguística.
Para a semiótica soviética, que não põe de lado a rica
tradição linguística russa e reconhece que «a linguística
é a parte mais elaborada da semiótica , qualquer sis-
tema de signos pode ser estudado, sem preocupação de
fidelLdade a Peirce ou Saussure partindo das mais va-
riadas posiçôes eformações - linguística, antropologia,
teoria da informação, cibernética, lógica matemática, socio-
logia, etc.
Clarifiquemos agora o emprego dos termos semiologia
e semiótica: em Janeiro de 1967, um comité internacional
reunido em Paris tentou resolver esta ambiguidade termi-
10 Ensaios de Semiótica Soviética
nológica, pronunciando-se afavor do termo semiótica
(sem excluir, contudo, semiologia). A partir de então, sob o
patrocínio da International Associationfor Semiotic Stud-
ies, começou a ser editada a revista Semiotica, dirigida
por A. Sebeok, com a colaboração de Julia Khristeva e J.
Rey-Debove ~14~. Assim o termo adoptado a nível internacio-
nal é o de Semiótica, embora subsistam divergências: por
exemplo, há quem considere semiótica o estudo dos signos
que dependem necessariamente da linguística (Rossi-
-Landi), enquanto por semiologia se entenderia uma ciência
geral que estude os signos e entenda os signos linguísticos
como reduto particular daqueles. O importante é que a
semiótica, na sua arrancada para aformalização, coexiste
e intervém com outras ciências na busca de novos objectos,
de novos sectores de aplicação ou, como é assinalado por
Segal no último ensaio desta antologia, na nossa prática
científica, a denominação semiótica refere-se não só à
ciência abstracta das propriedades universais dos sistemas
sígnicos, mas também, e principalmente, a uma determi-
nada orientação científica, contudo apenas em formação,
que abarca aquilo que noutros países é estudado por
ciências como a antropologia cultural (social, estrutural),
a psicologia social, a etnografia histórica, a análise do con-
teúdo, a poética, a crítica de arte, etc.
Uma determinada orientação científica» no estudo da
significação que marca toda a prática social e supôe uma
pertinência particular na categorização e interpretação dos
fenómenos de que se ocupam tradicionalmente as ciências
sociais: eis o novo horizonte da semiótica, dentro do qual
desempenha o papel de vanguarda, como lhe compete, a
escola soviética, com Lótman, Uspenskü e Piatigórski à
cabeça.
A história das intervenções semióticas soviéticas ini-
cia-se ainda antes da Revolução de Outubro e tem a sua
base no estudo do aspecto sígnico da linguagem. Como era
fatal, os introdutores destas investigações tinham formação
estritamente linguística: já em 1916 Linzbakh escrevia:
"Nunca se encontrou a pedra filosofal, mas encontrou-se
outra coisa muito mais maravilhosa: a ciência exacta que
nos permite sonhar hoje com a transformação da maté-
ria... Consideramos o trabalho dos linguistas modernos
como um trabalho infatigável, de gnomosf antásticos seme-
lhantes ao que os alquimistasf oram. A sua actividade
Teoria da Semiótica da Cultura 11
define-se pelo esforço mais ou menos consciente para des-
cobrir as leis gerais que determinam a existência da lin-
guagem e cuja posse é igual à da pedrafilosofal» 5>. Se
dermos o desconto necessário ao entusiasmo utópico deste
>ábio russo,fica no entanto a certeza de que a tradição
linguística é a fonte da semiótica soviética actual. Linguis-
tas como J. B. de Couternay, N. S. Trubetzkoi, E. D. Poliva-
zov e R. O. Jákobson anteciparam em muitos anos muitas
das ideias do movimento linguzstico estrutural e exerceram
influência determinante em todas as ciências sociais. Os
estudosf filosóficos - que têm as suas origens nos trabalhos
do grande filósofo ef ilólogo russo A. A. Potebnai ~lb~ -, o
folclore e a crítica literária dominavam o campo de acção
da análise da significação e tiveram importância extrema
para o aparecimento da semiótica soviética.
Em 1919 aparece uma colecção de artigos dos Forma-
listas chamada Poetika " e as suas propostas vêem-se pro-
longadas nos mais recentes estudos semióticos (Lótman,
Ivanóv, Shaumián, etc.), mas seria profundamente errado
e injusto não referir, como influências tão efectivas como
as já citadas, os trabalhos de Vygótski, Beéli, Tomachévski
s Eisenstein (psicologia, composição poética e narrativa ci-
vematográf ica) ou, mais recentemente, de Lurüa (psicó-
ogo que estudou as deformações da linguagem, provocadas
pela interrupção do funcionamento normal do cérebro hu-
mano), Sokolianski (estudioso da linguagem dos cegos, sur-
dos e mudos) e Kolmogorov (especialista de teoria da in-
formação).
Lótman (professor catedrático de Literatura Russa na
Universidade de Tártu, director da revista Semeiotike, im-
mlsionador dos célebres colóquios de Kaüriku), por exem-
plo, depois de referir Tynianov, Chklóvski, Eichenbaum,
Tukóvskü, Propp, assinala: «É conveniente sublinhar que,
na sua actualfase de desenvolvimento, a ciência literária
soviética, ainda que tendo muito em comum com os tra-
balhos dos investigadores dos anos 20, baseia-se essencial-
mente nos resultados da linguística estrutural, da semió-
tica, da teoria da informação, da cibernética,>.
Outra das influências que merecem realce particular é
~ de Bogatiriov, cujos trabalhos sobre o traje popular es-
cravo são de inequívoca importância para a semiótica do
teatro ~'8~. Bogatiriov e Jákobson escreveram em colabora-
ção (1929) «O Folclore como Forma de Criação Autó-
co-presentes.
Teoria da Semiótica da Cultura 13
Falemos agora mais detalhadamente de Román Jakob-
son, que é, sem sombra de dúvida, um dos pilares de sus
tentação de toda a semiótica contemporânea, e muito espe-
cialmente de Lótman e Uspenskü, e cuja estada nos EUA
teve como consequência a introduçáo no campo semiótico
de duas importantes descobertas~ 1. Charles Sanders
Peirce, que apelidou de ao mais inventivo e universal dos
pensadores americanos e de quem utilizou e incorporou
afamosa tríade sígnica, ponto de partida das diferenças
e tipologias de signos. Foi importante ainda a introdução
de Peirce Iza URSS (e mesmo de Morris) porque permitiu
a coexistência da notável tradição linguística com a lógica
matemática; 2. a outra grande descoberta de R Jákobson
foi a leitura de The Mathematical Theory of Communica-
tion, de Shannon e Weaver, em 1949, base da teoria da co-
municação. O seu aparecimento no campo das investiga-
ções soviéticas conduziu à imediata incorporação da teoria
da informação no discurso crítico e teórico semiótico.
Efectivamente, a teoria matemática da comunicação abre
a possibilidade de medir em termos quantitativos e estatís-
ticos a informação de uma mensagem e simultaneamente
analisar o seu signif icado (que seria o valor atribuível a um
ou mais elementos de informação com base em um código) ~
De acordo com Weaver, a teoria da comunicação clarifi-
cou a atmosfera de maneira tão profunda que talvez este-
jamos agora e pela primeira vez capacitados para elaborar
uma teoria do significado~.
A utilização destes novos métodos vai no sentido de
atribuir maior rigor científico à poética. Lótman afirmou
que ~é através das matemáticas, da teoria da informaçáo,
da cibernética etc., que será possível superar a contrapo-
sição que prevalece entre ciências exactas e ciências huma-
nas, de acordo cam a separação levada a cabo pelos cien-
tistas do século XIXD ~~. Ou ainda, expressando o intuito
de superar o intuicionismo da escolaformalista dos anos
20 e o historicismo dos anos 30, ~as esplêndidas hipóteses
dos estudiosos dos anos 2D substituídas (graças à inCOrpo-
ração da teoria da informação, da cibernética, etc.) por
uma rigorosa teoria da estrutura do texto poético
no alvorecer da década de 60 que a ciência literá-
ria soviética se começa a desenvolver, contatando com o con-
tributo dos mais eminentes especialistas do camnpo das
matemáticas e, concretamente, do acadéfnico A. ,N. l~odmo-
14 Ensaios de Semiótica Soviética
gorov, que recolheu as investigações originais de Toma-
chévski e Beéli sobre a composição poética, aplicando-lhes
as ideias e métodos da teoria da informação. Iúri Lótman,
em A Estrutura do Texto Artístico ~'~~, introduz e aplica a
medição da entropia da linguagem da autoria de Kolmogo-
rov: a entropia da linguagem (E) é composta por duas
grandezas: uma determinada capacidade semântica (e~)
- isto é, a capacidade de a língua, num texto de extensão
determinada, transmitir uma certa informação semân-
tica - e a elasticidade da língua (ez) - isto é, a capacidade
de transmitir um mesmo conteúdo de vários modos equi-
valentes; ez é, portanto, afonte de informação poética. Se
seria o caso das linguagens artif iciais, da ciência,
que excluem por princípio a ~ossibilidade de sinonímia -
então essa linguagem não pode constituir material poético.
O discurso poético - ao qual sef ez a aplicação do método
de Kolmogorov - impõe ao texto uma série de limitações,
naforma de um ritmo determinado, de uma rima, de
normas estilísticas e lexicais. Depois de medir que parte
da capacidade portadora de inf ormação se emprega nestas
limitações (j3), Kolmogorovformula uma lei de acord'o
com a qual a criação poética é possível desde que a quan-
tidade de informação utilizada nas limitações não exceda
/3 < ez, af lexibilidade do texto. Numa linguagem em que
R O ez a criação poética é impossível. Contudo, Lótman
adverte que «o estado actual da poética estrutural permite
supor que as relações entre estes componentes (el; ez, /3)
são dialecticamente muito mais complexas.» ~29>
Desta colaboração com os métodos da informática
surgiu um ponto de acordo, determinante para a evolução
dos estudos posteriores: a literatura é uma variedade dos
sistemas de signos. Esta colaboraçãofoi selada no prelúdio
programático ao «Simpósio para o Estudo Estrutural dos
Sistemas Sígnicos» ~~°> que marca o início da era propria-
mente semiótica da teoria e crítica literária soviética, de
que a Escola de Tártu constitui o expoente máximo. Nesse
prefácio escrevia-se que ao papelfundamental que desem-
penham os métodos semióticos em todas as disciplinas hu-
manísticas similares pode ser comparado com o papel das
matemáticas no campo das ciências naturais. Além disso,
por um lado; a própria matemática é incluída, enquanto
sistema de signos, no campo dos objectos susceptíveis de
análise semiótica e, por outro, a semiótica, tal como as
Teoria da Semiótica da Cultura 15
outras ciências humanas, está a adoptar cada vez mais as
ideias e métodos matemáticos~.
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