Língua, texto e ensino Outra escola possível



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Nesse ponto, recordo Hartmann, citado por Schmidt (1978, p. 7), quando defende que é no texto que consiste o 'sinal linguístico primá­rio' e, portanto, é ele o ponto de partida para uma linguística fenomenologicamente adequada a seu objeto.



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como componentes de discursos, pelos quais as pessoas dizem, agem, participam, tomam posições, se firmam e se afirmam no aqui e no agora de sua existência.

Assim, com a ampliação de paradigmas, trazida pela consciência da textualidade, a linguística ficou exposta:

. por um lado, a uma maior abrangência do fenômeno original da língua - o texto;

. por outro, às indeterminações de um objeto que, apesar de regular, se manifesta como heterogêneo, flexível e multifuncional.

Apesar dessa condição de indeterminação, cremos que as vantagens de ter aterrissado no domínio do texto são maiores que aquelas das abor­dagens centradas em unidades isoladas, descontextualizadas, rígidas, exatas e uniformes (lembro as tais frases soltas ou aqueles textos cartilhados do tipo "Ivo vê a uva".)

2. A dimensão da textualidade como fundamento para o ensino de línguas

Em desdobramento àquela abertura de paradigmas trazida pela con­sideração da textualidade, ganhou impulso a divulgação de uma proposta: a de que o estudo das línguas recobraria mais consistência e mais relevân­cia se elegesse, como ponto de referência, o texto.

É fácil encontrar razões que sustentem a pertinência dessa propos­ta. Entender o fenômeno da linguagem constitui uma tarefa tanto mais fecunda quanto mais se pode compreender os diferentes processos im­plicados em seu funcionamento concreto, o que leva, necessariamente, ao domínio do texto, em seus múltiplos desdobramentos cognitivos, linguís­ticos, discursivos e pragmáticos.

O texto envolve uma teia de relações, de recursos, de estratégias, de operações, de pressupostos, que promovem a sua construção, que promo­vem seus modos de sequenciação, que possibilitam seu desenvolvimento temático, sua relevância informativo-contextual, sua coesão e sua coerên­cia, enfim.



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De fato, um programa de ensino de línguas, comprometido com o desenvolvimento comunicativo dos alunos, somente pode ter como eixo o texto, em todos esses e outros desdobramentos.

A divulgação desses princípios foi-se fazendo pouco a pouco. E as con­sequências se fizeram sentir, pelo menos no âmbito das discussões e das orientações pedagógicas mais gerais. Documentos oficiais - por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais - defenderam, explicitamente, que o uso da língua, em textos orais e escritos, é que deveria ser o eixo do ensi­no. Entre os objetivos desse ensino, foram incluídas metas como a amplia­ção da competência comunicativa dos alunos, e outras congêneres.

Entrava em jogo, para os professores, uma mudança de perspectiva e uma ampliação de paradigma, que afetariam sua concepção de língua, de gramática, de texto, de frase e, assim, a redefinição do objeto mesmo de ensino. E passar das discussões - muitas delas altamente especializa­das - à prática pedagógica implicava repensar, redimensionar os paradig­mas anteriores, tarefa para a qual faltaram orientações mais específicas e acessíveis aos professores do ensino fundamental e do ensino médio.

Vieram, então, as simplificações inevitáveis. Empenhados em "ensi­nar línguas com base no texto", "a partir do texto", "através do texto", "de forma contextualizada", algumas propostas de atividades supunham estar alinhadas pelas novas perspectivas, simplesmente pelo fato de estarem propondo a retirada de palavras e frases dos textos para fazer os mesmos tipos de análises que faziam antes.

Ou seja, a rigor, eram mantidos os mesmos pressupostos teóricos; só que, agora, as palavras e as frases para a análise já não eram escolhidas ao acaso, mas eram fragmentos de um determinado texto, que, assim, na feliz expressão de Marisa Lajolo (1986, p. 52), servia apenas de "pretexto" para o reconhecimento e a classificação das unidades e de suas definições morfossintáticas.

Quer dizer, em sua maioria, as velhas perspectivas de ensino persis­tiram, e as práticas continuaram as mesmas, com a aprovação tácita (ou não) de professores e gestores e com o apoio explícito e feliz de grande parte dos pais dos alunos.

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Dessa forma, continuava fora de foco o estudo das regularidades tex­tuais, ou o estudo dos processos e das estratégias implicados na construção e na interpretação da atividade verbal, no entendimento de suas funções e do que as pessoas fazem com ela no cotidiano de suas relações sociais.

É evidente que, se não se consegue desco­brir o texto e suas regularidades, também não se descobre a língua na sua dimensão funcional de atividade interativa. Daí que continuou, em grande parte das escolas, a experiência inócua e frustrante de um estudo de língua que parece esgotar-se em exercícios de classe e deveres de casa, que pouco ou nada têm de discursivos, de textuais, de interativos, de funcionais. Na verda­de, como se tem apregoado, literariamente ou não, uma é a língua que se fala; outra a que se estuda na escola (às vezes nem parece língua!).

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Lembro o conhecido poema de Drummond, Aula de português, que se fecha com o verso: "O português são dois: o outro mistério", em alusão ao artificialismo da língua estudada na escola.



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3. A dimensão da textualidade desde a realização dos gêneros textuais

Admito que uma das explicações de não se ter aterrissado no vasto do­mínio da textualidade reside na pouca abrangência com que se tem enca­rado a linguagem. Por razões históricas - fora de análise aqui -, as línguas foram vistas, preferencialmente, em seus aspectos imanentes; isto é, na­quilo que é especificamente linguístico e interior a seu sistema de regras.

Não se percebeu que é preciso ir além e atingir os elementos que condicionam esse linguístico, que o determinam e lhe conferem, de fato, propriedade e relevância. Ou seja, é preciso chegar ao âmbito das práti­cas sociais e, daí, ao nível das práticas discursivas, domínios em que, na verdade, são definidas as convenções do uso adequado e relevante da língua. Desde esses domínios, é que se pode perceber os modos de cons­trução dos textos concretos, aqueles historicamente reais e situados no tempo e no espaço.

Nessa perspectiva bem mais ampla, poderíamos lembrar que:



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. os textos diferem enormemente, pois dependem da multiplicidade de propósitos que envolvem; por exemplo: um aviso tem uma finalidade co­municativa bem diferente daquela de um ensaio ou de um editorial;

. os textos obedecem a certos padrões mais ou menos fixos; são, pois, uma espécie de modelos, resultantes de convenções estabelecidas pelas co­munidades em que circulam e a que servem; por exemplo, um relatório, um requerimento seguem certas convenções sedimentadas pelas pró­prias instituições que os adotam;

. os textos se organizam, assim, em estruturas típicas, as quais, por sua vez, se compõem de blocos ou partes, cada uma desempenhando uma função também determinada; um artigo científico, por exemplo, tem uma configuração própria, que inclui diferentes partes, cada uma com uma função particular;

. os textos - na conformação a essas estruturas - contêm elementos obri­gatórios e elementos opcionais. Os primeiros, mais que os segundos, mar­cam o que, efetivamente, é típico de um gênero, ou, mais precisamente, de uma classe de gênero; por exemplo, em uma resenha, é obrigatório um bloco em que se apresente uma síntese do conteúdo da obra rese­nhada; é opcional a apresentação do sumário ou de comentários acerca da bibliografia referida.

Fica evidente: o que se tem denominado de 'gêneros de texto' abarca outros elementos além do linguístico, pois abrange normas e convenções que são determinadas pelas práticas sociais que regem a troca efetivada pela linguagem. Daí que conhecer os diferentes gêneros que circulam oral­mente ou por escrito faz parte de nosso conhecimento de mundo, de nosso acervo cultural. (A escola não pode furtar-se à responsabilidade de pro­mover esse conhecimento.)

O conceito de 'gêneros textuais', portanto, retoma - ampliando-o, no entanto - um pressuposto básico da textualidade: o de que a língua usada nos textos - dentro de determinado grupo - constitui uma forma de comportamento social. Ou seja, as pessoas cumprem determinadas atuações sociais por meios verbais, e tais atuações - a exemplo de todo o social - são tipificadas, estabilizadas; por outras palavras, são sujei­tas a modelos, em que a recorrência de certos elementos lhes dá exata­mente esse caráter de estabelecido, de típico, de regular. É esse caráter

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de 'regular' que faz com que o próprio conteúdo de um gênero possa ser previsto.

Daí também a possibilidade de se prever os modos de desenvolver um determinado gênero, ou de se prever os protótipos textuais, com regulari­dades de estrutura, de conteúdos, com regularidades lexicais e gramaticais - do que resultam as expectativas que alimentamos em relação à atividade verbal. Mesmo intuitivamente, sabemos que existe uma espécie de modelo para cada gênero de texto. É comum perguntarmos sobre como se faz um requerimento, como se faz uma resenha, uma ata, e assim por diante.

Vale a pena ressaltar que a tipicidade dos gêneros decorre de outra tipi­cidade anterior: a das situações em que os textos se efetivam, situações que são também culturalmente construídas, como lembram Halliday & Hasan, em seu trabalho de 1989, p. 55. Ou, como diz Todorov (1976, p. 162):

Em uma sociedade, a recorrência de certas propriedades discursivas é insti­tucionalizada, e os textos individuais são produzidos e percebidos em rela­ção às normas constituídas por esta codificação. Um gênero, literário ou não, é esta codificação de propriedades discursivas.

Mas vale ressaltar ainda que, apesar de típicos e de estáveis, os gêne­ros são também flexíveis; quer dizer, variam no decorrer do tempo, das situações, conforme a própria trajetória cultural diferenciada dos grupos em que acontecem. Variam ainda porque assumem novas formas, novas representações e valores; porque alteram sua frequência de ocorrência ou, ainda, porque surgem "caras novas", isto é, surgem gêneros novos (o e-mail, o blog, a teleconferência, por exemplo).

Tais variações acentuam, por um lado, aquele aspecto heterogêneo das atividades verbais e, por outro, o caráter inter-relacional das proprie­dades da textualidade, pois cada variação de um texto significa, na verda­de, uma resposta pessoal do sujeito às condições concretas de produção e circulação de seu discurso. Assim, ressalto, ao considerar a tipicidade dos textos, não podemos deixar de lado a flexibilidade com que aquelas regularidades acontecem.

Nesse quadro, ainda, cabe a consideração acerca da reciprocidade entre linguagem e sociedade, ou a bidirecionalidade entre linguagem e situação social.

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Com a linguagem as pessoas atuam, intervêm na socieda­de, e, em contrapartida, as atuações que elas empreendem na sociedade repercutem em sua linguagem.
4. Os gêneros textuais e o ensino de línguas: com que fundamentos?

Com o propósito de sintetizar os fundamentos de uma proposta do ensino de línguas com base na tipicidade dos gêneros textuais, gostaria de reiterar neste tópico:

. o conceito de gênero, definido, segundo Swales (1990, p. 33), como: "Uma categoria distintiva de discurso de algum tipo, falado ou escrito, com ou sem propósitos literários";

. o princípio de que "os gêneros têm uma estrutura esquemática típica", a qual é condicionada pela "configuração contextual" em que os textos são produzidos e postos em circulação;

. o princípio de que tal configuração contextual possibilita prever-se (com flexibilidade, é claro), para cada gênero, que elementos são obrigatórios ("devem ocorrer"), quais deles são opcionais ("podem ocorrer" - mas, não aleatoriamente), qual a sequência em que se distribuem (onde devem ou podem ocorrer) e sob que formas os gêneros se apresentam, se iniciam, se desenvolvem e podem ser considerados completos.

O momento atual dos estudos que contemplam a questão dos gêne­ros ainda reclama por definições mais precisas e consistentes. Mesmo assim, consideramos, em sequência à voz de alguns autores, que muito já se compreendeu acerca dos gêneros; portanto, chegar a suas minúcias classificatórias não representa um interesse prioritário. Swales, em sua obra de 1990, p. 37, afirma: "Mais do que o interesse classificatório que a questão do gênero pode oferecer, vale a pena centrar-se nas suas possibi­lidades clarificatórias" (grifos meus).

Ou seja, a ênfase da questão deve estar na explicitação dos mode­los pelos quais, em seus textos, as pessoas realizam seus fins comu­nicativos e, não, na possibilidade de se estabelecer um sistema uni­forme para a classificação da imensa variedade de gêneros.

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Em síntese, mesmo conhecendo as dificulda­des de chegar a classificações mais precisas e con­sistentes, vale tomar os gêneros como referência para o estudo da língua, e, consequentemente, para o desenvolvimento de competências em fala, em escuta, em leitura e em escrita dos fatos ver­bais com que interagimos socialmente.

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Tem-se referido que as pesquisas acerca dos aspectos da organização dos diferentes gêneros de textos ainda são insuficientes e, assim, nosso conhecimento das estruturas esquemáticas dos textos permanece quase sempre implícito. No entanto, vale con­siderar que já existem consideráveis trabalhos sobre os gênerose suas repercussões no ensino de línguas. Na bibliografia, apresentamos várias referências dessas obras.



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Que implicações pedagógicas poderia ter o fato de admitirmos os gêneros como referência de nosso trabalho em sala de aula?

. Em primeiro lugar, os textos, orais e escri­tos - suas regularidades, suas normas, suas convenções de ocorrência - passariam a ser o objeto de estudo das aulas de língua - mesmo nas primeiras séries do ensino fundamen­tal. Quer dizer, passariam a ser o eixo do programa. Poderia ter fim, portanto, o monopólio da gramática e a velha prática de fazer do texto, apenas, o espaço para encontrar as classes de palavras que os alunos precisam aprender a reconhecer e a classificar. O programa, reitero, seria o texto. (Bem dizendo: o texto oral e escrito).

. Assim, os textos assumiriam sua feição concreta, particular, de rea­lização típica, uma vez que seriam identificados como sendo, cada um, de determinado gênero. As atividades de escrita, por exem­plo, deixariam de ter o estatuto de peça indefinida ("Escrevam um texto"; "Façam uma redação"; "Falem sobre") para terem a cara e o nome particular do gênero que realizam ("Escrevam uma carta, um aviso; Façam um convite" etc.). Por sinal, vale a pena acres­centar que o nome do gênero já aponta, por si só, para o propósito comunicativo do gênero: um convite, um aviso, um atestado, um anúncio, um debate, uma exposição oral já antecipam muito de seu

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propósito comunicativo. Tem sentido, portanto, nomear os tex­tos que escrevemos, falamos ou analisamos, chamando-os por seu nome específico, isto é, pelo nome do gênero que realizam. Como disse, deixa-se a perspectiva generalizada e indefinida, meio etérea, do texto simplesmente; como se todos, os orais e os escritos, fossem iguais.

. Recobraria pleno sentido também o estudo detalhado das estrutu­ras de composição dos textos ou a sua forma composicional, quer dizer, conheceríamos que blocos compõem determinado gênero; que formas assumem e em que sequência esses blocos são distri­buídos. Todo texto se concretiza numa determinada forma de cons­trução, que engloba certa sequência de elementos, mais ou menos estipulados. Se somos capazes de, empiricamente, reconhecermos a que gênero pertence determinado texto, é porque identificamos as formas prototípicas de eles se concretizarem numa determinada sequência. Uma exposição oral, por exemplo, obedece a certas res­trições - que precisam ser previstas - embora, em toda circunstân­cia, haja abertura para as necessárias adaptações.

. Na perspectiva dos gêneros, ainda, as regras gramaticais ganhariam seu caráter de funcionalidade, uma vez que seriam exploradas de acordo com as particularidades de cada gênero. O estudo dos pro­nomes, de cada uma de suas subclasses, por exemplo, atenderia ao que é comum acontecer em cada gênero; assim, os pronomes de tratamento seriam estudados quando se estivesse explorando as especificidades das cartas e de outros tipos de comunicação inter­pessoal e, não, a partir da sequência das classes de palavras. Mais: as diferenças implicadas nos usos dos modos e dos tempos verbais ganhariam sentido quando vistas como exigência de determinado gênero narrativo, descritivo ou expositivo; uma notícia, por exem­plo, apresenta uma sequência de fatos que se evidencia pelo uso do verbo no pretérito e por expressões que marcam sequência tempo­ral. Os conectivos argumentativos mereceriam um estudo particu­lar quando fossem analisados gêneros dissertativos ou opinativos, acerca de uma ou outra questão, e assim por diante.

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. Além disso, as atividades de compreensão superariam o simples cuidado de entender o texto, ou a semântica de seu conteúdo, para atingirem os propósitos comunicativos com que foi posto em circulação. Numa palavra, deve-se ir além do sentido para identificar também as intenções pretendidas pelo au­tor, as quais se expressam nas palavras e em muitos outros sinais.

. O estudo dos gêneros permitiria aos alunos perceber como a elaboração e a compreen­são de um texto resultam da conjunção de fatores internos à língua e de fatores exter­nos a ela; externos, porque ancorados numa situação social que envolva uma prática de linguagem. Essa conjunção de fatores inter­nos e externos poderia fundamentar, inclu­sivamente, a prática da análise linguístico- pragmática de mal-entendidos, de conflitos, de imprecisões ou de ambiguidades, atesta­dos em uma comunicação.

. Esses e outros objetivos fariam com que os conceitos de 'certo' e de 'er­rado' - formas quase exclusivas de se avaliar na escola uma decisão lin­guística - cedessem lugar a outras referências, reveladoras da relação entre língua e contexto, entre um interlocutor e outro, entre dizer e fazer. O texto "bom" não seria visto, portanto, simplesmente pela ótica da cor­reção gramatical, conforme pensa muita gente. Um texto absolutamente correto pode estar fora das especificidades de seu gênero, por exemplo, e, assim, já não seria um exemplar da boa linguagem. Uma palavra mal escolhida pode quebrar o fio de coerência ou gerar problemas de clare­za que afetam o entendimento. É preciso que tenhamos olhos para ver outras coisas nos textos além de sua correção gramatical. A escola não pode centrar-se apenas no estudo da gramática e deixar para descrições sumárias e superficiais a complexidade das questões textuais.

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Sabemos como a análise do desempe­nho dos alunos é feita, quase exclusivamente, com base em aspectos de sua superfície e na perspectiva do puramente gramatical. Essa visão é tão arraigada que qualquer trabalho de avaliação é referido como uma atividade de "corre­ção". Os professores sempre falam em "corrigir" quando se trata de avaliar provas, redações, resumos etc. Não têm uma visão mais ampla que lhes permita perceber que vão "avaliar" o trabalho dos alunos e, assim, procurar perceber o que eles acertaram e o que eles não compreenderam bem.



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. Outra implicação do estudo dos gêneros seria que as habilidades propostas, tanto para a fala quanto para a escrita, contemplariam a variedade da interação verbal que, de fato, marca a vida das pessoas nos diferentes grupos sociais. Vale a pena lembrar que essa varie­dade não é aleatória, mas depende também do lugar social em que tem lugar cada interação. Esse lugar, constantemente referido como "domínio discursivo", é também mais ou menos estabilizado, embora varie de uma cultura para outra. Lembramos, por exemplo, o domí­nio religioso, o domínio jornalístico, o domínio da ciência, o domínio acadêmico, o domínio jurídico, o domínio da literatura, o domínio da publicidade, e, entre outros, o domínio mais recente da esfera ele­trônica e digital. Cada um desses domínios se distingue também por ativar determinadas atividades de linguagem (argumentar, expor, narrar, descrever, orientar), que, por sua vez, exigem determinadas competências comunicativas (por exemplo, os comentários, as aná­lises de opinião, a exemplo dos editorias, são gêneros em que pre­dominam estratégias argumentativas). Cada um desses domínios, ainda, abriga uma série de gêneros próprios, com uma configuração e propósitos comunicativos também mais ou menos próprios. Focali­zar tais elementos da realidade interacional da vida social é concentrar-se no modo de, efetivamente, a linguagem acontecer. Os objetivos estreitos com que o uso da língua comumente é vista na escola dei­xam a impressão de que todo texto tem as mesmas configurações, não importa o domínio social em que acontece ou o propósito comu­nicativo que traz. A propósito, a escolha do texto dissertativo, como objeto de avaliação nas provas dos vestibulares, fez com que "a reda­ção" se constituísse no único "gênero" que os alunos do ensino médio precisam aprender a redigir. Quando vão debruçar-se sobre outros gêneros, socialmente tão requisitados e relevantes?

. Ainda: com o estudo dos gêneros, as dificuldades de produção e de recepção dos textos seriam mais facilmente atenuadas e, progressi­vamente, superadas. A familiaridade dos alunos com a diversidade dos gêneros os deixaria aptos a perceberem e a internalizarem as regularidades típicas de cada um desses gêneros, além de favorecer a capacidade de alterar os modelos e criar outros novos.

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. Vale a pena lembrar que, na verdade, cada gênero constitui uma espécie de classe, de agrupamento particular, representa um con­junto de textos com semelhanças formais muito próximas. Assim é que cada gênero admite subtipos no interior de seu próprio escopo. Por exemplo, uma 'carta' corresponde a diferentes configurações, conforme seja carta de amor, de recomendação, de cobrança, de apresentação, de solicitação, de protesto, de pedido de demissão, de leitor etc. Por essa e outras razões, os gêneros textuais permitem que se apreenda o funcionamento da língua como parte de muitas e diferentes relações histórico-sociais; por isso mesmo, um funciona­mento complexo e heterogêneo.

. Em suma, a língua virtual, cujo estudo se esgota pela consideração da palavra e da frase isoladas, cederia lugar à língua que, de fato, é atua­ção de sujeitos de linguagem, ao lado de tantas outras manifestações culturais com que se vai tecendo a história das pessoas e do mundo. Admitindo-se que o subdomínio textual dos gêneros, orais e escritos, constitui um setor de grande relevância e de grande complexidade, não podemos deixar de ressaltar que seu estudo não pode prescin­dir de uma intervenção didática bem fundamentada, consistente e gradual. Por essa intervenção é que se poderá articular os diferentes tipos de conhecimento (o linguístico e os não linguísticos), e desen­volver a necessária competência para falar e escrever, ouvir e ler de forma adequada às diferentes situações da comunicação social.


6. À guisa de ilustração: os termos de uma proposta

Arrisco-me a propor o que poderia ser um programa de estudo de línguas a partir dos gêneros, ou, noutras palavras, um caminho por onde se possa estruturar o ensino do texto. É algo incompleto, é claro, suscetível de ser alte­rado, conforme cada realidade; mas uma espécie de referência. Vejamos.


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