Louco Amor (Volume ) Charlotte M. Brame Biblioteca das Moças Louco Amor Volume a mad Love



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CAPÍTULO XIII

UMA ESPOSA PERFEITAMENTE FELIZ
— Não se atreverão a fazê-lo, — repetia Lord Chandos de si para si, com riso de pouco caso. — Anular meu casa­mento? Tolice pensar em semelhante absurdo.

De tempos a tempos, recebia alguns documentos. Pu­nha-os de lado sem nem olhar para eles. Ria-se desse dis­parate. Separá-lo de Leone? Não haveria força na terra capaz disso. Nem tocava nesse assunto com a esposa. Não valia a pena perturbar-lhe o sossego com tolices des­sa espécie.

Tinham ido a Richmond e encontrado lá uma Vila tão linda que parecia haver sido construída para eles. Peque­nina, cercada de jardinzinho encantador, cheio de rosas e jasmins. Nos arbustos cantavam passarinhos, e um re­gato ao fundo dava nota poética ao ambiente, que era como se fora criado para o amor.

Leone estava encantada: nunca sonhara com um lar tão lindo. Lord Chandos mobiliou-o com verdadeiro luxo e ali passaram os primeiros meses felizes da lua de mel. O jovem fidalgo não desejava propriamente manter o casamento em segredo, mas não queria que fosse demasia­damente público, enquanto sua mãe não estivesse dispos­ta a receber e apresentar sua esposa.

Para Leone a vida que se lhe abria diante dos olhos era o paraíso na terra. O esposo cercava-a de todo o conforto e carinho. Comprou-lhe roupas maravilhosa­mente belas e elegantes. Deu-lhe criada de quarto fran­cesa, habilíssima na arte da toilette. Ainda mais, con­tratou esplêndidos professores de Londres para que a en­sinassem. Exercitou-se a bela voz com que Deus a dotara. Leone estudou música e canto até tornar-se verdadeira ar­tista.

Ele mesmo lhe ensinou equitação. Caso raro, todos os mestres diziam que a moça possuía talento excepcio­nal. Eram unânimes em afirmar que algum dia se tor­naria famosa.

— É pena, — dizia o professor de música, — que se haja casado com um nobre. Se não fosse isso, eu a faria uma das mais famosas cantoras do mundo.

Afirmava o mestre de desenho:

— Se eu tivesse o talento de Lady Chandos, seria o maior artista da Inglaterra.

Em poucas semanas estava completamente mudada. Ninguém notaria que fora uma moça do campo, criada na fazenda de Rashleigh. Aprendera a falar com graça e distinção, seus modos eram fidalgos. Todos os traços da rusticidade, que ainda lhe restavam ao se mudarem para a Vila de River View, desapareceram no convívio com Lord Chandos e os mestres.

Com o desenvolvimento do espírito, tornou-se ainda mais bela; tinha agora ar distinto, poético, fidalgo, fa­zendo com que Lord Chandos confiasse ainda mais na vitória, desde que sua mãe a visse. Orgulhava-se cada vez mais da linda esposa.

Leone tinha a impressão de que fora transportada ao céu. Parecia-lhe haver morrido e ressuscitado. Não po­dia crer que ainda vivia a mesma vida de quando mo­rava em Rashleigh. Os dias não lhe pareciam suficiente­mente longos para toda a sua felicidade.

Diariamente, tomava a primeira refeição em compa­nhia do esposo. Era-lhe, talvez, a hora mais feliz do dia. Sempre abertas, as janelas da sala de refeições davam para o belíssimo jardim. O ar fresco das manhãs de verão penetrava na sala, trazendo o perfume das rosas e das violetas. Linda como a própria manhã, Leone pa­recia uma rosa que acabava de abrir-se.

Lord Chandos mostrava-se cada dia mais encantado com a sua beleza. A alma romântica de Leone desper­tara, enfim, e debruçava-se, radiante, às janelas de seus olhos negros.

Depois, Lord Chandos ia à cidade, onde passava al­gumas horas, enquanto a esposa tomava lições e estu­dava. Encontravam-se novamente para o almoço e pas­savam a tarde no campo. Vida poética, de idílio cons­tante. Enquanto vivesse, Leone não poderia esquecer aque­las tardes.

A noitinha, jantavam juntos, e mais tarde Lord Chan­dos levava a jovem esposa à ópera ou a um concerto.

— Logo que eu seja maior, — dizia o rapaz, — levarei você ao continente. Não há melhor meio de se conseguir sólida educação do que viajando.

Leone esperava ansiosa esse belo futuro.

— Logo que eu seja maior, esse era o estribilho de Lord Chandos.

Quando Leone exprimia sua tristeza por estar o seu querido esposo separado dos pais, ria-se ele, respondendo:

— Não se incomode com isso; tudo estará bem, logo que eu seja maior. Verá que minha mãe há de pedir, en­tão, que os visitemos. Os ventos mudarão de rumo, e a sua graça e beleza conquistarão todos aqueles que de você se aproximarem.

Leone fitava-o, pensativa.

— O amor à beleza tem tanta influência assim, Lance­lot?

— Sim; em geral, um lindo rosto tem grande influên­cia. Tenho conhecido moças que, não possuindo a décima parte de sua beleza, mas sendo razoavelmente bonitas, conseguiram subir do nada à mais alta nobreza. O seu rosto lhe abrirá todas as portas.

— A única coisa que desejo que meu rosto consiga é agradar a sua mãe.

— E o conseguirá, estou certo disso.

— Lancelot, que faremos se seus pais nunca nos perdoarem e nunca nos quiserem ver?

— Será muito desagradável, mas teremos que supor­tar nossa sina. Financeiramente, não importará muito. Logo que eu seja maior, terei fortuna própria e bastante razoável. Minha mãe logo desejará conhecê-la, quando ve­rificar que você se tornou famosa, o que não levará muito tempo, Leone.

E com isso a bela esposa deixou de se preocupar com o futuro. Confiava cegamente no esposo, tão feliz e descuidado, que nunca poderia suspeitar de que algo cor­ria mal. Era feliz, intensamente feliz, de felicidade admiravelmente perfeita. Sua vida era um poema, lindo poema de amor.

— Por que serei eu tão feliz? — perguntava às vezes, a si mesma. — Por que terá Deus concedido tantas bênçãos a mim, que estava tão descontente e tanto desejava o amor e a felicidade?

Não sabia como agradecer aos céus.

Certa manhã de outono, luminosa e linda, em que sol avermelhado punha os tons de cobre no verde esmeraldino da folhagem, foi o feliz casal dar um passeio até ao rio. Tomaram um barco que flutuava como cisne sobre a água azul e ondulada. Vestia Lady Chandos uma toilette cor-de-rosa, que servia de moldura à sua radiante beleza. Recostada nas almofadas de veludo ne­gro, sorria tentadoramente para o esposo.

— Você parece muito feliz, Leone, — disse Lord Chan­dos.

— E realmente o sou. Sabe? Ontem escrevi a meu tio. Gostaria de enviar-lhe uma caixa, contendo tudo quan­to ele aprecia, e que nem sempre pode obter.

— Pois mande, se isso lhe dá prazer.

Leone curvou-se sobre a borda do barco, fitando a água, passando a mão nas pequenas ondas que se levan­tavam.

— Feliz, — repetiu, mais para si própria do que para ele. — Sim, posso dizer com segurança que tenho sido tão intensamente feliz desde que vim para aqui, que se mi­nha vida fosse depois completamente desgraçada, eu ainda poderia dizer que me tocou uma porção maior de feli­cidade do que a concedida às moças, em geral.

Futuramente veio a lembrar-se, muitas vezes, destas palavras, e teve oportunidade, de verificar que eram abso­lutamente verdadeiras.

Os poucos meses que passaram em River View fo­ram da mais perfeita paz e felicidade, sem sombra de preocupação, nada que lhes pudesse esfriar o amor in­tenso, nada que viesse tirar a harmonia do seu poema. Nalgumas vidas, há alguns momentos de paz, exatamente antes da desgraça, tal qual como às vezes se dá na natureza, em que alguns instantes de bonança precedem às violências do temporal.

— Você me lisonjeia, Leone, disse Lord Chandos, quando me fala de sua felicidade. Só posso dizer que a desejaria eterna como a luz do céu.



CAPÍTULO XIV

FIEL ATÉ A MORTE
O caso esteve na ordem do dia durante longos me­ses. Os jornais da Inglaterra mencionavam-no, e geral­mente, o público ria ao ler as notícias. Diziam ser um caso de Corydon e Phyllis, um amor de camponesa, uma farsa, romantismo absurdo da parte de um jovem nobre que deveria ter um pouco mais de juízo. Não produziu sensação, nem escândalo. Os jornais não lhe davam muita atenção, mas registraram que o Conde Lanswell e sua esposa, Lúcia, haviam requerido que fosse considerado nulo e inexistente o casamento de seu filho Lancelot, Lord Chandos, por ser menor e ter contraído o casamen­to sem o consentimento dos pais.

O processo foi longo, demorado, cheio de complica­ções judiciárias, mas finalmente terminou como todos pre­viam que terminaria: favorável ao conde e contra o filho.

O casamento foi considerado nulo e inválido, ilegal o con­trato. Enquanto fosse menor Lord Chandos não poderia casar sem o consentimento dos pais.

Logo que a decisão foi proclamada, e chegou ao co­nhecimento de Lady Lanswell, esta sorriu. O Dr. Sewell deu-lhe os parabéns, e ela tornou a sorrir

— Devo agradecer à lei, — disse, — que livra meu filho das conseqüências de sua tolice.

— Lembre-se, minha senhora, — declarou o advogado, — de que ele poderá tornar a casar com ela, logo que atinja a maioridade.

— Sei perfeitamente que o não fará, — replicou a condessa, — embora o Dr. Sewell não se sentisse muito conven­cido disso.

O conde, a condessa e o advogado estavam sentados no salão de Dunmore House em conferência solene. Não sabiam qual deveria ser a primeira providência a dar, depois daquilo. Lord Chandos havia recebido o aviso legal e o rasgara, com riso de escárnio. Ria-se à idéia de que alguma lei, divina ou humana, o pudesse separar de Leone. Não tomou conhecimento de coisa alguma. Não res­pondia às perguntas que lhe faziam. O advogado, em cujas mãos entregara o caso, declarava-se vencido, embo­ra houvesse feito todo o possível, e ele não se conven­cia... ria-se.

Tudo havia terminado. O casamento havia sido de­clarado nulo e inexistente.

Lendo o caso nos jornais, as matronas da nobreza declararam que tudo estava perfeitamente justo, não ha­via dúvida de que o jovem lorde fora vítima de uma caça-fortunas e que, se se permitisse semelhante coisa sem castigo, não haveria mais segurança para os seus amados filhos de cabelos cacheados. Estaria nas mãos de qualquer plebéia bonita que os quisesse pescar.

Os homens do mundo sorriam, e consideravam que Lord Chandos escapara de complicação séria e desagra­dável. Os rapazes e moças da fidalguia pouco pensa­vam no caso; limitavam-se a dizer que Lord Chandos se metera numa embrulhada, de que os seus pais o ha­viam livrado. Depois, os comentários acabaram-se. Não havia ainda passado uma semana, e já ninguém mais falava nisso.

Quando a Condessa de Lanswell recebeu a comuni­cação de que conseguira o que no íntimo da alma mais desejava, o papel tremeu-lhe nas mãos. Por alguns ins­tantes, empalideceu e ficou como petrificada. Havia sido uma ação desesperada, mas vencera. Tinha grande con­fiança em si e no íntimo sabia que venceria, mas a ale­gria da vitória a emocionava.

— Vamos mandar chamar Lancelot aqui para Cawdor, — disse ela para o conde, — enquanto o Dr. Sewell vai falar com a moça e combinar com ela as providências. Acho conveniente dar-lhe carta branca em matéria de dinheiro. Creio que se ela se contenta com mil libras por ano, não devemos objetar.

— Não se trata de questão de dinheiro, — disse o con­de. — Naturalmente ela ficará com grandes dificuldades, e nós devemos compensá-la do melhor modo possível. Se você quer que mande chamar Lancelot imediatamente, po­derei fazê-lo. Enviar-lhe-ei um telegrama da estação de Dunmore. Estará aqui pouco depois de meio-dia.

Quase não tinha havido relações entre Lord Chan­dos e seus pais, desde o início da ação anulatória. Uma ou duas vezes o rapaz encontrara o pai, mas o conde se recusava terminantemente a discutir sobre o caso.

— Deverá falar a sua mãe, meu filho, — respondia o fidalgo; — você bem sabe que ela é quem resolve tudo.

E Lord Chandos, nada temendo, ria-se do que considerava como fraqueza da parte de seu pai.

— Amo muito minha esposa, — pensava, — mas nenhuma mulher será capaz de me governar dessa maneira. Sem­pre hei de conservar minha independência.

Certa manhã de setembro, admirou-se de receber em River View um telegrama, comunicando desejar Lord Lans­well que tomasse o primeiro trem para Cawdor, pois tinha novidades muito importantes a lhe comunicar. Usan­do sua influência na corte, Lady Lanswell, que era astuta, conseguira uma nomeação honrosa para o filho. Ia celebrar-se um casamento real no continente, e ele havia sido um dos dois jovens nobres ingleses nomeados para repre­sentar sua majestade. Ninguém poderia recusar essa hon­ra, e Lady Lanswell estava certa de que o filho a acei­taria com grande satisfação. Arranjara as coisas da se­guinte forma: primeiro, mandaria um telegrama chaman­do-o a Cawdor: mostrar-lhe-ia a carta de nomeação, fá-lo-ia responder, aceitando; depois lhe comunicaria que seu casamento fora anulado. Após aceitar semelhante encargo, era impossível faltar, e isso o separaria de Leone.

O telegrama chegou a River View, à hora da pri­meira refeição. Leone estava com o esposo à mesa, ves­tida de branco, linda como a primavera.

— Um telegrama! — disse. — Oh! Lancelot, como de­testo esses envelopes amarelos. Enchem-me de horror; parecem arautos da desgraça.

Lord Chandos beijou-a carinhosamente, antes de abrir o telegrama.

— Não há má notícia neste envelope, — replicou, logo que o abriu; — devo ir a Cawdor imediatamente. Meu pai tem algo de muito importante a comunicar-me.

O instinto feminino avisou-a de que havia algum perigo. Leone levantou-se da cadeira e, dirigindo-se ao amado, passou-lhe o lindo braço em volta do pescoço, apoiando ternamente o rosto de encontro ao dele.

—- É algo de desagradável que nos vai acontecer, Lancelot; estou certa disso.

— Tolice, minha querida. Como poderá ser algo a nos­so respeito? Certamente se trata de algum assunto po­lítico, do qual ele me deseja informar, para que eu saiba como agir.

Mesmo assim, a bela moça empalideceu, e o bri­lho dos seus olhos negros foi toldado pela sombra da tris­teza.

— Precisa partir imediatamente? — perguntou.

— O trem parte ao meio-dia; preciso estar de saída dentro de meia hora, Leone, — replicou Lord Chandos, con­sultando o relógio.

— Meia hora, — disse Leone, segurando-o com as mãos delicadas; — só meia hora, Lancelot?

Um instinto profético dizia-lhe que ia perder o seu amado, embora nada, absolutamente nada soubesse do processo da anulação. Sentiu naquela manhã de outono um estranho pressentimento, como ainda não houvera sen­tido antes.

— Quanto tempo se demorará?

— Nem um minuto mais do que for absolutamente necessário. Se for por causa de alguma eleição, que meu pai deseja falar-me, estarei ausente por dois dias. Confie em mim, Leone. Assim que me desembaraçar, voltarei.

E puxando para junto de si a adorada esposa, beijou-a, apaixonadamente, sem imaginar o futuro que se apresentava diante deles.

— Só meia hora, — disse a moça. — Oh! Lancelot, deixe-me passá-la junto de você. Mandarei a criada arrumar a mala. Nada lhe faltará. Não se afaste de mim um segundo, nesta meia hora.

Puxou um pequeno banquinho, e sentou-se perto do seu amado.

Lord Chandos riu.

— Se alguém nos visse diria que ainda somos na­morados.

Ela fitou-o com certa admiração.

— E não somos? Seremos namorados até morrer, não é verdade, Lancelot?

— Certamente que sim. Mas não lhe parece que assim seremos diferentes da maior parte das pessoas ca­sadas?

— Não posso crer no que diz. Você, às vezes, fala do amor como sendo uma tolice, mas estou certa de que se eu for sua esposa durante cinqüenta anos, você nunca se cansará de mim, não é verdade?

— Nem quero pensar que não seja assim.

— Estou certa de que não. Minha confiança em você é tão forte quanto o meu amor. Mais facilmente acre­ditaria que o céu ia desabar sobre minha cabeça do que você me pudesse esquecer.

— Nunca me esquecerei de você, minha querida; esta é a primeira vez que nos vamos separar depois de casa­dos. Não se entristeça e não se sinta só, por causa dis­so.

— Todo o tempo em que você estiver ausente, pas­sarei a pensar na sua volta. Lancelot, diga-me mais uma vez aquelas palavras que tanto gosto de ouvir; consolar-me-ão da sua ausência, enquanto você estiver fora.

Lord Chandos tomou entre as suas as pequeninas mãos de Leone.

— Minha querida, amo-a de todo o coração, e ser-lhe-ei fiel até à morte.

As palavras carinhosas pareceram satisfazê-la por al­gum tempo, pois, curvando-se, apoiou o rosto nas mãos de seu amado.

— Leone, — disse o jovem com sua voz máscula, porém terna, — penso que hei de lhe trazer boas notícias de casa. Meu pai não me mandaria chamar se não precisasse de mim, e por isso farei uma troca com ele. Se precisar de mim para alguma coisa, imporei, como condição, que me dê licença de levar você para Cawdor.

Falaram disso durante alguns minutos; depois Leone se levantou e se pôs a ajudá-lo nos preparativos, mas ti­nha o rosto pálido e as mãos trêmulas. Quando chegou o momento de se despedirem, ele a tomou nos braços.

— Mais uma vez, — sussurrou ao ouvido de Lord Chan­dos.

E veio a resposta, dita num tom ainda mais cheio de ternura e poesia:

— Querida, amo-a de todo o coração e ser-lhe-ei fiel até à morte.

E foram essas as últimas palavras que lhe ficaram soando aos ouvidos, depois que ele partiu.

CAPÍTULO XV

ENTREVISTA CAPCIOSA
Lady Lanswell admirou-se ao ver o filho entrar. Du­rante os poucos meses de vida de casado, havia mudado bastante. Parecia mais alto e mais forte; elegante bigode louro cobria-lhe o lábio superior.

Não passava de um meninote quando a mãe, beijan­do-o e dando-lhe muitos conselhos de que se dedicasse aos estudos o enviara à casa do Dr. Hervey, e voltava agora homem feito, cheio de confiança em si, com um porte firme e elegante.

Fitou a mãe com ar de irônico desafio.

A bela senhora, que nunca havia conhecido medo, tremeu por um instante, ao lembrar-se do que deveria dizer ao filho.

O rapaz curvou-se para beijá-la, e naquele momen­to seu coração se abrandou por amor do filho. Logo, porém, tomou nova energia, lembrando-se de que tudo havia sido feito em seu benefício.

— Tenho boas notícias para você, Lancelot, — disse, com graça e distinção. — Muito boas notícias.

— Fico muito satisfeito com isso, minha mãe, — re­plicou Lord Chandos, pensando, de si para si, que esta entrevista mais parecia uma audiência da rainha ao herdeiro da coroa do que uma palestra entre mãe e fi­lho.

— Você acaba de chegar de viagem e provavelmente deseja tomar alguma coisa. Quer um copo de Ma­deira?

A verdade é que a própria fidalga, com toda a sua coragem, sentia necessidade de um estimulante, pois va­cilava e tremia ao lembrar-se do que deveria dizer-lhe.

— Foi-lhe concedida uma honra, — declarou afinal; — uma distinção que encheria de orgulho mesmo a um par do reino.

O rosto do jovem iluminou-se de alegria; tinha-se emo­cionado com as palavras lisonjeiras da mãe.

— Pedem-lhe que, com Lord Dunferline, vá represen­tar Sua Majestade no casamento da Princesa Carolina, em Hempsburg. Convite desses, nem lhe preciso dizer, é equivalente a uma ordem do rei.

— Bem sei, minha mãe, e fico satisfeitíssimo com essa honra, — respondeu Lord Chandos, pensando se pode­ria; ou não, levar Leone consigo.

— O convite veio à última hora, — continuou a condessa, — mas devido a uma demora da parte de Lord Dunferline. Ouvi dizer que todos os seus companheiros do clube o invejam. Terá que deixar a Inglaterra e par­tir para a Alemanha dentro de três dias. Amanhã, de­verá apresenta-se em palácio. Dou-lhe os parabéns, Lan­celot. É muito raro um jovem como você ser distin­guido com uma comissão dessas.

Lord Chandos bem o sabia, e orgulhava-se disso, mas desejava que Leone pudesse ir com ele. Não pode­ria viver sem Leone.

Lady Lanswell continuou.

— Seu pai está satisfeitíssimo; nem lhe posso dizer como está contente.

Só então, Lord Chandos olhou admirado em volta de si.

— Onde está meu pai? Ainda não o vi.

Lady Lanswell sabia que o pai não o desejava ver. O conde fugira, covardemente. Não quisera assistir àque­la entrevista terrível, entre mãe e filho, e deixara tudo nas mãos da esposa.

— Seu pai teve negócio urgente, que o obrigou a partir hoje pela manhã. Sabia que eu poderia interpre­tar todos os seus pensamentos, e dizer a você tudo quanto poderia ter dito.

O sorriso, que se desenhou nos lábios do jovem fidalgo, não era por certo dos mais respeitosos. Lady Lanswell não o notou.

— Oh! Perfeitamente. Sei muito bem que a senhora interpreta de um modo admirável as idéias de meu pai.

Foi então que, notando o sorriso irônico do filho, a condessa abaixou os olhos para os papéis que esta­vam sobre a mesa, e empalideceu. Era preciso coragem. Não devia deixar-se vencer pela fraqueza.

— Tenho outras notícias para você, Lancelot, — decla­rou com voz firme, ao mesmo tempo que o encarava com ar de desafio.

Levantou-se e quase se pôs na ponta dos pés, com o fim de tomar atitude inflexível.

— Ainda não lhe disse, Lancelot, o que penso desse erro terrível a que você dá o nome de seu casamento. O meu desprezo e indignação eram grandes demais para que falasse nisso. Não sei como se atreveu a dar o seu nome, nobre e antiqüíssimo, a uma camponesa.

O rosto de princesa espanhola de Leone brilhou ime­diatamente na sua imaginação e a palavra "camponesa" fê-lo rir.

— "Atrever-se" não é palavra que se use, referindo-se a um homem, minha mãe.

— Nem a usei com referência a um homem, — disse a condessa, com sorriso de sarcasmo. — Não estou falando a um homem, mas a um rapaz sem juízo. Um homem sabe conter-se, sabe distinguir o que convém do que é incon­veniente. Você, não. Um homem conhece como deve usar a honra do seu nome e de sua raça. Um homem hesita em vulgarizar um nome que tem sido honrado pelos reis, antes de arruinar por completo o prestígio de velha família, por amor a uma pobre camponesa. Você, meninote sem juízo, fez tudo isso, e julgo-me no direito de repetir que não falo a um homem.

— Usa linguagem violenta, minha mãe.

— Os sentimentos violentos exigem linguagem vio­lenta. Nada é mais violento do que o meu desprezo. Não sei por que teria de sofrer tamanha humilhação. Por que meu filho, de quem tanto me orgulhava, havia de envergonhar o nome da família?

— Não o envergonhei, minha mãe, — replicou o jovem lorde, zangado.

— Não o envergonhou? Parece que estou a ler, na biografia dos Lanswells: — Humberto, Conde de Lans­well, morreu em combate na defesa de seu rei e de sua pátria; Ross, Conde de Lanswell, tornou-se famoso por seus prestígios políticos; Lancelot, Conde de Lanswell, casou com uma camponesa. Preferiria, — exclamou, no auge da indignação, — que você houvesse morrido em criança a viver para enlamear dessa maneira o nome de uma família nobre.

Lord Chandos estava pálido de ira. Aquelas pala­vras o punham fora de si.

— Quererá compreender, de uma vez para sempre, minha mãe, que não casei com uma camponesa? Mi­nha esposa é de beleza maravilhosa, é linda e educada co­mo uma princesa. Assim que a vir, mudará de opi­nião.

— Espero que isso nunca se dê. Quanto a vê-la, nun­ca descerei tanto de minha dignidade, para permitir que uma mulher vulgar me dirija a palavra.

— Se algum dia tivesse visto Leone, não lhe pas­saria pela mente a idéia de chamá-la mulher vulgar.

Lady Lanswell fez um gesto orgulhoso de quem dese­java pôr fim à discussão.

— Recuso-me continuar falando nesse assunto. Se essa moça não é exatamente uma camponesa, não deve andar muito longe disso. Você manchou o nome da fa­mília com esse erro inominável, a que dá o nome de casa­mento.

— Não sou eu que o chamo de casamento. É um casamento.

A condessa empalideceu ainda mais.

— Não é. Dou graças aos céus e às leis de nosso país, que são justas e boas, recusando-se a reconhecer o casamento de um fedelho sem juízo. Você fez pouco caso de nossas cartas, desprezou nossas ameaças, desde­nhou de nossos conselhos; agora, as coisas mudaram, o decreto judicial foi publicado; o casamento de que falou com tanta audácia, não existe: a mulher, com que você me insultou, não é sua esposa.

Ela não tremeu, nem vacilou, ao ouvi-lo dizer, fora de si:

— Perdão! Preciso falar com franqueza. É men­tira!

— Você perdeu a noção do respeito, Lord Chandos, — foi a resposta que Lady Lanswell lhe deu, num tom da dignidade ofendida.

— A senhora força-me a usar palavras que não aprecio. A senhora irrita-me com semelhantes absur­dos!

— Não são absurdos. É a verdade nua e crua. Aqui sobre a mesa estão os papéis referentes ao proces­so. O tribunal já deu sua decisão. Nosso requerimento foi deferido e o seu casamento, como tem a pretensão de chamar, foi considerado nulo e inexistente!

A expressão de ódio, que se desenhou no rosto dele, causou admiração à fidalga.

— Isso não pode ser! — exclamou o jovem.

— É assim, e não o pode evitar. Você estava certamente desvairado, para não ver desde logo que seria decidido a nosso favor, pois nenhum menor pode casar sem o consentimento dos pais. Uma lei muito sábia. Muito em breve estaria acabada a aristocracia da Ingla­terra, se todos os meninotes sem juízo pudessem casar sem o consentimento de seus pais ou tutores.

Se o antagonista de Lord Chandos fosse um homem, a discussão teria degenerado em luta corporal; entretan­to, como se tratava de uma senhora, e especialmente de sua mãe, ele nada podia fazer. Sentou-se numa cadeira com os punhos fechados e os dentes cerrados, enquan­to Lady Lanswell, expulsando do coração todo senti­mento de piedade, continuava:

— A lei decidiu a nosso favor, contra você. Esteja ciente disso. Se respeita essa infeliz moça, nunca mais deverá vê-la. Ela não é sua esposa, nunca foi casada consigo. Não lhe preciso dizer mais nada; bem sabe qual será sua posição, se não a abandonar imediatamente.

— Santo Deus! — exclamou ele. — Recuso-me a acre­ditá-lo, recuso a crer em uma só palavra de semelhante história.

Com voz clara e firme, a condessa continuou a ex­plicar-lhe o que sucedera.

— Só lhe resta um recurso, — disse ela, para o con­solar; — e vou dizer-lhe, sinceramente, qual é. Quando for maior, poderá tornar a casar-se com essa mulher, se o quiser.

Deixando escapar um grito de dor e desespero, ele levantou-se de um salto.

— É realmente verdade, minha mãe? Casei com essa pobre moça de toda a boa fé, na presença de Deus, e a senhora me diz que se eu voltar para a sua compa­nhia ela perderá seu bom nome. Se isso é verdade, a senhora praticou um ato muito cruel.

—- Assim é, — repetiu a condessa, friamente. — Concor­do em que parece cruel, mas é melhor do que manchar o nome de uma família nobre.

— Casarei de novo com Leone, minha mãe, no dia em que completar vinte e um anos.

A condessa sorriu enigmaticamente.

— Um homem nunca pratica duas vezes a mesma to­lice; mas se quiser, poderá fazê-lo. Por enquanto, se tem algum respeito por essa pessoa que não é sua es­posa, deixe-a voltar para casa. Dentro em pouco volta­rei, para falar-lhe sobre a sua viagem.

E assim dizendo, a Condessa de Lanswell saiu do salão, onde o jovem lorde permaneceu, a pensar em como havia sido derrotado.


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