Louco Amor (Volume ) Charlotte M. Brame Biblioteca das Moças Louco Amor Volume a mad Love



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CAPÍTULO X

UM PAI ESCANDALIZADO
— De uma coisa estou certo, — dissera Lord Chandos, ao se aproximarem de Londres, — e é isto, Leone: se meu pai vir você antes de minha mãe ter tempo de interferir, tudo irá bem. Ele resiste a tudo, menos a um lindo rosto. É a única arma que o vence.

— Gostaria, — respondeu Leone, suspirando, — gostaria de ser menos orgulhosa. Sabe, Lancelot, que não su­porto ouvi-lo falar como se fosse um grande favor rece­berem-me? Sou sobrinha de um fazendeiro e você, filho de um poderoso conde. Entretanto (por favor, não se ofenda), não me sinto inferior a você.

O rapaz riu alto. Nada apreciava tanto como aquela franqueza orgulhosa da moça, que não lhe permitia se baixasse, mesmo diante de um título de nobreza.

— Gosto de ouvi-la dizer isso, Leone, — replicou o mo­ço. — De minha parte, julgo-a melhor do que eu. Nada receio, se meu pai for o primeiro a vê-la, e eis porque lhe telegrafei para encontrar-nos em Dunmore House.

— Mas, — insistiu Leone, — suponhamos que ele não sim­patize comigo. Que faremos?

— Ora, a única coisa honesta, que poderei fazer, será amá-la ainda mais do que agora, se for possível. Leone, a primeira coisa que temos a fazer é ir a uma casa de modas. O que sucederá depois, não importa; mas você precisa apresentar-se muito bem vestida. A primei­ra impressão é importantíssima. Você está linda com esse vestido modesto, mas prefiro que meu pai a veja com um vestido mais rico. Creio que devemos ir à modista e comprar um belo vestido e tudo mais que for necessário. Depois nos hospedaremos no Queen’s Hotel, para onde nossas malas serão enviadas. Jantaremos, e de­pois que estiver vestida, como o deve estar Lady Chan­dos, iremos a Dunmore House. Mandaremos levar para lá nossas malas.

Como ele disse, assim fizeram. Dirigiram-se primei­ramente à casa de modas de Mme. Carolina. Lord Chan­dos estava acostumado a um modo principesco de agir.

Mandou chamar a modista, que ficou a observar, admi­rada, a linda jovem.

— Apresento-lhe minha esposa, Lady Chandos. Es­tivemos passando uma temporada no campo, e ela deseja adquirir um guarda-roupa todo novo, na última moda.

Pareciam-lhe haver-se escoado muitas horas, quando finalmente, Carolina reapareceu, trazendo a cliente. Lord Chandos quase não reconheceu Leone. Seria possível que, embora os poetas cantassem a "beleza sem ar­tifícios", um vestido fizesse tanta diferença? Leone pa­recia agora uma bela imperatriz. A modista voltou-se para ele.

— Espero que Lord Chandos esteja satisfeito, — pois com sua perspicácia feminina percebera que aquilo fora um casamento de última hora.

— Estou mais do que satisfeito, — respondeu o ra­paz.

Diante dele estava a mais linda mulher da Ingla­terra, vestida com um belíssimo traje de Worth, o famoso costureiro. Era um modelo de viagem em veludo negro, com uma boina da mesma cor, parecendo, coroar a cabe­ça majestosa. Luvas de pelica escondiam-lhe as mãozinhas delicadas. Estava perfeito: distinto, elegante, rico e luxuoso.

— Agora não receio encontrar-me com meu pai, — dis­se o lorde; — tenho comigo um talismã.

Entretanto, empalidecia e sentia-se nervoso, à me­dida que se aproximavam de Dunmore House. O risco era enorme, bem o sabia, e a tarefa difícil de desempe­nhar. Só compreendeu o que havia feito, quando a ca­seira lhe disse que seu pai o esperava na sala de jan­tar. Nervosíssimo, fitou a bela dama que o acompa­nhava e notou que estava perfeitamente em linha. Isso o acalmou um pouco.

— Dê-me a mão, Leone.

O contato com a sua amada inspirou-lhe nova coragem.

Ao entrarem no salão, o velho fidalgo levantou-se, ad­mirado.

— Papai, — disse o filho, com voz firme e decidida: — permita-me que lhe apresente minha esposa, Leone, Lady Chandos.

O conde lançou um olhar aterrorizado àquele rosto moreno, mas nada respondeu.

— Tenho que lhe pedir desculpas, — continuou o jovem lorde, — de haver casado sem o seu consentimento; mas estava certo de que as circunstâncias tornavam inútil pedi-lo, e portanto casei sem lhe comunicar.

O mesmo olhar aterrorizado e o mesmo silêncio se­guiram-se a essas palavras.

— Papai, — exclamou Lord Chandos, — por que não dá as boas-vindas à minha esposa?

Lord Lanswell tentou sorrir, num sorriso forçado.

— Meu filho, você está caçoando. Tenho certeza de que está a brincar. Não pode ser verdade. Você não seria tão cruel.

— Meu pai! — repetiu o moço, num tom imperativo: — quer dar as boas-vindas à minha esposa?

— Não, — replicou o conde, corajosamente. — Não o farei. A jovem senhora me desculpará de me recusar a lhe dar as boas-vindas a uma casa que nunca lhe poderá pertencer.

— Meu pai! — exclamou o filho, em tom de censura, — não esperava isto do senhor.

— Não compreendo o que você poderia esperar, — dis­se o conde, zangado. — Quer então dizer-me que esta senhora é realmente sua esposa?

— É minha querida esposa.

— Quer dizer, então, que realmente casou com esta senhora, Lancelot?

— Fi-lo, meu pai, e estou certo de que é a mais bela ação de minha vida.

— E como pretende apresentar-se a Lady Lanswell? — inquiriu o conde, num tom de voz de quem apresenta pro­blema absolutamente insolúvel.

— Julguei que o senhor nos auxiliaria, papai, ou que ao menos dirigiria a palavra a minha esposa.

O conde fitou demoradamente o belo rosto que mos­trava agora expressão de desespero.

— Sinto muito, por você, Lancelot, e por essa se­nhora, porém não a posso receber como sua esposa.

— Ela é minha esposa, quer o senhor a receba ou não, — disse Lord Chandos. — Leone, como poderei descul­par-me perante você? Nunca esperei que meu pai a recebesse desta maneira. Papai, olhe para ela, veja como é jovem e bela. O senhor não a pode maltratar assim.

— Não tenho a menor intenção de a maltratar, — disse o conde; — porém não a posso receber como sua esposa.

Depois, vendo que a moça empalidecia, foi rapida­mente buscar-lhe uma cadeira e preparar-lhe um copo de vinho. Voltou-se novamente para o filho com expressão enérgica.

— Que tem andado a fazer? Enquanto sua mãe e eu imaginávamos você estudando para recuperar o tempo perdido, que tem andado a fazer?

— Tenho estudado bastante, e meu estudo trará bons frutos; todavia, papai, sempre me restou tempo para amar.

— É o que parece, — respondeu o conde, secamente; — tal­vez me possa dizer quem é esta moça, e por que veio para casa com você?

— É minha esposa; chamava-se Leone Noel e cha­ma-se agora Lady Chandos.

Pela primeira vez Leone falou.

— Senhor, sou sobrinha de um fazendeiro, — disse com simplicidade.

Tão musical era sua voz, que o conde pareceu ad­mirado.

— Sobrinha de um fazendeiro, — repetiu. — Queira per­doar-me, mas sou forçado a declarar que uma sobrinha de fazendeiro não constitui o modelo de esposa para meu filho.

— Amo-o muito, senhor, e farei o que me for possível para ser tudo quanto ele quiser que eu seja.

— São palavras corajosas, porém proferidas em vão. Lady Lanswell se recusaria terminantemente a ouvir falar em semelhante assunto. Não me atrevo, não devo sancioná-lo, nem por uma única palavra. Lady Lanswell nunca me perdoaria. Quererá contar-me quando foi perpetrada essa loucura?

— Hoje foi o dia de nosso casamento, papai, — excla­mou Lord Chandos. — Pense nisso. No dia de nosso casamento, o senhor nos recebe desta maneira. Como é cruel, e sem amor!

— Não. Não sou nada disso. Você, Lancelot, é que não quer compreender a loucura que fez. Você pensa que se pertence a si próprio. Engana-se. Um homem que tem o seu título, pertence ao seu pai, à sua raça, à sua famí­lia e não a si próprio. Esse lado da questão provavel­mente você não viu.

— Não, — respondeu Lord Chandos; — certamente que não vi. Mas, papai, se errei, perdoe-me.

— Eu o perdôo, meu filho, e de todo o coração. Os moços sempre fazem tolices. Perdôo, porém, não me peça para sancionar o seu casamento ou receber sua esposa. Não o posso fazer.

— Então, de que vale o seu perdão? Oh, papai, não esperava isso do senhor. Tem sido, sempre, tão bom para mim. Esperava dificuldades da parte de minha mãe, mas nunca da sua parte.

— Meu querido Lancelot, é melhor mandar chamá-la. Ela é realmente, como você sabe, a chefe da família. Sua mãe decidirá o que temos a fazer.

— Insisto em que minha esposa seja tratada com o devido respeito, — disse o jovem lorde no auge da indig­nação.

— Lancelot, faça o que quiser; recuso-me terminantemente a reconhecer como tal esta senhora. Quererá di­zer-me quando e onde casaram?

— Certamente. Hoje de manhã, pelo Rev. Barnes, na igreja de S. Barnabé, em Oheton, uma pequena vila a vin­te milhas de Rashleigh. O casamento foi feito em regra, foram publicados os pregões e tivemos as testemunhas ne­cessárias.

— Você tomou todas as providências para que tudo corresse de acordo com a lei, e diz-me que ela é sobrinha de um fazendeiro.

— Meu tio é o fazendeiro Roberto Noel. Tem uma fa­zenda em Rashleigh, — declarou Leone; — e é homem honesto, leal e trabalhador.

O conde não pôde deixar de sentir-se comovido ao ouvir a música suave de sua voz.

— Creio que assim seja, mas é triste verificar que o fazendeiro Noel não tivesse tido mais cuidado com sua so­brinha. Sinto imensamente o que sucedeu, porém nada posso fazer para ajudá-los. Lady Lanswell resolverá o caso.

— Mas, papai, — implorava o moço, — era no senhor que eu confiava. Era nos seus esforços que tinha fé. Seja meu amigo; se o senhor receber minha esposa e a reconhe­cer, ninguém mais poderá dizer uma palavra.

— Meu filho, ainda ontem sua mãe e eu estivemos falando de algo que ela deseja de todo o seu coração. Lembrando-me dessa conversação, digo-lhe francamente que não me atrevo a fazer o que me pede, pois estou certo de que sua mãe nunca mais falaria comigo.

— Então, Leone querida, temos que nos ir. Os céus proíbem que fiquemos onde não nos dão as boas-vindas. Papai, — disse, subitamente emocionado, — não diz uma única palavra amável, não me abençoa no dia de meu casa­mento?

— Recuso-me a crer que seja hoje o dia do seu casa­mento, Lancelot. Quando esse dia chegar, você receberá de mim palavras amáveis e bênçãos.


CAPÍTULO XI

A OPINIÃO DO ADVOGADO
Lady Lanswell estava na biblioteca de Dunmore Hou­se, rubra de irritação e com os olhos faiscantes, indigna­dos. Parecia ter nascido para mandar. O porte esbelto dava-lhe aparência de eterna mocidade. O vestido de via­gem caía-lhe em pregas elegantes e graciosas. Não tirara a pele que lhe cobria os ombros, mas já havia descalçado as luvas. Apoiada na mesa com a mão, onde brilhavam algumas jóias raras, continuava de pé — a imagem da in­dignação.

Lord Lanswell tinha enviado um telegrama logo que o filho deixara a casa, dizendo-lhe que viesse imediatamente, pois Lancelot tinha algo de muito importante a lhe comunicar.

A fidalga não perdera tempo e julgara logo que se tratasse de algum caso de amor. Nem lhe passou pela idéia alguma dívida de jogo ou aposta. Havia de ser alguma mulher, pensou, mas não admitiria tolices. Lancelot teria que lembrar-se de que pertencia à família. Se houvesse caído no erro de apaixonar-se por alguma mulher infe­rior a ele, precisaria emendar o erro o mais depressa pos­sível; não poderia haver misturas em família como a dela. Quanto a qualquer promessa de casamento, se ti­vesse sido tolo a ponto de a fazer, teria de quebrá-la. Pro­vavelmente seria necessário gastar bastante dinheiro, mas depois tudo ficaria em ordem.

Assim pensava Lady Lanswell, à medida que o trem se aproximava de Londres. Finalmente, deliberou tomar todas as providências necessárias para que as coisas saíssem conforme os seus desejos. O seu espírito se levantou, seus receios desapareceram; tinha confiança em si, nenhum de seus filhos poderia cometer erro assim absurdo. Havia expressão de escárnio no rosto de Lady Lanswell ao entrar em Dunmore House. O conde foi ao seu encontro no sa­guão.

— Como vê, não perdi tempo, — disse a condessa. — Que quer dizer este amontoado de disparates, Ross?

O fidalgo, porém, não lhe respondeu enquanto não chegaram à biblioteca e fecharam a porta atrás de si. Havia no rosto do marido expressão que a tornava ansiosa.

— Fale, Ross. Nada me desagrada tanto como ficar em suspenso. Diga-me imediatamente: que fez o rapaz?

— Casou, — disse o conde, solenemente.

— Santo Deus! Casou-se! Não pode ser! Casou... como... como... com quem... quando?

— Vai sofrer grande desgosto.

— Prefiro o desgosto à dúvida.

A condessa batia nervosamente com o pé no chão.

— Diga-me logo, Ross. Ele desgraçou a vida?

— Receio que sim.

— E eu o amava tanto... e confiava tanto nele! Pa­rece impossível. Conte-me tudo, Ross.

— Casou-se com a sobrinha de um fazendeiro. A mo­ça é linda. Parece muito bem educada e distinta. Seu tio tem uma fazenda em Rashleigh.

— Sobrinha de um fazendeiro! — exclamou Lady Lans­well. — Não pode ser. Deve haver algum equívoco. O rapaz certamente está querendo pregar-nos alguma peça.

— Não se trata de brincadeira. Antes fosse. Lan­celot forneceu-me todos os pormenores. Casou ontem pela manhã. Fez o casamento o Rev. Barnes, da igreja de São Barnabé, em Oheton, uma vila perto de Rashleigh.

— Casado! Está realmente casado! Recuso-me a crer.

— Infelizmente é verdade. Ele esperava, creio, vir residir aqui. Não tinha idéia de sair de Dunmore House, porém eu lhe disse que não podia receber nem a ele nem a ela.

— Quer dizer que o rapaz teve a audácia de a trazer aqui, Ross?

— Sim, vieram juntos, ontem à noite; recusei-me, porém, a recebê-la. Disse-lhe claramente que o assunto teria de ser resolvido por você, pois eu não o podia resolver.

— Bem sei que não.

— Entretanto, devo dizer-lhe que tive muita pena de Lancelot. Confiava inteiramente nos meus bons ofícios e considerava grande crueldade de minha parte o recusar-me a interceder por ele.

— E a moça? Que diz a moça?

— Talvez você me julgue fraco e tolo, mas devo con­fessar que me causou mais pena do que Lancelot. É bas­tante linda para ser adorada pelo mundo inteiro; e sabia rogar tão bem por ele!

— Filha de um fazendeiro! Sem educação, uma vul­gar moça do campo! Usar o título de Condessa de Lans­well! Que horror!

— Não, — interrompeu o conde; — é filha de um fazen­deiro, sim, mas não é vulgar.

— Não posso crer que seja apresentável, — disse a condessa. — Precisamos revolver o céu e a terra, se tanto for necessário, para anular esse casamento.

— Não havia pensado nisso, — declarou o conde com simplicidade.

Lady Lanswell tirou então a pele de cima dos om­bros e sentou-se à escrivaninha.

— Mandarei chamar o Dr. Sewell. Ninguém, melhor do que ele nos poderá dar conselhos.

O Dr. Sewell era conhecido como um dos melhores e mais hábeis advogados da Inglaterra. Havia mais de vinte anos que tomava conta de todas as causas dos Lans­well de Cawdor. Conhecia todos os pormenores de sua vida, todos os acontecimentos, e a bela condessa o esti­mava por ser absolutamente conservador. Mandava chamá-lo, agora, como último recurso. A carruagem foi envia­da ao seu escritório, a fim de não se perder tempo. Em menos de uma hora o hábil advogado estava diante dos pais desolados, escutando com ar grave a história do casa­mento do jovem herdeiro.

— Viu a moça? — perguntou o homem da lei.

— Sim, eu a vi, — disse o conde.

— É apresentável? Com um pouco de treino seria capaz de aprender as maneiras que o título exige...

Lady Lanswell o interrompeu.

— Nem deveria fazer semelhante pergunta, — exclamou, com orgulho. — Recuso-me a vê-la ou conhecê-la. Insisto em que o casamento seja anulado.

No rosto da condessa havia uma expressão impas­sível. Tanto o conde como o advogado perceberam que não cederia, por maior que fosse a pressão exercida.

Ambos sabiam que seriam inúteis quaisquer pala­vras. Quando a condessa resolvia alguma coisa, lutava até contra o vento e as ondas, porém nunca voltava atrás. Lord Lanswell era mais inclinado ao sentimentalismo e à contemporização. Tinha pena do filho, e o lindo rosto da moça o havia impressionado bastante. Mas a esposa era inflexível.

— O casamento precisa ser anulado, — repetia a condessa.

— E quem poderá anular um casamento perfeitamente legal? — perguntou o conde.

— O senhor encontrará meio de o fazer, — disse a fi­dalga, voltando-se para o Dr. Sewell.

— Facilmente poderei fazê-lo, Lady Lanswell; naturalmente cabe à senhora decidir. Se julgar que a moça po­de ser educada e aprender a portar-se em sociedade, talvez seja mais simples e honroso deixar as coisas como estão e a senhora fazer por ela o que for possível.

— Nunca! — exclamou a fidalga orgulhosamente. — Pre­feriria ver a mansão Cawdor reduzida a cinzas a vê-la go­vernando esta casa. É inútil estarmos a perder tempo e palavras; o casamento precisa ser anulado.

O advogado olhava para um e para outro.

— Não haverá a menor dificuldade em o anular, — disse finalmente. — Para ser franco, devo dizer-lhe que já imagino o que, a meu ver, irá acontecer.

A fidalga fitou-o com dobrado interesse.

— E que é?

O conde também ouvia com muita atenção.

— É simples, Lady Lanswell: esse casamento não existe. Lord Chandos é menor, e não pode casar-se sem o consentimento dos pais. Qualquer casamento que ele contraia sem o consentimento de seus pais é ilegal e nulo. Não existe. A lei não o reconhece.

— Essa é a lei, na Inglaterra? — perguntou Lady Lans­well.

— Sim, o casamento de um menor, como seu filho, sem o consentimento dos pais, não tem valor algum, a lei nem toma conhecimento. O remédio está, pois, nas suas mãos.

Marido e mulher entreolharam-se. Era uma opor­tunidade desesperada: o único remédio. Durante um ins­tante ambos pensaram na santidade do matrimônio, e no que resultaria de sua anulação. Pensaram ambos em como seu filho iria sofrer, se a lei fosse cumprida.

Depois, o rosto de Lady Lanswell tomou expressão dura e enérgica. O conde sabia o que viria a seguir.

— Pode dar as providências necessárias, Dr. Sewell.

— Perfeitamente. Terão apenas que requerer à Corte Suprema, e imediatamente o casamento será considerado nulo. Será um golpe terrível para a jovem esposa.

— Ela deveria ter tido juízo suficiente para não casar com meu filho, — exclamou a condessa. — Só tenho pena de meu filho... dela não.

— Parece-me que seria mais leal contarem a Lord Chandos o que pretendem fazer, — disse o Dr. Sewell. — Não que ele tenha qualquer meio de defesa, porque a lei é clarís­sima a esse respeito.

— Qual será o resultado? — perguntou a condessa.

— O casamento será declarado nulo e inexistente. Se­rão forçados a se separar agora; mas o remédio está nas mãos do rapaz. Se ele quiser permanecer fiel e cons­tante à sua amada, no dia seguinte àquele em que atingir a maioridade pode tornar a casar com ela, tornando-a, en­tão, esposa legítima. Se a esquecer, o único remédio para ela será conseguir uma compensação em dinheiro.

— Tomarei a mim o encargo de fazer com que Lan­celot a esqueça, — declarou Lady Lanswell.

— Poderá começar a agir imediatamente, — disse o ad­vogado. — Amanhã o requerimento poderá ser apresentado.

— Mas o caso se tornará público, — hesitou a condessa.

— Sim. É o único inconveniente. De qualquer mo­do, já tem havido muitos rapazolas que cometeram essa tolice. O público não presta muita atenção a esses ca­sos.

Lord Lanswell fitou o belo rosto impassível da es­posa.

— É coisa desesperada o que vamos fazer, — disse, — pois Lancelot a ama loucamente.

— Também foi coisa desesperada ter-se ele casado sem o nosso consentimento.

— Ele completará vinte e um anos em junho, — disse o conde. — Acha que não se manterá leal a essa moça?

— Não, — afirmou a condessa com orgulho. — Posso, com segurança, dar-lhe a minha palavra de honra em como não.


CAPÍTULO XII

ELES NÃO ME PERDOARÃO
— Graças a Deus! — disse a condessa. — O caso pode ser remediado. Se não houvesse remédio, eu teria enlou­quecido. O rapaz certamente estava louco ou cego, ou ambas as coisas a um tempo.

A fidalga tinha um ar triunfante, o rosto se lhe ilu­minara de satisfação. No rosto do conde, entretanto, no­tava-se uma expressão grave. Já o advogado se despedira e ambos discutiam os pormenores. Lord Lanswell não pa­recia muito satisfeito. Chegou-se para junto da esposa.

— Lúcia, acha que se conseguirmos separá-los teremos feito o nosso dever?

— Dever? Creio que será uma das ações mais vir­tuosas de minha vida.

— Bem, sinto não poder concordar completamente com você. Não há dúvida de que esse casamento é vexa­tório, mas não estou bem certo se será correto apagar todos os seus traços ou, por outra, anulá-lo.

— Sei julgar o que é correto ou não, neste caso, — res­pondeu a condessa, asperamente. — Não admitirei que nin­guém interfira. É preciso tratar imediatamente da ação.

— Mas, pelo menos, escreverá a Lancelot, contando-lhe o que está sendo feito?

— Sim, não tenho motivos para deixar de o fazer. Para ele será o mesmo.

— Ele poderá tentar assumir algum compromisso, — disse Lord Lanswell, que sentia um peso no coração, ao lembrar-se daquele lindo rosto de moça apaixonada.

— Não tomará compromisso algum. Abandonará essa mulher imediatamente, e casará com alguma moça de seu nível social. Vou escrever logo a carta e, peço-lhe, Ross, não seja fraco. Não há ente mais desprezível, debaixo do sol, do que um homem fraco.

— Não serei fraco, querida, — respondeu o conde, sub­misso, — mas estou preocupado com Lancelot.

-— Lancelot errou, e terá que sofrer as conseqüências do erro. Dentro de um ano, agradecer-me-á pelo que hoje fiz em seu favor.

Lord Lanswell ainda continuava a fitar a esposa, com ar de dúvida.

— Acha, então, que dentro de um ano terá esquecido essa pobre esposa?

— Tenho certeza absoluta disso. Muito antes de ter sabido desta tolice, já eu havia decidido com quem o rapaz deveria casar. Não vejo motivo para mudar de idéia.

Lord Lanswell pensava, com muita pena, na jovem esposa. Haveria a possibilidade de seu filho ser tão des­leal, tão volúvel, que esquecesse, em doze curtos meses, a esposa que tanto arriscara por amor dele? Olhou para a condessa.

— O caso, então, se resume a uma pequena alterna­tiva. A de Lancelot continuar, ou não, fiel ao seu amor. Se continuar, o seu plano de os separar terá efeito muito precário. Se for falso, então tudo correrá bem, de acor­do com o seu modo de pensar.

— Acabemos com a discussão. Pode ficar certo de que, com o conhecimento que tenho do mundo, sei per­feitamente que dentro de um ano não só a terá esquecido, como se envergonhará de se ter apaixonado por ela.

Obedecendo às ordens da esposa, Lord Lanswell foi acompanhar o processo, e a condessa, logo que ficou so­zinha, principiou a escrever ao filho. Contou-lhe, em pa­lavras muito simples, que seu casamento não só era ilegal, como absolutamente nulo, pois, sendo menor, não poderia casar sem o consentimento dos pais. Tinha suficiente confiança em si mesma para acrescentar:

"Você poderá, naturalmente, fazer o que lhe aprouver quando for maior. Poderá tornar a casar com essa jovem, sem o nosso consentimento. Mas sou de opinião que não o fará".

O tempo, que se passara de modo tão desagradável para o conde e a condessa, havia sido todo de felicidade para os recém-casados. Leone derramara algumas lágri­mas amargas, ao deixarem Dunmore House, mas Lord Chan­dos rira, embora estivesse zangado e irritado, pois lhe parecia que aquele estado de coisas não iria durar muito. Seu pai e sua mãe sempre lhe haviam feito todas as von­tades. Certamente deixariam também que se casasse com quem quisesse,

— No fim, tudo sairá bem, — declarou. — Meu pai ficará firme durante alguns dias, mas depois cederá. Sejamos felizes, enquanto esperamos, Leone. Continuaremos hos­pedados na Queen’s Hotel, até que nos chamem para Caw­dor. Não demorará muito. Meu pai e minha mãe não podem passar sem mim. Hoje iremos à ópera; isso ser­virá para distraí-la.

Até aquele instante, "Ópera" havia sido para Leone uma palavra vazia. Tinha a moça vaga idéia de que se relacionava com o canto. Afinal, havia algo que a com­pensava dos dissabores. Seu marido era dedicado, dava-lhe magníficos vestidos, e iam finalmente ao mais belo espe­táculo de Londres, a Ópera.

Não disse uma só palavra que denotasse surpresa, mas seu coração transbordava de alegria e admiração. Nunca em sua vida assistira a espetáculo mais grandioso do que um chá de caridade com corpo coral. Possuía voz admirável, porém nem ela nem ninguém ao seu redor sabiam desse extraordinário dom.

Nas grandes ocasiões, o coro do colégio em que estivera cantava, sob a regência do reitor, duas vezes por ano, geralmente: no verão, na grande festa campestre dada pelo colégio, e no inverno, nas festividades de fim de ano. Leone até então julgara estas reuniões como o ápice da perfeição, mas agora se admirava de ver a gran­deza do círculo em que entrara.

Antes mesmo de subir o pano, já havia encontrado do que se admirar. Nunca vira vestidos tão lindos, jóias assim, magníficas, rostos de tal modo belos. Tudo era novidade. Estava encantada com a beleza e poesia do lo­cal. A alegria fez-lhe subir o sangue ao rosto.

Lord Chandos, observando em volta de si, notou que ali, entre as mais lindas mulheres da Inglaterra, o rosto de Leone ainda continuava a sobressair pela beleza.

Ela não percebia que desde sua entrada os binóculos se haviam voltado para o camarote que ocupava. Nem po­dia ouvir as perguntas que se cruzavam:

"Quem é aquela senhora que acompanha Lord Chan­dos? Que belo rosto! Como é linda! Quem é?" Lord Chandos percebia-o e sentia-se não somente orgulhoso, como lisonjeado.

— Minha mãe cederá no momento em que a vir, — pen­sava; — ficará satisfeita de ver que a mais linda mulher da Inglaterra é minha esposa.

Não fez apresentações, embora muitos dos seus ami­gos o cumprimentassem com um movimento de cabeça, na esperança de que os convidasse para irem ao seu ca­marote.

Ele, porém, tinha os planos feitos. Sua mãe, a or­gulhosa e altiva condessa de Lanswell, apresentaria sua es­posa à sociedade. Bastar-lhe-ia essa apresentação, como passaporte à nobreza. Em vista disso; teve o cuidado de não convidar ninguém para ir ao seu camarote, e mesmo de não trocar palavra com nenhuma das pessoas que co­nhecia.

Desde que subiu o pano, até o fim da peça, Leone esteve num verdadeiro êxtase. Entrara, de súbito, em um mundo completamente novo, que a fascinava. Música, arte, essa, sim, era a vida, a verdadeira vida. Era por isso que seu coração anelava.

Lord Chandos a observava com satisfação. Notava que Leone tinha os olhos brilhantes, a respiração suspensa, uma expressão de profundo interesse estampada no ros­to.

A ópera era das mais lindas — "Norma", e o papel de Norma, interpretado pela maior Prima Donna da época. Os olhos de Leone enchiam-se de lágrimas nos trechos mais sentimentais. Não entendia o idioma em que cantavam, porém a música bastava para comovê-la. Voltou-se subi­tamente para o marido. Toda sua alma parecia vibrar na emoção do seu temperamento artístico.

— Lancelot, — disse, em voz baixa. — Eu poderia fazer aquilo. Isto é, não quero dizer que poderia cantar tão bem assim, mas poderia sentir o ciúme que ela sente, que em minha alma despertou sentimento novo. Tudo isto é novo para mim. Entretanto, entendo muito bem. Sinto que o coração se me abrasa ao ouvir essa mú­sica.

— Apreciou o espetáculo? — inquiriu Lord Chandos, ao cair o pano, depois da cena final.

A resposta foi um suspiro de satisfação. E assim o dia de seu casamento se tornou também o dia de sua iniciação na arte e na música.

Nada mais podiam fazer senão permanecer no ho­tel.

Lord Chandos ria-se da idéia de seus pais estarem firmes contra ele.

— Qualquer dia ouviremos uma carruagem parar à porta, e eles estarão aqui para a reconciliação.

Riu-se ao receber das mãos do criado a carta da condessa, e voltou-se triunfante para a esposa.

— É de minha mãe. Eu sabia que mudaria de idéia. Provavelmente é um convite para irmos a Caw­dor.

Logo que se pôs a ler a missiva, entretanto, o sorriso lhe desapareceu dos lábios e empalideceu. Não disse uma única palavra, mas rasgou a carta em mil pedaços. Ti­nha expressão sombria.

— É de sua mãe? — perguntou a jovem.

Lord Chandos tomou-a nos braços e beijou-a.

— Querida, não se preocupe com eles; para mim, você constitui tudo que há neste mundo. Não me que­rem perdoar. Mas não importa. Tenho orgulho do que fiz. Sou independente. Alugarei uma linda Vila em Richmond e iremos viver ali, até que meus pais resolvam agir de acordo com o bom senso.

— Isto seria abandonar a sociedade por minha cau­sa.

— Abandonarei tudo de boa vontade, por amor de você, Leone. Amanhã de manhã iremos procurar uma linda vivenda, onde possamos ser perfeitamente felizes. Lembre-se de que, no dia em que minha mãe a vir, principiará a amá-la.

— Então, faça com que ela me veja agora, imedia­tamente, Lancelot. Por que esperar? Eu seria a mulher mais feliz do mundo se você fizesse isso.

— É muito cedo ainda. Tudo tem o seu tempo certo.

Leone desejou que ele lhe houvesse mostrado a carta da mãe, porém não queria perguntar-lhe o que dizia essa missiva.

Lord Chandos não se atrevia a contar-lhe. Além do mais, ria-se daquilo. Poderiam ameaçá-lo como qui­sessem. Estava certo de que não havia poder no mun­do capaz de anular seu casamento. Por que, pois, abor­recer-se? Iria a Richmond procurar uma casa.


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