Louco Amor (Volume ) Charlotte M. Brame Biblioteca das Moças Louco Amor Volume a mad Love



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CAPÍTULO XXVI

HOMEM VOLÚVEL
Encontraram-se muitas vezes mais, com grande prazer da parte de Lord Chandos, e, pouco a pouco, com algum prazer também da parte de Lady Marion. Como já o disse uma mulher: "O amor nasce de se ter visto e morre de se não ver", onde quer que se encontrasse, Lady Ma­rion olhava por cima das cabeças morenas dos fidalgos e aristocratas italianos, a ver se encontrava o louro Lord Chandos. Não lhe falava muito, mas era de ver-se o sorriso de prazer que lhe iluminava o rosto quando o jovem Lancelot dela se acercava. Nunca o procurou, nun­ca lhe deu, direta ou indiretamente, idéia de onde ia; po­rém, embora nunca se esforçasse por encontrá-lo, raro era o dia em que não se viam, e em que não passavam algumas horas juntos.

Lady Lanswell tudo via, porém se mantinha calada. Dava tempo ao tempo.

Uma tarde, encontraram-se em casa de Mrs. Chester. Não havia baile nem festa, mas simples reunião ínti­ma, e a amizade dos dois jovens tornou-se mais forte­mente cimentada.

Alguém pediu a Lady Erskine que cantasse. Lord Chandos olhou para ela.

— Canta?

Ela lhe respondeu com um doce sorriso.

— Sim. É uma das poucas coisas que faço sufi­cientemente bem, para me satisfazer a mim própria.

— E gosta muito de música?

— Sim. Componho mesmo um pouco. Quando en­contro um trecho de poesia que me agrada, não descanso antes de arranjar melodia para transformá-lo em canção. Ainda há poucos dias compus uma. Deseja ouvi-la?

Houve ligeira emoção entre os presentes, ao verem a bela inglesinha dirigir-se ao piano. Voltou-se com um sorriso para Lord Chandos.

— Minha canção é em inglês e nem todos a poderão entender.

— Eu a entenderei, — replicou o jovem lorde; cante-a para mim.

Ouvindo as palavras, compreendeu porque a moça corara intensamente ao mencioná-las.
Certamente um dia, sem que o posso prever, Talvez longe daqui, talvez daqui bem perto, Hei de encontrar alguém que possa compreender Que este meu coração já não vive deserto.

Certamente um dia, enfim, hei de encontrar Um coração que pulse, respondendo ao meu... Alguém que já me viu e não reconheceu Que é por ele que vivo a sofrer e a chorar.
Depois de haver cantado, com voz muito pura, que embora não traduzisse nenhuma paixão violenta, era ter­na e meiga para tornar a música ainda mais deliciosa e embaladora, disse Lady Marion:

— Talvez ainda precise modificar a canção. Essas palavras são de uma poetisa que admiro muito; por isso as pus em música.

Lord Chandos não respondeu imediatamente. Estava absorto, como que fora do mundo, magnetizado pelo romantismo das palavras e da melodia.

Respondeu finalmente, como quem desperta de um sonho:

— "Certamente um dia..." Não tardará a encon­trá-lo, Lady Marion.

— Encontrar o quê?

— "Um coração que pulse, respondendo ao seu", — retrucou ele, citando as palavras da poesia. — Às vezes, a gente encontra a felicidade onde menos espera encontrá-la.

E quando viu a moça ficar intensamente ruborizada, percebeu logo que ela julgou estar a falar deles dois. Depois disso parecia haver entre ambos certo entendi­mento silencioso. Quando, em conversa, ele citava as palavras "Certamente um dia", duas lindas rosas rubras coloriam as faces de Lady Marion.

Lady Lanswell andava radiante. O peixe mordera a isca; não havia necessidade de interferir diretamente.

— Minha mãe, — disse um dia Lord Chandos, — não posso compreender porque a senhora convida todas as res­peitáveis matronas de Roma para os seus chás e saraus, e nunca se lembra de convidar alguma moça, havendo-as tão lindas nesta cidade.

— Meu querido Lancelot, bem o sei, e sinto muito, mas não tenho ninguém que possa fazer companhia às moças.

O rapaz levantou a cabeça, como quem ouve um insulto.

— E eu?

Replicou a condessa a rir:



— Sim, é verdade, mas eu me referia a alguém que fosse livre.

— E não sou livre? — disse o jovem, num ímpeto, fi­cando imediatamente de cor escarlate, ao perceber o que dissera, e ao notar o sorriso irônico da mãe. E, corrigindo-se, ajuntou: — Naturalmente que não sou livre nesse sentido da palavra; porém, mesmo assim creio que nada me impede de fazer companhia a moças bonitas, do mesmo modo como tenho feito a senhoras idosas.

Lady Lanswell fitou-o com energia.

— Meu filho, farei tudo quanto me for possível para lhe ser agradável; mas, se insistir em considerar-se noivo, peço-lhe que desista da companhia de moças bonitas. Não tenho vontade de receber nova visita daquela jovem tempes­tuosa.

Lancelot estremeceu ao ouvir as palavras "Jovem tem­pestuosa". Era a heroína do seu romance, a sua bela Leone. Voltou-se, zangado, com intenção de retirar-se, e Lady Lanswell, vendo que ainda não se fora, acrescen­tou:

— Como vê, Lancelot, a meus olhos é perfeitamente livre e parece-me quase um crime pô-lo no meio de um círculo de jovens bonitas, pois uma delas pode principiar a admirá-lo, e sei que nunca poderá corresponder a essa admiração, a não ser que se considere livre, como eu o considero. Não é assim?

— Não sou livre, e a senhora o sabe muito bem; entretanto, repito que isso não é motivo para que encha a casa de senhoras idosas, e não coloque entre elas al­guns rostos jovens.

— Farei o que deseja, meu filho.

— Embora me considere, e na verdade o seja, mais do que noivo, isso não me faz escravo. Sou livre para fazer o que entender.

— Certamente, — replicou a condessa.

Houve alguns minutos de silêncio que Lord Chandos quebrou.

— Por que não convida Lady Erskine para uma das suas reuniões? É uma linda moça e a senhora muito aprecia.

A condessa mais uma vez o encarou com expres­são enérgica.

— Julgo mais prudente não o fazer. Lady Marion é uma das moças mais perfeitas que conheço, e sei que o admira muito. Como você não é livre para correspon­der a essa admiração, é melhor não se encontrarem mui­tas vezes.

O moço ajoelhou-se no tapete e reclinou a cabeça nos joelhos da mãe, fitando-a com olhos súplices, como fazia quando menino.

— Ela realmente me admira? A bela fidalga, corte­jada por todos os nobres de Roma? É verdade, minha mãe?

— Já lhe disse que sim, — replicou a condessa, sorrin­do.

— Quem lhe contou isso? Como sabe?

— Não lho posso dizer, meu filho. Basta-lhe saber que é verdade, e que estou agindo como manda a pru­dência. Se fosse moça, também eu admiraria um rapaz como você.

— Sinto-me lisonjeado com isso, — disse o rapaz, vaga­rosamente. — E, embora seja verdade, minha mãe, não vejo razão para tanta prudência. Também admiro muito Lady Marion; nada impede que sejamos amigos.

— E aquela pessoa tempestuosa e impulsiva gostaria disso?

Cerrando os dentes, Lord Chandos pôs-se de pé e replicou um tanto irritado:

— Não me atormente, minha mãe. Não vejo mal nenhum nisso. Se o visse, pode estar certa de que o evitaria. Lady Marion e eu poderemos ser bons amiguinhos. Admiro-a, e gosto de sua companhia. Que há para impedir a nossa amizade?

Pois sejam amiguinhos, se assim o querem. Mas, se depois de algumas semanas, perceberem que essa mú­tua admiração se transformou nalgum sentimento mais forte, não ponham a culpa em mim.

Desde esse dia, a condessa deixou de lado todo e qual­quer fingimento. Visitava freqüentemente Lady Erskine e sorria ao ver o filho cada vez mais atraído pela jovem herdeira. Observou também, com prazer, que embora da Inglaterra chegasse regularmente o mesmo número de car­tas, não ia para lá nem a metade do número que seguia antigamente.

— As coisas correm muito bem, — pensava ela; — no fim, a vitória será minha.

Sejamos justos para com Lord Chandos. Ele es­tava completamente cego, e não via o perigo que o cer­cava. Pretendia ser fiel a Leone; não havia no seu cora­ção outro desejo, nunca imaginara, um momento sequer, abandoná-la. Ter-se-ia revoltado, se alguém lhe viesse dizer que o faria.

Mas era moço, Lady Marion bonita, estava na ro­mântica Itália, e Leone muito distante, lá na velha In­glaterra. Entretanto, nem sonhava que poderia apai­xonar-se pela loura.

Eram muito amigos, e eis tudo. Simples amizade, sem que nisso entrasse nada de amor, ou mesmo de sentimentalismo. Mas é dificílimo, senão impossível, haver entre um belo rapaz e uma linda moça grande amizade que pouco a pouco não se transforme em amor.

Embora não passasse de simples amizade, quando, nos princípios de maio, Lady Cambrey e sua sobrinha decla­raram que não voltariam para a Inglaterra, preferindo passar o verão em Nápoles, Lord Chandos também seguiu para lá, pois já não tinha certeza se estaria em Londres no fim de junho, conforme fora sempre sua intenção.


CAPÍTULO XXVII

CONTE-ME O SEU SEGREDO
Verão, em Nice. Lá havia, como sempre, muitas inglesas lindas a veranear; nenhuma, porém, tão linda quanto Lady Marion.

Lord Chandos era-lhe como a sombra. Admirava-a cada vez mais e só eram vistos juntos.

Nunca passou pela mente do jovem Lancelot pensar em amor a respeito da linda lourinha. Tão intensamente amava a que considerava sua esposa, que não imagi­nava pudesse haver perigo ou tentação naquela amizade. Já o mesmo não se dava com Lady Marion; apaixonara-se intensamente por ele, era-lhe impossível evitá-lo. Tinha muitas faltas, e graves, como em geral todos os homens têm, mas era tão gentil e bondoso que a moça não podia deixar de amá-lo.

Lady Marion mostrava-se muito amável e encanta­dora para com ele. Entretanto, quando Lord Chandos entrava subitamente num salão em que ela estava, ou de qualquer maneira se apresentava de modo inesperado, fa­zia-a ruborizar-se, e a moça não levantava os olhos para fitá-lo senão depois de lhe haver voltado a cor natural. Notando-o, perguntou-lhe um dia o jovem fidalgo:

— Por que já não me encara, francamente, Lady Ma­rion, como fazia logo que nos conhecemos? Agora volta sempre o rosto. Cometi algo que lhe desagradasse?

— Não. Não é por isso. Nunca me poderia desagradar.

— Então, está escondendo de mim algum segredo, — disse o moço a sorrir.

— Não tenho segredos, ou se os tenho não importam a ninguém senão a mim mesma.

— Conte-me o seu segredo, — pediu Lord Chandos, sus­pirando.

— Vou responder-lhe com as palavras do meu poeta favorito. Escute, Lord Chandos.

Estavam de pé, à sombra de uma linda trepadeira, e a brisa, que lhes beijava caridosamente o rosto, trazia o perfume suave das flores que desabrochavam em vol­ta.

E ela recitou, em voz muito doce:


Talvez, num dia lindo de sol brilhante, brisa suave, num murmúrio leve como um canto de ave, eu te diga, sorrindo, o meu grande segredo;

Por ora tenho medo.

Ou talvez, sem que eu te diga nada numa noite serena de luar, ouvindo a música do mar a repetir a tristíssima toada, tu mesmo o possas adivinhar.
— Que lindas palavras! — exclamou o jovem lorde. — Tenho a impressão de que a senhora possui um depósito inesgotável de lindas citações. Deve ser poetisa.

— Não, — replicou ela. — Aprecio muito a poesia; po­rém sou incapaz de compor. Interpreto muitas vezes as palavras e os pensamentos dos poetas, mas não posso criar, não tenho imaginação.

— Possui coisa muito mais valiosa, — exclamou Lan­celot; — a modéstia humilde, que a eleva ao máximo, coisa que nenhuma outra prenda poderia fazer.

Falava com tanto calor, que ela levantou os olhos, admirada. Mas Lord Chandos se calou de súbito; sentiu que seria perigoso continuar naquele tom.

E assim terminou o lindo e quente mês de maio, prin­cipiando junho. Lord Chandos começou a lembrar-se do lar... seu aniversário era a trinta daquele mês. Havia feito uma promessa para aquela data. Teria que casar com Leone no dia seguinte àquele, no primeiro de ju­lho, e, pela primeira vez, esse pensamento o fez suspi­rar com tristeza... Teria que deixar de ver sua mãe e Lady Marion, provavelmente para o resto de sua vida. Pensava mais na perda que Lady Marion sofreria, do que na que ele ia sofrer.

"Como sentirá falta de mim!”, pensou de si para si; “não terá ninguém a quem possa consultar para lhe dar conselhos. Gostaria de continuar a ser seu amigo, como sou agora".

Depois, lembrou-se de que, afinal de contas, sua es­posa não gostaria de saber que tinha assim tanta amiza­de e estava em termos tão confidenciais com outra mu­lher.

Teria tido menor certeza de sua volta e de seu casa­mento em primeiro de julho, se ouvisse ligeira conver­sa de sua mãe com Lady Marion. A Condessa de Lans­well convidou um dia a jovem herdeira para um passeio de carro, e durante o passeio, dentro de lindíssimo bosque, disse-lhe, em voz muito doce, que ela sabia ser irresistí­vel:

— Lady Marion, queria que me auxiliasse numa coi­sa, se for de sua vontade.

— Bem sabe, condessa, que farei, pela senhora, tudo quanto mandar. Não haverá para mim maior prazer.

Não acrescentou: "porque amo seu filho", mas isso estava no seu pensamento e a condessa bem o sabia. Con­tinuou:

— Amo muito a Lancelot, mesmo porque é meu úni­co filho. Sabe como desejo imensamente que seja bem sucedido, e não desça abaixo do nível de seus antepas­sados.

— Compreendo perfeitamente, — replicou Lady Ma­rion.

— Ele anda com uma idéia quixotesca, tola e infeliz, que se for levada avante lhe estragará a vida, arruinará sua carreira e lhe inutilizará o futuro. Queria que você me auxiliasse a fazê-lo abandonar essa idéia, para a reali­zação da qual terá que voltar à Inglaterra em junho. Se o atacarmos de frente, reagirá, e não poderemos mais ali­mentar a esperança de o ver desistir. Mas, creio que poderíamos sugestioná-lo... isto é, caso esteja disposta a ajudar-me.

— Farei o que estiver ao meu alcance, — disse Lady Marion, empalidecendo muito.

— Precisamos fazer com que não volte para a In­glaterra antes de agosto, pelo menos. Que faremos?

— Peça-lhe para ficar, — respondeu a moça, com sim­plicidade; — parece-me ser o plano mais direto.

— Sim, mas não daria o menor resultado. É neces­sário sugestioná-lo. Creio que prefere a sua companhia à de qualquer outra pessoa; suponhamos que você pla­nejasse uma viagem pela Espanha, pedindo-lhe que a acom­panhasse?

O rosto pálido carminou-se.

— Se a senhora acha conveniente, poderei fazê-lo. E ele aceitaria?

— Creio que sim. Se se mostrar inclinado a recusar e você ficar aborrecida com isso, aceitará, tenho certeza. Creio que Lancelot ainda não percebeu a verdadeira natureza dos seus sentimentos por você. Vamos pô-los a prova. Poderá falar-me sobre isso diante dele. Depois, os deixarei a sós, e poderá terminar o seu trabalho.

— Ele não ficará vexado com isso? — perguntou Lady Marion, timidamente.

— Vexado? Não, minha filha; ficará até bastante lisonjeado. Bem vê como são as coisas. Não me posso mostrar interessada em que vá ou não, e você pode. Se eu lhe falar, suspeitará o motivo pelo qual o quero prender fora da Inglaterra, ao passo que de você inter­pretará como sendo por gostar de sua companhia... e gosta mesmo, não é verdade, Marion?

— Não o posso negar, — disse a moça, — e procurarei ajudá-la no que me for possível. A senhora não quer que ele volte para a Inglaterra em junho. Farei o que estiver nas minhas forças para evitar que vá.

E a interrogação, dessa data em diante era: — Con­seguiria prendê-lo a seu lado?
CAPÍTULO XXVIII

O QUE SUCEDEU
— Minha mãe, — dizia Lord Chandos, — nunca um mês me passou tão depressa assim. Os dias parecem ter asas. Hoje já estamos a dezesseis e não me parece haver passado mais de vinte e quatro horas desde o primeiro dia.

— Isso demonstra que a vida lhe tem sido agradável, — replicou a condessa.

— Sim, muito agradável, — concordou o jovem, suspi­rando.

— Por que suspira, Lancelot? O futuro pode ser tão agradável quanto o passado. Não pode?

— Suspiro ao pensar que dentro de algum tempo tudo estará terminado. Nos fins de junho terei que voltar para a Inglaterra.

— Procure aproveitar o melhor possível o tempo que lhe resta. Passearemos por toda a parte e veremos tudo que há de belo. É provável que nunca mais nos torne­mos a encontrar em Nice.

Ele esperava antagonismo. Estava quase certo de que a mãe ia opor-se ao seu desejo de voltar para a Ingla­terra, e ficou levemente ferido no amor-próprio ao ver que, longe de se opor, aceitava a idéia como muito natu­ral.

— Sim, a viagem, afinal, não é longa.

O tom em que a condessa dizia essas palavras era ab­solutamente calmo e natural. Não se opunha, não dis­cutia, deixava-o fazer o que entendesse. Aquela calma e franqueza o incomodavam. Quando um homem não con­segue fazer com que o contradigam, irrita-se. Lord Chandos levantou-se da cadeira e pôs-se a andar nervosamente de um lado para outro. Súbito, atacou a questão de frente:

— Minha mãe, suponho que a senhora sabe o que pretendo fazer.

A mãe fitou-o com um sorriso e a mais suave ex­pressão de carinho.

— A respeito do iate de que seu pai nos falou? — Propositalmente fingiu não o haver entendido.

— Iate? — repetiu o rapaz; — não, não falo de nenhum iate; refiro-me ao meu futuro, ao meu casamento.

— Não posso dizer que sei o que você pretende fa­zer, Lancelot, mas tenho a certeza de que não mais terá o mau gosto de ofender a seu pai e a mim. Confio em você.

Mais uma vez sentiu-se atrapalhado. Preferia que ela se mostrasse zangada a amável. Parou subitamente de caminhar, e, postando-se diante da condessa, excla­mou:

— Preciso casar com Leone, minha mãe. É pre­ciso.

— Muito bem, Lancelot. Quando tiver vinte e um anos poderá fazer o que quiser.

— Oh, mãe! — exclamou o rapaz; — seja mais humana, não seja assim insensível. Fale-me a respeito disso. Sou o seu único filho; certamente que o meu casamento é de certa importância para a senhora.

Havia na sua voz um tom de súplica, e Lady Lans­well fitou-o carinhosamente.

— Certamente que o seu casamento é umas das coisas de mais importância do mundo, para mim, mas não deve nem pode esperar que eu olhe com benignidade para aquela pessoa tempestuosa que discutiu comigo como uma atriz de terceira ordem. Desculpe-me, Lancelot, mas há um limite para a paciência humana, e essa pessoa está para além do limite da minha resistência.

— Minha mãe, deixe-me ser feliz, deixe-me ir e casar com ela, deixe-me trazê-la para aqui, e seremos todos feli­zes juntos.

— Meu filho, não posso considerar uma pessoa da classe dessa moça, companheira adequada nem para a mi­nha governante. De minha parte, declaro que não me opo­rei ao seu casamento com ela... seria perfeitamente inú­til, desde que esteja emancipado por lei; porém, nunca mais falarei com você. Quando partir daqui com esse intuito, nossa despedida será a última; nunca mais nos veremos. Será um adeus até a morte. Mesmo assim, não tento demovê-lo de seu propósito. Você é livre para fazer o que quiser.

A expressão de dor, que se desenhava no rosto do filho, comoveu-a um pouco, mas logo pensou que estava fazendo tudo para o próprio bem do rapaz.

— Será melhor não mais falarmos a esse respeito, Lancelot, — ajuntou a condessa. — As palavras não podem alterar os fatos. Seu pai já lhe contou o que nos propõe a respeito do iate?

Os lábios do rapaz estavam trêmulos, ao tentar res­ponder.

— Não sei apagar a tristeza com a facilidade com que a senhora o faz, minha mãe. Falo-lhe de assunto de que depende ser a minha vida miserável ou feliz, e a se­nhora não pensa senão num iate.

— As palavras são inúteis, Lancelot, — repetiu a condessa. — Não passam de sons vazios. Vou ver se encontro alguns camafeus que estão na moda. São muito elegan­tes e procurados.

E assim dizendo, Lady Lanswell deixou o salão, como se nenhum pensamento sério a preocupasse.

Pela primeira vez, Lord Chandos sentiu qualquer coi­sa que se assemelhava ao arrependimento. Por que teria de sofrer tanto em favor de Leone? Amava a orgulhosa e bela mãe, que tanta influência tinha sobre sua vontade, embora não o percebesse. Parecia-lhe não poder supor­tar a separação. O fogo da paixão momentânea do rapaz havia desaparecido. Agora, olhava para os fatos con­cretos como eram na realidade, e não através de fantasia sentimental. Sabia calcular melhor quão seria difícil abandonar pai e mãe, amigas e a sociedade, por amor do seu amor.

Não se sentiu propriamente tentado a faltar com a sua palavra, e abandonar Leone, mas andou muito perto disso. Seu espírito, pelo menos, não estava sossegado e decidido; sentia dúvidas, pesava as conseqüências.

Naquela noite, uma das mais lindas que jamais haviam descido sobre a terra, foram todos a uma festa, dada pela Condessa Spizia, e como parte das diversões havia belíssima iluminação do jardim.

Lord Chandos esteve algum tempo sentado ao lado da mãe, a saborear um sorvete, e enquanto a observava sentia certo orgulho de sua beleza, e profundo sentimen­to de tristeza em ter de separar-se dela. Involuntária ex­clamação de surpresa partiu dos lábios da condessa, e Lord Chandos, seguindo-lhe o olhar, viu Lady Erskine. Nunca a rainha das louras estivera tão linda, com um vestido de seda pesada, azul natier, que lhe fazia realçar a delicada alvura da pele cetinosa.

Estavam Lord Chandos e a condessa sentados num dos salões, quando Lady Marion avançou ao encontro deles.

Lady Lanswell fez a jovem herdeira sentar-se a seu lado.

Depois de haverem trocado algumas frases de mera cor­tesia, a lourinha dirigiu a palavra à condessa:

— Lady Lanswell, tenho um grande favor a pedir-lhe. Se não deseja ir imediatamente para a Inglaterra, quere­rá acompanhar-me? Estou tentando convencer Lady Cam­brey a fazer uma excursão pela Espanha.

Depois de pronunciar essas palavras, suspirou alivia­da. Estava satisfeita de já as ter dito. Mentalmente, resol­vera nunca mais prometer nada de semelhante àquela combinação, que não lhe parecia leal. Mas a calma de Lady Lanswell a tranqüilizou.

— Espanha? Que idéia! Por que deseja ir à Es­panha?

— Sempre tive muita vontade de conhecer o Alhambra, — respondeu Lady Marion, sem precisar mentir. — Já que estamos tão perto, seria pena irmo-nos sem o ver.

— Tem muita razão. Podem passar-se anos sem que tenhamos oportunidade de voltar ao continente. Creio que é uma bela ocasião de visitarmos a Espanha. E deseja mesmo que a acompanhemos?

— Certamente. Para mim, seria encantador. Au­mentaria mil vezes o meu prazer.

— É muita gentileza de sua parte afirmar isso. Irei, se for capaz de persuadir Lord Chandos a ir conosco.

— Como poderei fazê-lo? — perguntou a moça, sorrin­do. — Ensine-me a persuadir, Lady Lanswell. Nunca soube persuadir ninguém.

A condessa levantou-se a rir.

— Receio que neste caso, a persuasão, os argumen­tos e o raciocínio sejam inúteis. Lancelot, leve Lady Ma­rion para ver as lanternas penduradas nas aveleiras... são lindas.

Ele a ajudou a vestir a capa de seda.

— Vamos ver as lanternas, — disse, ao saírem.

O caminho era estreito e um tanto irregular, Lord Chandos tomou-lhe o braço. Que sucedeu? Como foi que sucedeu? Perguntas sempre inúteis nesses casos, e que ninguém, nunca, saberá responder. Talvez fosse o vento que segredasse alguma palavra, ou os rouxinóis que cantas­sem, ou a luz baça das lanternas que lhes enterneces­se o coração. Quem saberá explicar?

Ela levantou o lindo rosto, iluminado por um luar frio e capaz de derreter um coração de aço, e pergun­tou-lhe, com voz trêmula:

— Precisa mesmo voltar para a Inglaterra, Lord Chandos? — A voz era doce, o rosto lindo, a expressão ingênua. — Precisa mesmo... ir-se embora?

— Sim, — replicou Lord Chandos vagarosamente, e com rugas na testa; — sou forçado a voltar para a Inglater­ra.

— Imediatamente? Sei que precisa voltar, mas a ex­cursão pela Espanha será bem agradável. Poderíamos entrar num acordo. Se transferir a data de sua volta, encurtarei a viagem.



Antes de deixarem a aléa de amendoeiras, Lord Chan­dos havia prometido ir à Espanha, e, ao prometê-lo, cur­vou-se e beijou a mãozinha branca que se apoiava na sua.
Fim do Primeiro Volume



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