A dama Do Labirinto



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Capítulo X

Quando retornou à câmara da castelã, Desmond encontrou Aislin na cama. Da vela acesa restava muito pouco, o pavio não demoraria a se extinguir. Ao vê-la com o punho cerrado junto ao rosto tranqüilo e os lábios entreabertos, ele imaginou que ou sua esposa era uma mestra na arte da dissi­mulação, ou realmente estava adormecida.

Pointisbright ainda se achava um pouco fraco por conta do que lhe acontecera, mas se encontrava ao lado dela e deu um miado que mais parecia um sinal de advertência quando Des­mond se aproximou para tomar uma mecha dos cabelos de sua dona entre o polegar e o indicador.

— Você é um anjo ou uma criatura do demônio? — ele murmurou, esfregando a madeixa macia entre os dedos com um suspiro desanimado.

Desejava uma mulher que não confiava nele, em quem em troca ele também não confiava.

Assim que o dia clareou, Desmond seguiu para o labirinto, luz da manhã, não lhe foi difícil encontrar o muro encoberto pelas folhagens e o conjunto de pedras lavradas que se movia como uma porta. Com seu punhal, limpou o líquen e o musgo acumulados pelo passar dos anos até conseguir ler o que diziam as palavras gravadas na rocha.

A ocasião propícia surge à lua inteira Renuncia às estrelas e leva teu lume O lorde e a dama compartilham o gume Riquezas incalculáveis atrás da trincheira

Após ler e reler a inscrição, Desmond concluiu que se tratava de uma charada. Seria aquela referência a "riquezas" o que custara a vida de quatro homens?

— Será esse o motivo pelo qual Aislin não quer que eu saiba da passagem secreta que a traz até o labirinto? — ele cogitou em voz alta. — Já é hora de eu tentar descobrir se o coração dela é duro e frio como estas pedras.

Ao entrar no salão nobre, Desmond viu que os moradores do castelo faziam seu desjejum. O abade também se encontrava ali, trajado como se fosse viajar, usava um vistoso manto púr­pura sobre as vestes sagradas e luvas de punho longo na cor amarelo-laranja do açafrão.

— Ah, barão, muito me agrada a oportunidade de trocar uma palavrinha com você. Estou de partida.

— De partida? — Desmond desconfiou da afirmação. — Para onde?

— O cavaleiro ferido quer voltar para casa, assim poderá estar sob os cuidados de sua família.

— Ele está forte o suficiente para viajar?

— Iremos de carroça, a passo lento. O pobre sente falta do lar, e meu dever é lhe curar tanto o corpo como a alma.

— De minha parte, estou mais preocupado com o estado físico dele. Como aquele rapaz irá suportar as dores provocadas pelo movimento da carroça pelos sulcos das estradas?

— Darei ao rapaz uma poção que o fará dormir profunda­mente. Além do quê, Rye não fica tão longe assim. Quando o efeito do medicamento passar, eleja estará entre seus familiares.

— Você sabe calcular o tempo que dura o efeito de suas ervas?

— Sim. — O abade pôs-se a andar. — Venha comigo, vou lhe mostrar.

Deixaram o castelo para cruzar o pátio e dali seguir para o cômodo junto à cozinha das carnes onde o cavaleiro repousava.

— Bom dia, meu lorde, abade Giles. Tenho mantido o doen­te bem coberto, como o senhor ordenou. — Tom se ergueu do banco em que fazia sua vigília à cabeceira do cavaleiro.

— Fez bem, Tom — disse-lhe Desmond.

Giles nada respondeu, o que chamou a atenção de Desmond. Afinal, o abade conhecia o jovem desde os tempos em que Tom era um menino.

— Estou bastante satisfeito com o método que descobri para aliviar a dor. — O clérigo descalçou as luvas e, após dobrá-las com cuidado, prendeu-as ao cinto sob o manto púrpura. — Macero as ervas até transformá-las numa pasta, que aplico nas proximidades do ferimento.

O cavaleiro estava acordado, mas não parecia sentir nenhum desconforto.

— Veja, ele está desperto e ao mesmo tempo não está. — Giles ergueu as cobertas para que Desmond visse o preparado no peito do rapaz. — O sumo das ervas vai penetrando na pele lentamente e afugenta a dor por horas. Não demora e ele irá cair num sono profundo que se assemelha à morte.

— Você é realmente bastante habilidoso — disse Desmond, que na verdade pensava em Pointisbright. O bichano havia dor­mido como se tivesse morto. — Tom, traga Coy e Gwillem para nos ajudar a colocar o ferido na carroça.

Apoiado em suas muletas, o jovenzinho cuidou de ir dar cumprimento à tarefa. Era excelente pessoa, e todos em Sevenoaks gostavam muito dele. Exceto o abade, pensou Desmond, até onde sabia, Giles jamais trocava mais do que duas palavras com Tom. O que era bastante estranho.

Pouco depois o cavaleiro acidentado era acomodado num colchão de palha coberto com peles macias. Não gemia nem se queixava, apenas olhava fixamente para o nada. E então, como Giles previra, o moço fechou as pálpebras e pareceu pegar no sono.

Quando tudo estava pronto, o abade subiu à dianteira do veiculo e tomou das rédeas. Após acenar em direção às janelas de Aislin, disse que se ausentaria por uma semana ou pouco mais e partiu.

Assim que a carroça cruzou o portão levadiço, Coy deu a milícia:

— Conversei com a cozinheira e outros criados. Por ocasião da celebração dos matrimônios anteriores de lady Aislin, Giles não estava presente quando os brindes foram feitos.

— Creio haver chegado o momento de eu ter uma boa conversa com minha esposa. — Desmond ergueu os olhos à janela de onde ela acenara ao primo. — Exigirei que Aislin me diga a verdade. De um modo ou de outro, ela terá de fazê-lo.

Desmond se admirou ao ver que a porta dos aposentos da castelã não abria. Tentou novamente. E constatou que a porta estava trancada pelo lado de dentro.

— Aislin, abra. — Ele bateu de leve.

— Não, meu lorde.

— O quê? Abra essa porta, Aislin. Precisamos aclarar alguns assuntos que nos dizem respeito.

— Não, meu lorde. A porta continuará trancada, mas você está certo; há muita coisa que precisa ser esclarecida.

— Então trate de abrir a porta para que possamos conversar.

— Não. — Apesar das reiteradas negativas, a voz dela era calma, quase doce. — Eu queria saber por que você sentiu necessidade de dar poção para dormir para mim e para Pointisbright. E até que eu descubra que espécie de plano você está tramando, minha porta permanecerá fechada.

A acusação deixou Desmond abismado. Então era isso o que ela estava imaginando?

— Aislin, há muito que ser esclarecido entre nós. Abra, sim?

— Minha porta continuará trancada e eu permanecerei aqui dentro até que você se explique e confesse os motivos que o levaram a fazer o que fez.

Desmond sentiu o sangue ferver de tanta raiva. Seu primeiro instinto foi ir buscar a acha d'armas e colocar aquela maldita porta abaixo para depois possuir sua desobediente esposa, nem que fosse à força. Isso, porém, era o que faria um covarde, um homem sem honra. Ele tinha de ser mais esperto.

Seus lábios se curvaram num sorriso. O labirinto de arbustos altos. Aislin não era capaz de resistir ao apelo do jardim secreto. E ele sabia ser paciente.

— Estarei à sua espera, doce esposa. Estarei à sua espera — murmurou para si ao dar as costas à porta trancada por dentro.

— Seja o que for que atrai o abade para cá, decerto está bem escondido — disse Coy enquanto rastejava pelos aposen­tos do castelão. — Não consigo descobrir nenhuma pedra solta no piso, e o revestimento da lareira está bem firme.

— Sim, é um quebra-cabeça. — Desmond pensava nas frases cinzeladas no muro encoberto pelas plantas... Mais um enigma a se somar ao labirinto oculto, à passagem secreta e a sua esposa que trancava a porta de seu dormitório.

— Bem, meu amigo, eu gostaria de tomar uma caneca de cerveja e comer um pouco de pão antes que se acabem. — Pondo-se em pé, Coy usou a mão para limpar a poeira dos joelhos da calça.

— Vá, sim. Eu o verei pela manhã. Estou sem fome e gostaria de caminhar um pouco enquanto penso em tudo o que já descobrimos até aqui.

Debruçada à janela de seus aposentos para observar as estrelas que cintilavam no céu, Aislin se via intoxicada pela sensação de força e poder. Conseguira, tomara seu destino em suas mãos. E não precisara nem do auxílio de Giles nem da permissão de seu marido.

— Sou a senhora e castelã de Sevenoaks. Não permitirei que nenhum homem me governe ou me dê poções ou me obri­gue a fazer o que não quero.

Concordando com sua dona, Pointisbright miou alto, depois passou a cabeça pelo pé dela. Estava forte novamente, e Aislin o tinha alimentado com os pedaços de enguia e de peixe que Tom conseguira nas cozinhas. Na véspera ela fora ao pomar e apanhara frutas, algumas ainda verdes para que pudessem ama­durecer ali, no seu dormitório.

— Meu marido irá aprender a me respeitar, Pointisbright. E como ele se encontra ceando no salão nobre a uma hora destas, nós dois podemos ir ao jardim para desfrutar da noite sem que ninguém tente nos drogar. E fora do alcance de olhares inquiridores.

Seguida de perto pelo bichano, ela deixou os aposentos pa­ra mergulhar entre as paredes rochosas da passagem secreta. Na última semana tivera bastante tempo para pensar, e chegara à conclusão de que Giles estava certo: não era uma pessoa amaldiçoada. Prova disso era o fato de Desmond estar vivo e saudável.

— Chega de deixar que essa conversa tola de gente igno­rante me envenene. Chega.

Tomando Pointisbright nos braços, abriu a porta que dava para o jardim. E ainda aspirava profundamente o aroma da noite quando sentiu uma certa mão pesada agarrar firme em seu pulso.

— Ah, dama, eu estava à sua espera.

Ela se viu olhando nos olhos de seu esposo, Desmond Vaudry du Luc. Ela engoliu o grito de susto que lhe escapara da garganta num beijo tão sôfrego quanto apaixonado, en­quanto Pointisbright escorregava de seus braços.

Aislin lutou contra ele... contra si mesma. A boca de Des­mond era ardente, possessiva. Tomando-a pela cintura, ele a trouxe de encontro à própria pélvis, onde o volume de uma forte ereção era impossível de ser ignorado.

De um instante para outro, ela sentiu que começava a se render. Mas... não podia. Se lhe permitisse tocá-la, brincar com seus seios, acariciá-la, a batalha estaria perdida. Desmond era persuasivo, irresistível. Tal qual um delicioso veneno ao qual ela não tinha forças para resistir.

— Não, não devo...

Tentou afastar-se, mas ele não deixou: calou seus protestos com outro beijo, minando-lhe a resistência e a força de vontade. A cada batida de seu coração, importava-se um pouco menos com o fingimento de seu marido e um pouco mais com o doce prazer que lhe percorria o corpo inteiro. As mãos de Desmond eram mágicas, não havia outra explicação. Os lábios que ele usava para lhe sugar a alma eram firmes, ardentes, insistentes. Os dedos que buscavam, e encontravam, lugares secretos e provocavam sensações inebriantes eram ao mesmo tempo sua­ves e imperiosos.

— Aislin, minha reticente e teimosa esposa... Vou possuir você esta noite. Não posso mais me negar a tamanho prazer.

O hálito dele era quente de encontro à pele de seu pescoço, de seu colo, de seus seios nus... Aislin estremeceu. Como fora que havia perdido suas roupas? Ah, isso pouco importava agora que ele a fazia deitar-se sobre o banco de pedra, coberto com seu manto e sua túnica. Só o que contava era que Desmond continuava a beijá-la e a afagá-la, criando um abismo de irresistível desejo à parte baixa de seu ventre.

— Aislin, bela Aislin, você é minha...

Depois de depositar um colar de beijos à volta de seu pes­coço, ele lhe mordiscou os seios antes de perfazer com os lábios um caminho que cruzava seu ventre até encontrar o manto de pêlos púbicos e dali alcançar o âmago de seu corpo de mulher. A sensação era sublime... Ela, que jamais conhecera a febre da sensualidade, experimentava uma paixão dilacerante à medida que a língua de Desmond ia lhe mostrando o que era realmente o desejo, a ânsia, a urgência... o prazer.

Onda após onda de alívio e gratificação a percorriam da cabeça aos pés, fazendo seu corpo se arquear, seu quadril se erguer e descansar e tornar a se erguer novamente, repetidas vezes, em movimento sobre os quais ela não tinha o menor controle. Gemendo o nome dela, Desmond posicionou-se sobre o corpo ainda convulso. No instante seguinte, Aislin sentiu algo firme e quente de encontro à sua feminilidade e, com um ar­quejo, tentou se contrair quando ele a penetrou. Mas seu marido estava ali, a apertá-la entre os braços, a acalmá-la, a persuadi-la a recebê-lo... Com um suspiro, ela o fez.

De aguda e desconhecida, a sensação se transformou em fonte de inesgotável e crescente delícia. Por alguns momentos, Aislin teve certeza de que seu corpo não mais lhe pertencia, não somente a ela mesma, agora era também parte do corpo de Desmond, que a beijava avidamente enquanto lhe segurava o rosto entre as mãos. Então sentiu como se sua carne, até a mais ínfima das profundezas, se desfizesse em infinitos peda­ços, todos igualmente tomados por uma sensação de prazer que a nada no mundo se comparava. A luz das estrelas e sob a bênção do trinado de um pássaro da noite, compreendeu que ali, no labirinto secreto, acabara de render-se de corpo e alma a seu marido.

Um par de minutos depois, ao senti-la mover-se sob o peso de seu corpo, Desmond ergueu-se nos cotovelos para fitar os olhos dela. À claridade pálida do luar, seus olhares se entrela­çaram; algo veemente, exacerbado e primitivo transpirou entre os dois.

— Machuquei você?

— Não.


— Não me arrependo de ter tomado sua virgindade, mas queria que você soubesse que eu gostaria que tivesse sido entre peles macias e promessas de amor.

Aquelas palavras produziram um nó na garganta de Aislin. Ela tratou de mudar de assunto:

— Como ficou sabendo da passagem?

— Outra noite vi você sair de lá como um ser imaginário para depois caminhar pelo coração do labirinto tal qual uma fada do bosque. Foi inesquecível.

— Quando foi isso?

— Na noite em que fingiu ter tomado alguma poção e depois veio para cá.

— Você tentou me dar uma poção para dormir.

— Não, minha bela, não tentei. Cheguei a pensar que fosse você quem tinha tentado me dopar, mas então me dei conta de que não era esse o caso.

— Mas se eu não fiz aquilo e você também não... Quem foi?

— Aislin, só há você na minha cabeça, não consigo pensar em mais nada nem conversar a respeito de tramas e poções.

Deixe-me amá-la novamente e depois ir me deitar a seu lado em seus aposentos.

— Isso é um pedido?

— Uma súplica.

Antes que ela respondesse, Desmond beijou-lhe os lábios e pôs-se a mover-se dentro dela novamente. Ela reagiu no mesmo instante, mordiscando-lhe a boca enquanto concordava com um sussurro:

— Sim... Sim...

Se aquilo era um consentimento a que ele voltasse a entrar nos aposentos da castelã ou um pedido para que não parasse de movimentar-se entre as entranhas dela, Desmond não sabia dizer. Sentiu-se poderoso, protetor, viril, enquanto sua esposa respondia com suaves gemidos o prazer que ele lhe propor­cionava.

Separaram-se lentamente, voltando a serem duas almas em vez de uma. Pondo-se em pé, ele arrumou as roupas; Aislin recolheu seus trajes e se vestiu.

Ao tornar a buscar os olhos dela, Desmond espantou-se com o que viu: dera-lhe alívio e satisfação... e nada mais. Ao con­trário da virgindade do corpo, ela tinha a alma íntima intocada, inatingida. Como era possível que uma mulher experimentasse um prazer tão profundo sem deixá-lo chegar-lhe ao coração?

— Aislin?

O sorriso dela era frio, confiante. Ainda que virgem havia tão pouco, a danada tinha a mesma força e os mesmos instintos de Eva.

— Aislin, o que acabamos de compartilhar...

— Sim, meu lorde, foi extraordinário. O rei tinha razão: você é um garanhão. Precisamos repetir o que acabamos de fazer outras vezes.

Ela ajeitou a túnica, depois se virou e, de queixo erguido, encaminhou-se para o muro oculto pela folhagem e dali de­sapareceu no túnel escuro. As pedras se fecharam, deixando Desmond com a sensação de ter sido atingido por uma clava de guerra.

Após se despir, Aislin lavou-se com a água aromatizada por ervas da jarra tentando ignorar que tinha as mãos e as pernas trêmulas. Desmond lhe proporcionara um prazer com o qual jamais havia sonhado.

— Mas ele não me dá valor, não confia em mim — quei­xou-se consigo. — É um trapaceiro. Afirma ter pensado que eu tivesse tentado dopá-lo com uma poção, mas como posso acreditar nele? Como vou dividir os segredos de Sevenoaks com um homem em quem não confio e que não confia em mim? Além do quê, Theron tinha razão: entregar o coração é o mesmo que entregar a própria alma.

Largado sobre o banco do jardim, Desmond chegava à con­clusão de que nunca havia sentido tanto ardor e tanta paixão durante o ato do amor.

— Nem o completo desprezo de uma mulher ao fim do encontro carnal — resmungou, passando a mão pelos cabelos.

Aislin se satisfez e me largou como um trapo usado;

O orgulho dele estava aos pedaços. Como era possível? Por que sua esposa o ignorara tão ostensivamente? Levantando-se, posse a caminhar de um lado para outro. Foi então que algo despertou sua atenção: o clarão que se insinuava à janela dos aposentos do castelão.

— E nosso bom Giles partiu para Rye, o que significa que não é ele quem está a vasculhar meu dormitório. Maldição, sou duas vezes idiota: primeiro, por pensar que sabia onde estava o perigo; segundo, por imaginar que minha dama fosse dar seu coração para mim só porque fiz amor com ela.

Foi somente ao raiar do dia que Desmond encontrou uma solução para seu dilema. E ainda que tal solução não viesse a se mostrar eficiente, pelo menos era uma idéia para arrancá-lo da letargia em que se vira a noite inteira: precisava conquistar o respeito e a estima da dama sua esposa.

Pelo meio da manhã Desmond viu Coy caminhar ao encon­tro dele.

— Pela Cruz, nunca vi uma cara tão feia. O que está a abor­recê-lo, meu amigo? — O cavaleiro vinha saracoteando pelo muro baixo, junto ao qual Desmond estava sentado à sombra de uma macieira. — Você devia estar contente. O abade não se encontra em Sevenoaks e, sem ele em nossos calcanhares, a chance de esclarecermos o enigma do clarão é grande.

— Duvido. Tudo indica que estivemos investigando pistas falsas.

— Como assim? — Coy saltou do muro e foi para perto dele.

— Vi o clarão na janela dos aposentos do castelão na noite passada. Se se acha na estrada para Rye na companhia do ca­valeiro ferido, Giles não podia estar também no castelo. Vai ver este lugar é assombrado.

— Não acredito em fantasmas, Desmond. O mais provável é que o abade não se encontre a caminho de Rye.

— Nesse caso ele teria deixado o cavaleiro desassistido.

— Sim, mas num estado de sono profundo, o rapaz nem iria perceber que estava sozinho.

— Você está certo, Coy.

— Só que não é esse o assunto que está deixando você assim tão abatido, é?

— Minha esposa não me ama — Desmond confessou, à espera de ouvir palavras de conforto do amigo.

Em vez disso, Coy fez uma careta antes de argumentar:

— Ela é sua esposa, não sua amante, é óbvio que não ama você. — Apanhando uma maçã da árvore, ele sacou do punhal para partir a fruta. — São poucos os homens que recebem afeto e carinho de suas damas. Tome alguma donzela por amante, se quiser palavras de amor e olhares lisonjeiros. Esposas são para dar terras, influência política e filhos bem-criados a um cavaleiro.

— Não quero uma amante. Quero Aislin.

— Ora, por misericórdia! Leve sua dama para a cama e tire essa febre do seu corpo.

— Já levei. — Desmond ficou olhando para o miolo da maçã que tinha entre os dedos como se buscasse ali uma resposta pura o problema. — E tudo o que ela me disse foi que deve­ríamos fazer aquilo mais vezes.

Largando-se sobre a grama, seu amigo dobrou-se sobre o estômago de tanto dar risada.

— Coy, você está testando minha paciência...

— Aconteceu, Desmond. Finalmente aconteceu. E eu que imaginava que teria uma longa barba branca antes que o grande amante e garboso cavaleiro, o "garanhão da Inglaterra", como Henrique chegou a chamá-lo, encontrasse o amor na pessoa de uma dama de pouca estatura e temperamento inflamado. Você perdeu seu coração, meu amigo.

— Não seja bobo. É claro que não perdi meu coração. — Desmond arremessou o miolo da maçã no ar. — O que eu disse foi que uma esposa tem o dever de amar seu marido, não o contrário, e minha esposa não me ama. Mas nem que isso me custe a vida, haverei de conquistar o amor dela.

Após passar horas ruminando seus problemas, Desmond de­duziu que não havia um caminho fácil ao coração de sua dama.

— Aislin é mais teimosa do que Nevoeiro quando não quer ferraduras novas em seus cascos — ele reclamou consigo en­quanto mastigava sem ânimo uma mordida de seu pastelão de carne.

— O senhor disse alguma coisa, milorde? — indagou a co­zinheira.

— Não.

Tom, que empoleirado num banco alto assistia à movimen­tação pela cozinha das carnes, apanhou as muletas e foi servir uma caneca de cerveja para seu lorde.



— O senhor não comeu quase nada da sua torta — comentou o rapaz ao entregar a caneca a Desmond.

— Não estou com muita fome.

— Está doente, milorde? — Secando as mãos no avental, a cozinheira o examinou com um ar preocupado.

— Não. O que tenho não é nenhum mal do corpo — admitiu Desmond.

A cozinheira e Tom se entreolharam.

— Ah, então deve ser assunto do coração — ela comentou, pondo-se a macerar ervas numa tigela de pedra.

— Por acaso você é versada nesses assuntos? — quis saber Desmond.

— Sei o que todas as mulheres sabem, milorde. E que deve ser bem mais do que sabem os homens a esse respeito.

— Então me diga, boa cozinheira: como um homem faz para conquistar o coração de uma mulher que o estima muito pouco e não precisa dele para nada?

— Sente-se, milorde. Vou lhe dar a receita para conquistar o coração de uma dama.

Depois de subir os degraus da escada de dois em dois, Des­mond parou de assobiar baixinho para bater de leve à porta de Aislin.

— Esposa, apronte-se. Vamos cavalgar.

A porta se abriu quando ele já tinha dado dois passos em direção à escada. A soleira, Aislin tinha um ar de surpresa. Desmond foi ao encontro dela.

— O que quer dizer com isso, meu lorde? Nós não tínhamos combinado esse passeio.

— Ah, mas você é minha esposa e como tal me deve obe­diência e lealdade... pelo menos quanto às questões práticas da vida. — Ele lhe deu uma piscadela. — Agora se apronte, os cavalos estão à nossa espera no pátio.

Aislin ainda fez menção de protestar, mas seu marido desapareceu de vista num piscar de olhos. A audácia daquele ho­mem! Em vez de preparar para um passeio, ela iria, isso sim, fechar aquela porta e trancá-la com a barra que... Por outro lado, o dia estava tão bonito, propício a uma cavalgada ao ar livre. E fazia tanto tempo que ela não montava... Seria bobagem trancafiar-se em seus aposentos e perder uma oportunidade co­mo aquela.

— Como quiser, meu lorde. Vou desfrutar do passeio e dei­xá-lo pensar que é você a flauta que toca a música. — Aislin pôs-se a trançar os cabelos numa única trança. — Em breve saberá que só danço as baladas que me agradam.

Desmond esperava nos degraus diante do castelo quando ela deixou o salão nobre trajando uma recatada túnica cinza e um manto de lã marrom. Ele conteve um sorriso. Se a intenção de Aislin era mostrar-se simples como a plumagem de um pardal, ela falhara por completo, pois a translucidez de sua pele e a tonalidade vibrante de seus cabelos eram mais fascinantes do que jóias e sedas.

— Disseram-me que este palafrém é calmo e de trote seguro. — Assistindo-a a subir à garupa do animal, Desmond aprovei­tou para passar a mão ao longo da coxa dela.

Aislin não respondeu, mas ficara evidente que havia estre­mecido.

— Nevoeiro está precisando se exercitar — ele observou ao saltar à sela de sua montaria. — Há algum lugar em especial aonde você gostaria de ir?

— Prefiro que você escolha, meu lorde.

— Eu estava torcendo para que você dissesse isso. Vamos nos pôr a caminho, depois revelarei nosso destino.

Os olhos dela se arregalaram, porém Desmond não lhe deu oportunidade para contradizê-lo: impeliu Nevoeiro com as pernas, o que fez com que o palafrém seguisse no encalço do garanhão.

A paisagem estava cheia de vida. Tenros brotos de centeio, aveia e cevada despontavam nos sulcos dos campos cultivados havia semanas. Com estilingues e pedras, garotos ainda peque­nos aproveitavam para brincar ao mesmo tempo em que man­tinham os pássaros longe das plantinhas à flor da terra.

— A colheita será boa este ano — comentou Desmond, ao reparar que os olhos de sua esposa pareciam querer abarcar o mundo ao redor. — Sevenoaks não sofrerá com a fome no próximo inverno.

Nevoeiro galopou até um córrego em busca de água. O pa­lafrém foi atrás, e quando se deteve o fez com um movimento tão brusco que Aislin, tomada de surpresa, não conseguiu se equilibrar e escorregou da sela. Ela só não caiu porque Des­mond foi rápido o bastante para agarrá-la e puxá-la para si.

— Meu lorde! — Atrapalhada com a túnica que fora parar no alto de suas coxas, Aislin tentava cobrir as pernas desnudas.

— Eu podia deixar que você se estatelasse na lama. — Tra­zendo as costas dela de encontro ao seu peito, Desmond incitou sua montaria a uma marcha ligeira.

— Meu cavalo...

— O palafrém irá seguir Nevoeiro.

Virando-se para trás, Aislin não dissimulou a surpresa ao ver seu cavalo a acompanhá-los de perto.

— Não se espante, minha bela; os animais entendem uns aos outros. A propósito, você já ouviu falar da liaison de chevalier?

— Não.


— Vou lhe mostrar do que se trata.

Já sabendo que Nevoeiro tomaria o caminho para Mereworth, ele soltou as rédeas e levou uma das mãos ao espaço entre as coxas de Aislin ao mesmo tempo que a enlaçava pela cintura com o outro braço. A cabeça dela tombou sobre seu ombro. Ela gemeu. Afundando o rosto no pescoço alvo, Des­mond também não conteve um gemido. Era delicioso ter Aislin junto a seu peito enquanto o movimento ritmado do trotar de Nevoeiro fazia seu membro já rijo roçar-se de encontro ao quadril dela.

— Sim, mostre-me, meu marido — ela pediu num sussurro. — Ensine-me.

— Antes de mais nada, é preciso que eu a vire de frente para mim.

Aislin pesava tão pouco que a manobra não levou mais do que alguns segundos. Depois de lhe erguer as roupas até a cintura, Desmond desfez o laço da calça que usava e, libertando o espírito físico de sua virilidade, penetrou-a profundamente.

— Você confia em mim, Aislin?

— Não, meu lorde, não confio. — Ela arfava de desejo, embora o enfrentasse com olhar resoluto. — Mas estou dis­posta a deixar que você me ensine os detalhes do amor. E ainda que eu morra de prazer em seus braços, não lhe entregarei meu coração.

Ah, a petulante tirava a máscara para enfim revelar o que tinha em mente.

— Pois muito bem. Então me deixe lhe dar aquilo de que sou capaz.

Agarrando-a pela cintura, Desmond bateu com os pés nos flancos de Nevoeiro. A marcha do cavalo ganhou novo ímpeto, assim como os movimentos de seus corpos e o deleite que experimentavam. Com as unhas cravadas nos ombros dele e o sangue fervendo nas veias, Aislin gemia baixinho. Jamais ou­sara sonhar que um momento como aquele pudesse existir, jamais lhe passara pelos pensamentos que...

— Meu lorde?

— É muito bom, não é?

— Sim, mas há cavaleiros atrás de nós.

— Aquela é a escolta que irá nos acompanhar às fronteiras de Mereworth. — Desmond agarrou-a pelo quadril para afun­dar-se ainda mais nas tenras entranhas que o acolhiam. Um sorriso lhe aflorou aos lábios quando ele a ouviu ofegar. — Não tema, meus homens foram instruídos a manterem-se a uma boa distância de nós, exceto no caso de alguma ameaça. Eles não têm como ver o que estamos fazendo.

— Mere... Mereworth? — A voz dela estava embotada pela paixão.

— Sim, minha esposa, estamos seguindo para meu lar he­reditário. Sevenoaks está tomada de conspirações e intrigas, não quero que você corra nenhum tipo de risco.

Sem tirar as mãos dos quadris de Aislin, ele então se pôs a movimentar-se o quanto o exíguo espaço da sela lhe permitia, alternando ou mesclando suas investidas com o ritmo do trotar firme e sincopado do cavalo. No instante em que ambos alcancavam o clímax do prazer, as torres de Mereworth assomaram a distância.

Antes que os servos que trabalhavam nos campos da fortaleza pudessem vê-los naquelas circunstâncias, Desmond virou-se de costas para si e, enquanto ela ajeitava as saias, refez o laço da calça justa que vestia. Aquela era a segunda vez que possuía sua esposa, e ainda não tinham compartilhado dos con­fortos de um leito.

— Por que não me consultou sobre esta viagem, meu lorde? — Firme e imperiosa, a voz dela havia perdido o ardor do desejo.

— Eu não queria que ninguém, a não ser Coy e meus homens de confiança, soubesse para onde nos dirigíamos.

— Mas eu não trouxe vestidos...

— Você encontrará tudo de que precisar em Mereworth. Minha mãe tinha bom gosto para roupas. Embora sejam um pouco antiquados, os vestidos dela servirão em você.

— Eu gostaria de retornar a Sevenoaks agora mesmo.

— Aislin, não coloquei poção para dormir no seu vinho. Nem no leite de Pointisbright. Como eu iria deixar que você continuasse em Sevenoaks se lá existe alguém que tem usado ervas que podem causar a morte?

— Morte? O que quer dizer com isso? Pointisbright está recuperado e eu, ainda que esteja furiosa...

— Se fosse maior, a dose de poção para dormir que você tomou poderia tê-la matado. — Desmond fez Nevoeiro deter-se diante do fosso largo e profundo, então acenou um sinal para o guarda na muralha do portão, o homem o reconheceu no mesmo instante. — Já é hora de nós dois tentarmos esclarecer o que possa estar acontecendo. Vou providenciar acomodações para você e depois iremos conversar.

Enquanto a ponte levadiça descia sobre as águas esverdea­das do fosso, Aislin admirou o castelo. Mereworth era larga, cinzenta e compacta. Videiras subiam pela muralha do lado sul, espessas e lustrosas como as escamas no dorso de um dra­gão. Não era um castelo bonito, porém transmitia força e proteção. Assim como seu lorde, Desmond Vaudry du Luc, ela teve de admitir ante a certeza de que, tanto entre aquelas mu­ralhas como entre os braços dele, estaria sempre em segurança. Foram recebidos por Galen, o intendente, um simpático ho­mem grisalho com olhos sagazes e os cabelos mal cortados, que, após receber as instruções de seu lorde, pôs-se a gritar ordens a torto e a direito. Em questão de instantes o pátio in­terno fervilhava de gente, e todos que por ali passavam sauda­vam Desmond com um sorriso caloroso.

— Vejo que todos aqui parecem amá-lo — observou Aislin.

— Talvez você venha a sentir o mesmo amor por mim após algum tempo em Mereworth, minha dama. Posso esperar por isso?

— Sempre é bom ter esperanças. — Ela se recusava a fazer promessas àquele velhaco. — Estou ansiosa por termos aquela conversa que você mencionou. Há muito que ser esclarecido entre nós.

Ainda que bastante confortáveis, os aposentos da dama não tinham vidraça nas janelas, que eram apenas vãos estreitos como seteiras. Mas havia uma profusão de tapeçarias coloridas nas paredes, e peles espessas estiradas pelo piso e sobre a cama.

— Há um assassino em Sevenoaks, Aislin. — Desmond escolhera dispensar os preâmbulos para ir direto ao problema que o afligia.

— E quem morreu? — Como ele, Aislin tinha os cabelos úmidos do banho.

— Quatro homens. Quatro cavaleiros que a desposaram an­tes de mim.

— É muito cruel de sua parte tornar a chamar esse assunto à baila. Não permitirei que diga que sou amaldiçoada.

— Não há maldição alguma. Nem sobre você, nem sobre Sevenoaks e nem sobre seus finados maridos. Você não teve nenhuma relação com a morte daqueles homens.

— Então fale abertamente, marido. Suas palavras são uma charada.

— De fato, uma charada... Creio ser esse o cerne da questão. Você conhece estes versos: A ocasião propícia surge à lua inteira / Renuncia às estrelas e leva teu lume / O lorde e a dama compartilham o gume / Riquezas incalculáveis atrás da trincheira'? Já tinha ouvido falar deles, ou os leu em algum lugar em Sevenoaks?

Ela hesitou por um instante antes de responder, e Desmond ficou com a impressão de tê-la visto arfar de leve.

— Não. Foi você quem fez esses versos? E o que isso tem a ver com assassinato?

— Tais palavras estão gravadas perto da porta de pedras que você usa para chegar ao coração do labirinto. Devem ter sido cinzeladas ali há muito tempo, por época da edificação de Sevenoaks, pois estão cobertas de musgo e líquen.

— E qual a relação disso tudo com homicídio? Não estou entendendo.

— Eu não lhe dei nenhum preparado para dormir e acredito que você também não tentou me dopar com poções. Se isso é de fato verdade, então alguém queria ver a nós dois num sono profundo.

— Tolice. Quem haveria de querer uma coisa dessas?

— Sou da opinião de que essa pessoa nos queria adorme­cidos para que pudesse inspecionar os aposentos do castelão sem correr o risco de ser apanhada ali. Creio ser esse o motivo pelo qual os quatro cavaleiros perderam a vida.

— Como assim?

— Eles iriam levar você aos aposentos do castelão para a noite de núpcias, não iriam?

— Deixe-me ver... — Aislin franziu a testa enquanto tentava rememorar as quatro ocasiões em que se casara. — Sim. Os aposentos do lorde já tinham sido preparados para que a con­sumação do casamento se desse lá.

— E a cada vez que enviuvava, você se trancava em luto nos seus aposentos, o que deixava o dormitório do castelão abandonado.

— Isso é parvoíce. Há uma única chave que abre a porta daquela câmara. Sempre houve uma chave só.

— E, apesar disso, todas as noites se vêem clarões de luz à janela daqueles aposentos. O povo de Sevenoaks pode pen­sar que se trata de um espírito, porém eu estou certo de que é alguém que invade o dormitório para vasculhá-lo... à procura de riquezas atrás da tal trincheira mencionada nos versos ins­critos nas pedras.

— É isso o que você quer, meu marido? — Aislin finalmente o fitava nos olhos. — Está atrás das riquezas? É esse o motivo pelo qual arriscou a própria vida casando-se comigo?

Embora sustentasse o olhar dela, Desmond não respondeu. Aquelas palavras o tinham ferido mais do que uma bofetada. Sim esposa não lhe tinha apreço, apenas o queria por amante.

Ou então... Seria possível que Aislin dançasse ao redor da ver­dade porque sabia de tudo o que se passava em Sevenoaks e também sobre as riquezas? Mais uma vez ele viu a semente da desconfiança plantada em sua mente.

— Meu lorde, até que enfim o vejo com uma esposa a seu lado. — Uma matrona bastante roliça curvou-se diante da gran­de mesa. — Já não era sem tempo.

— Aislin, esta é Meg, minha antiga pajem. — Levantando-se, Desmond debruçou-se sobre a mesa para depositar um beijo à testa da boa senhora.

— Às vezes cuidar daquele menino endiabrado era uma ver­dadeira provação, dama, mas na minha velhice ele tem sido uma bênção. — Meg tinha os olhos úmidos. — Eu queria tanto que a mãe e o pai dele estivessem aqui para desfrutar deste momento...

— O que houve com seus pais? — A pergunta escapara antes que Aislin pudesse conter a curiosidade.

— Ambos contraíram uma febre mortal durante uma pere­grinação sagrada. Foram sepultados lado a lado na França. Mas os du Luc eram meus pais adotivos. Minha mãe de sangue morreu quando eu era pequeno e meu pai se foi faz poucos anos, antes que eu me inteirasse da verdade sobre meus ascen­dentes.

— Importa-se de me contar sua história?

— Eu ainda era um bebê quando nosso castelo, Irthing, foi tomado por um inimigo. Minha mãe morreu tentando proteger a mim, minha irmã, Rowanne, e meu irmão, Lochlyn. Nós três fomos levados de lá. Bem, além de cruel a história é enredada, mas para encurtá-la vou lhe dizer que todos, exceto meu pai, pensavam que as crianças estavam mortas. A ameaça que fi­zeram a ele foi que se tentasse libertar um dos filhos, os outros seriam mortos. Uma antiga inscrição na velha escrita irlandesa encontrada nas pedras nas proximidades de Irthing dizia que as crianças Vaudry iriam se erguer dos mortos e estariam pre­destinadas a amar uma única vez na vida.

— E isso lhe aconteceu, meu lorde?

— Se me ergui dos mortos?

— Não. Você já amou alguém?

— Ainda não, minha dama. Ainda não.

Aislin ainda tentava entender a emoção que tudo aquilo lhe causava quando de repente irrompeu pelo ar uma alegre balada produzida pelos acordes de alaúdes e harpas, cadenciada pelo ritmo de pequenos tambores. Esvaziaram-se as mesas baixas, que em seguida foram empurradas de encontro às paredes. Jo­vens criadas e rapagões de belas feições entrelaçaram as mãos e formaram duas fileiras em lados opostos do salão.

— Venha, minha dama, afaste-se dessa mesa ou será varrida daqui por esse pequeno exército ávido por dançar. — Com um sorriso, Desmond passou o braço pela cintura dela.

— Meu lorde, junte-se a nós e comande o baile — pediu uma criada, no que foi imitada por um coro de vozes.

— Como poderíamos recusar? — ele indagou a Aislin, tomando-lhe a mão.

— Faz anos que não danço...

— Então este é o momento de recomeçar. Vamos, dê uma volta pelo salão comigo e deixe que os habitantes de Mereworth admirem sua beleza e seus encantos.

As palavras dele eram tão gentis, o modo como a olhava transmitia uma estima contagiosa... Aislin não foi capaz de recusar e, em poucos minutos, já tinha certeza de não se lem­brar da última vez em que se divertira tanto. Em sua vida nunca houvera ocasiões nem motivos para demonstrações de alegria como aquela, órfã desde cedo, fora criada por uma pajem, com Giles a supervisionar suas atividades do dia-a-dia.

Não demorou muito Galen veio pedir permissão a Desmond para dançar com ela. Pedidos como aquele foram se sucedendo e, aos poucos, Aislin viu-se apresentada a uma boa parte dos moradores de Mereworth. Cavaleiros, arrendatários de terras e servos que ocupavam altos postos na hierarquia da fortaleza elogiavam-lhe a beleza enquanto rodopiavam com ela pelo sa­lão nobre.

Quando o baile terminou o amanhecer já se insinuava por trás das janelas. Após resgatá-la dos braços do último par, Des­mond tomou-lhe a mão antes de se dirigir à sua gente:

— Quero agradecer a todos pela maneira calorosa com que minha esposa foi recebida neste castelo. Agora vamos deixá-la dormir um pouco. Depois que as vacas forem ordenhadas e os animais estiverem alimentados, todos vocês podem tirar o dia para descansar.

Um clamor de vivas ecoou pelo salão.

— Desmond, estou dormindo em pé — disse Aislin com um suspiro satisfeito.

— Exceto os momentos do frenesi da paixão, essa é a pri­meira vez que você me chama de Desmond.

— Perdão, eu...

— Não seja boba, Aislin. Gosto de ouvir meu nome nos seus lábios, tanto agora como quando você se acha tomada pelo desejo. Venha, deixe-me socorrê-la. Estou pronto para você em quaisquer circunstâncias.

Sob a aclamação e os cumprimentos de sua gente, Desmond tomou-a nos braços e se dirigiu para a escadaria que levava ao segundo piso do castelo. Com a cabeça no ombro dele e um suave sorriso nos lábios, Aislin adormeceu antes de chegar lá em cima.


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