Zíbia gasparetto



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Capítulo 27
Gabriela saiu da sala de aula que freqüentava no centro espírita e encontrou-se com Renato, que também estava deixando uma das salas. Era a primeira vez que se encontravam depois da reunião de que haviam participado quinze dias antes.

Gabriela sorriu e ele se aproximou dizendo:

- Seu tratamento continua?

— Acabou. Hoje comecei um curso de mediunidade. Foi a pri­meira aula.

— Que coincidência! Também estou fazendo um curso de bioener­gética. Como você está?

- Melhor. Estou mais disposta. Afinal a vida continua e temos de andar para a frente.

- Gostaria de conversar. Vamos comer alguma coisa?

Ela aceitou e foram caminhando até uma lanchonete próxima. Uma vez acomodados, tendo pedido um lanche, Renato perguntou:

— Quais seus planos para o futuro?

— Bem, felizmente minha situação financeira melhorou. Recebi nos­so dinheiro com juros e correção.

— Então agora vai se dedicar a seus filhos. Não vai mais trabalhar.

- Claro que vou me dedicar aos meus filhos, como sempre, porém não pretendo ficar em casa sem fazer nada. Nicete é boa companheira e cuida muito bem de tudo. Eu quero continuar aprendendo, sendo útil. Tenho pensado bastante. Agora possuo um capital que me permite abrir

um negócio próprio. Contudo, ainda não sei o quê. Não posso arriscar o futuro dos meus filhos. No momento, esse dinheiro está aplicado.

— Você tem competência para administrar uma empresa. Conhe­ço a sua capacidade. Tenho sentido muito sua falta. — Vendo que ela o encarava surpreendida, continuou: — Profissional. Depois de você já tive duas funcionárias e ainda não estou satisfeito. É difícil encon­trar uma pessoa honesta, caprichosa, esforçada e disposta a trabalhar como você. Se você aceitasse seu emprego de volta, me faria um gran­de favor.

— Não estou ocupada com nada ainda. Poderia voltar a traba­lhar com você, pelo menos até decidir se vou ou não abrir uma firma. Entretanto...

Ela hesitou e ele perguntou:

— O que é?

— Gioconda. Todos sofremos muito. Ela é doente. Se souber que estou lá novamente, pode ficar pior. Não desejo agravar seu estado.

— Gioconda é uma mulher mimada, age como criança. Se não ti­ver esse motivo, arranja outro.

Não aceita a verdade. Um homem, quan­do escolhe uma companheira, deseja uma pessoa com quem dialogue de igual para igual. Tenho aprendido que, quando um dos dois é inseguro e julga-se menos, o relacionamento acaba. Para uma vida em comum bem-sucedida há que ter maturidade. Ela insiste nas mesmas coisas, ain­da não compreendeu isso.

— Entendo o que diz. Vivi o mesmo problema.

- Você amava seu marido, por isso suportou. Mas, eu, havia mui­to tempo que não a amava mais.

— Engana-se. Eu amei meu marido. Mas é como você diz. Com o tempo notei que ele não tinha condições de me oferecer o que eu espe­rava. Quando ele sofreu o atentado em meu lugar, eu estava pensando seriamente em me separar. Depois, não o fiz porque ele estava mal. Fi­quei esperando que ele se recuperasse para tomar essa decisão.

Os olhos de Renato brilharam emocionados. Ele não se conteve e indagou:

- Nesse caso, por que deixou a empresa e mudou-se para o Rio de Janeiro?

- Até hoje, quando me recordo desse período, há um branco em minhas lembranças. Parece mentira que tenha acontecido. Hamílton explicou que me deixei envolver por entidades maldosas.

— Então foi verdade mesmo. Eu acredito nas explicações de Ha­mílton. Aliás, eu estava presente quando o espírito de Elvira falou a res­peito. Mas pensei que você houvesse sido envolvida por causa do seu amor por ele.

- Foi exatamente o contrário. Foi por estar magoada, por não ter podido perdoar aquele desfalque que fiquei vulnerável. Minhas energias estavam negativas.

- O curso que estou fazendo é para saber mais sobre as leis de in­fluências, como ficamos vulneráveis às energias negativas e como apren­der a recuperar o equilíbrio. Pela aula de hoje, percebi que terei muito o que aprender. Esse campo é delicado.

- É verdade. Eu acredito que, conhecendo como o plano energé­tico funciona, nos livraremos de muitos sofrimentos. Somos nós que atraímos as energias de acordo com nossas atitudes e com o nível de evo­lução que possuímos. É interessante que essas leis funcionam de forma relativa ao nível de desenvolvimento de cada um.

Renato olhou-a enlevado. Era fácil conversar com ela. Satisfeito, considerou:

— É isso que torna a justiça divina perfeita. Ninguém sofre nada além da sua necessidade de aprender. Se você aprende pela inteligên­cia, certamente se poupará de muitos sofrimentos.

Os dois continuaram conversando animadamente até que Gabrie­la olhou o relógio e assustou-se:

— Meu Deus, como o tempo passou depressa! É quase meia-noite. Tenho que ir.

— Vou deixá-la em casa.

— Obrigada.

Uma vez no carro, Gabriela ficou pensativa. Como Renato era di­ferente de Roberto. Se houvesse se casado com ele, teriam sido felizes. Era um belo homem, elegante, culto, compreensivo.

Suspirou forte e Renato perguntou:

—O que está pensando? Ficou calada de repente.

Apanhada de surpresa, Gabriela inquietou-se. Ele não podia saber o que ela estava pensando.

Tentou dissimular.

— Pensava o que fazer de minha vida daqui para a frente.

— Volte a trabalhar comigo, nem que seja por algum tempo. Se re­solver abrir um negócio, poderei ajudá-la.

— Bem que eu gostaria. Estou ansiosa para me ocupar. Penso em Gioconda. Ela pode começar tudo outra vez.

— Nós dois sabemos que nunca fizemos nada errado. Não podemos Levar em conta a maldade dela.

— Não só dela. Há D. Georgina. Ela deu muito trabalho por oca­sião do enterro de Roberto. Vai continuar me perseguindo.

— Pensei que não se importasse com a opinião dos outros, princi­palmente de pessoas desequilibradas.

Gabriela sorriu. Sentia que ele estava querendo muito que ela vol­tasse. Ela também gostaria de retomar o emprego. Além do mais, ele se havia revelado um amigo maravilhoso. Devia-lhe muitos favores.

O carro parou em frente à casa de Gabriela. Ele se voltou para ela e perguntou:

— E então, o que me diz?

Havia um brilho ansioso em seus olhos, e Gabriela sentiu-se emo­cionada. Após ter sido usada pelo marido, sentir-se tão valorizada por uma pessoa a quem prezava muito era confortador. Por isso respondeu:

— Quando posso começar?

— Se não for pedir muito, amanhã cedo.

— Estarei lá.

Ela estendeu a mão e ele a tomou entre as suas, dizendo:

— Obrigado. Saberei reconhecer sua dedicação.

— Eu é que tenho de agradecer toda a ajuda que sempre me deu. Obrigada. Até amanhã.

Ele ficou esperando que ela entrasse, depois ligou o rádio. Estava alegre, feliz, como há muito não se sentia. Não tencionava falar-lhe do seu amor. Mas usufruir da sua companhia todos os dias fazia-o cantar de alegria.

Gabriela entrou em casa contente. Renato sempre a fizera sentir-se bem. Apesar da diferença de posição, ele a tratara de igual para igual, às vezes até com certa admiração.

O que aconteceria quando Georgina ou Gioconda soubessem que ela estava de volta ao antigo emprego? Certamente não a poupariam. Porém Renato tinha razão. Eles não deviam nada a ninguém. Nunca ha­viam feito nada errado. Essa consciência lhes bastava.

As crianças estavam dormindo, mas Nicete esperava-a.

- Ainda acordada? É tarde.

- A senhora nunca demora tanto. Fiquei preocupada.

- Desculpe, Nicete. A aula acabou cedo, porém encontrei o Dr. Renato e ele me convidou para um lanche. Ficamos conversando e quando olhei o relógio era quase meia-noite.

— O doutor é boa companhia. Ele já se declarou?

Gabriela olhou para ela surpreendida.

— Nós somos apenas bons amigos. Ele me pediu para voltar a tra­balhar lá. Até agora ainda não arranjou ninguém competente. Foi uma conversa profissional.

Nicete sorriu e respondeu:

- A senhora não viu como ele a olhava lá no Rio.

— Nunca notei nada. Você está enganada.

— Não estou, não. Ele está escondendo. Não deseja que saiba. Mas está caidinho. Quando a senhora olhava, ele disfarçava; mas, quando estava distraída, ele ficava olhando com olhos de peixe morto. Eu sei como é isso.

Gabriela sorriu, abanou a cabeça negativamente e disse:

- Você está lendo muitos romances, imaginando coisas. Se hou­vesse qualquer coisa, eu teria percebido.

— Quando vai voltar a trabalhar?

— Amanhã. Vamos dormir, que preciso levantar cedo.

Gabriela deitou-se, mas as palavras de Nicete não saíam de sua mente. Ela teria visto bem?

Renato estaria interessado nela? Mesmo que isso fosse verdade, entre eles nunca poderia existir nada. Seria dar força à maledicência. Iriam pensar que ela havia sido amante dele ain­da quando Roberto estava vivo.

A este pensamento, Gabriela sentiu um arrepio. Pensou nos filhos, ainda traumatizados com a morte violenta do pai. O que eles pensariam dela? Talvez fosse melhor não voltar a trabalhar lá.

Mas algo dentro de Gabriela se rebelou. Estava precisando traba­lhar. Gostava de lá, estava familiarizada com o trabalho, o salário era compensador, havia possibilidade de progredir. Por que teria de se preo­cupar com o que os outros pensavam? Ela sabia que nunca havia traído o marido.

Ele agora estava vivendo em um plano onde poderia conhe­cer a verdade. Era isso que importava.

Tentou dormir, porém a figura de Renato desenhou-se em sua men­te. Ele era um homem bonito, atraente, tinha tudo que uma mulher poderia desejar. Ela agora estava livre; ele, porém, apesar de separado, ainda estava casado. Tinha filhos.

Gabriela firmou o propósito de evitar qualquer aproximação pes­soal com Renato. Assim não correria o risco de interessar-se por ele. Ten­do tomado essa decisão, finalmente adormeceu.

Gioconda deixou de lado a revista que folheava sem interesse e foi até a janela do quarto, pensativa, O que tinha feito de sua vida? Porque um casamento que havia começado tão bem tinha dado errado?

Estava cansada de ser vítima da maldade alheia. Havia sido uma esposa dedicada, fiel, cuidava dos filhos com carinho. Se Gabriela não houvesse aparecido em sua vida, ela ainda estaria com o marido.

Ela havia sido a culpada de tudo. Ainda bem que Roberto tivera a feliz idéia de se mudar para o Rio e levá-la da empresa. Suas esperanças de recuperar o marido haviam reaparecido. Porém ele havia se mostra­do irredutível.

Não permitia qualquer aproximação. Ela havia tentado tudo quan­to sabia para ver se o trazia de volta, sem conseguir. Nenhum dos seus planos deu certo. Ele continuava distante, indiferente.

Se ela adoecia, ele mandava um médico; se ficava deprimida, lá vi­nha o Dr. Aurélio. Não gostava dele. Ia vê-la para cuidar dos interesses de Renato. Nunca concordava com o que ela dizia. Naturalmente es­tava do lado dele.

Quando se queixava de Clara, o marido mandava o advogado, outro que estava combinado com Renato, para ameaçá-la de voltar ao sanatório.

Nos últimos tempos recorrera à igreja. Quando ficava muito depri­mida, chamava um padre de quem ficara amiga. Ele comparecia, ouvia sua confissão, mandava-a perdoar, passava-lhe uma penitência e ia em­bora, levando sempre o donativo que ela generosamente ofertava.

Ele nunca lhe pedira nada, mas ela pensava que assim, dando-lhe boas somas para as obras da igreja, obteria sua estima e futuros favores.

Certa vez pediu-lhe que fosse conversar com Renato para interce­der em favor da sua família, pedindo-lhe que voltasse para casa.

Ele fora de boa vontade. Mas foi pior. Depois que conversou com Renato, ficou mais distante dela. Gioconda percebeu que ele estava mudado. Certamente Renato falara mal dela e conseguira convencê-lo de que a errada era ela.

Gioconda estava inconformada. Sentia-se abandonada, sem ami­gos, rodeada de inimigos que desejavam mantê-la prisioneira. Isso era insuportável.

Clara cuidava de seu conforto, de sua saúde, tentava distraí-la. Po­rém, quando ela ficava muito chorosa, reclamando, ela se afastava. Era evidente que estava do lado de Renato. Como é que ele conseguia isso? Certamente comprando as pessoas. Tinha muito dinheiro.

As crianças procuravam alegrá-la sem sucesso. Afastavam-se quan­do notavam que ela estava muito deprimida.

Gioconda saiu da janela, sentou-se em uma poltrona, apanhou no­vamente a revista, mas nem sequer a abriu.

Clara bateu levemente na porta do quarto e entrou. Observando seu estado de espírito, sugeriu:

— Por que não vai passear um pouco? A tarde está agradável e José está à sua disposição com o carro. Poderia fazer umas compras.

— Para quê? Nunca tenho aonde ir. Meu armário está cheio de roupas que nunca uso.

— Por que não vai ao cinema?

- É horrível sair sozinha.

- Aquela sua prima viúva adoraria acompanhá-la. Por que não a convida?

Gioconda deu de ombros.

— Não tenho paciência para ouvir a conversa dela. Prefiro ficar em casa.

- A senhora precisa se distrair. Não é bom ficar fechada em casa.

— O que posso fazer? Meu marido não se incomoda comigo.

— O fato de a senhora ficar se deprimindo não o trará de volta. As pessoas fogem da companhia de quem vive triste.

— Deixe-me em paz. Agora quer me culpar por ele ter ido embora?

— Desculpe. Só quis ajudar. Mas a escolha é sua. Se prefere ficar se deprimindo, viverá triste.

Clara afastou-se. Estava difícil vencer a resistência de Gioconda. Se ao menos ela aceitasse a verdade!

Gioconda sentiu uma onda de revolta. A culpada era Gabriela. Ten­tou controlar-se. Apanhou o telefone e ligou para o escritório do marido.

— Quero falar com o Dr. Renato. É Gioconda.

— Ele está em uma reunião e pediu para não ser incomodado.

— É mentira. Ele não quer me atender.

— Não é nada disso. Ele está ocupado mesmo. Posso anotar a cha­mada e pedir para ele ligar assim que puder.

— Passe a ligação. É um assunto importante e urgente. Não posso esperar.

— Nesse caso vou passar para D. Gabriela, a assistente dele. Ela verá o que pode fazer.

Gioconda assustou-se. Gabriela? Ela teria voltado?

— Deixe estar. Mais tarde eu ligo.

Desligou o telefone. Seu coração batia descompassado. Precisava ter certeza. Apanhou um lenço, colocou no bocal do telefone e ligou novamente.

— Quero falar com D. Gabriela. É da parte do Dr. Altino.

— Um momento, por favor.

Logo depois Gabriela atendeu:

— Pronto...

Gioconda desligou rápido. Reconheceu a voz. Era ela mesma. Não havia dúvida. Estava outra vez com Renato. Há quanto tempo teria voltado?

Sentiu a cabeça rodar e sentou-se na beira da cama procurando se acalmar. Tinha de descobrir por que ela estava lá de novo.

Roberto era um fraco. Como teria concordado em voltar para São Paulo? Agora que seu marido estava separado, talvez Gabriela também houvesse deixado Roberto para ir viver com Renato.

A esse pensamento, uma onda de raiva acometeu-a. Precisava sa­ber. Não podia cruzar os braços diante daquela traição. Contratar um detetive era perigoso. Da outra vez se dera mal. Agora tinha de ser mais esperta. Precisava falar com Roberto, saber de tudo. Juntos poderiam agir.

Nesse momento, Roberto entrou no quarto e aproximou-se dela, dizendo ao seu ouvido:

- Estou aqui. Agora só você pode me ajudar.

Ela pensou:

“Preciso encontrar Roberto. Tenho sido vigiada. Clara não me dei­xa sair sozinha. Onde será que ele está?”

— Estou aqui — tornou ele. —Não pode me ouvir nem me ver, mas posso ajudá-la.

Ela, porém, não notou sua presença. Ele continuou ali pensando numa maneira de comunicar-se com ela. Vendo que não conseguia, chamou Juvêncio.

Depois de alguns segundos ele entrou, dizendo:

— Por que está me chamando? Nosso negócio já acabou. Agora épor sua conta.

Fiz tudo que me pediu, Maninha está bem. Posso ajudá-lo no que quiser, mas preciso de você.

Em poucas palavras, Roberto explicou tudo para Juvêncio e fi­nalizou:

— Você é poderoso, sabe muito mais do que eu. Ela tem que saber que estou aqui e fazer o que eu quero.

— É fácil. Ela nem precisa saber que você está aqui. Não perca tempo com isso. Notei que ela é impressionável. Basta mentalizar o que quer que ela faça e imaginar que ela está cumprindo.

— Só isso?

— Só. É muito fácil lidar com quem é impressionável. Ela pega tudo fácil.

— Vou tentar. Mas, pelo que notei, ela está como que prisioneira. Quero que me ajude a elaborar um plano.

— O que você quer conseguir?

— Gabriela voltou a trabalhar com Renato. Quero que ela deixe outra vez a empresa e afaste-se dele para sempre.

Juvêncio ficou calado por alguns segundos, depois disse:

— Não vai ser fácil. Ele está apaixonado por ela.

Roberto não se conteve:

— Eu sabia. Eles estão me traindo. Vai ver que desde que eu estava com ela.

— Não. Ela não o traiu ainda. Você estava enganado. Ela não écapaz de trair. Mas agora está livre. Você está morto... — concluiu ele rindo.

— Não diga isso. Eu estou vivo. Não quero que ela ande com ele.

— Se não quer, tem que trabalhar rápido. Ele só pensa nisso. Ela também se sente atraída por ele. Foram casados no passado.

— Ainda essa? Parece que tudo conspira contra mim.

— Se quer separá-los, terá que ser muito esperto.

— Você tem que me ajudar. O que devo fazer?

— Envolvê-la para que ela venha para cá. Assim conseguirá sepa­rá-los e ainda ficarão juntos.

Nesse momento a imagem dos dois filhos veio-lhe à mente e ele respondeu:

— Isso não. Não posso deixar as crianças abandonadas. Elas pre­cisam da mãe.

— Nesse caso será mais difícil. Mas vou pensar. Preciso conhecer as pessoas, examinar os fatos, e depois conversaremos. Ainda tem que me dizer como pretende pagar este serviço.

— Serei seu escravo por quanto tempo quiser. Sabe que faço um bom trabalho.

— É. Vamos ver. Agora preciso ir. Mais tarde o procurarei para ir­mos visitar Gabriela e Renato. Então direi o que faremos.

Roberto agradeceu satisfeito. Gabriela era dele. Não estava dispos­to a permitir que ela se apaixonasse por Renato. Ela precisava se lembrar do amor que sentira por ele.

Lembrando-se do que Juvêncio dissera, aproximou-se de Giocon­da para começar a impressioná-la. Imaginou uma cena de amor entre Gabriela e Renato com tantos detalhes que chegou a sentir aumentar seu ódio pelo rival.

Aproximou-se de Gioconda colocando a mão direita em sua tes­ta, dizendo:

— Veja como eles estão felizes, enquanto você está abandonada, triste, sozinha. Isso não é justo. Você tem que fazer alguma coisa. Pro­meto que vou ajudá-la. Pense nisso.

Gioconda não ouviu o que ele estava dizendo mas em sua mente imaginou Renato e Gabriela beijando-se. Enquanto eles estavam feli­zes, ela estava só, doente, fraca, abandonada. As lágrimas começaram a rolar em suas faces e ela soluçou desesperada.

— Não se deixe abater. Você é uma mulher inteligente, forte. Tem que reagir. Vai deixar que eles vençam? A esta altura estão rindo de você. Vai permitir isso?

Gioconda viu os dois rindo e pensou:

— Eles estão rindo de mim. Tenho que reagir. Mostrar que sou mais forte e esperta do que eles. Tenho que fazer um plano. Eles vão me pagar.

Roberto sorriu satisfeito. Estava sendo fácil. Gioconda era mesmo muito impressionável. Logo ele poderia manejá-la como quisesse.

Dois dias depois, Gabriela chegou em casa alegre. Havia consegui­do fechar um bom contrato.

Além disso, Renato não lhe dera margem para preocupar-se. Tratara-a de maneira profissional, e ela concluiu que Nicete havia se enganado. Isso a deixava livre de preocupações.

Pode­ria trabalhar tranqüila. Gostava do que fazia. O salário era compensador.

Vendo-a, Nicete comentou:

- Noto que está se recuperando. Faz tempo que não a vejo tão bem.

— Estou mesmo. Daqui para a frente vou trabalhar, criar meus fi­lhos e fazer tudo do jeito que eu gosto. Recuperar a alegria de viver.

— Que bom!

Naquela noite, antes de se deitar, Gabriela sentou-se na cama e agra­deceu a Deus. Sentia-se feliz. As crianças haviam melhorado, estavam alegres e cooperativas. Sentia-se protegida e calma.

Naquele momento, Roberto e Juvêncio entraram no quarto. Ro­berto ia aproximar-se, mas Juvêncio o deteve.

— Agora não. Ela está protegida. Não viu que está ligada com uma luz?

- Não. O que tem isso?

- É perigoso. Temos que esperar.

- Esperar o quê?

- Que ela esteja vulnerável.

— Quer dizer que você não pode com ela?

— Você tem muito ainda que aprender. E preciso ser inteligente. Agir no momento certo.

— Não posso fazer o mesmo que fiz com Gioconda?

— Com ela não vai funcionar. É uma mulher que sabe o que quer. Não se impressiona com facilidade.

— Isso é. Gabriela nunca ouviu ninguém. Só faz o que acha bom.

— Por isso não vai ouvir você. Agora vamos embora ver o outro.

Eles saíram e foram ver Renato. Ele já havia se deitado e pensava em Gabriela. Estava feliz por tê-la perto o dia inteiro. Ela era maravi­lhosa. Estava mais linda do que nunca. Em pouco tempo colocou os ne­gócios em dia com invejável competência.

Desejava que ela fosse feliz. Mesmo sabendo que não era amado, amava-a. Esse amor fazia-o sentir-se vivo, de bem com a vida. Gabrie­la jamais deveria saber a verdade. Tinha certeza de que, se ela descobris­se, iria embora imediatamente. Não desejava correr esse risco.

Roberto percebeu os pensamentos de Renato e olhou para Juvên­cio surpreendido. Não esperava ouvir isso dele.

— Ele não está querendo conquistá-la — comentou aliviado.

— Não seja bobo. Ele não sabe, mas essa é a maneira de conquis­tá-la. Se ele partisse para a conquista, ela se afastaria. É uma mulher di­fícil, muito honesta.

— Mas está viúva.

— Porém ele não. Isso é tão forte nela que a impede sequer de pen­sar nele como homem.

Você agiu muito errado com ela. Duvidou do que ela tem como sagrado. Fez exatamente o contrário. Perdeu-a por isso. Se tivesse mostrado que confiava nela, você a teria até hoje. Para man­ter um relacionamento é preciso conhecer bem o parceiro, jamais tri­pudiar sobre o seu temperamento.

— Puxa, eu deveria ter conhecido você antes.

— Quando estava na Terra, se tivesse ficado do meu lado, teria tudo isso.

— Agora estou do seu lado. Farei o que disser. Você acha que, ape­sar de Renato pensar assim, ela poderá se apaixonar por ele?

— Podemos tentar fazer com que ele volte com a esposa. Isso a afastará dele.

— É boa idéia.

— Trata-se de um homem que gosta da família. Ama os filhos. Apesar de tudo, respeita a esposa e deseja ajudá-la. Acho que esse pode ser um bom caminho. Vou pensar melhor.

Quando se afastaram, Roberto ficou pensativo. Uma vez no quar­to que Juvêncio lhe destinara e ele conseguira permanecer mesmo de­pois de haver terminado o trabalho que lhe devia, estendeu-se na cama, sentindo-se deprimido.

A descoberta de que Gabriela sempre fora honesta e o respeitara, se por um lado o alegrava, por outro mostrara com clareza sua falha. Ele fora incapaz de perceber as qualidades da mulher maravilhosa que ela era.

Por que entrara naquela onda de ciúme? Por que trabalhara con­tra o amor, que era tudo em sua vida? Cerrou os punhos com força e não pôde impedir que as lágrimas descessem pelo seu rosto.

Uma onda de tristeza imensa acometeu-o. Agora a havia perdido. Fora um fraco, havia sido maldoso. Ela confiara e ele a havia traído. Gabriela era inocente. Não tinha culpa de nada. O único culpado de tudo era ele.

Enquanto ela era honesta e confiante, ele fora desonesto, descon­fiado, maldoso. Ele havia sido o traidor.

Lembrou-se dos primeiros tempos de namoro, da alegria de Ga­briela, de seu sorriso bonito, da felicidade dos primeiros tempos. Do nascimento dos filhos. Da dedicação dela quando ele perdeu tudo.

Por que não soubera entender? Por que fora tão ignorante? Lem­brou-se das palavras de Aurélio, das palestras que ouvira de Çilene, das mensagens no centro espírita.

Ele havia sido alertado de várias formas. Por que havia sido tão re­sistente? Por que preferira aquele pacto espúrio com as entidades do mal? Por que se acumpliciara com Pai José, interferindo na vida de pes­soas que nem sequer conhecia, assumindo responsabilidade pelos pro­blemas dos outros?

Naquele momento de reflexão, Roberto arrependeu-se amarga­mente de suas atitudes. Chorou muito. Depois, levantou-se e ajoelhou-se ao lado da cama, pedindo agoniado:

- Meu Deus! Sei que não mereço, mas tenha piedade de mim. Es­tou arrependido. Ajude-me a apagar este remorso do coração. Tenho an­dado errado. Quero deixar este caminho e aprender como reconquistar a paz. Penitencio-me dos meus erros. Agüentarei qualquer castigo sem reclamar. Quero pagar pelo mal que fiz, mas mostre-me como encon­trar a luz.

Roberto calou-se e respirou fundo. Pela primeira vez percebeu como havia desperdiçado as oportunidades que a vida lhe dera. Estava cansa­do. Queria mudar, poder se sentir de novo respeitado, digno.

Nesse instante viu emocionado um clarão, e uma mulher linda e serena surgiu, olhando para ele com bondade.

— Meu nome é Elvira. Vim buscá-lo.

Roberto não conseguiu falar, deslumbrado. Aquela mulher mara­vilhosa, aureolada por uma luz muito clara, estendia-lhe os braços olhan­do-o com amor.

Ele não conteve os soluços e balbuciou:

— Eu não posso ir. Não mereço nada. Sou mau. Tenho que pagar pelos meus erros.

— Engana-se. Você é um espírito que amamos muito e que nos sentimos felizes em termos conosco. Venha!

Ela abriu os braços e ele baixou a cabeça sem forças para levantar-se. Ela se aproximou, segurou suas mãos, levantou-o e abraçou-o com carinho.

Roberto não conseguiu dizer nada. Deixou-se ficar naqueles bra­ços protetores sentindo-se amparado, acariciado, amado como nunca se lembrava de haver sido antes.

Quando conseguiu falar, disse:

— Se estou sonhando, não quero acordar. Pedi um castigo e deram-me o paraíso.

Ela sorriu e, colocando o braço em sua cintura, disse alegre:

— Deus só distribui o bem. O castigo é o homem quem faz. Ago­ra vamos embora. Temos que ir para muito longe.

De repente, toda a angústia, a mágoa e a dor haviam desaparecido do peito, e Roberto deixou-se conduzir maravilhado, olhando o céu cheio de estrelas volitando com ela no espaço infinito.



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