Zíbia gasparetto



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— Eu já disse para ela que foi apenas uma crise nervosa — inter­veio Ricardinho.

— Acalmem-se os dois. Estou aqui para cuidar de tudo.

— Ela enlouqueceu — continuou Célia com voz chorosa. On­tem quando entrei no quarto ela disse que ia nos matar e se matar. Es­tava com os olhos arregalados. Fiquei com muito medo.

- Eu estou aqui. Não vai acontecer nada.

— O Dr. Aurélio disse que seria bom tirar as crianças daqui — disse Clara.

— Eu quero ficar — disse Ricardinho.

— Pois eu vou. Estou com medo — tornou Célia.

— Não tenham medo. Não os deixarei. Agora preciso falar com o Dr. Aurélio. Clara vai ficar com vocês enquanto conversamos.

— Quero que ela tranque a porta — pediu Célia.

Faça isso, Clara. Vou ver como Gioconda está.

Renato saiu e Clara fechou a porta. Estava assustado. Gioconda ameaçara Célia. Era bem capaz de tentar alguma loucura. Ela ficava fu­riosa quando não conseguia obter o que desejava.

Foi até o quarto de Gioconda, mas não entrou. Sua presença po­deria fazê-la ficar mais furiosa.

Tentou perceber o que acontecia lá den­tro. Ouviu vozes, mas não entendeu o que diziam.

Ficou esperando, até que finalmente Aurélio abriu a porta.

— Como ela está?

— Teve uma violenta recaída. Pensei que precisasse chamar uma ambulância do sanatório.

Não estava conseguindo controlá-la. Depois, concordei com tudo que ela dizia, prometi fazer o que ela queria e quan­do ela parou de gritar eu lhe apliquei uma injeção. Agora está dormin­do. Podemos conversar.

- Nesse caso vamos até a sala.

Uma vez acomodados lá, Renato continuou:

— Estou muito preocupado. Ela ameaçou Célia. Pode tentar algu­ma coisa.

— Ela está ameaçando matar Gabriela e os filhos se você não vol­tar para casa. Não sei como, mas ela descobriu que Gabriela voltou àempresa.

— É uma idéia fixa! Ela é bem capaz de tentar fazer o que diz.

— Terá que ser internada novamente. Não há outro jeito.

— Estive pensando... Vou falar com o Dr. Altino e requerer a guar­da das crianças. Eu não queria. Pensei que ao lado deles ela pudesse se recuperar. Mas agora não posso correr esse risco.

— Qualquer juiz lhe dará razão. Estou disposto a colaborar atestan­do o estado mental dela.

Também penso que ela não pode ficar ao lado deles. Mesmo que não faça o que diz, sua convivência é prejudicial. Principalmente para Célia, que é mais impressionável.

— Ela está tão assustada que não quer ficar mais aqui.

— Eles poderão ficar. Vamos interná-la hoje mesmo. Infelizmen­te não temos outro recurso.

— Virei para cá. Não posso deixá-Los sozinhos.

— Vou Ligar agora mesmo para o sanatório. Seria melhor você ir dar uma volta com as crianças. Precisamos poupá-los. Eu e Clara cui­daremos de tudo.

— Está bem. Vou levá-los comigo até o escritório. Assim que ter­minar, ligue-me e voltaremos.

Renato bateu na porta do quarto de Célia, e quando abriram ele disse:

— Vão se arrumar que nós vamos sair um pouco. Tomar um sor­vete, dar uma volta.

— E a mamãe? — indagou Ricardinho.

— Está dormindo. O Dr. Aurélio deu-lhe um calmante. Quando acordar estará melhor. Agora vamos.

Enquanto eles se arrumavam, Clara acompanhou Renato até a sala e ele informou:

— Teremos que interná-la, Clara. Não podemos permitir que ela faça nada às crianças.

Apesar do controle que tinha sobre si, os olhos de Clara brilharam emocionados:

— Ela está muito mal. Esta noite não dormiu nada. Fui várias ve­zes a seu quarto, mas ela me expulsava. Fechei a porta por fora.

— Vou entrar na justiça para requerer o pátrio poder. Vocês vão mo­rar comigo.

— Diante das circunstâncias, será melhor. Célia tem estado trans­tornada. Tem pesadelos, fica trêmula a qualquer ruído. A presença de D. Gioconda está sendo muito prejudicial a ela.

— Foi o que o Dr. Aurélio disse. Gioconda ficará internada. Quan­do melhorar, irá para uma casa de recreio. Nada lhe faltará.

As crianças desceram e Renato despediu-se de Clara, dizendo:

- Vamos dar uma volta, depois estaremos no escritório, O Dr. Au­rélio ficou de ligar. Se você precisar de algo, ligue.

Depois que eles saíram Clara meneou a cabeça tristemente. Havia se afeiçoado às crianças, e aquela situação era-lhe penosa. Mas estava disposta a fazer tudo que pudesse para que elas fossem mais felizes.

Renato levou-os a uma sorveteria, depois foram ao escritório. Ele só tencionava levar as crianças para casa depois que Gioconda já hou­vesse saído.

Vendo-o entrar com os filhos, Gabriela sentiu um aperto no pei­to. Ele estava abatido. Embora se esforçasse em mostrar-se calmo e satisfeito, ela notou logo o quanto ele estava tenso. Ela procurou con­versar com as crianças, tentando distraí-las. Levou-as para conhecer todos os departamentos, apresentando-as aos funcionários. Depois con­duziu-as à sua sala, mostrando as fotos de seus filhos.

Ricardinho mostrava-se mais falante. Gabriela sentiu que Célia es­tava tensa e insegura. Passou o braço sobre os ombros dela, dizendo séria:

— Sua mãe vai melhorar. Quando você voltar para casa, ela já es­tará bem.

Célia encolheu-se, dizendo angustiada:

— Não quero voltar para casa. Estou com medo.

Apanhada de surpresa, Gabriela não respondeu logo. Ricardinho interveio:

— Papai não vai deixar acontecer nada. Ele cuida de tudo.

Gabriela preparou um pouco de água com açúcar e ofereceu a Célia.

— Beba, assim se sentirá melhor. Ricardinho tem razão. Nada acon­tecerá de mau. Seu pai está cuidando de tudo.

Ela bebeu a água estremecendo de vez em quando e Gabriela ficou penalizada. Abraçou-a com força, dizendo com carinho:

— Eu conheço uma fada que tem muito poder. Ela protege as crian­ças de todos os perigos.

Gostaria de conhecê-la?

Os olhos de Célia brilharam quando perguntou:

— Ela tem esse poder mesmo?

— Tem. Mais do que qualquer outra fada. Ela é invencível. Quer evocá-la?

— Quero. Acha que viria?

- Se fizer de coração, tenho certeza. Só que há uma coisa: ela éinvisível à luz do dia.

— Por quê?

— Por que seu nome é luz. De dia, mesmo ela estando, ninguém a ve. Mas, à noite, costuma aparecer às crianças durante o sono.

— Como ela é? — perguntou Célia interessada.

— Linda! Iluminada.

— Onde ela mora?

— Na terra das fadas. A missão dela é proteger as crianças do mal.

O rosto de Célia transformou-se. Ficou corada, seus olhos brilha­ram. Gabriela continuou:

— Vou ensiná-la a evocá-la. A noite, antes de se deitar, imagine uma luz brilhante e diga: “Eu evoco a fada da luz para me proteger com a força de Deus”. Repita três vezes e depois pode dormir sossegada.

— Eu vou sonhar com ela?

— Vai. Pode ser que nos primeiros dias não consiga vê-la, mas con­tinue firme. Logo conseguirá. A luz é a força que nos protege.

Célia abraçou-a contente.

— Obrigada, Gabriela. Você também pede a proteção dela? Sempre.

— Nesse caso, pode pedir também para mim e para minha mãe?

— Posso, mas para dar certo é a própria pessoa quem deve pedir.

Gabriela levantou os olhos e viu que Renato as observava como­vido. Tentou dissimular a emoção. O drama daquelas crianças toca­ra-a muito.

— Vejo que está melhor — disse Renato satisfeito.

— Ainda bem — tornou Ricardinho.

— Agora temos que ir embora. Obrigado, Gabriela, pela ajuda.

Célia aproximou-se de Gabriela, dizendo baixinho:

— Vou fazer tudo direitinho.

— Faça mesmo.

Depois se levantou nas pontas dos pés e beijou o rosto de Gabrie­la, que sensibilizada abraçou-a, beijando-a na testa. Ricardinho também a abraçou, beijou-a na face, depois piscou um olho dizendo baixinho:

— Boa essa sua jogada. Gostei.

Gabriela sorriu e respondeu:

— Experimente. Funciona para você também. Vai se surpreender.

Depois que eles se foram, Gabriela pensou nos problemas que tan­to seus filhos como os de Renato estavam enfrentando. Não sabia o que era pior: se a morte do pai ou a vida tumultuada dos filhos de Renato, órfãos de mãe viva.

Renato durante o trajeto preparou os filhos para a separação da mãe.

— O Dr. Aurélio ligou e disse que precisou levar sua mãe para o hospital. Ela precisa de um tratamento mais forte.

Ricardinho apertou fortemente os lábios, tentando controlar-se. Renato continuou:

— Ela precisa. Em casa estava ficando cada dia pior. Infelizmente ela estava muito descontrolada. Quando alguém está assim, pode fazer coisas sem pensar e machucar as pessoas.

— Ela poderia nos machucar? — perguntou Ricardinho.

— Ela nunca faria isso se estivesse em seu juízo perfeito. Ela os ama muito. Mas quando tem essas crises fica atordoada e não reconhe­ce as pessoas.

— Eu senti que ela seria capaz de me matar! disse Célia.

— Já passou. Não pense mais nisso — pediu Renato, impressiona­do pelo tom da filha.

— Agora eu estou protegida. Gabriela me ensinou e não tenho mais medo.

— Isso mesmo, minha filha. Além do mais, estamos juntos.

— Você vai voltar para casa? indagou Ricardinho.

— Preciso saber a opinião de vocês. Estou pensando que sua mãe está muito doente e vai precisar de um longo tratamento. Então pensei em pedir ao juiz autorização para que vocês fiquem morando comigo para sempre.

Célia respondeu alegre:

— Eu quero. Que bom! Com você, não tenho medo de nada.

— Eu também — concordou Ricardinho.

— Vocês gostariam que sua mãe estivesse junto. Mas, por razões que desconhecemos, a vida dispôs as coisas de forma diferente. Contudo ela age sempre certo e precisamos aceitar o que não podemos mudar. No momento, é o melhor a fazer.

Eles ficaram em silêncio por alguns instantes. Depois Ricardinho perguntou:

— Quando o médico lhe der alta, ela virá para nossa casa?

- Não. Terá sua própria casa, mas vocês continuarão morando comigo. Poderão visitá-la sempre, até mesmo passar algum tempo com ela, se desejarem.

Célia suspirou aliviada e respondeu:

— Ainda bem. Acho que não vou querer ficar com ela nem um dia.

— Ela é nossa mãe, não tem culpa de estar doente da cabeça. Te­mos que a tratar com carinho — disse Ricardinho.

— Isso mesmo, meu filho. Ela precisa do nosso apoio. Mas para fa­zer isso não precisam morar na mesma casa com ela.

- Pai, quero que Clara fique em nossa casa.

- Ela ficará. Vai continuar cuidando da casa e de vocês.

Eles se deram por satisfeitos e Renato sentiu-se aliviado. O pior ha­via passado. Aurélio dissera-lhe que, mesmo que melhorasse, Giocon­da não teria condições de assumir a família.

Sua resolução estava tomada. Falaria com o advogado e trataria imediatamente de requerer o divórcio e a tutela dos filhos. Sentiu-se sa­tisfeito por haver assumido aquela responsabilidade.

Gioconda acordou e olhou assustada as paredes claras do quarto. Sua cabeça estava atordoada. Tentou levantar-se, mas não conseguiu. Onde estava? Aquele não era seu quarto.

Fechou os olhos e respirou fun­do, tentando reagir. Onde estava Clara? Olhou em volta tentando se lo­calizar. Do lado da cama havia uma campainha. Apertou com força.

Logo uma enfermeira entrou e aproximou-se da cama, indagando:

— Como se sente?

— Mal. Onde estou?

— No hospital. Fique calma. Estamos cuidando de tudo.

— Não posso ficar aqui. Tenho que ir para casa. Meus filhos pre­cisam de mim.

- Descanse. Eles estão bem cuidados. Não se preocupe.

— Não quero ficar aqui. Não gosto deste lugar. Tenho que ir embora.

— Precisa tratar da saúde. Irá quando estiver bem.

Gioconda olhou em volta, depois disse baixinho:

— Tenho uma missão importante para cumprir. Minha família cor­re perigo. Preciso falar com o médico.

— O Dr. Aurélio virá logo.

— Esse não serve. Está contra mim, a serviço dela. Ela voltou para acabar comigo. Mas não conseguirá!

— Acalme-se. O Dr. Aurélio é seu médico. Está do seu lado.

— Mentira! Você também está do lado dos meus inimigos.

— Estou aqui para ajudar. Precisa tomar a injeção.

— Afaste-se. Não se aproxime. Sei que quer me envenenar. Não vou tomar nada. Saia daqui.

Deu violento soco que alcançou a mão da enfermeira, derrubando a cuba com os medicamentos. A moça retirou-se apressada, fechando a porta por fora.

Depois de alguns minutos entraram dois enfermeiros.

- Você precisa tomar os medicamentos — disse um.

— Não quero — gritou ela, furiosa. — Deixem-me em paz. Eles se aproximaram e, enquanto um a segurava com força, o ou­tro lhe aplicava a injeção. Após alguns minutos ela deixou cair a mão e adormeceu.

Aurélio informou-se de seu estado e à noite foi à procura de Rena­to depois do jantar.

— Como vão as coisas aqui? — indagou o médico assim que se sentaram na sala.

- Melhor. Tenho conversado com as crianças e parecem-me conformadas.

- Quando cheguei, observei que estavam mais alegres.

— Ficaram felizes quando voltei a morar com eles. E Gioconda?

— Nós a mantivemos dormindo nos últimos dias. Hoje acordou, mas continua revoltada. Foi preciso aplicar-lhe mais calmante. Está dormindo.

- Célia estava muito assustada. Não quer de forma alguma voltar a morar com a mãe. É de admirar, porque sempre foi a mais apegada.

— Ela me pareceu muito nervosa. Observe bem como está reagin­do. Se for preciso, faremos um suporte psicológico.

— A outra vez deu bom resultado. Tenho vindo cedo para casa. Fico fora só o tempo estritamente necessário para trabalhar. Sinto que eles precisam do meu apoio.

— Isso mesmo. As crianças precisam de segurança. Como a mãe não tem condições de apoiá-los, ficaram inseguros. Sua atitude está su­prindo essa necessidade.

— Tenho conversado muito com eles, indagando como foi o seu dia, contando ocorrências da empresa, trocando idéias. Desejo que eles sintam que estamos integrados, que formamos uma família. Que um pode ajudar o outro, trocando experiências.

— Esse é o melhor caminho. Foi bom ter assumido a educação de­les. Receio que Gioconda não consiga mais fazer isso.

- Ela está tão mal assim?

— Está. Acordou hoje revoltada, achando que todos estão contra ela, interessados em matá-la. Foi preciso dopá-la de novo. Tenho sérias dúvidas quanto ao seu problema mental. Não se trata mais de uma cri­se provocada pelo seu inconformismo em aceitar a separação.

— Você acha que não foi isso a causa do seu desequilíbrio?

— Acho. Tenho estudado o comportamento dela minuciosamen­te. Durante os meses que a tratei, consegui que falasse da sua infância, da adolescência e da juventude. Notei um procedimento altamente neurótico, uma personalidade fracionada, uma visão distorcida da rea­lidade, indicando que ela necessitava de um tratamento psiquiátrico mais intenso.

— Você a medicou, receitou-lhe calmantes.

— Sim. Tentei evitar o agravamento do seu estado.

— Apesar de dizer que nossa separação não foi a causa da sua doen­ça, isso deve ter influenciado para que seu estado se agravasse.

— Para uma personalidade doentia como a dela, qualquer coisa, por insignificante que fosse, teria efeito pernicioso. Claro que a separação influenciou. Mas não causou a doença. Apenas revelou o que estava en­coberto. Entendeu?

— Sim. Lamento ter provocado isso. Mas não podia mais suportar nossa convivência. Como você disse, qualquer coisa era motivo para que ela se deprimisse. Notei que, quando eu aparecia, seu estado se agrava­va. Ficava mais queixosa, mais chorosa, mais incapaz. Cheguei a pen­sar que ela estivesse fingindo para me manipular.

— Ela é uma manipuladora contumaz. Se você fosse fraco, ela o teria dominado completamente. Acontece que, de tanto distorcer os fa­tos para conseguir o que desejava, acabou por perder a noção de reali­dade. Ela acredita no que imagina. Sofre mas não percebe o mal que está fazendo a si mesma.

— Pensei que com a separação ela voltasse ao normal, uma vez que eu não estaria lá para ela representar seu papel.

— Não lamente sua atitude. Se houvesse continuado ao lado dela, as crises teriam acontecido da mesma forma. O problema não é você. E ela com ela.

— Quando ela acordar, se estiver consciente, vai sofrer muito.

— Na próxima semana faremos alguns exames clínicos. Depois es­tudaremos como ajudá-la.

— Gabriela sugeriu que eu levasse os meninos ao centro para um novo tratamento espiritual.

— É bom. Aos sábados há um tratamento só para crianças.

— Isso mesmo. Naquele dia em que Gioconda foi internada, levei-os ao escritório e Gabriela conseguiu acalmar Célia. Contou-lhe uma história de fadas e ela adorou. Todas as noites faz o que Gabriela lhe en­sinou, ajoelha-se ao lado da cama e imagina uma luz, chama pela fada, agradece e pede proteção.

— Ótimo. Dessa forma ela está se ligando com a luz da espiri­tualidade.

— Ricardinho, que gosta de parecer adulto, disfarça mas também faz. Diz que é para convencer Célia.

Os dois riram. Aurélio comentou:

— Aos poucos a vida de vocês está se equilibrando. Gabriela tem estado mais alegre, seus filhos também. As vezes fico pensando em Ro­berto. Como estará? Até agora não apareceu nas sessões que freqüentamos no centro.

— Elvira, aquele espírito que nos ajudou, também não apareceu mais. Ela disse que era muito ligada a ele. Será que se encontraram?

— Gostaria de saber. Outro dia perguntei isso a Hamílton e ele acre­dita que os dois ainda virão nos visitar. Então, saberemos muitas coisas.

No dia seguinte, Gabriela estava na sala com Renato quando ele disse de repente:

— Ontem eu e o Dr. Aurélio falamos sobre Roberto. Você tem pensado nele?

Apanhada de surpresa, Gabriela não respondeu logo. Notando que Renato estava esperando a resposta, disse:

De vez em quando. Fico me perguntando como estará.

— Tem sentido saudade?

— Dos bons tempos, um pouco. Mas não sou de ficar lamentando o passado. O que passou acabou. Guardo as boas recordações, e as ruins tento esquecer. A vida continua.

— Pensa em se casar novamente?

— Não sei. Ainda não pensei nisso. O casamento quase sempre éuma prisão.

- Pois eu gostaria de ser livre, para me prender de novo.

Gabriela olhou para ele surpreendida.

— Está com saudade de Gioconda?

— Não. Nosso casamento foi um erro. Somos muito diferentes.

— Então...

— É muito triste ter encontrado a mulher ideal tarde demais.

Renato falava mais para si mesmo, considerando seu amor impos­sível. Gabriela não respondeu. Uma ponta de tristeza acometeu-a. Re­nato estaria apaixonado por outra mulher?

Esse pensamento a entristeceu. Procurou esquecer, mas durante todo o dia as palavras dele não lhe saíram do pensamento. Irritada, pensou:

— Ele se sente solitário. Está separado, é livre. E natural que de­seje recomeçar a vida. Não tenho nada com isso. Por que esse pensa­mento me incomoda?

No fim da tarde, levou alguns documentos para Renato. Enquan­to ele os assinava, ela notou sua postura elegante, aspirou o gostoso per­fume que vinha dele, observou os traços firmes de seu rosto moreno. Con­cluiu que ele era um homem bastante atraente.

Lembrou-se de suas palavras:

- É muito triste ter encontrado a mulher ideal tarde demais.

Emocionada, reconheceu que ela também havia encontrado o homem ideal tarde demais. Se ela o houvesse encontrado quando eram livres, tudo teria sido diferente.

Ele levantou a cabeça e seus olhos se encontraram. Gabriela sus­tentou o olhar e Renato sentiu o coração bater mais forte.

— Gabriela! — disse emocionado.

Assustada diante dos próprios sentimentos, ela deu meia volta e dei­xou a sala. Renato sentiu vontade de segui-la, porém o telefone tocou.

— É o Dr. Aurélio — disse Gabriela, após atender.

Renato pegou o aparelho. Aurélio informou:

— Gioconda acordou.

Está melhor?

— Não. Perdeu a noção de realidade. Nem sequer me reconheceu.

— Continua revoltada?

— Não. Está calma. Esqueceu-se de tudo que a incomodava. Foi a maneira que encontrou para fugir dos problemas. Alienou-se.

- Como ela fez isso?

— É uma reação natural. Uma vez que aceitar a verdade é doloro­so para ela, seu inconsciente criou uma defesa, fazendo-a esquecer. É uma trégua.

— O que poderemos fazer?

— Continuar o tratamento. Podemos medicar, manter sua saúde física, protegê-la como uma criança, para que não se machuque. E um processo delicado, onde nosso acesso é muito relativo. Só ela pode rea­gir e encontrar o caminho da volta.

Depois que desligou, Renato pensou em Gabriela. Pela primeira vez percebera carinho em seus olhos. Havia esperança para eles?

A esse pensamento foi dominado por forte emoção. Sentia-se mui­to só, gostaria de abraçá-la, abrir seu coração. Tinha certeza de que ela era a pessoa certa para entender o que se passava em seu íntimo.

Precisava vê-la. Foi procurá-la, mas não havia ninguém. Todos ha­viam saído. O relógio marcava quase sete horas. Precisava estar no cen­tro às sete e meia. Era dia de reunião.

Tomou um café e foi para lá. Encontrou Aurélio, que lhe forneceu detalhes do estado de Gioconda e finalizou:

Apesar de tudo, ela está melhor agora. Voltou para a adolescên­cia. Cantarola as músicas da época, conversa com pessoas com as quais Conviveu.

— Mesmo assim é triste. Não menciona as crianças?

— Não. Para ela eles ainda não nasceram.

Os olhos de Renato brilharam emocionados. Aurélio considerou:

— A alienação choca os familiares, porém para a pessoa é um meio de agüentar uma realidade que não deseja. Ela voltou a uma época de sua vida em que estava feliz. E esqueceu o resto.

Hamílton chamou-os, dizendo:

— Vamos entrar, está na hora.

Gabriela chegou apressada e entrou logo depois deles. As luzes apa­garam-se e depois da prece um amigo espiritual manifestou-se, falando sobre os casos em atendimento. Depois de breve pausa, um dos médiuns começou a falar:

— Sou Elvira. Hoje volto a abraçá-los com alegria. Trago comigo um amigo de vocês que deseja cumprimentá-los.

O homem calou-se por alguns instantes, depois se remexeu na ca­deira, respirando forte. Hamílton aproximou-se do médium e colocou as mãos sobre sua testa e nuca. Então ele disse com voz que a emoção entrecortava:

— É com grande emoção que volto a esta casa onde recebi tanta ajuda quando ainda estava no mundo. Se os houvesse escutado, tudo po­deria ter sido diferente.

Ele fez silêncio por alguns instantes, depois continuou:

— Mas não estou aqui para falar dos meus erros passados nem do meu sofrimento, mas sim para agradecer a Deus e a vocês tudo que fi­zeram por mim. Reconheço minha responsabilidade nos fatos que cul­minaram com minha morte. Vejo aqui uma pessoa que me é muito que­rida, cujo valor e sinceridade só pude avaliar quando cheguei aqui.

Lamento. Gostaria de poder voltar no tempo para agir de outra forma. Mas isso é impossível.

Eu pensei que você um dia pudesse me amar, e essa é uma ilusão que já perdi. Você ama outro e é correspondida. Es­tou procurando aceitar essa realidade e posso dizer que desejo aos dois toda a felicidade. Mando um beijo para nossos filhos. Diga-lhes que sempre os amarei e, se Deus permitir, onde estiver estarei rezando pela felicidade deles. Quero dizer também que hoje os estou devolvendo a vocês dois. Antes de serem meus filhos, eles foram seus.

Gostaria que se lembrassem de mim com amizade. Podem ter cer­teza de que estou muito feliz.

Minha vida aqui está sendo produtiva e o carinho de Elvira tem me motivado a progredir.

Talvez um dia, quando eu estiver mais amadurecido, possa viver ao lado dela para sempre.

Agora tenho que ir. Deixo um abraço agradecido e votos de mui­ta alegria e felicidade a todos. Deus os abençoe.


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