O dono do morro dona marta



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pretos, com o nome da polícia civil escrito nas costas com letras amarelas,

e tinham supostas credenciais da Secretaria da Segurança Pública.

Nenhum se identificou, nem exigiu a apresentação de documentos de

identificação, como é de praxe a polícia fazer. Desconfiado, Zé Castelo

pediu socorro à sua mulher, que ficara na portaria do prédio, mas não

adiantou. Ao contrário, os homens resolveram abordar também a mulher

enfermeira Nilzete Santanna Dias. Sob a mira das armas, o casal foi algemado

e empurrado para dentro do próprio carro de Castelo, no banco

traseiro.

No dia seguinte, os corpos de Zé Castelo e de Nilzete Dias foram encontrados,

amordaçados, com muitas marcas de tortura e de tiros, numa

área descampada deNova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Na Santa Marta, a notícia da morte de Zé Castelo foi comemorada

com distribuição de cerveja nos botequins próximos à área da boca. O

vice-presidente Francisco Hipólito Neto, o Chicão, amigo de Carlos da

Praça, participou da cervejada e na mesma semana assumiu o cargo deixado

por Zé Castelo. Poucos moradores tiveram a coragem de ir ao enterro

de um dos mais antigos birosqueiros, no cemitério São João Batista.

- Sem o robô do Zaca na Associação, agora sim chegô a nossa vez no

morro. Temo que formá com o Chicão, colá com o cara, se inteirá das

idéia dele - sugeriu Raimundinho ao parceiro de gerência Juliano.

- Tá direito. Chicão é um cara ressabiado, escamado. Vai dá um rolê

nas paradas certas. Amigão do meu pai - disse Juliano.

A amizade nasceu devido à ajuda que Chicão recebeu do pai de Juliano

para Instalar-se como birosqueiro logo que chegou do Nordeste. Chícão

e Romeu eram conterrâneos do Ceará e parecidos fisicamente. Baixos,

atarracados, tinham cabelos duros, encaracolados e usavam grossos

bigodes. Os dois afastaram-se durante a Guerra de 1987, quando Romeu

foi expulso do morro por ordem de Zaca.

Chicão apenas acompanhava a distância a vida do amigo pelas histórias

que ouvia de Juliano, do qual acompanhou de perto a infância, a
adolescência e a juventude repleta de ousadia e perigo.

Chicão e Juliano conversaram bastante sobre a trajetória e o destino

que os levaram a formas diferentes de poder na Santa Marta.

- Quem diria, Chicão! Meu velho, se tivesse no morro, faria uma puta

festa. O amigo Chicão, presidente! Tu tinha imaginado um dia uma coisa

dessa na tua vida? - perguntou Juliano.

- Sinceramente, não. Entrei na chapa do Zé Castelo na empolgação.

Afinal ele também era birosqueiro. E achava que controlá a associação

seria bom para todos nós comerciantes do morro - respondeu Chicão.

- Mas tu vai tê que desenrolá um bagulho! Qualé que é essa história

da chapa? Tu sabia que o Zaca tava por trás do Zé Castelo e aceitou sê o

vice dele. Quédizê, tu fortaleceu o Zaca também, é ou não é? - questionou

Juliano.

- Você tem que entender uma coisa. O homem sempre deu apoio ao

birosqueiro, veja pelo seu pai. Lembra que o Romeu era amarradão no

Zaca? Mas agora é outra história. Ele perdeu, tá preso e a quadrilha dele

tá fora do morro. Tamo na boa. Temo que partir para uma outra - explicou

Chicão.


- Esse bagulho é foda, Chicão! Tu sabe que o CV tá colado com o

Carlos da Praça. Agora, o vacilo não tem volta. Tá todo mundo ligado

na tua.

O mandato de Chicão reduziu o papel da associação nas atividades do



morro. Ele permitia, sem nenhuma resistência, a intromissão na tomada

de decisões sobre vários assuntos comunitários, por obediência ou medo

da turma do Comando Vermelho. Ouvia as queixas dos comerciantes,

que foram obrigados a pagar ao dono da boca uma taxa mensal, um pedágio,

mas não buscava uma solução.

Também se omitia diante das expropriações dos bens dos inimigos da

boca, como aconteceu depois da morte de Zé Castelo. Chicão permitiu

que a birosca e o entreposto de bebidas da família de Zé Castelo fossem

ocupados pelos parentes e amigos dos traficantes adversários sem nenhuma

interferência da associação.

Mas foi a postura ativa de Chicão diante das arbitrariedades da polícia

o que mais marcou a sua curta gestão de um ano e sete meses. Organizou

um movimento silencioso com os birosqueiros, para que todos
juntos deixassem de pagar as taxas de proteção cobradas pelos soldados

do posto policial.

Também combinaram a suspensão da ajuda aos policiais violentos

que, assim como alguns PMs de serviço na favela, recebiam dos comerciantes

mercadorias e mantimentos.

Sempre que havia invasão a algum barraco ou violência contra os moradores,

Chicão suspendia a ajuda, procurava ouvir a queixa da família e

a encaminhava, pessoalmente, ao Batalhão de Botafogo.

Essas atitudes - que ganharam o apelido de SOS Chicão - deram um

rápido prestígio ao novo presidente e tiveram o apoio unânime dos moradores

e do pessoal da boca, que passou a apoiar os seus projetos na favela.

A contrapartida dos policiais denunciados por Chicão viria na forma

de represálias ao comércio de drogas e ameaças de morte que levaram

Juliano a pedir, em nome da gerência da boca, que ele fosse, por algum

tempo, mais tolerante com a polícia.

- Tu é foda, hein, Chicão? Tu é ponta firme mesmo, cara! Mas os

homi tão de bronca, tão boladão contigo, cara. Te cuida. Te cuida - alertou

Juliano.


- Eles não são loucos de fazê alguma coisa comigo, Juliano. Tenho

falado direto com o coronel do Batalhão, na moral. E ele tem prometido

providência, respeito ao favelado.

- Esse é o caô, a punição. Tu delata o cara e se o cara pegá uma cana,

uma transferência? É foda, aí.

O Rambo, o Maia, o Cruz, o Santandera, os homi tão tudo aí pra cima

e pra baixo no morro.

Embora alertado por Juliano e outros amigos, Chicão continuou confiante

no respaldo que julgava ter no Batalhão. As vizinhas do seu botequim

chegaram a alertá-lo por causa do movimento de alguns homens

estranhos no beco do Pecado. Mas ele não deixou de conversar com o

coronel sempre que tinha alguma queixa a fazer, nem mudou seus hábitos

no morro.

Numa manhã de outubro de 1992, Chicão acordou às cinco horas da

manhã, como fazia diariamente, desceu do segundo andar de seu barraco

pelas escadarias externas e começou a abrir o cadeado da porta de duas

folhas de madeira do botequim. Na mesma hora, três homens que esta
vam na esquina do beco do Pecado com o beco Padre Hélio, a 50 metros

da Associação de Moradores, puseram duas toucas de meia na cabeça e

avançaram. Chicão inclinou-se para passar por baixo da porta semi-aberta,

quando os homens encapuzados o surpreenderam com vários tiros de

pistola, um deles disparado à queima-roupa na testa.

Um sargento e dois soldados do posto policial do morro foram reconhecidos

por um olheiro da boca, que viu os três fugirem correndo em

direção à saída da rua Jupira. Um motorista, que saía para o trabalho,

também identificou outro soldado, o Rambo, do Serviço Reservado, que

era muito conhecido na favela. A notícia do crime espalhou-se rapidamente.

Pela manhã, quando a maioria dos moradores já circulava pelas

ruas, uma multidão se aglomerava na frente do local do crime para ver o

corpo do líder da comunidade. A suspeita contra os policiais levou os gerentes

da boca a apoiarem uma manifestação de protesto dos moradores

em frente ao Batalhão da PM em Botafogo.

- Assassinos! Assassinos!

Os manifestantes ofenderam os policiais. Usaram um surdo da escola

de samba Unidos da Santa Marta para, com uma única batida, marcar

o passo da marcha fúnebre até o destino final. Mais de 500 moradores

interromperam o trânsito de uma das ruas mais movimentadas de Botafogo

para exigir do comandante do Batalhão, coronel Robérío Pimentel,

a transferência do morro dos PMs sob suspeita.

Para demonstrar interesse no esclarecimento do crime, o coronel Pimentel

foi até a favela e usou o sistema de alto-falante da associação para

pedir que as testemunhas se apresentassem para ajudar nas investigações,

Como ninguém se apresentou, o coronel deduziu que os matadores de

Chicão teriam sido os próprios traficantes. E no mesmo dia do enterro,

divulgou para a imprensa o nome do suspeito de ser o assassino mascarado:

Juliano VP, que ficou revoltado com a acusação.

- Isso é uma grande safadeza. O cara sempre foi colado nas idéias do

meu pai. Até o pior vira-lata do morro sabe que o Chicão era nosso considerado

- queixou-se Juliano para o pessoal da boca.

- É um golpe, aí. Tão querendo passá o rodo, é ou não é? - disse Raimundinho.

Vou dá mole, não. Esses putos vão vê, Raimundinho. Temo que des


cobri quem viu o Rambo pondo a máscara na cara... Tem que depô no

processo, pra ferrá esses PMs... - sugeriu Juliano.

- Testemunha? Duvido. Tem medo, os homis, quebram mesmo. Tu

acha o quê? O Rambo, o Cruz.., estão todos aí e aí vão continuar - disse

Raimundinho.

- Então, fudeu. Pra cima de mim, não. Solto o caroço neles. A comunidade

tem que sabê que aqui tem home, caralho! - disse Juliano.

Alguns moradores ainda estavam de luto pela morte de Chicão quando

o soldado Rambo, então principal inimigo da boca, tomou a iniciativa

da guerra.Durante o seu primeiro ataque Rambo apreendeu quase um

quilo de cocaína, duas pistolas, várias caixas de munição e uma peça

do uniforme da quadrilha, a Jaqueta de couro de Juliano. A apreensão

motivou uma festa entre os soldados. Para chamar a atenção do maior

número possível de pessoas, Rambo subiu no alto de uma área rochosa

de cinco metros de altura perto da base da boca, a Pedra de Xangô. Ergueu

um cabo de vassoura com a jaqueta de Juliano em chamas, e disse

às gargalhadas:

- Olha aí a jaqueta do cara, mané!

A resposta não tardou. Como fazia sempre que estava de plantão,

Rambo deixou o seu jipe estacionado em frente à Casa de Saúde Santa

Marta, a 50 metros do Destacamento de Policiamento Ostensivo da

PM na favela. Enquanto ele prosseguia os ataques à boca no alto, alguns

homens agiam no pé do morro, onde transformaram o carro do inimigo

numa grande fogueira.

- Agora está um a um, mané. Tu é Flamengo e eu sô mais Botafogo,

rapá. Botá fogo é comigo, seu otário - gritava Juliano pra quem passava

ali pelo Cruzeiro, de onde ele assistia ao incêndio do jipe de Rambo.

O inimigo teve que voltar a pé para casa. E voltou prometendo guerra

total contra Juliano. Nos dias seguintes, a pretexto de investigar o crime

de Chicão, mais de vinte PMs realizaram longas operações nas áreas de

venda de drogas. Isso obrigou os traficantes a limitarem as atividades ao

período da noite, quando os policiais iam embora do morro. Preocupado

com os prejuízos, Carlos da Praça sugeriu que Juliano se afastasse das

atividades da boca e passasse um tempo fora do morro.

O chefão se propôs a financiar a viagem, para convencer o seu geren
te, que insistia em prosseguir a guerra contra Rambo.

- Tem que evitá o esculacho, Da Praça. Engoli essa parada é foda, aí.

O prejuízo lá na frente vai sê pior. Esse puto pensa o quê, caralho? - disse

Juliano.


- Dá um tempo. Dá um tempo, não adianta. Tem que esquecê essa

parada e tocá a bola pra frente - ponderou Carlos da Praça.

Num domingo de verão, juliano convenceu-se de que era melhor trocar

a guerra pela concretização de um antigo desejo: tirar férias num

lugar paradisíaco, financiado pelos lucros da boca.

Com a renda de uma semana de gerência - o equivalente a dois mil

dólares guardados no bolso da calça jeans, Juliano deixou o morro no

bonde formado pelos melhores amigos em um Tempra roubado, com Careca

ao volante, rumo ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim,

o Galeão. O dinheiro assegurava qualquer opção de vôo doméstico. Por

medo de ser preso no saguão de embarque,

Juliano comprou rapidamente uma passagem para Recife, Pernambuco,

onde iria trocar de avião e em seguida partir para a viagem de suas

fantasias. Destino: o arquipélago de Fernando de Noronha.


CAPÍTULO 17 PISTÔ UZI

Eu tava parado na boca, vendendo,

quando a atividade gritou:

- Sujou!


Todos os meus amigos bolados destravaram os bico,

de repente a chapa esquentou!

(Funk proibido)

Juliano saiu do Rio de Janeiro de madrugada, chegou a Recife quando

o dia amanhecia e antes das sete horas da manhã de domingo era o

primeiro na fila de embarque de um dos dois vôos semanais para Fernando

de Noronha. Mas o funcionário da companhia aérea não quis vender

a passagem.

- O senhor tem reserva? - perguntou o funcionário da companhia aérea.

- Que barato é esse de reserva? - perguntou Juliano.

- O vôo já está lotado, senhor - disse o funcionário.

- Mas eu cheguei primeiro.., não tô vendo ninguém aqui.

O funcionário explicou que ele poderia pôr seu nome numa lista de

espera, embora as chances de embarcar fossem remotas. O avião era um

pequeno bimotor, para 18 passageiros. Juliano ficou ao lado do balcão

contando um por um os que chegavam para o embarque. Quando percebeu

que todos estavam na fila, tentou convencer o gerente.

- Vô em pé no corredor ou deitado no chão, não tem problema.

- É proibido.

- E no colo do piloto?

O gerente achou graça, continuou irredutível, mas apontou uma alternativa.

- O último da fila é o carteiro. Por que não conversa com ele?

O carteiro aceitou a proposta de Juliano. Ele daria o equivalente a

cem dólares pelo lugar no avião com o compromisso de entregar o malote

das cartas ao encarregado da correspondência no arquipélago. E para

ninguém desconfiar, levaria emprestada a jaqueta amarela do uniforme

do correio.
Último a entrar no avião, uniformizado, Juliano ficou sem espaço

para colocar a sua bagagem de mão. Deixou o malote no colo e, por sugestão

da comissária de bordo, guardou a mochila embaixo do banco da

frente, onde estava sentada uma jovem, que chamou a atenção de Juliano,

embora não tivesse observado bem o rosto dela.

A moça tinha os cabelos longos, lisos, pretos e estava ao lado de um

homem de meia-idade, que poderia ser o namorado, talvez marido. Ela

conversava animadamente com outra jovem sentada à sua frente, uma

loira que precisava se virar para olhar para trás.

Juliano fingia ler um livro de bolso, o romance Dom supremo, enquanto

pensava numa maneira de chamar a atenção da morena. Por prudência,

antes de alguma tentativa, foi até o banheiro para, na volta, vê-la

de frente e confirmar se era bonita ou não. Morena, olhos graúdos, rosto

de traços finos, nariz e boca acentuados, lábios grossos, carnudos. Já encantado,

Juliano queria vê-la sorrir. Encontrou um jeito de se aproximar.

Pegou um monte de cartas de dentro do malote e tocou no ombro da

moça.

- Aí, na moral. Tenho aqui uma carta de amor pra você.



A morena franziu a testa, desconfiada.

- Como assim?

- Sem maldade: aqui deve ter uma cartinha aí pro seu marido também...

- Que marido? Eu, hein...

- O cidadão aí do lado, não é seu marido, não?

- Mas que pergunta mais...

- Escolha uma carta aqui. Tem pra Suzana, pra Solange... como é o

seu nome mesmo?

- Nome, endereço, CGC, o que mais você quer saber?

- Aí, facilita a vida do carteiro, aí... vai.

O serviço de bordo interrompeu a cantada de Juliano. Com quase

uma hora de vôo sobre o mar, a freqüência das turbulências desviou a

atenção dele para o senhor ao lado, sentado junto à janela, visivelmente

tenso. Para acalmá-lo, recorreu a uma das imagens de cerâmica que levava

na mochila.

- Aí, muita paz, a Santa Negra tá aqui! O senhor conhece? - disse


Juliano.

- Nossa Senhora Aparecida?

- Nessas horas nunca se sabe... Na moral, essa santa sabe das coisas...

Perigo, tempestade, mar... é com ela mesmo!

Pouco antes da aterrissagem, o parceiro de viagem continuava com

medo. O aeroporto à beira-mar estava coberto pelas nuvens, o que fez

aumentar a turbulência. Por sugestão de Juliano, a imagem de Nossa Senhora

Aparecida precisava ficar de frente para as nuvens.

- Ela é boa de mar, já apareceu andando sobre as ondas... Qualquer

rolo é só deixá na mão dela - disse Juliano.

No aeroporto, não teve tempo de se despedir da morena, como planej

ara. Enquanto procurava o encarregado dos Correios para entregar o

malote das cartas, um jipe estacionou em frente à porta do desembarque

e levou todo mundo.

Partiu a pé em direção ao vilarejo. Escolheu a pensão cuja dona parecia

mais simpática. Ela avisou que, pelas leis locais, o visitante só podia

ficar uma semana na ilha. Como Juliano pechinchou o preço, ela sugeriu

que ele dividisse o quarto com um fotógrafo pernambucano, de 35 anos,

barbudo, cabelos longos, que todos conheciam pelo apelido de Olho de

Gato.


A oferta de um cigarro de maconha, que Juliano trouxera escondido

dentro da imagem de São Judas Tadeu, aproximou de imediato os parceiros

de quarto. No final da tarde, dono da única moto em Fernando de

Noronha, Olho de Gato o convidou para passear antes que chovesse.

- Vou te levar num lugar maluco, Carioca. Você vai pirar com a mulherada...

Eles chegaram de moto ao topo de um penhasco, onde havia uma

cabana de palha. Todas as mesas da varanda estavam ocupadas e havia

muita gente em pé, em volta do balcão das bebidas. Olho de Gato, que

passava uma temporada na ilha para fazer um documentário, cumprimentou

algumas pessoas. Ao lado dele, Juliano também fez o reconhecimento

da área.

- Aí, conheço aquelas duas mina que tão chegando.

- Tá maluco, Carioca. Você chegou hoje aqui, não conhece ninguém...
A loira e a morena, que conhecera no avião, passaram ao lado de Juliano,

que as cumprimentou com um sorriso.

- Oláááááá!

As duas passaram direto e desviaram o olhar.

- Você conhece as minas, Carioca? E elas nem olham pra tua cara?

- perguntou Olho de Gato.

- Pode deixá comigo, vou tirá uma chinfra com elas!

Na saída do banheiro feminino, Juliano tentou novamente.

- Aí, eu sô o carteiro do avião, lembra?

- Sei... você é estranho, não?

- Acabô de chegá um telegrama em seu nome. Tem curiosidade?

Enquanto Juliano tentava conquistar a atenção da morena, Olho de

Gato estava envolvido numa conversa animada com a loira. Pouco tempo

depois, os dois já trocavam beijos e, apesar da chuva, sugeriram um passeio

de moto pelas praias mais distantes da ilha.

Juliano achou a idéia maravilhosa e a morena nem tanto, mas concordou.

Compraram dez cervejas e partiram todos na mesma moto, bem

devagar. Olho de gato dirigia. A loira, à frente, sentada sobre o tanque

de gasolina, segurava duas garrafas, e a morena, atrás dele, levava outras

duas. Por último Juliano, quase caindo, levava três garrafas em cada

mão.

Pararam numa praia distante uns cinco quilômetros do vilarejo. Olho



de Gato afastou-se abraçado à loira, que sentia frio por causa da roupa

molhada de chuva. julliano e a morena sentaram na areia, perto da moto,

em silêncio, observando o movimento das nuvens em direção ao mar, o

que indicava mudança do tempo.

Em menos de uma hora a chuva parou, as nuvens sumiram. Enquanto

bebia, Juliano falava sozinho sobre o romance que estava lendo e a

morena ouvia sem muito interesse. Ela só começou a conversar quando

escureceu e impressionou-se com a quantidade de estrelas no céu.

- Olha o risco de luz do meteoro! - disse a morena.

O movimento de luz da queda de meteoros levou a morena a revelar o

seu fascínio por astrologia e temas esotéricos. A conversa animou ainda

mais quando Olho de Gato e a loira voltaram da caminhada e sugeriram

fumar a ponta de maconha que Juliano havia escondido atrás do tanque
de gasolina da moto.

O cigarro de maconha começou a circular pelas mãos de Olho de

Gato. Ele passou para a loira que, em seguida, entregou à morena. Ela

demorou a passar adiante.

- Aí, qué dizê que tu é chegada num baseado? E como, hein?- disse

Juliano, enquanto esperava a sua vez. Ele aproveitou a demora da morena

em devolver o cigarro de maconha para chamar Olho de Gato a uma

conversa particular.

- Porra, cara, não tá rolando nada... Essa mina é jogo duro... - disse

Juliano.


- A minha é sensacional. Você viu? Maior gostosona! Jaqueline, 19

aninhos! - disse Olho de Gato.

- A minha deve tê uns 23, mas nem a idade ela qué me falá. Aí, cansei

de dá umas idéia mas não rola, não avança.

- Isso é coisa de mulher casada, cara...

- Pior é que eu tô me apaixonando, tô viradão...

Se dependesse de Juliano, a noite seria longa. Mas a morena estava

cansada, queria dormir cedo. Marcaram para o dia seguinte um programa,

sugerido pela amiga: visita ao museu de história natural do arquipélago.

- Como você aceita um programa desse, cara? - reclamou Olho de

Gato, já de volta ao quarto da pensão.

- As duas tão a fim, aí. Foi a tua loira que sugeriu o museu, caralho!

- Eu não vou, não. Não estou a fim...

- Vamo lá, cara. Toda a ilha qué comê essas mina. Tu viu lá na cabana?

Os malandros todos querendo tirá uma com elas? Vambora, chegando

lá a gente sai de pinote com as duas.

Juliano foi sozinho e chegou ao museu com mais de uma hora de atraso.

Encontrou a morena e a loira acompanhadas por um grupo de cinco

jovens turistas italianos, uma mulher e quatro homens. Pensou em fazer

cara feia, mas aproveitou a reclamação da morena para afastar o grupo

de outra maneira.

- Pensei que você não viesse mais - disse a morena.

- Tava comprando as alianças, meu amor - respondeu Juliano.

A morena não conteve a gargalhada. Jaqueline, a loira, cobrou a ausência

de Olho de Gato.
- E o teu amigo, não vem não?

- Ficô dormindo, sonhando com você.

Logo que Juliano apoiou o braço sobre o ombro da morena, os italianos

se despediram.

- Folgados, esses gringos - disse Juliano.

- Folgados por quê? Estavam numa boa, conversando.

- Pra cima de mulhé minha, não.

- Que sua? Eu nem sei o seu nome.

- Juliano, seu dono, com muito prazer.

- Débora, livre, graças a Deus!

Maria Débora, 23 anos, era de família de classe média alta, estava em

viagem de fêrias com a melhor amiga para esquecer o casamento de três


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