O dono do morro dona marta



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driblar as barreiras impostas por Carlos Lacerda, então governador do estado

da Guanabara que mandava reprimir obras de alvenaria no morro.


Os pais de Juliano, Romeu e Betinha, nessa época um jovem casal em

início de casamento, ajudaram a formar um dos grupos de mutirão com

amigos também nordestinos, como o casal João Bento e Maria Batuca,

baianos, e Zé Lima e Tiana, paraibanos, pais de Claudinho e Raimundinho.

Eles participaram do esforço coletivo para carregar o material de

construção no ombro e assentar tijolo por tijolo na grande obra do reservatório,

uma caixa de alvenaria com capacidade para 200 mil litros

d’água. Os empresários alemães da indústria Scania Vabis, amigos de

Dom Hélder, doaram uma bomba mecânica de 10 HP para fazer a captação

de água das tubulações da Prefeitura no bairro Laranjeiras e impulsioná-

la, morro acima, até a nova caixa.

Pronto o reservatório, num clima de euforia, os próprios favelados

providenciaram a construção de uma rede de distribuição de água pioneira,

numa ação coletiva que envolveu trabalhadores, desocupados, malandros

e bandidos na obra de maior orgulho da história da Santa Marta.
CAPÍTULO 5 CHUVEIRINHO

Os tiroteios faziam chover até em dia de sol forte na Santa Marta.

Os “chuveirinhos”, alegria das crianças, eram provocados pelos projéteis

de vários calibres que sempre rompiam as tubulações de água potável

devido a uma rara característica da velha rede de distribuição, criada nos

tempos dos mutirões de Dom Hélder Câmara.

A rede era de autoria dos pais e avós dos jovens da terceira geração

de traficantes. Mas também era considerada patrimônio dos criminosos

de várias especialidades, herdeiros da bandidagem dos anos 60. Contam

na favela que assaltantes, ladrões e desocupados trabalharam duro, como

nunca haviam visto, nos mutirões que criaram o sistema pioneiro. Até o

dono do morro na época, o banqueiro de jogo do bicho e integrante do

Partido Comunista Procópio Túlio, se envolveu na obra, com o aval dos

padres católicos.

A rede foi construída para tirar proveito da posição estratégica do

grande reservatório, instalado no pico do morro. Os trabalhadores do mutirão

criaram uma tubulação principal, com 20 centímetros de diâmetro,

fixada no alto de postes ou de árvores, para conduzir a água por cima dos

barracos. O declive acentuado da favela, acima de 60 graus em alguns

pontos, garantia uma forte pressão em todo o percurso da água, do reservatório

até o pé do morro.

Dessa tubulação aérea nasciam os ramais, canos de circunferência

menor para desviar o curso d’água e abastecer os barracos sempre pelo

alto, sem necessidade de nenhuma passagem subterrânea, como fazia a

Prefeitura com as redes de distribuição pública nas outras áreas da cidade.

Cada família se encarregou de instalar quantos ramais julgou necessários.

Em fevereiro de 2003, quarenta anos depois de sua criação, a

rede ainda era a mesma e as ligações dos cinco mil barracos contíguos

formavam uma grade de canos que cobria toda a extensão da favela.

A manutenção também sempre foi tarefa dos próprios moradores,

exceto nos dias de “chuveirinho”, quando eram os atiradores que providenciavam

o conserto das goteiras provocadas pelos tiroteios. Devido à

freqüência das guerras, a recuperação dos canos virou atividade remune
rada, incorporada às despesas corriqueiras da boca. Para o menino Pardal,

o serviço de reparo da canalização representou o caminho de entrada

para o tráfico.

Muito antes de trocar tiros com a policia e assistir à morte do parceiro

Careca em combate, Pardal ganhou esse apelido de tanto trabalhar

no conserto das tubulações rompidas pelos tiros. Desde os sete anos de

idade, minutos depois do fim do tiroteio, Pardal era visto grudado lá em

cima na rede, com os dutos entre braços e pernas, como se fosse um bicho-

preguiça. Usava cola, fita adesiva e uma pequena serra de aço para

remover os pedaços mais danificados e instalar no lugar deles emendas e

joelhos de plástico.

A função exigia que o menino fosse franzino como Pardal e como

seu vizinho de porta, Nem. Os canos não suportavam o peso dos adultos.

Além de magros, os dois tinham um problema comum nos pés que

explicava o interesse deles em trabalhar longe do chão. Eles sofriam de

uma inflamação crônica que deixava os pés e os tornozelos cobertos de

pequenas feridas purulentas. No caso de Nem, os exames mostraram que

ele tinha sido contaminado com sífilis.

As dores permanentes fizeram os dois perderem o ânimo pelas atividades

mais comuns dos meninos da idade deles. Evitavam jogar futebol,

taco, pingue-pongue, soltar pipa, brincar de esconde-esconde, qualquer

brincadeira de corrida ou que os obrigasse a ficar muito tempo em pé.

Preferiam assistir a desenhos na TV, jogar dominó, bafo-bafo. Em geral,

eram os primeiros voluntários a subir nas árvores e nos postes para consertar

a rede de água.

- Nasci para voar - dizia Nem quando os amigos o convidavam para

brincar de correr pelas vielas.

As feridas nos pés de Pardal e Nem estavam associadas à contaminação

dos terrenos do beco do Pecado e do beco da Tranqüilidade, descoberta

dos médicos de uma campanha de vacinação na favela. A prevenção

seria muito simples se a renda da família deles não fosse tão

miserável, o equivalente a 70 dólares. Nem tinha três anos quando perdeu

o pai assassinado por matadores da Baixada Fluminense. Embora o pai

de Pardal fosse pedreiro, nunca ganhou dinheiro suficiente para comprar

o material de construção e substituir as manilhas de esgoto quebradas,
que vazaram a lama tóxica pelo pátio de dezenas de barracos. Na casa de

Pardal, a contaminação vinha de uma infiltração no piso da cozinha, que

era de terra batida.

A umidade era um problema ainda mais grave na casa da família de

Nem, construída na base de um prédio de alvenaria que abrigava outras

duas famílias. Era um barraco de três cômodos, com todas as paredes

internas cobertas de mofo. A entrada dava num estreito corredor, de dois

metros de comprimento por um de largura, que funcionava como cozinha

e ao mesmo tempo lavanderia. Por falta de espaço, a mãe, Sueli, pôs uma

máquina de lavar roupas no fundo do mesmo corredor, ao lado do velho

fogão a gás.

O banheiro ficava à direita da cozinha, em um nível abaixo do assoalho.

Um buraco no chão dava acesso às pequenas escadas de um cubículo

sempre úmido devido à falta de janelas de ventilação. Mas a origem da

doença de Nem estava na sala, sempre escura e fria, e que tinha as paredes

cobertas de bolor por causa do tipo de construção. Ela foi feita dentro

de uma escavação no barranco do morro.

Era uma espécie de caverna, com as paredes forradas de alvenaria,

que viviam sujas de barro por causa dos vazamentos causados pelas

águas da chuva e do esgoto dos outros barracos. Era nesta sala que a mãe

dele dormia com os quatro filhos, dois amontoados com ela no sofá-cama

e dois em colchões estendidos no chão contaminado. Durante o dia as

crianças brincavam descalças dentro e fora do barraco. Nem tinha onze

anos quando conseguiu a proteção de um tênis, comprado com o dinheiro

de seu envolvimento precoce no crime. A atividade na quadrilha, como

especialista no conserto dos chuveirinhos, levou um beneficio à saúde de

toda a família. Sem nenhuma ajuda dos funcionários da Prefeitura, Pardal

e Nem fizeram sozinhos toda a instalação hidráulica para levar água

potável da rede pública até as casas deles. A iniciativa fez sucesso entre

os vizinhos. E a dupla, cada vez mais envolvida no tráfico e nos mutirões

comunitários, não daria conta das encomendas.

O sucesso dos mutirões de água levou os moradores a repetirem a

experiência para levar a eletricidade aos barracos em 1964, novamente

com o apoio dos padres progressistas. Um integrante da Congregação

Mariana, que morava no morro e trabalhava na empresa fornecedora de
energia, a Light, conseguiu convencer a empresa a instalar no acesso

principal da favela uma cabine de força com capacidade para abastecer

até 400 barracos. Os integrantes dos antigos Círculos Operários Católicos

providenciaram as redes de ligação aos domicílios e se encarregaram

dos primeiros serviços de manutenção.

Os pais de Juliano se juntaram novamente a seus conterrâneos nordestinos

para reforçar os animados mutirões de ampliação da rede de

eletricidade. O bicheiro Procópio Túlio, já com a experiência bem-sucedida

do primeiro mutirão, teve o aval de padre Velloso para ingressar nos

Círculos Operários Católicos e fazer parte da comissão de luz, que se encarregou

de cobrar dos moradores uma taxa mensal, de valor equivalente

a dois dólares, pelo fornecimento da energia.

Devido a essa importância administrativa, a comissão de luz se transformaria,

em 1964, na Associação de Moradores.

Toda a rede de distribuição de energia também foi feita pelos moradores,

mas neste caso o resultado não foi motivo de orgulho. Os mutirões da

eletricidade esqueceram os dispositivos de proteção contra sobrecarga de

energia e curto-circuito. Dois anos depois, sem a manutenção adequada,

parte da fiação já estava corroída, as caixas de cabeação estavam soltas

e muitos postes ameaçados de cair, causas de um incêndio de triste memória.

Sem nenhuma unidade do corpo de bombeiros na favela, o fogo

destruiu dezenas de barracos na área do Lixão e matou um casal e duas

crianças. A tragédia não foi maior porque os trabalhadores e os traficantes

conseguiram conter o avanço do incêndio com baldes de água.

Vinte anos depois dos mutirões, quando a Associação fez um plebiscito

para dar nomes aos logradouros da comunidade, todo o pessoal da

Turma da Xuxa, então adolescente, concordou com a maioria que usou o

voto para prestar uma homenagem aos benfeitores da favela. Escolheram

os nomes de padre Velloso e padre Hélio para identificar as duas principais

vias da Santa Marta.

Nessa época, a influência religiosa na Associação passou a ter um

peso ainda maior na vida dos jovens da favela. A juventude mais politizada

estava eufórica. A ditadura que durante 18 anos reprimira organizações

comunitárias estava agonizando. Era o ano de 1982. Havia também

o entusiasmo das primeiras eleições para o governo do estado durante o
regime de exceção. O eleito seria um herdeiro do populismo de Getúlio

Vargas, o engenheiro Leonel Brizola. Os moradores da Santa Marta votaram

em peso nele, porque tinha sido o único candidato a visitar a favela

e prometera voltar depois da vitória.

Quando Brizola, já eleito governador, desceu de helicóptero no campo

do Tortinho dizendo que faria “chover areia e cimento na horta” deles,

a maioria acreditou. Nessa visita foi decretada a morte da política de

remoção das favelas no estado. E ela marcaria o início da fase de fixação

dos barracos, segundo um projeto que previa a legalização de um lote

para cada família de favelados, com a posterior urbanização das antigas

áreas ilegais.

Depois da visita de Brizola, no começo dos anos 80, de fato “choveu”

material de construção de alvenaria na Santa Marta. O apoio rendeu

ao governador homenagens curiosas. Alguns moradores, como prova de

agradecimento, puseram o nome dele no produto de maior valor vendido

na favela. Acabou virando moda, em todos os morros do Rio, o vapor

anunciar o nome do governador na fila do pó:

- Brizola a dez!

- Briza na cabeça!

- Vai uma brizola aí!

A força e a inspiração da Igreja, o apoio do governador populista e

a organização da Associação de Moradores impuseram o fim do risco

de remoção da favela e incentivaram, como nunca, as obras de mutirão

comunitário.

Os netos de João Bento herdaram do avô o talento e a garra para construir

barracos à beira dos penhascos. E passaram a arte para os amigos

mais próximos da Turma da Xuxa, que trabalhavam sob a coordenação

dos dirigentes da Associação de Moradores. Doente Baubau, Mendonça,

Du, Flavinho e Jocimar gostavam de formar correntes humanas para levar,

com menor esforço físico, pedras e tijolos para os pontos altos. Juliano,

Careca e Vico tornaram-se “viradores” de lajes, faziam o enchimento

de concreto na estrutura de ferros dos pisos e colunas dos barracos.

Em quatro anos, de 1982 a 1986, a maioria das paredes de madeira

dos barracos foi substituIda pelas de alvenaria. Todos os becos e vielas

foram pavimentados para evitar desabamentos como os que tinham
ocorrido em 1965, 1969 e que levaram à morte de cinco pessoas. Anos

depois, em 1988, outro deslizamento de terra mataria mais sete pessoas.

Construíram-se 12 pontes nas áreas onde as crianças e idosos tinham

maior risco de cair nos penhascos. Cobriram-se de concreto o caminho

das águas pluviais e as encostas dos valões do esgoto que levavam a sujeira

até lá embaixo, no rio Banana Podre. Graças aos mutirões, a Santa

Marta tornou-se um retângulo impermeável, protegido contra as infiltrações

das chuvas.

A maioria dos jovens foi convencida a mudar o perfil da favela com

um argumento infalível de Dom Hélder Câmara, repetido na Santa Marta

à exaustão pelos seus seguidores:

- Seus pais ergueram Copacabana lá longe, para os outros. Cabe aos

filhos construírem aqui uma boa casa para vocês.

Ensinar que a união pode levar os pobres a melhorarem de vida, para

Juliano, era coisa de herói, de seus ídolos religiosos. Descobrir uma forma

de proteção divina e ganhar muito dinheiro sem trabalhar, para Juliano,

eram sabedorias de bandido.

Alguns bandidos da favela tiveram forte influência na vida de Juliano,

que os conheceu bem cedo, quando começou a sair de casa em busca de

alguma independência.

Nada o incomodava mais na adolescência do que a falta de dinheiro,

principalmente depois que, aos 16 anos, engravidou a namorada Marisa,

que tinha apenas 13. Todos os amigos ganhavam mesada da família, mas

ele nem uns trocados recebia. Como não havia diálogo com o pai, Juliano

nunca disse claramente que havia chegado a hora de ter alguma renda.

Era orgulhoso demais para pedir. Preferiu batalhar fora de casa, e não

precisou ir muito longe.

A oportunidade surgiu nas rodas de conversa da Turma da Xuxa na

Escadaria, no final da rua Marechal Francisco de Moura, um dos dois

acessos da favela pelo bairro de Botafogo. A Escadaria era um ponto

de encontro, espécie de parada obrigatória para quem vinha da cidade.

Os quatro botequins, principais fontes de abastecimento dos barracos,

também serviam de central de recados e fofocas. Era sempre grande o

movimento de crianças, que paravam ali para observar o movimento e

prestar favores em troca de um presente ou moeda. Alguns desempre
gados também faziam ponto na Escadaria à espera da chegada de carros

com mercadoria. Eram candidatos a ajudante para subir com as compras

até o barraco, o que não era fácil.

A subida íngreme das vielas tinha em média um ângulo de 60 graus.

Por isso, quem tinha dinheiro sobrando, como o “tio” de Juliano, o comerciante

Carlos da Praça, nunca subia carregando peso:

- Aí, sobrinho, vai mandá essa?

A pergunta do “tio” era uma ordem para Juliano, que gostava da tarefa.

Sentia-se útil e ao mesmo tempo gostava de conhecer as mercadorias

que Da Praça trazia para casa, sobretudo quando eram novidades eletrônicas.

Muitas vezes, entusiasmado, chegava a anunciar o conteúdo da

carga aos amigos, como fez quando subiu as escadas levando o primeiro

videocassete para a favela. Foi o maior sucesso. No meio do trajeto entre

a Escadaria e a casa de Carlos da Praça já havia uma fila de curiosos

atrás dele. A maioria acompanhou a demorada instalação do aparelho.

E, graças a Juliano, os amigos da Turma da Xuxa tiveram o privilégio de

assistir na sala da casa à festa de inauguração da novidade: a exibição do

filme O exterminador do futuro, com o ator Arnold Schwarzenegger.

O pagamento pelos carretos era sem critério, não havia um valor fixo,

e Juliano nem se preocupava com isso. Estava eufórico por ter conquistado

a confiança do “tio”. Os pedidos foram se tornando constantes e o

material transportado passou a ser, muitas vezes, de alto valor, embora

pesasse pouco, bem menos que um videocassete. Numa única semana,

chegou a levar cinco pacotes retangulares com 200 gramas de algum produto,

prensado como se fosse rapadura, para a casa do mais antigo bicheiro

da comunidade, Pedro Ribeiro. A embalagem era de fita adesiva,

que cobria todos os lados do retângulo. Para ficar com as mãos livres,

Juliano punha na mochila e partia rápido, mas sem correr, e nunca parava

no caminho. Nas viagens de volta levava o equivalente a mil dólares, em

cédulas, para o barraco de Carlos da Praça. Apesar da freqüência dos

pedidos, Juliano demorou dois meses para descobrir que os favores que

fazia ao “tio” tinham outro nome. Precisou ouvir do velho bicheiro para

entender:

- Você já é o melhor avião da Santa Marta.


CAPÍTULO 6 ZACA E CABELUDO

A primeira coisa que Juliano comprou com o dinheiro ganho como

avião da Escadaria foi uma dúzia de copos de vidro, presente para a mãe,

que se tornou aliada do seu esforço para ficar independente do pai.

O dinheiro ganho por conta própria levou-o a reduzir aos poucos o

tempo de trabalho na birosca. Depois de sair da escola, que pouco freqüentava,

passeava nos shopping centers de Botafogo e da Gávea. Motéis

depois da praia viraram programas mais assíduos. Só voltava para a favela

depois das quatro horas da tarde, quando começava o movimento dos

aviões nos pontos-de-venda de drogas de Pedro Ribeiro.

Durante alguns meses Juliano se dividia: nos intervalos das tarefas

no tráfico corria até a birosca para ajudar o pai. Num primeiro momento

Romeu não desconfiou do envolvimento do filho com os traficantes, porque

Pedro Ribeiro era mais conhecido como banqueiro do jogo do bicho,

contravenção aceita por todos na favela. O lado pacífico e generoso do

velho chefão, que nunca mostrava suas armas à comunidade, também

atraía a simpatia de muita gente sem ligações com o crime.

Ribeiro era respeitado no meio da malandragem, mas quase ninguém

o temia. Nada ambicioso, fato incomum entre comandantes de tráfico,

permitia a concorrência nas bocas-de-fumo, como fazia a família Lino.

Durante os 15 anos em que mandou no morro, Ribeiro tinha a exclusividade

na venda do “branco”, a cocaína, e deixava o comércio do preto,

a maconha, nas mãos dos Lino, que eram muito temidos pelos abusos

e brutalidades que cometiam. Os Lino obrigavam todo novo morador a

pagar um pedágio de entrada. Para os nordestinos, o preço era mais alto.

No caso dos comerciantes, como o birosqueiro Romeu, a taxa era mensal.

A recusa do pagamento podia representar agressão sexual contra as

mulheres e a morte dos homens. Reações das vítimas eram raríssimas. As

poucas famílias que ousaram enfrentar os Lino entraram para a história

do morro, como os Gonçalves, recém-chegados da Paraíba.

O assassinato do birosqueiro Chico Gonçalves, no final de 1985, causou

espanto não pelo crime em si - um homicídio à queima-roupa-, mas


pela reação do irmão da vítima, Zacarias Gonçalves Rosa Neto, o Zaca.

A notícia chegou a Romeu pelo filho Juliano.

- Sabe da novidade do ano, pai? O Zaca vingou a morte do irmão!

- Não é possível, você está brincando!

- O cadáver ainda está lá. E a quadrilha do Zaca não saiu de perto.

Eufórico, Romeu fechou a birosca e foi ver a cena. Fez questão de se

aproximar de Zaca para cumprimentá-lo:

- Há muitos anos eles precisavam de uma lição dessas! - disse Romeu.

Expulso da Polícia Militar nove anos antes, por flagrante de roubo,

Zaca chefiava a segunda maior quadrilha de assaltantes da Santa Marta.

A primeira, além de maior, tinha como cabeça o homem mais conhecido

do morro, Emílson dos Santos Fumero, o Cabeludo, que também tinha

uma desavença com os Lino. Embora fosse primo do patriarca, seu Nerinho,

Cabeludo estava revoltado com os parentes, que meses antes haviam

assassinado o seu irmão, Darrena.

Os crimes contra os irmãos de Zaca e Cabeludo uniram as duas maiores

quadrilhas. E com apoio em massa das famílias nordestinas, entraram

em guerra contra a temida família dos traficantes estupradores. O grande

combate foi no carnaval de 1986 e durou uma semana. As quadrilhas

unidas e os nordestinos formaram um grupo de matadores que executou,

um por um, os homens da família Lino.

Na ação de maior impacto, assassinaram, no mesmo dia, o patriarca

Nerinho e seus dois filhos, os Irmãos Coragem, que eram dirigentes da

tradicional escola de samba de Botafogo, a São Clemente. A chacina

foi na área de ensaio. A quadra e os instrumentos da escola foram parcialmente

destruídos. E quase todos os parentes dos antigos chefões que

moravam na Santa Marta foram expulsos do morro.

A expulsão dos Lino foi festejada na favela e também repercutiu na

cadeia onde estava o dono do morro, Pedro Ribeiro. Entusiasmado com

a atitude da dupla, o velho bicheiro convocou Zaca e Cabeludo a assumirem

o controle das bancas de jogo do bicho e dos pontos-de-vendas de

drogas, que deixara sob a responsabilidade de seu filho, Pedro Ribeiro

Jr., o Perereca. Era uma forma de garantir a segurança do filho de 22

anos, jovem demais para enfrentar sozinho uma tarefa tão dura.


A comemoração da posse da dupla mostrou, de imediato, qual seria

a marca da gestão dos novos chefões. Cabeludo falou para todo mundo

ouvir que iria financiar os pagodes, contrataria sambistas famosos para

incentivá-los e, nos dias de festa, promoveria a distribuição gratuita de

cocaína para os bandidos de sua confiança. Zaca também fez promessas,

principalmente para agradar os migrantes. Jurou que iria criar no morro

as festas preferidas dos nordestinos, os forrós, que até então só aconteciam

dentro dos barracos. Os dois combinaram assumir o comando provisoriamente,

até a saída de Pedro Ribeiro da cadeia.

Disso, ninguém duvidava. Tanto Zaca quanto Cabeludo não eram do

ramo. Os assaltantes em geral não se adaptavam à chefia de tráfico de

drogas. Os donos das bocas, os pontos-de-venda de pó e de maconha,


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