Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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monges ambulantes na Tailândia do século XX. Para os monges da floresta, essas árvores são as paredes e o teto dos seus templos.

A resposta dos budistas tailandeses à destruição do que consideram seus santuários sagrados tem sido a mobilização de um grupo que foi apelidado de "monges ecológicos", que lançaram um número de atividades e iniciativas para estimular a consciência da crise ambiental do seu país e para tentar revertê-la.

Para ver um exemplo muito tocante do tipo de atividade positiva na qual estão engajados, fui de carro com o fotógrafo Steve McCurry para o município do interior a cinco horas de Chiang Mai no meio da floresta de Santisuk no extremo nordeste da Tailândia, depois para a aldeia de Pong Kam. O responsável pelo templo do lugar, o venerável Somkid Jarayadhammo tinha nos convidado para assistir a uma cerimônia exclusiva.

Desde 1991 os monges têm feito cerimônias de ordenação de árvores como monges para protegê-las do corte. A idéia é que como praticamente toda a população nessas áreas rurais é budista, ninguém, nem mesmo aqueles tentados por algum dinheiro fácil oferecido pelos interesses do setor privado, tiraria a vida de um monge, nem mesmo de um falso monge.

Por isso os monges do lugar e membros da comunidade são procurados para oficiar essas ordenações na floresta.

Na noite antes do dia da cerimônia conversamos com o venerável Somkid, um monge com cerca de 40 anos que foi criado naquela região. Ele sentou na beirada da plataforma sobre a qual conduz os serviços para aquela pequena comunidade de cerca de mil pessoas. O templo era um prédio simples de concreto, com dois lados abertos.

- Quando eu era criança esse rio era caudaloso - disse ele, apontando para o leito agora seco do rio que corria ao lado do templo. - Havia bagres, vinte tipos de crustáceos e muitas enguias. Na floresta costumávamos ver cervos, macacos, ursos, java-lis... acabou tudo.

Ele estava combinando sabedoria budista com o que tinha aprendido no programa de administração ambiental que cursava na Universidade de Chiang Mai. Mas reconheceu que era uma

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batalha, tanto o movimento como o lado pessoal. Do lado positivo, apesar de ser difícil encontrar estatísticas, ele sentia uma consciência cada vez maior e um reflorestamento lento. Mas suas atividades estavam provocando desarmonia. Havia disputas e desentendimentos com os representantes das agências do governo na comunidade local. Não davam informações. Ele suspeitava que estavam mentindo. Havia tensão. Viver a vida de acordo com os princípios budistas não era fácil. Não fazer mal a uma pessoa pode significar o mal para outra pessoa. Às vezes quando alguém vence, outro pode perder. Mas o monge acrescentou que para o bem daquele povo e dos outros seres vivos dali, fazer nada não era uma opção.



Aquela noite, depois do jantar e de uma bela apresentação de jovens dançarinos e músicos populares, Steve e eu carregamos o equipamento de fotografia dele e nossas malas por uma trilha até nossas "acomodações". Pus essa palavra entre aspas porque mais cedo tinham nos mostrado onde íamos dormir: um prédio de concreto que parecia em obras ainda. Não havia nenhuma peça de mobília nos dois andares da casa. íamos dormir num pequeno quarto ao lado de outro bem maior no segundo andar. Fiquei olhando para o chão de cimento duro e nu, para a lâmpada que pendia do teto, para o banheiro nada sanitário no primeiro andar, para as janelas que não tinham cortinas ou venezianas... nem vidro. Dei um tapa no meu pescoço e matei um mosquito, sem nem me preocupar com as 10 mil outras vidas com quem agora estava em débito por causa daquele simples movimento reflexo. Nossas camas eram... nada. Disseram que umas esteiras de palha seriam providenciadas mais tarde, mas eu não tinha tanta certeza de que iam se materializar. E enquanto eu procurava ser grato pelas pequenas coisas, e até pela coisa grande, que eu continuava lá, ainda cumprindo a missão da minha vida, ainda fazendo as boas ações do Buda, com as costas ainda suportando tudo aquilo, aqueles antigos mantras inspirados no Eminem, de automotiva-ção, tinham se deteriorado e se transformado em uma cantilena incessante que quicava de um ouvido para outro dentro do meu cérebro cansado. Meu novo mantra: "Que porra de pesadelo!"

Agora, caminhando para esse dormitório, eu me arrastava atrás de Steve, o intrépido fotógrafo que me regalara com histórias

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em todas as cinco horas da nossa viagem de carro de Chiang Mai até Pong Kam, sobre suas aventuras pelo mundo, flanando nas florestas do Laos e do Camboja, quase sendo preso no Afeganistão quando procurava a menina que tornou famosa, das muitas vezes que pôs sua vida em perigo por uma boa foto. Esse tipo de coisa era a praia dele, eu imaginava. Ele estava em seu elemento. Por isso mantive a minha boca fechada, enquanto aquele mantra martelava meus ouvidos ruidosamente.



Então ouvi Steve resmungar com um sussurro de palco, bastante alto para que só eu ouvisse.

- Que porra de pesadelo - ele disse... ele disse isso!

E eu fiquei realmente nervoso. Se o Grande Steve McCurry chamava aquilo de "porra de pesadelo", era porque devia ser uma porra de um pesadelo, ainda pior do que eu tinha imaginado na minha humilde mente. E isso não me serviu de consolo algum. Mas me deu uma visão diferente do sr. McCurry. Talvez houvesse uma alma sensível e vulnerável à espreita por baixo daquele verniz de "fotojornalista veterano".

Aquela noite teria sido um pesadelo, se eu tivesse conseguido dormir e sonhar com alguma coisa. Mas como se pode ter pesadelos ficando acordado a noite inteira, estapeando mosquitos reais ou imaginários? Eram esses mosquitos mentais que levavam a melhor em noites como essa, em que ficamos entregues aos nossos próprios fluidos neuróticos. Será que eu encontraria um mediador na China? Como é que eu ia poder condensar essa expedição global em um artigo com cinco mil palavras? Será que eu seria justo com todas as pessoas que havia entrevistado, com o próprio Buda? Ou será que ia mais uma vez ser bem-sucedido em engabelar todo mundo, cegando a todos com uma exibição de palavras vistosas para distraí-los da conclusão de que eu havia dominado sem sucesso algum esse material? E se eu tivesse de levantar para mijar? Eca... aquele banheiro! Será que um dia encontraria um amor duradouro? Esqueça a felicidade. .. será que eu um dia ia parar de me martirizar tanto? E a manhã que não chegava nunca?

Se eu não estivesse tão dominado pelo pânico, teria ficado maravilhado com a minha capacidade mental de desenrolar uma série tão estonteante de falsas ilações. Uma ilha minúscula de

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consolo que surgia naquele oceano de obsessão pessoal provou até que ponto de desespero uma mente pode chegar em situações calamitosas. Eu me vi na noite seguinte de volta a Bangcoc, mais uma vez no Four Seasons, de novo naquela cama luxuosa, enrolado nos lençóis de quatrocentos fios de linho, no quarto tão frio por causa do ar-condicionado que eu teria de me cobrir com o cobertor macio... resumindo, de volta para onde era o meu lugar. Uma hora antes da que planejávamos acordar, finalmente, me sentei e me permiti descarregar minhas farpas emocionais naquele chão duro e úmido. Quando Steve se levantou (eu nunca perguntei como tinha dormido), reunimos o grupo e nos congregamos à beira de uma floresta a algumas centenas de metros dos fundos do templo. Adolescentes que participavam de um fim de semana de educação cultural patrocinada pelo monge responsável também foram convidados. Na clareira tinham posto um longo tapete oriental. Uma dúzia de monges, jovens e velhos, chegaram em fila e sentaram em fila no tapete. Uma estátua de Buda foi posta cuidadosamente ao lado do venerável Somkid. Amarraram uma fita em volta das árvores, depois em volta do Buda, e em volta dos pulsos dos monges e depois nas pessoas que assistiam - ficamos todos conectados uns com os outros. Prejudicar um é prejudicar a todos. Essa era uma demonstração gráfica do princípio budista da natureza inter-relacionada de todas as coisas. Somos todos interligados ininterruptamente em um organismo vivo.

Amarraram panos amarelos em algumas árvores. Os monges ficaram 45 minutos entoando cânticos na tradicional língua pali. Eu só conseguia entender o que já era familiar agora, a repetição dos Três Refúgios de Buda: "Eu me refugio no Buda, eu me refugio no Dhamma, eu me refugio na Sangha."

O nevoeiro que nos cobriu se dissipou a tempo para Steve tirar suas fotografias. Enquanto esperava por ele, um monge tímido se aproximou de mim e me entregou um livreto contendo versos de um texto budista. Estranhamente estava em inglês, uma raridade naquela região remota. Eu li:

"Para começar com as palavras do próprio Buda, encontramos isto nas Palavras Graduais: Aquele que tem compreensão e grande sabedoria não pensa em se prejudicar, nem prejudicar os

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"Monges ecológicos" no nordeste da Tailândia ordenam simbolicamente as árvores com faixas amarelas para protegê-las de serem cortadas pelos interesses ilegais de madeireiras.

outros, nem a qualquer um. Em vez disso, ele pensa no próprio bem-estar, no dos outros e no bem-estar do mundo inteiro. Desse modo demonstra compreensão e grande sabedoria. — Anguttara Nikaya, Fours, n? 18."

Anguttara Nikaya é parte de uma coleção de discursos chamada de Sutta Pitaka, atribuída ao Buda e a alguns poucos dos seus discípulos mais próximos, escrita em pali, contém os ensinamentos centrais do budismo theravada.

Embora apreciasse a idéia, essa literatura budista metida a intelectual costumava tornar meus olhos vidrados. Era o tipo de baboseira budista que eu lia na cama como remédio para a insônia lá nos Estados Unidos antes de partir nessa viagem. Mas agora, enfatizada pelo doce perfume das árvores, pela névoa úmida no rosto, pelos sons dos gorjeios dos passarinhos, a urgência da necessidade daquela comunidade, aquela "grande sabedoria", começava a penetrar no meu crânio duro.

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Sem levar em conta meu verdejante romantismo, meu crânio duro não me deixava derreter quixotescamente demais diante dos fatos. O melhor registro que posso fazer sobre o sucesso das cerimônias de ordenação das árvores é anedótico, como a sensação do venerável Somkid de que as florestas estão lentamente se recuperando. Estatísticas do Departamento de Reflorestamento da Tailândia se reportam apenas até 1995, e nó mundo bizantino da burocracia tailandesa, encontrar uma autoridade à qual possamos atribuir qualquer coisa era impossível. Mas essas ações servem a vários propósitos positivos, de acordo com Susan M. Darlington, antropóloga do Hampshire College em Massachusetts, que vem acompanhando o sucesso dos monges ecológicos desde o início dos anos 90. Na edição do ano 2000 do JournalofBuddhist Ethics {Diário da Ética Budista), ela escreve: "Primeiro, a ação chama atenção para a ameaça do desmatamento. Segundo, o ritual oferece uma oportunidade para os monges ecológicos e os leigos que trabalham com eles (predominantemente ambientalistas não governamentais e agentes de desenvolvimento) de explicar o impacto da destruição ambiental, e o valor e os meios de conservar a natureza. E finalizando, os monges usam o ritual para ensinar o Dhamma e para enfatizar sua relevância num mundo que se transforma rapidamente."



No seu trabalho "Rethinking Buddhism and Development: The Emergence of Environmentalist Monks in Thailand" ("Repensar o budismo e o desenvolvimento: a emergência dos monges ambientalistas na Tailândia"), Darlington acrescenta: "O impacto... talvez seja impossível avaliar, mas ninguém pode negar o potencial do ativismo deles em desafiar os budistas tailandeses a repensar sua religião, sua sociedade e o seu lugar, tanto no mundo político como no mundo da natureza."

Chamávamos tais atos de conscientização lá atrás nos anos 60 e 70 e, graveto por graveto, conseguimos depois de um tempo fazer a diferença: reverter as leis racistas, acabar com uma guerra, impulsionar a revolução sexual. O Buda disse: "Uma caneca se enche gota a gota." Eu esperava a mesma coisa daquele movimento popular, com o passar do tempo.

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PARA ONDE QUER QUE VÁ, É LÁ QUE VOCÊ ESTÁ... MESMO EM HONG KONG




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