Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



Yüklə 1,47 Mb.
səhifə32/64
tarix03.01.2022
ölçüsü1,47 Mb.
#41617
1   ...   28   29   30   31   32   33   34   35   ...   64
to"*)

Os esforços e atos criativos e imaginativos de cada um de nós contam, e nada menos do que a saúde do mundo está em jogo. Poderíamos dizer que o mundo está literal e metaforicamente morrendo por nós como espécie para que recuperemos a razão, e a hora é agora.

- Jon Kabat-Zinn, Corning to Our Senses: Healing Ourselves and the World Through Mindfulness



Existe um orientalismo no pioneiro mais inquieto e o ponto mais distante do oeste é o mais distante do leste.

- HENRY David THOREAU, A Week on the Concord and Merrimack Rivers

O biólogo molecular Jon Kabat-Zinn, fundador da Clínica de Redução de Estresse na Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts em Worcester, havia sugerido que eu parasse em Hong Kong para conhecer uma psicóloga clínica chinesa chamada Helen Ma. Ela tinha ido da sua casa em Hong Kong para Worcester para fazer um curso intensivo de oito semanas ministrado por ele de Redução do Estresse pela Consciência Plena (MBSR). Ela então voltou para Hong Kong para introduzir o curso lá. Ele disse que ela era um bom exemplo de uma tendência que eu havia identificado.

Ao mesmo tempo que se assume em geral e com razão que as idéias do budismo chegaram ao Ocidente vindos do Oriente,

175

pareceria quase contrário ao que intuímos, quase herético e certamente desrespeitoso para os antigos sábios asiáticos, sugerir que a mesma sabedoria, apesar de ter uma nova embalagem, estava sendo passada do Ocidente de volta para o Oriente. E, além disso, que em alguns casos esses ventos contrários lançando sementes em direção ao leste estariam fazendo renascer um jardim budista na Ásia que tinha praticamente murchado e secado. No entanto as minhas experiências e conversas corroboravam a minha idéia de que essa migração Ocidente-Oriente do budismo existiu — a faculdade tailandesa, que trouxe de volta a educação contemplativa de Boulder para Bangcoc; Shantum Seth, que teve de ir para a Califórnia para encontrar o budismo que estava embaixo do nariz dele na índia; e agora Helen Ma.



Superficialmente isso soa chauvinista na mesma hora: a presunção etnocêntrica dos ocidentais (e aqui me refiro principalmente aos norte-americanos) de pensar que eles têm alguma coisa a dizer para os asiáticos sobre uma prática que está na cultura deles há dois mil anos. Absurdo e ofensivo. Isso seria igual ao momento constrangedor em que o filho supera o pai, ou quando o discípulo se torna mestre do mestre. E se o Karatê Kid virasse para o sr. Miyagi e dissesse: "Não, é passa a graxa, mão esquerda; dá brilho, mão direita"?

Na verdade, se não fosse por alguns ocidentais nos séculos XVIII e XIX, a história budista poderia estar langorosamente escondida sob montes de terra e de mato, uma idéia cujo tempo tinha chegado e acabado.

Em seu excelente livro de 2002, The Buddha and the Sahibs, o historiador inglês Charles Allen descreve "orientalistas" do século XVIII como um termo que hoje está carregado de arrogância ocidental-cêntrica que se referia a europeus versados em línguas, literatura e especialmente arqueologia oriental.

"A terra que havia gerado o Buda histórico e a origem das mais antigas civilizações budistas tinha sido tão bem varrida que os primeiros orientalistas não podiam ver qualquer traço de budismo no solo indiano", ele escreve. Esses orientalistas "deram início à recuperação do passado perdido do sul da Ásia.

descoberta do budismo pelos europeus e a subseqüente ressurgência do budismo na Ásia meridional nasceu diretamente das atividades deles". Esse livro, ele escreve logo na introdução, "conta como a pessoa de Gautama Buda, príncipe do clã Sakya, e a fé que ele inspirou, foram 'descobertos' no século XIX por um pequeno grupo de ocidentais e recuperados - não apenas para a índia, mas para o mundo todo". Entre as descobertas na índia, atribuídas a esses orientalistas, estava a escavação e o conserto do templo Maha-bodhi em Bodh Gaya em meados dos anos 1800.

Mais ou menos na mesma época houve também o caso do oficial nortista aposentado da Guerra Civil dos Estados Unidos que se chamava Henry Steel Olcott, que hoje trabalha para o governo em investigações de fraudes, corrupção e suborno no Mustering and Disbursement Office em Nova York. Ao investigar relatórios de "certos fenômenos incríveis" de natureza oculta numa fazenda em Chittenden, Vermont, ele conheceu lá uma russa excêntrica que morava em Nova York chamada madame Helena Petrovna Blavatsky, de quem também diziam ter certos poderes psíquicos e certa sabedoria esotérica, da qual deixava escapar "pistas dos ensinamentos da Doutrina Secreta da escola mais antiga de filosofia do ocultismo do mundo, uma escola reformista na qual o Senhor Gautama foi invocado e apareceu", como escreve Rick Fields em How the Swans Carne to the Lake (Como os cisnes chegaram ao lago), pesquisa exaustiva sobre o movimento budista no Ocidente. Juntos e com outros eles fundaram a Sociedade Teosófica em 1875 (que ainda possui sede internacional em Chennai, na índia; e um centro nos Estados Unidos, em Wheaton, Illinois). Resumindo um longo e fascinante capítulo sobre o encantamento da América no século XIX com o espiritualismo do tipo ocultismo, a dupla mudou-se para a índia para estabelecer sua sociedade lá em 1879. Depois, quando souberam que o budismo cingalês estava sob ataque e enfraquecendo sob a pesada influência missionária cristã das três ondas sucessivas do colonialismo português, holandês e inglês, foram para o sul em 1880. Numa cerimônia diante de um padre budista, repetiram os cinco votos budistas de abstinência (os cinco preceitos de se abster de matar, mentir, roubar, consu-

177

mir drogas e praticar desvios sexuais) e recitaram os Três Refúgios, tornando-se os primeiros ocidentais conhecidos oficialmente convertidos ao budismo laico. Em seguida começaram a agitar toda a comunidade budista da ilha, ajudaram a criar escolas, comitês de defesa e muito mais. "Para os cingaleses parecia que os teosofistas norte-americanos tinham restaurado sozinhos a religião e a cultura deles para eles", escreve Fields.



Entre muitos outros, eles tomaram sob seus cuidados um adolescente de Colombo. Esse protegido, David Hewivitarne, mais tarde fez os votos completos de um bhikku, assumiu o nome de Anagarika Dharmapala, pelo qual é conhecido por milhões de budistas no Sri Lanka e em outros países também, como o primeiro santo budista moderno do sul da Ásia. Um tempo depois Dharmapala leu um artigo sobre o estado decadente de certos locais de peregrinação budista na índia, escrito por mais um ocidental que despertou interesse pelo budismo no Ocidente. Era Sir Edwin Arnold, autor de The Light ofAsia {A luz da Ásia), livro que foi publicado pela primeira vez em 1879 e que é muitas vezes considerado responsável pela apresentação da vida do Buda para as multidões do Ocidente. Inspirado nesse artigo, o monge cinga-lês fundou a Sociedade Maha Bodhi de Bodh Gaya em Colombo em 1891 com "um objetivo primordial: devolver Bodh Gaya aos budistas do mundo", escreve Fields. A Sociedade Maha Bodhi que visitei em Bodh Gaya é resultado desse esforço dele e essa obra, por sua vez, se deve ao grupo de vanguarda dos seguidores ocidentais de Buda. Dharmapala também estava presente na vanguarda do movimento do budismo engajado, expressando suas idéias em 1928 no Maha Bodhi Journal:

As distinções aristocráticas de castas que foram organizadas pelos brâmanes, Ele [o Buda] repudiou como injustas. Foi a ética da democracia espiritual que Ele enunciou. A felicidade podia ser concretizada aqui, não com sacrifícios para os deuses, orações para obtenção de bens materiais, e sim com incessante atividade fazendo o bem ajudando os doentes, tanto os animais como os homens, dando água pura para beber, distribuindo roupas, alimentos, flores,

178

ervas aromáticas, perfumes, veículos, para os pobres, e construindo casas para eles morarem, e ensinando a lei da retidão.



Chauvinista ou não, o relacionamento do dr. Kabat-Zinn com Helen Ma era apenas o mais recente exemplo de como as sementes budistas sopradas do leste para o oeste e de volta para o leste faziam parte de uma polinização cruzada que vem criando híbridos há séculos, se não há milênios.

A própria Hong Kong era um território que ficava entre o leste e o oeste quando a dra. Ma nasceu lá em 1959. Hong Kong absorveu algumas ondas de imigração da China continental, desde a Idade da Pedra, de acordo com artefatos neolíticos encontrados por arqueólogos na década de 1920. O território foi colonizado pelos chineses Han no século VII d.C, o que ficou evidenciado pela descoberta de uma tumba antiga em Lei Cheung Uk em Kowloon. E outros foram para lá na dinastia Sung (960-1279). Mas nos últimos trezentos anos foi a invasão inglesa que marcou a Hong Kong de hoje. Logo depois da primeira viagem por mar bem-sucedida da Companhia Britânica das índias Orientais para a China em 1699, o comércio de Hong Kong com os mercadores ingleses desenvolveu-se rapidamente. Depois da derrota dos chineses na Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), Hong Kong foi cedida à Grã-Bretanha em 1842 sob o Tratado de Nanjing. À Inglaterra foi dada a concessão perpétua da península de Kowloon sob a Convenção de Beijing de 1860, que encerrou formalmente as hostilidades na Segunda Guerra do Ópio (1856-1858). O Reino Unido, preocupado com o fato de Hong Kong não poder ser defendida a menos que a área em torno também estivesse sob o controle britânico, executou um arrendamento por 99 anos dos Novos Territórios em 1898, expandindo consideravelmente o tamanho da colônia Hong Kong.

No fim do século XIX e início do século XX, Hong Kong se desenvolveu como armazém e centro de distribuição para o comércio do Reino Unido com a China meridional. Depois que a Segunda Guerra Mundial terminou e houve a tomada da China

179


continental pelos comunistas em 1949, centenas de milhares de pessoas fugiram da China para Hong Kong. Hong Kong então tornou-se um sucesso econômico e centro industrial, comercial, financeiro e turístico. Em resumo, esse grupo de duzentas ilhas tinha se tornado o portal para o Oriente. Elevado índice de expectativa de vida, alfabetização, renda per capita e outros índices socioeconômicos atestam as conquistas de Hong Kong nas últimas cinco décadas. Mas também entre esse indicadores socioeconômicos houve um aumento de estresse, divórcios, suicídios -fatores mais característicos do estilo de vida ocidental. Portanto não foi nenhuma surpresa para mim que as ferramentas para redução do estresse pudessem agora estar entre os novos produtos importados de maior sucesso em Hong Kong.

Os pais de Helen vieram para Hong Kong durante a ocupação japonesa da China no final da década de 1930, mas o toque de inglês britânico no sotaque dela, suas credenciais acadêmicas ocidentais e suas tendências a uma vida mais secular sugeriam que ela já tinha dado uma guinada na direção do Ocidente. Em termos de educação religiosa, ela descrevia os pais como budistas seculares.

- Eles faziam fila com os outros nos templos durante o Festival Guan Yin, para queimar incenso e rezar para o Buda da Compaixão, mas fora isso era uma mistura de folclore, confucio-nismo e taoísmo - explicou ela. - Não havia prática budista, nem leitura, nem cânticos. O espírito do budismo é compreendido no nível mais popular aqui.

Estávamos sentados numa imitação de café italiano na aldeia Stanley à beira-mar na ilha de Hong Kong, perto de onde ela morava. O local de encontro, combinado por ser mais conveniente para ela, era muito apropriado e eu não esperava que fosse tanto. O café ficava na Murray House, uma das construções vitorianas mais antigas de Hong Kong, construída em 1844 pelo exército britânico. Durante a Segunda Guerra Mundial foi o quartel-general do exército japonês. Mais tarde foi transportada tijolo por tijolo para aquele lugar e reaberta em 1998 como sede de alguns restaurantes ocidentais. Será que os pais de Helen ficariam ofendidos pelo fato de a filha pôr os pés num prédio que já

180

tinha sido ocupado pelos japoneses, que os forçaram a abandonar seus lares na China continental? Será que essa ironia histórica tinha passado pela cabeça de Helen? Parecia que não.



Tendo estudado em escolas católicas por 13 anos, simplesmente porque o ensino era melhor do que nas escolas budistas ou não religiosas, era natural que quando queria se afastar de tudo ela procurasse refúgio nos centros católicos. Helen recebeu seu Ph.D. em psicologia clínica na Universidade de Cambridge no Reino Unido. Mudou-se para Sidney em 1990, onde trabalhou na unidade psiquiátrica do Hospital Royal Prince Alfred em Sidney. Foi o apelo da visão pura das montanhas Azuis na periferia de Sidney que a levou ao centro de retiro, onde, para sua surpresa, a técnica que ensinavam lá era meditação vipassana.

- Psicoterapia era útil, mas ainda havia mais alguma coisa que eu queria descobrir... uma resposta definitiva - disse ela. - Com a vipassana consegui isso. Foi maravilhoso para o meu estresse e pensamentos depressivos. Mas como podia integrar esse aspecto espiritual com os meus clientes?

Intuitivamente ela percebeu que havia uma sobreposição, mas agora, educada com a mentalidade ocidental, não estava disposta a enveredar por outra possibilidade sem alguma prova empírica. Não sei de que célula dormente do meu cérebro saiu essa frase, mas eu disse:

- Fé é uma ótima invenção para os cavalheiros, sabe, mas microscópios são recursos prudentes em uma emergência.

Era minha compatriota de Massachusetts Emily Dickinson, poesia do tempo de colégio, decorada e agora regurgitada como um Dhamma budista. A dra. Ma não conhecia a minha adorada Emily, mas meneou a cabeça concordando.

Ela voltou para Hong Kong em 1996 e agora o trabalho em asilos fez com que "sentisse mais ainda que o psicológico e o espiritual são entrelaçados", ela disse.

- Vendo as pessoas nos leitos sofrendo, lutando mental e fisicamente, era difícil determinar onde um termina e o outro começa. "Para onde eu vou?", eles perguntavam. Como é que se responde a isso?

181
Ela encontrou uma resposta clínica possível numa fita com a gravação do show de Bill Moyers Healing and the Mind (A cura e a mente) que tinha o dr. Kabat-Zinn e o programa MBSR da Universidade de Massachusetts em Worcester. Lembrava-se de uma frase daquela fita que era especialmente emocionante para ela. O dr. Kabat-Zinn perguntou para uma mulher que sofria de dores crônicas: "Quer passar de existir para viver?" Ela percebeu que ele tinha aquela chave que ela ainda não tinha encontrado. E importante também era o fato de ele ter a pesquisa publicada para provar que aquela chave abria algumas portas que ela não conseguia abrir. Pareceu coerente para mim que já que as portas para a sabedoria budista na Ásia tinham sido fechadas pelas atitudes empíricas ocidentais, que agora fosse uma ocidental, com embasamento empírico, que encontrasse uma chave para abri-las de novo.

- Toe, toe.

- Quem é?

- O Buda.

- Buda quem?

- O quê? Você não me reconheceu com meu jaleco branco?

O Conselho de Turismo de Hong Kong me deu uma brochura com propaganda do que a cidade tinha de melhor: o maior receptor de investimento estrangeiro direto da Ásia, o décimo centro bancário e financeiro do mundo, principal eixo da região das empresas multinacionais estrangeiras, décimo quarto destino de viagem mais procurado da Ásia, onde ficavam três dos prédios mais altos do mundo, a mais alta fábrica de refrigerantes do mundo (a Coca-Cola, é claro), a escada rolante interna mais longa do mundo (segundo o Guiness World Records). E de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas de 2001, tinha o maior número de telefones celulares do mundo (64 de cada cem pessoas).

Obscurecido por tudo isso mencionado no parágrafo anterior, havia esse factóide: Hong Kong se vangloriava de ter a maior estátua de bronze do Buda sentado ao ar livre, com 26 metros, na

182


ilha Lantau, um projeto de dez anos terminado em 1993. Isso me deu uma idéia. Se eu pudesse construir um Buda inédito, definir um nicho muito esotérico como "o único Buda de silly putty [massa de vidraceiro maluca] plantando bananeira no retorno 145 do Garden State Parkway"... meu Buda e eu poderíamos entrar para o Guinness Book of World Records.

O hotel que o conselho de turismo tinha me ajudado a encontrar, o Miramar, no coração do centro apinhado de Hong Kong, era imenso e como prova da pujança comercial da cidade, a ocupação era de cem por cento. E parecia que todos os hóspedes fumavam... e fumavam por toda parte. Isso era um fato. Só no meu andar, todas as portas dos quartos estavam entreabertas. Dentro deles havia grupos de duas, três, quatro pessoas, sentadas nas camas, de pé com copos de bebida na mão, rindo e, é claro, fumando. Eu tinha pedido com antecedência um quarto de não fumante. O e-mail que me enviaram como resposta praticamente riu na minha cara; eu poderia ter pedido vodca corrente quente e fria nas torneiras. Até meu travesseiro fedia a fumaça de cigarro. Dias depois de sair de Hong Kong o fedor continuou grudado nos pelinhos do meu nariz. Para escapar, bati em retirada para um restaurante e bar no térreo do Miramar que me fez lembrar de um restaurante da cadeia Ruby Tuesday. Claro que não houve como fugir da fumaceira. Mas o restaurante tinha muitas ofertas. Se pedisse dois drinques, podia usar a Internet para verificar meu e-mail. Por isso deixei a fumaça entrar nos meus olhos... assim como no meu nariz, nos ouvidos e na garganta... enquanto tomava um porre de boilermakers [cerveja com uísque] e ainda tentava entrar em contato virtual com um bom intermediário na China. Estava ficando desesperado. Seria previsão de coisas ruins que iam acontecer na Terra do Gigante Adormecido? A minha abordagem jornalística zen corria o risco de sair pela culatra e me atingir. Onde estava o falecido Hunter Thompson quando eu mais precisava dele?

— As pessoas estão ficando mais ricas, mas não mais felizes aqui - tinha dito a dra. Ma. - Hong Kong está ficando faminta de algo espiritual.

183


Isso, disse ela, explicava a sua impressão de que nas duas últimas décadas surgiram mais centros de meditação. E também o fato de que agora há uma "prova". Ela usava a palavra "prova" com bastante freqüência.

- Intelectuais e jovens que se expuseram ao Ocidente consideram atraente esse budismo com embalagem nova, que não se trata mais de superstição, ou apenas de ser uma pessoa boa - disse ela. — Há provas acadêmicas de que funciona e que tem aplicações práticas.

Paralelo ao aumento da pesquisa que o dr. Kabat-Zinn e sua equipe norte-americana publicaram em boletins e edições profissionais, a dra. Ma e seus colegas acrescentaram provas empíricas. Num estudo registrado em 2004 no Journal of Consulting and Clinicai Psychology, ela e o psicólogo John Teasdale, de Cam-bridge, Inglaterra, testaram a capacidade da Terapia Cognitiva Baseada na Consciência Plena (MBCT) de reduzir o risco da recorrência da depressão grave nos pacientes. A MBCT, uma variação da MBSR, reduziu o índice de 78 por cento para 36 por cento nas pessoas que tiveram três ou mais episódios de relapso.

O Centro de Saúde Comportamental da Universidade de Hong Kong, onde a dra. Ma é uma das psicólogas que lideram sessões de dez semanas de MBSR, também conduziu suas próprias pesquisas.

— Agora há muito interesse nisso — disse ela. — Acho que parte desse interesse provém do fato de não haver conotações religiosas. Digo para os participantes que vem da tradição budista, mas que foi comprovado no Ocidente que é uma técnica muito eficiente para reduzir o estresse. "Redução do estresse" soa muito psicológico.

Ela me disse que na véspera havia recebido um e-mail do diretor de um comitê de medicina paliativa da Autoridade Hospitalar, agência do governo de Hong Kong, pedindo para ela dar um curso de MBSR para médicos. Outro pedido chegou de um psicólogo clínico de um centro de saúde comunitário para que ela organizasse uma sessão de dez dias para pacientes com doenças crônicas. Havia "prova" de que aquela coisa estava criando raízes, ou recriando.

184

* *

No dia seguinte tive a oportunidade de assistir a uma sessão no Centro de Saúde Comportamental. A psicóloga Peta McAuley, da Austrália, que vivia em Hong Kong há 25 anos, conduziu a sessão que eu vi. Ela também tinha feito o curso de MBSR em Worcester.

- Tenho de agradecer àqueles ianques — disse ela. - Quando os norte-americanos fazem alguma coisa, fazem muito bem.

Ela disse isso quase com hostilidade. Já suportava bastante patriotismo norte-americano que dava de sobra para nós dois.

A dra. McAuley e eu conversamos antes da sessão. Ela quis que eu soubesse que vipassana não era sua primeira experiência budista. Tinha se envolvido durante sete anos com a Nichiren Shoshu, uma seita japonesa budista. O fundador da seita, um padre do século XIII chamado Nichiren Daishonin, acreditava que qualquer pessoa pode atingir a iluminação entoando como cântico certa frase da Lótus Sutra, uma das sagradas escrituras budistas mais influentes. Eu conhecia essa seita. Acontece que foi o primeiro encontro que minha ex-mulher íris e eu tivemos com o budismo quando morávamos em Boston. Foi em 1973, ainda não tínhamos ido para a índia, e foi uma decepção completa. As pessoas se reuniam numa casa em Beacon Hill que tinha se convertido em templo. Todas sentavam no chão de uma sala comprida, de cara para a parede e para uma comprida folha de papel branco pendurada na vertical, com caracteres japoneses. E entoavam essa frase sem parar - Nam-myoho-renge-kyo ("louvado seja a maravilhosa Lótus Sutra"). As palavras se misturavam numa ladainha baixa e quase triste. As pessoas pareciam robôs. Aquela cena nos pareceu de um culto.

- O budismo não é a nossa praia - acho que foi assim que nos expressamos.

Afinal de contas, estávamos em 1973.

Procurei deixar a minha "agressividade" de lado quando a dra. McAuley explicou uma teoria muito interessante sobre a diferença que há entre o budismo do Oriente e o do Ocidente. Segundo os próprios estudos que fez, com cruzamento cultural, ela disse:

185

- Está claro que os norte-americanos são mais extrovertidos e ambiciosos do que os chineses, e os chineses são mais introvertidos e procuram evitar conflitos.



"Harmonia é o nome do jogo aqui — disse ela. — Jung acreditava que a psique busca o próprio equilíbrio."

É por isso que os norte-americanos são mais atraídos pela prática interior da meditação, enquanto que os asiáticos tendem a se empenhar mais nos cânticos, na queima de incenso e nas saudações com o corpo curvado. Eu não tinha ouvido essa análise antes e me pareceu bastante precisa. Exceto que a sua teoria não combinava nada com ela. Os australianos em geral são pessoas muito abertas, extrovertidas. Então por que ela havia gravitado para uma prática de cânticos? A dra. McAuley não tinha explicação para isso e perguntou se eu, com base nas minhas viagens, tinha alguma. Isso me assustou. As pessoas me viam como uma autoridade em budismo? Bem, qualquer coisa é possível, como diria o mestre Eminem.

- Vou meditar sobre isso - brinquei, mas acho que ela não entendeu.

Fomos então para o que devia ser uma sala que servia para tudo na nova ala de qualquer igreja norte-americana: tecido industrial cinza cobrindo as paredes, divisórias combinando, nenhuma circulação de ar digna de nota, cadeiras de metal empilhadas nos cantos. Tinha tanta personalidade quanto a sala de espera de um consultório de dentista... não... menos. Almofadas formavam um círculo no meio da sala. Era o final de um dia de trabalho e as pessoas chegavam cansadas: a dona de casa chinesa, a universitária, o marido indiano que trabalhava na filial de Hong Kong de alguma multinacional com sede em Nova York. Umas oito pessoas ao todo, primeiro sentamos e meditamos 15 minutos mais ou menos. Era provavelmente a primeira vez que eu sentava tanto tempo seguido desde a índia. Foi como se estivesse de novo na sela. Abhh, a dor e o prazer daquilo tudo. Tive uma sensação que crescia lentamente, que sentar daquele jeito com qualquer grupo, em qualquer lugar, de qualquer origem, era isso a minha Sangha. A respiração, o momento, o saber compartilhado de que aquelas pessoas também estavam batalhando para encontrar algum modo

186

de domar a fera selvagem que convenientemente chamamos de mente, buscando um pouco de paz de espírito - é isso que a Sangha oferece. Essa foi uma compreensão tão simples, obtida num cenário tão improvável, que me marcou e nunca mais me abandonou.



As mulheres enfrentavam os papéis dos gêneros. Diversas

vezes ouvi a frase "a boa________chinesa" (preencha a lacuna

assim: esposa, filha, mãe). Os homens tinham problema com os seus papéis, principalmente com o de provedor. A história do cavalheiro indiano me tocou. Não costumo me identificar com qualquer um cujo título no cartão de visita inclua "multinacional", mas esse homem de repente virou um companheiro de trincheira. Nós dois sofríamos do mesmo mal, e achei que não estávamos sozinhos nisso. O que parecia uma desvantagem prosaica, uma distração insignificante das Coisas Muito Mais Importantes na Vida, estava se transformando numa epidemia na comunidade global que só fazia encolher. Vamos chamar de e-mail-ite. Não que eu sofresse de severos ataques de pânico, como tinha sido diagnosticado o meu amigo indiano, mas nós tínhamos as mesmas causas de sofrimento, ou seja, a ignorância. De quê? No meu caso era a ignorância em relação ao fato de que realmente não importa o quanto eu me preocupo, ou planejo, ou arquiteto, ou qual é a minha estratégia para as mensagens por e-mail que recebo e envio. Ignorância em relação ao fato de que não importa quantas vezes eu leio e releio o e-mail, a mensagem oculta continuará indecifrável, o tom de voz e a inflexão inaudíveis. Ignorância com relação ao, ou simplesmente o esquecimento do fato de que, para a maioria das pessoas, teclar palavras numa tela parece sinistramente Escrever, com E maiúsculo, ato que gera um medo profundamente arraigado. Acima de tudo eu era ignorante do fato de que apesar de todos os meus esforços e boas intenções, os resultados das interações por e-mail dependem de algum fator x, onde o x representa tudo que está fora do meu controle e que, no final das contas, é tudo.

Nesse caso, como ele explicou, a coisa era mais simples ainda. Era a ignorância quanto à disposição mental dos executivos

187

sentados em cubículos apertados no centro de Manhattan, que enviavam e-mails para ele.



- Eu simplesmente não consigo descobrir o que eles querem ou o que devem estar pensando - confessou ele, praticamente aos prantos.

No entanto ele conseguia ficar a noite inteira acordado tentando decifrar o significado dos e-mails.

Aquilo pareceu bastante inócuo a princípio, mas quando ele descreveu um dia e uma noite na vida dele, eu me arrepiei porque me reconheci. Graças à diferença do fuso horário, a manhã dele era a noite do chefe. Por isso ele sabia que um e-mail enviado para Nova York de manhã não seria aberto o resto do seu horário de trabalho, enquanto que as transações financeiras estavam sendo feitas nos países asiáticos, transações que podiam pegar mal para ele. Então ele tinha de ficar o dia inteiro sofrendo e tentando prever. A noite, na hora de ir embora para casa e descansar, ele sabia que seu chefe estaria abrindo os e-mails dele e disparando missivas em resposta. E agora a ansiedade crescia e o indiano vivia um turbilhão de angústia que dava tontura, náusea, dores de cabeça, indigestão, insônia e provocava uma subida perigosa na sua pressão sangüínea. Sem poder dormir, ele ficava deitado acordado, só preocupação. Primeiro tentava se acalmar, como fazia sua mulher.

- Isso pode esperar até amanhã de manhã - ela procurava consolá-lo.

Mas era inevitável, era obsessivo, porque ele se levantava às duas da madrugada e verificava seus e-mails. Era uma situação de perder ou perder. Se recebesse más notícias, ficaria acordado o resto da noite bolando um plano de ação para reagir. Se recebesse boas notícias, ficaria eufórico e não conseguiria dormir. Mas o pior era não ter reação, ele disse. Era naquele vazio de conhecimento que criávamos nossos pesadelos, concluiu. Será que seu chefe estava tão furioso que tinha imprimido o e-mail e distribuído por todo o escritório de Nova York como exemplo risível de como não fazer negócios? Será que o chefe dele tinha sido despedido? Será que ele tinha sido despedido? Será que a firma tinha ido para o brejo da noite para o dia, como podia realmente

188


acontecer no mundo volátil das multinacionais, ou ter sido engolida numa frenética operação de fusão e aquisição? Será que o e-mail nem tinha chegado, será que ainda estava voando pelo espaço virtual? Então, de manhã, começava tudo de novo, aquele pega-pega. A ironia era que estando um dia adiantado na Ásia, ele estava sempre um dia atrasado em relação aos Estados Unidos.

Eu podia me identificar com ele. Tinha descoberto o mesmo problema, mas eu jogava dos dois lados. Eu enviava e-mails para o leste e o oeste, para zonas de fusos adiantados e atrasados nas horas. Era enviar e-mails hoje para alguém que os receberia ontem. E isso era possível mesmo!'Mas a tristeza disso é que milhões de pessoas devem passar por tortura semelhante em seus empregos por todo o mundo. E-mail é a glória e a desgraça da civilização moderna. Passei muito tempo maravilhado pensando como os jornalistas se viravam pelo mundo sem e-mails. Tinha dias em que me sentia prisioneiro da Internet. Além de nós todos sofrer-mos de sobrecarga de informação, essa expedição de informação também cria sobrecarga de urgência e aumenta a expectativa de uma resposta ainda mais urgente. Nossos batimentos cardíacos aceleram para acompanhar o ritmo. Se o Buda fosse realmente onisciente, ele teria ditado uma sutra inteira sobre o sofrimento que a Internet poderia provocar se não fosse tratada com a DoseCertadePaciencia.com.

O indiano disse que o programa MBSR estava ajudando. Ele era hinduísta e tinha antes encontrado consolo em seus cânticos diários. Mas essa doença emocional tinha eliminado o benefício até dessa prática. Só que agora, "a consciência plena está me ajudando a rezar menos distraído", disse ele.

Depois da sessão eu me surpreendi e surpreendi o indiano também, indo até ele e lhe dando um bom e velho abraço de urso americano de comiseração. Meus ouvidos ouviram minha boca dizer realmente isto:

- Eu sinto a sua dor, amigo.

Quando saímos trocamos cartões de visita.

- Mande um e-mail para mim um dia desses - disse eu, e nós dois sorrimos.

189


Obrigada pela sua mensagem. Estou procurando levar uma vida mais simples e mais equilibrada e agora só vejo meus e-mails de vez em quando, espero que você compreenda. Se a sua mensagem for urgente, por favor, tenha a bondade de me telefonar.

Se deseja ser lembrado de dar um tempo nessas horas que passa na frente do computador, talvez seja bom baixar o "mind-ful clock" do site http://www. mindfulnessdc. org/mindfulclock. html.


Yüklə 1,47 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   28   29   30   31   32   33   34   35   ...   64




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin