Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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uma das frondosas árvores da espécie que foi chamada de fícus religiosa, um tipo de figueira, o pipal, que enfeitavam o vale do rio Ganges até encontrar a resposta. Nos sete dias seguintes ele examinou sua forma de raciocinar para descobrir como e por que o homem muitas vezes criava o próprio sofrimento mental, de que maneira entrava em um estado de insatisfação constante que torturava seu ser e sabotava sua capacidade de ser feliz. De fato, ele operou a primeira sessão de psicanálise no mundo - consigo mesmo - alguns milhares de anos antes de Freud. E criou uma fórmula extraordinariamente simples. Não era baseada na fé, como nas outras religiões, mas em observação empírica, um sucinto silogismo - quatro pontos de raciocínio lógico - que ele chamou de Quatro Verdades Nobres:

1. Que existe sofrimento no mundo, mental ou físico.

2. Que há uma origem para esse sofrimento, que é uma ignorância fundamental da relação de causa e efeito de todos os atos, chamada carma.

3. Que eliminando a causa, se pode eliminar o sofrimento.

4. Que existe um método para eliminar essa causa, e esse método se chama de Caminho Óctuplo, uma bússola moral que leva a uma vida de sabedoria (visão correta, intenção correta), virtude (palavra correta, conduta correta, meio de vida correto) e disciplina mental (esforço correto, memória ou atenção correta, concentração correta).

Embaixo daquela árvore ele utilizou um método de investigação que exigia simplesmente prestar atenção à própria mente -mas uma atenção muito concentrada mesmo. Esse método, que é o centro da prática do Caminho Óctuplo do budismo, é a meditação. Apesar de a técnica variar em cada uma das muitas seitas do budismo - olhos fechados ou semicerrados, em silêncio ou entoando frases, sozinho ou em grupos, de frente para a parede ou para outras pessoas meditando -, quase todas começam com a atenção concentrada na sua respiração, a inspiração e a expiração. Não há nada de místico ou de outro mundo nisso, nenhuma

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levitação, nenhuma experiência extracorpórea. Cada vez que respiramos e soltamos o ar a nossa consciência se torna mais refinada, mais concentrada. Quando inspiramos... nos conscientizamos das sensações do nosso corpo e do órgão que mais nos distrai, o nosso cérebro. Quando soltamos o ar... sentimos uma liberação da tensão física e nos esforçamos para trazer nossa mente de volta para a nossa respiração. Inspirar... o ar faz coceira na ponta do nosso nariz. Expirar... a dor no joelho diminui, a mente ainda passeia. Inspirar... "Eu não devia estar fazendo algo mais útil com o meu tempo?" Expirar... "Quem era o 'eu' naquilo que pensei?" Com muita sutileza depois de um tempo passamos a compreender, às vezes com sofrimento, às vezes com alegria, aquilo que Siddhartha descobriu. "Nós somos o que pensamos", ele disse.

Ele saiu da sombra da árvore como o Buda, "o iluminado" ou "aquele que despertou". (A árvore hoje é conhecida como Arvore Bodhi e o nome que deram à espécie foi fícus religiosa.) Até sua morte, ele percorreu o corredor de centenas de quilômetros no que hoje estão os estados hindus de Bihar e Uttar Pradesh, espalhando suas descobertas a todos que estivessem dispostos a ouvir.

O Buda não pretendia que suas idéias se transformassem numa religião. Na verdade ele desencorajava seguir qualquer caminho ou os conselhos de qualquer pessoa, sem antes testar pessoalmente. Dizem que suas últimas palavras antes de morrer foram: "Encontre sua salvação individual; não dependa dos outros." Mesmo assim, alguns séculos depois da morte dele, o budismo já era uma religião e mais tarde uma das principais religiões da Ásia. Hoje, com 379 milhões de seguidores, é a quarta maior religião organizada do mundo. (O cristianismo tem 2,1 bilhões de seguidores, o islamismo 1,3 bilhão e o hinduísmo 870 milhões. A religião tradicional chinesa, que não é considerada organizada, tem aproximadamente 405 milhões de seguidores.) E tudo isso se originou de uma mente inquisitiva que simplesmente queria saber:

- Quem sou eu?

- Por que estou aqui?

- Como posso encontrar a felicidade?



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* *

O Buda não foi o primeiro a fazer essas perguntas. Esses mistérios mantiveram homens e mulheres acordados em torno de fogueiras nas cavernas e dos churrascos em quintais, desde aproximadamente oitocentos anos antes da Era Moderna. De fato ele estava entre os pensadores que formavam uma pequena patrulha avançada que despertaram do sono de sua civilização antiga numa era que foi apelidada de Era Axial, que obteve esse nome porque esses inovadores criaram o eixo em torno do qual os conceitos sobre a vida começaram a girar e não pararam mais até o noticiário de ontem à noite.

E incluíram os profetas hebreus da Palestina: Isaías (cerca 740 a.C), Jeremias (por volta de 600 a.C), Daniel (cerca 600 a.C.) e Ezequiel (cerca 570 a.C). O persa pai do zoroastrismo, Zoroastro, também era ativo nesse período (por volta de 600 a.C). Mahavira, fundador do jainismo, nasceu em 540 a.C. Na China os filósofos Confúcio e Lao-tzu (século VI a.C.) deixaram sua marca com o confucionismo e o taoísmo, respectivamente. O Ocidente produziu os sábios gregos, Sócrates (cerca 469-399 a.C.) e seu protegido Platão (cerca 427-327 a.C), e mais tarde Aristóteles (384-322 a.C), que nos deu o pensamento crítico e racional.

"A Era Axial marca o início da humanidade como conhecemos hoje", escreve Karen Armstrong, ex-freira que escreveu alguns livros sobre as religiões do mundo, em Buddha, uma das biografias mais agradáveis que pesquisei.

Ela fez parecer que foi o big bang de um homem racional, uma explosão de consciência de 800 para 200 a.C. que nos faz imaginar o que eles deviam adicionar à água potável na época e de que maneira podemos aproveitar isso agora.

"Num mundo que de repente se tornou estranho e desolado...", ela escreve, "um número cada vez maior de pessoas passou a achar que as práticas espirituais dos seus ancestrais não funcionavam mais para elas... que o mundo estava todo errado... que a experiência da mais completa impotência no mundo cruel as impelia a buscar o objetivo maior...



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"Os grandes sábios daquele tempo ensinaram aos seres humanos como enfrentar o sofrimento da vida, transcender suas fraquezas e defeitos, e viver em paz no meio deste mundo imperfeito", ela conclui. "Eles buscavam mais introspecção em sua vida espiritual."

O século V antes de Cristo foi um período de transição na índia. A índia da época de Buda não era uma unidade política e sim uma coleção de países independentes, que muitas vezes competiam uns com os outros pela supremacia. Antigas repúblicas tribais se desfaziam sob o impacto de reinados predatórios e autocratas. Não é surpresa, portanto, que houvessem guerras freqüentes por território com diversos níveis de intensidade.

As cidades estavam crescendo e ficando mais sofisticadas. As pessoas deixavam suas aldeias e terras no campo e seguiam em bandos para os centros urbanos. Com a formação dos estados monárquicos e as cidades capitais que viraram pólos de atividades mercantis, nasceu uma classe de latifundiários ausentes que viviam quase o tempo todo nas cidades, mas tinham vastas propriedades nas áreas rurais. Esses latifundiários ausentes são mencionados no texto pali (pali era a língua falada na região de Buda naquela época e que acabou se tornando a língua aceita das escrituras budistas). Também não é de se estranhar que o suborno e a corrupção fossem a regra na política.

A sociedade indiana era dividida muito nitidamente pelo sistema de castas. As pessoas das castas nasciam com já determinados o trabalho que iam fazer, seu status na sociedade, com quem iam se casar, onde iam morar e com quem podiam comer - na verdade, quase todos os aspectos da vida eram preestabelecidos. A casta mais elevada era a dos brâmanes, os sacerdotes hereditários do bramanismo, os educadores e estudiosos.

No bramanismo, religião predominante na época de Buda, havia um criador supremo chamado Brahma e muitos deuses menores: Aggi, o deus do fogo; Indra, o rei dos deuses; Yama, o rei do inferno ou da morte; Suriya, deus do sol; e outros. Mas havia uma insatisfação generalizada com o bramanismo, e muitas pessoas,



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inclusive um grande número de intelectuais brâmanes, estavam se interessando por novas idéias religiosas. Paralela ao brama-nismo e muito mais antiga era a tradição dos mestres ascetas heterodoxos {samana), que começavam a atrair um interesse cada vez maior. O mais famoso desses ascetas era Nataputta, conhecido pelos seus discípulos pelo título de Mahavira Jain, o fundador do jainismo. Muitas pequenas facções religiosas também surgiram e desapareceram.

Tudo parecia muito familiar: desilusão com os movimentos religiosos predominantes, experiências espirituais, corrupção política, guerras violentas, hierarquias sociais, centros urbanos com superpopulação, crescimento do capitalismo.

Eu não sabia exatamente o que era, mas me identificava com alguma coisa na vida e na época de Siddhartha, apesar das diferenças de dois milênios e 10 mil milhas, além do fato de ele ter sido príncipe de nascença e eu um príncipe judeu por autoproclamação. Mas agora as observações de Armstrong sobre a Era Axial faziam muito sentido. Algumas frases, literalmente, poderiam facilmente se referir — e até terem sido escritas por — à minha geração de baby boomers do pós-guerra. Nós éramos os beatniks contra o status quo, os peaceniks contra a guerra, os ativistas contra as bombas nucleares que viam o mundo se desintegrar por assassinatos, proliferação de armas nucleares e aumento do poderio militar. "Mundo imperfeito" seria um eufemismo no nosso ponto de vista. Desiludidos pelas instituições religiosas hipócritas e cada vez mais irrelevantes, arruinadas por evangélicos megalômanos na TV e escândalos sexuais, lançamos o que veio a se chamar o movimento da Nova Era na década de 1970. Exploramos a filosofia asiática, a cabala esotérica do judaísmo, o xamanismo, rituais dos nativos norte-americanos - qualquer coisa, menos as nossas tradições de anglo-saxões brancos e dos judeus da Europa oriental. Pensávamos que tínhamos escrito o livro sobre alienação, curtimos niilistas como Sartre, solitários como James Dean e um cantor popular que também desejava respostas que eram, infelizmente, meu amigo, sopradas pelo vento ("blowihin the wind" - de Bob Dylan).



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Nos anos seguintes as novas gerações diriam que aqueles sentimentos tinham sido apenas exacerbados. Daí o sr. Cobain e uma interminável linha de produção de anti-heróis culturais da música, da arte, do cinema e de outros mundos.

Havia tanta semelhança entre aquele tempo e este que cheguei a pensar se nós mesmos podíamos estar no meio de uma Nova Era Axial, que seria reconhecida apenas daqui a um ou cinco séculos. Só podemos imaginar quem seriam os ícones axiais dessa era. Freud? Stephen Hawking? O Dalai Lama? Ou alguém meio desconhecido como o cientista de computação da UCLA Leonard Kleinrock, que criou os princípios básicos de packet svuit-ching, a estrutura da Internet? Até especulo que talvez eu tenha descoberto no Buda o primeiro baby boomer do mundo, com tamanha capacidade de prever o futuro, que ele se antecedeu ao atual boom em cerca de dois milênios e meio.

Isso explicaria em parte por que o interesse pelo budismo tem crescido recentemente. Essa tornou-se a minha teoria de trabalho: em tempos como este, como naqueles tempos, quando as pessoas perderam a fé nas instituições espirituais existentes, nas estruturas sociais, na produção cultural e nos paradigmas intelectuais, há algo inerente na doutrina budista que a torna atraente. Que essa qualidade essencial passou a fazer parte do que eu esperava aprender. E não estava disposto a ter o meu raciocínio ofuscado por expressões enigmáticas como a de Antoine de Saint-Exupéry: "O que é essencial é invisível."

Eu vi o desabrochar do movimento engajado como mais uma peça do quebra-cabeça. O budismo sempre encontrou um jeito de ser contemporâneo e relevante, não importa em que cultura se insira. O budismo engajado foi a última ruga num rosto muito velho e sempre sorridente? Seria essa tendência parte do que contribuiu para criar a popularidade do budismo? Será que as pessoas sabiam de sua existência fora dos grupos de budistas? Seria exclusivamente um fenômeno ocidental, influenciado por aquela ética boa e antiga do cristianismo, das boas ações para os outros? Será que o Buda teria aprovado?

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Gate gateparagate parasamgate bodhi svaha.

(Foram, foram, foram até o fim, todos foram para a outra margem,

iluminação. "Aleluia!")

- O BUDA, DE SUTRA DO CORAÇÃO, TAMBÉM CHAMADO DE SutraPrajnaparamita

Ficamos todos felizes, nós todos entendemos que estávamos deixando para trás a confusão e o que não tinha sentido, e desempenhando a nossa única e nobre função no momento, ir.

- Jack Kerouak, OntheRoad

Em uma entrevista na casa dele em Berkeley, Califórnia, logo antes de eu sair do país, o estudioso de religiões do mundo Huston Smith me disse que a comunidade de monges budistas, conhecida como Sangha, é "a mais antiga e contínua organização social do mundo". Ele explicou que o Buda e seus seguidores começaram a fazer três meses de retiro para meditar juntos no tempo das chuvas, de julho a setembro. Que esses retiros das chuvas anuais continuaram a acontecer por 2.500 anos de um modo ou de outro, em um hemisfério ou outro. Agora até os leigos que participam das atividades budistas são considerados parte dessa Sangha, uma corrente contínua ligada por geração após geração em busca da verdade, do significado das coisas e da felicidade.

A peregrinação seguindo os passos do Buda é uma tradição que remonta quase ao mesmo tempo. Apesar de o Buda ter sido enfático em não se tornar apenas mais um superastro axial - "Se vocês virem o Buda na estrada, matem-no", diz um famoso ditado budista que reforça esse ponto -, ele falou para seus seguidores mais íntimos sobre quatro lugares "que o homem que acredita deve visitar com sentimentos de reverência e admiração". O lugar em que ele nasceu, onde se tornou iluminado, onde deu sua primeira aula e onde morreu — visitar esses lugares seria conquista de mérito, e esse mérito se traduziria na redução de algumas rodadas de sofrimento.

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Desde aquela época é impossível estimar quantos milhões, talvez bilhões de pessoas fizeram essa árdua jornada para homenagear o Buda e seus ensinamentos. E não só budistas, mas indianos, judeus, cristãos, muçulmanos e ateus, todos vão, mesmo que só para visitar um local de importância histórica e significado arqueológico, ou simplesmente para ver uma atração turística. Alguns vão por pura curiosidade. "Quem é esse cara que tanta gente reverencia?" Mesmo os curiosos, acreditam alguns budistas, acabam se beneficiando com isso, apesar de não se darem conta ou reconhecerem.

John C. Huntington, professor de arte e metodologias budistas na Universidade Estadual de Ohio, se aprofunda para explicar o fenômeno da peregrinação no contexto indiano. Em "Sowing the Seeds of the Lotus: A Journey to the Great Pilgrimage Sites of Buddhism", (Semeando lótus: uma viagem aos locais da grande peregrinação do budismo), uma série em cinco partes publicada em Orientations, uma revista de arte asiática sediada em Hong Kong, ele elabora sobre a palavra hindu darsana, que "significa literalmente 'ver' ou Visualizar', mas que também possui um conceito mais profundo da identificação essencial com aquilo que a pessoa vê'".

A idéia é muito maior do que apenas testemunhar ou observar um acontecimento importante, no sentido de que a pessoa que experimenta a darsana de um acontecimento torna-se parte dele e o mérito ou outros benefícios que podem ser auferidos pelos principais participantes também são legados ao observador em nível reduzido. Ou seja, quando um grande mestre budista promove uma iniciação, ele ganha mérito (punya) por estar beneficiando outros. Ao mesmo tempo, o iniciado ganha mérito por se comprometer com o budismo; as pessoas que participam da cerimônia ganham mérito por ajudar os outros a assumir esse compromisso; as pessoas que assistem à cerimônia ganham mérito; e até mesmo aqueles que simplesmente passam por ali casualmente ganham mérito. No budismo, mesmo os seres que nasceram em situações menos afortunadas podem obter méritos pelo simples fato de estarem presentes e de observar acontecimentos em torno dos ensinamentos do dharma.

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Essa última frase soou como um programa Mérito Plus de alguma linha aérea astral. Ah-ah, pensei, há esperança até para mim.

Huntington diz mais: "Esse conceito de receber mérito é a motivação que existe por trás das peregrinações... O principal benefício desejado é, obviamente, influenciar positivamente o renascimento próprio em outro mundo mais elevado."

O benefício que desejava para mim não tinha relação com renascimento, pois não acreditava nisso. Eu esperava ter mundos mais elevados aqui mesmo nesta vida, para poder trocar minhas fichas de mérito pelo menos antes de o próximo evento com as minhas costas me deixar aleijado de novo.

Não que não estivesse precisando de méritos de onde quer que viessem, mas tinha meu próprio motivo para visitar os famosos locais sagrados dos budistas. Pensei que estando onde Buda tinha estado poderia captar completamente a gestalt do que seria de fato aquele homem e talvez isso me ajudasse de alguma forma a desfazer o enigma da caixa que a maior parte das biografias deixam nas nossas mãos para segurar.

Mas levei o conceito de peregrinação budista ainda mais longe. Há um ritual budista de circunvagar pelos lugares sagrados conhecidos como stupas, relicários especiais onde dizem que estão guardados os objetos de Buda. Peguei o globo como a minha stupa e fiz uma peregrinação mundial seguindo os passos do budismo, por assim dizer. Tive a rara oportunidade de caminhar pelas páginas de um livro de história budista. As semanas foram passando e testemunhei variações por vezes sutis, mais vezes evidentes, nos ensinamentos e na prática. Vi, provei e senti profundamente o budismo no Oriente e no Ocidente, o budismo antigo e o novo - às vezes incoerentemente justaposto aos meus valores pessoais.

"Para onde estamos realmente indo? Sempre para casa!", disse o poeta alemão do século XVIII Novalis citado no romance Viagem ao Oriente de Hermann Hesse, um daqueles livros que fez muitos da minha geração reorientar as suas idéias. Esse junto com Pé na estrada (On the Road) e Os vagabundos iluminados {The Dharma Bums) de Jack Kerouac, Mente zen, mente de principiante {Zen

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Mind, Beginners Mind) de Shunryu Suzuki, Esteja aqui agora {Be Here Now) de Ram Dass e um manual underground chamado Overlandto índia estavam no sumário da onda das décadas de 1960 e 1970 de ocidentais que faziam suas "viagens para o Oriente". íris, minha jovem esposa há um ano e meio, e eu, pós-hippies, pré-yuppies, estávamos naquela onda dos que foram para a índia. íris queria encontrar o guru indiano de Ram Dass, um homem velho, gordo e barbudo que usava um manto xadrez e se chamava Neem Karoli Baba. Eu, que sempre fui romancista, estava mais a fim de uma aventura do tipo Rudyard Kipling, quanto mais exótica, melhor. Tínhamos aquela visão de tudo que era indiano tão limitada na época que quando estávamos em Sarnath, um dos quatro locais mais sagrados do budismo, apesar de cercados pelas imagens do Buda, nem fomos visitar o lugar onde ele fez seu primeiro sermão. Aquela peregrinação era para descobrir a estrada, ter uma idéia do tamanho do mundo e dos bilhões de vidas vividas todos os dias em algum lugar sem que — imaginem só! — eu tivesse conhecimento delas. Apesar de não termos passado a usar mantos cor de abóbora na volta dessa viagem, e de não termos adotado nomes hindus, o passeio sugeriu que talvez existissem respostas para perguntas que eu não tinha sabedoria sequer para perguntar.

Agora, trinta anos depois, eu ia para lá de novo e armado com algumas dessas perguntas — dessa vez mais velho, um pouco mais sábio, mas ainda muito distante do grau de iluminação dentro de mim que me faria mais feliz. Enquanto isso a rádio Dharma, aquela estação cheia de estática que parecia que só eu conseguia sintonizar, continuava enviando comunicados misteriosos para mim, canalizando o Buda através dos mensageiros mais improváveis. Quem poderia pensar, por exemplo, que K. D. Lang, o cantor e compositor canadense declaradamente gay, entendesse de budismo? E no entanto...



Constant craving (Desejo constante) Has always been... (Sempre foi...)

Acima de tudo, qualquer peregrinação é uma metáfora. Peregrinação, como a própria meditação, se torna inevitavelmente uma



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expedição ao nosso interior. Henry David Thoreau provou que podíamos fazer uma peregrinação no nosso próprio quintal. O Buda mostrou que podíamos fazer dentro da nossa cabeça.

Era ao mesmo tempo o pior e (suponho, portanto) o melhor momento para dar uma espiada dentro da minha cabeça. Claro que eu estava encarando alguns problemas pessoais - ou melhor, eu me recusava a encarar: minha relação com o dinheiro, minha relação com as mulheres, minha relação com a família, minha relação com o que eu escrevia, minha relação com o meu corpo, minha relação com a minha própria psique, minha relação com as relações. Mas tendo um itinerário complicado para montar era necessário (e mais fácil) me concentrar na viagem externa do que na interna. Raciocinei que devia ter feito alguma coisa certa ao longo do caminho para poder trocar meus cupons de Mérito Plus por aquele contrato de trabalho. E não pense que todos os dias na estrada, mesmo naqueles dias de pesadelo que acompanham qualquer viagem longa, não fiquei me beliscando. Sentado num banco no Sri Lanka, ou entrevistando o Dalai Lama, ou deslizando pelo rio Ganges, ou no topo de uma das mais belas montanhas da China acompanhado por uma das mais belas mulheres da China, eu tinha apenas uma explicação para o fato de ter chegado lá: um bom carma! Isso podia ser o mais próximo do nirvana jornalístico que eu ia alcançar. Mas como disse muito bem o dr. Kabat-Zinn: "Aonde quer que você vá, é lá que estará." E "eu" apareceria nos lugares mais indesejados, nos momentos mais inesperados, me arrastando como vorazes, apesar de esquizóides, paparazzi. Com o tempo eu ia ter de enfrentar os meus problemas, mas a nuvem mágica tinha acabado de se instalar e eu não tinha nenhuma intenção de desviar minha atenção do que achava que era meu "verdadeiro" objetivo, que na tradição antiga da minha profissão era "conseguir a história".

A noite antes de deixar Nova York tinha de ser uma das mais frias na história da cidade. Fui a um jantar de despedida com a minha filha Ariana e meu futuro genro Ryan. Agora eu estava parado numa esquina deserta da Lower Manhattan, encolhido de frio, tentando em vão chamar um táxi para voltar para o meu



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hotel. Sentia tanto frio que pensei que minhas bochechas iam rachar e cair do meu rosto.

- Belo começo! - berrei bem alto para ninguém do meu lado. Meu vôo era no dia seguinte, e aquelas Grandes Perguntas

que eu pomposamente havia feito pareciam tão essenciais quanto a proverbial bicicleta para um peixe. Já estava vendo a manchete: "Escritor itinerante de viagens morre congelado tentando ir para o norte da cidade."

- Eu não estou mais aqui! - berrei para o meu companheiro invisível.

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DESCOBRINDO A VERDADE DE BUDA PARA O SOFRIMENTO NA POLÔNIA



Agarrar-se à raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de jogá-lo em alguém; quem se queima é você.

- O BUDA

Aprendi duas coisas na vida: primeiro, que não existem respostas literárias, psicológicas ou históricas suficientes para a tragédia humana, apenas morais.

Segundo, que assim como o desespero só pode ser causado em um ser humano por outro, a esperança, também, só pode ser dada a um ser humano por outro.

- Elie Wiesel

Parece o cenário para uma piada politicamente incorreta: já ouviu aquela do jornalista que iniciou sua viagem seguindo os passos de Buda na Polônia?

Siddhartha Gautama nasceu muito longe da Europa oriental. E apesar de o itinerário inteiro percorrido pelo Buda não ser uma certeza, pois de uma parte de sua vida não há nenhum registro, podemos, mesmo assim, dizer com segurança que ele jamais pisou a oeste do que hoje é a índia. E com talvez não mais de sete mil budistas praticantes numa população polonesa de 38,5 milhões (dos quais 95 por cento são católicos romanos), não se pode exatamente chamar esse país de um importante centro budista, nem mesmo só na Europa.

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Então o que é que eu estava fazendo em Oswiccim, uma pequena e discreta cidade industrial sobre o rio Sola, no extremo sudoeste da Polônia, não muito longe da antiga capital polonesa da Cracóvia?

Talvez fizesse mais sentido sabendo o nome alemão pelo qual Oswiccim era mais conhecida: Auschwitz. Se a conexão com o budismo ainda não está evidente, considere a primeira das quatro colunas sobre as quais o Buda construiu um sistema de crença. No que ficou conhecido como as Quatro Verdades Nobres, ele postulou que a primeira e mais importante era que a condição humana é repleta de sofrimento.

Por isso haveria lugar melhor (ou pior, nesse caso) para olhar o sofrimento de frente, para confrontar aquela dor horripilante que um homem pode causar em outro, de tal magnitude que entorpece o coração e entorta o cérebro? E segundo a lógica ilógica do zen-budismo, haverá lugar melhor para entender tal sofrimento e para talvez transformar essa angústia — e todas as outras emoções que o Holocausto evoca - em sabedoria e compaixão?

Essa era a teoria, pelo menos quando Bernie Glassman, ex-engenheiro aeronáutico da McDonnell Douglas, que se tornou um padre zen e ativista social, organizou um retiro de meditação zen em 1996 no campo de concentração de Auschwitz e no campo da morte de Birkenau do outro lado da cidade. Sob os auspícios do Peacemaker Circle International, Glassman, cujo nome adotado depois da ordenação foi Roshi Bernard Tetsugen Glassman, batizou-os de Bearing Witness Retreats. "Bear", carregar. " Witness", do francês wit, mente ou inteligência. Carregando inteligência consciente para a experiência. Estar presente lá - ou em qualquer lugar — é ter uma inteligência mais clara e compreensão mais profunda daquela experiência, e a sua reação pessoal a essa experiência.

Roshi Glassman, que era filho de judeus imigrantes e nasceu no Brooklyn em 1939, começou a estudar zen-budismo em 1967 com Taizan Maezumi Roshi, que fundou o Zen Center de Los Angeles e estabeleceu a White Plum Sangha nos Estados Unidos. Glassman foi o primeiro sucessor dharma de Maezumi Roshi em


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