Por que uma idéia de dois mil e quinhentos anos atrás pareceria hoje mais relevante do que nunca? Como os ensinamentos do Buda podem nos ajudar a resolver muitos problemas do mundo



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- Jai Bhim — uma voz me chamou do outro lado do terminal do aeroporto quando cheguei a Nagpur, uma cidade com 2,1 milhões de habitantes que fica no centro da índia.

- Significa "Vitória para seu grande líder, Bhim Ambedkar", uma saudação do nosso povo - explicou o dr. S. K. Gajbhiye, professor do Departamento do Pensamento do dr. Ambedkar na Universidade de Nagpur, enquanto um comitê de boas-vindas punha uma guirlanda de cravos em volta do meu pescoço e da minha mediadora, uma mulher pequena mas forte e incrivelmente competente chamada Neha Diddee, de Bangalore. O "nosso povo" eram os milhões de antigos intocáveis hindus da índia que se converteram ao budismo desde 1956.

Se o epicentro do budismo para os seguidores de todo o mundo é Bodh Gaya, então Nagpur é o epicentro de um novo movimento budista com base na igualdade social e na rejeição do sistema opressivo de castas do país.

O termo "budismo engajado" não tinha sido criado em 1936 quando o dr. Bhim Rao Ambedkar - psicólogo social, ativista político, colega de Gandhi e arquiteto da constituição da República da índia - escreveu seu famoso tratado Aniquilação das castas. No entanto seu esforço certamente se enquadraria na minha definição. De fato ele usou o budismo não tanto como um veículo espiritual para obter a iluminação, mas como um instrumento de mudança social para conquistar a independência e a auto-estima. Aquele conciso manifesto de 1936 condenava o hinduís-mo por basicamente institucionalizar a opressão pelas classes dois mil anos atrás com as Leis de Manu, um documento escrito pelos mais graduados sacerdotes do hinduísmo que estabeleceram a hierarquia: brâmanes no topo, os achuta (que significa "intocáveis") no ponto mais baixo.

O dr. Ambedkar passou a maior parte da vida lutando pelos direitos e pela humanidade das pessoas que eram chamadas de classes depreciadas, castas programadas, excluídos, os harijans ("filhos de Deus"), intocáveis e, agora, os dalits ("degradados", "oprimidos"). Ele compreendeu que os obstáculos para aliviar o sofrimento deles estavam profundamente enraizados nas crenças

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hinduístas que agora já faziam parte da trama social indiana, por isso garantindo o status de subserviência dos intocáveis, e resolveu se converter ao budismo, um sistema de crença que pressupõe, como a Declaração de Independência dos Estados Unidos, que "todos os homens nascem iguais".



No dia 14 de outubro de 1956, menos de dois meses antes da sua morte, o dr. Ambedkar orquestrou uma conversão em massa de estimados 500 mil dalits ao budismo em Nagpur. Ele disse que escolheu essa cidade porque o povo de Naga, nome com o qual a cidade foi batizada, era formado por budistas decididos que rechaçou por algum tempo levas e mais levas de agressores arianos que se opunham ao budismo, mas que acabou sucumbindo.

Dos 22 votos que fizeram aquele dia, nove eram compromisso de renúncia completa aos deuses hindus, aos rituais hindus, às crenças hinduístas - "para denunciar a religião hindu que é prejudicial ao meu desenvolvimento como ser humano e que tratou os seres humanos com desigualdade e como inferiores". E eles juraram aceitar o Dhamma de Buda.

Alguns os chamam de budistas Ambedkar, ou novos budistas. Eu os chamo de budistas. Hoje há cerca de 6 milhões deles. Sem dúvida haveria mais, mas com a morte de Ambedkar e sem um líder carismático para preencher esse vazio, o movimento cindiu-se em facções e a onda que ele deflagrou e que poderia ter crescido e se tornado um tsunami de sentimento antiintocável virou uma pequena marola em relação à vasta população da índia.

Os que conheci lá compensavam com grande entusiasmo qualquer falta de números. Eu tinha encontrado alguns jovens com a mesma história em Nova Deli alguns dias antes. Eram todos homens com um olhar luminoso, entre 20 e 25 anos. Alguns eram alunos do Instituto Indiano de Tecnologia, o hoje mundialmente famoso IIT, no qual os melhores e mais brilhantes técnicos da índia se reproduzem como tantas placas de computador. Eles se chamam entre si de "dalits digitais". Perguntei para um desses estudantes, um rapaz de 24 anos e muito sério, o que pretendia ser depois de completar seus estudos, e sem hesitar um segundo ele respondeu enfaticamente com uma única palavra:


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'tecnocrata". Um budista tecnocrata? Soava como um oxímoro, mas pensei, por outro lado, que talvez um empresário agressivo com alicerces budistas pudesse transformar uma "aquisição hostil" em um oxímoro.

Apesar de um pouco tímido, ainda se acostumando com o novo gosto da liberdade e da primeira sensação de cidadania, todos os budistas convertidos que encontrei irradiavam alegria e felicidade contagiantes. E por que não? Estavam subindo da classe mais baixa para uma humilde mas emergente classe média. E todos fervorosos militantes pela causa e pelo seu herói. Em Nagpur meu comitê de boas-vindas estava todo animado porque eu ia escrever sobre eles e porque as notícias do movimento iam ser publicadas em muitos países fora da índia.

Um homem com andar enérgico e sorriso rápido, dr. Gajbhiye, nasceu alguns meses antes da conversão em massa, mas ele e a sua geração são os beneficiários. Depois de obter seu Ph.D., trabalhou no setor comercial por dez anos. Na minúscula propriedade rural, onde foi criado com os pais num barraco feito com material que pegaram no lixo, construiu uma casa de cimento, extremamente modesta pelos padrões norte-americanos, mas um castelo aos olhos da família dele. Quando meu amigo Gajbhiye passou a ganhar o que ele se vangloriava de ser quatro dígitos por mês (o equivalente a cerca de 100 dólares), resolveu que era hora de retribuir para a sua comunidade e começou a ensinar. Empreendedor itinerante, ele também possui uma loja com lembranças de Ambedkar - livros, relógios de pulso, flâmulas, estátuas, retratos que variam dele para Buda -, onde eu mal conseguia me virar, de tão apinhada. Eu disse para ele que era sua "loja tchotchkes Ambedkar", traduzindo a palavra em iídiche (que significa bugigangas e outros pequenos enfeites), mas minha corajosa tentativa de construir uma ponte naquele abismo cultural/lingüístico foi em vão.

- Todos os anos, no dia 14 de outubro, que agora comemoramos como o nosso dia da Independência, centenas de milhares de dalits convertidos vêm para Nagpur, e aí faço ótimos negócios — disse ele alegremente.

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Na casa do dr. Gajbhiye, como em outras que visitei em Nagpur, há retratos do dr. Ambedkar nas paredes, nas mesas de oração, por toda parte. Em geral de terno azul moderno, com uma cópia da constituição embaixo do braço, os óculos grossos e pretos quase escondendo o rosto redondo e sério, mais proeminente até do que as imagens do Buda.

- Há mais de trezentas estátuas do dr. Ambedkar em Nagpur - disse o dr. Gajbhiye, com muito orgulho, para mim quando passávamos pela cidade de carro, indo ao encontro de algumas pessoas da comunidade dele.

Uma dessas pessoas era uma mulher que chorou de alegria quando lembrou o dia em que foi convertida meio século atrás. Conheci outra mulher de seus 80 anos que também estava naquela conversão.

- Fiquei sem fala e em transe — disse ela, quando viu a maior aglomeração de pessoas que já tinha visto num mesmo lugar.

Depois de dez anos de estudo, essa mulher fez os votos completos para se tornar uma monja budista.

- Meus pais costumavam dizer: "Você pensa que comendo uma vez por dia encontrará Deus?" - ela me disse, traduzido por Neha. - Eles diziam que eu era louca, mas eu nem me importava.

No mosteiro dela num bairro pobre de Nagpur, ela ensina o Dhamma do Buda principalmente para mulheres dalits, que na índia provavelmente seriam consideradas a subclasse da subclasse.

- Explicamos para as mulheres em linguagem bem simples para poderem entender que a hora é essa, que essa hora é delas, que serão iguais aos homens - disse ela. - Os ensinamentos de Buda são para as mulheres também, não só para os homens. Às vezes os monges mais velhos tentam ir contra isso, mas tenho certeza que Buda queria assim.

- E quanto à senhora? - perguntei. - O que a inspirou a sair de onde veio, a superar tantos obstáculos?

Ela emudeceu com a pergunta, mas não por não ter uma resposta.

- Ninguém nunca me perguntou isso antes — disse ela sorrindo. Depois ficou séria e as lembranças da opressão cobriram seu

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O autor com um grupo de Novos, ou Ambedkar, budistas em Deeksha Bhoomi ("local de conversão") em Nagpur, índia. A stupa gigantesca e moderna fica no lugar em que o dr. B. R. Ambedkar converteu meio milhão de hindus intocáveis para o budismo em 1956.

rosto de tristeza. - Meditação - disse ela simplesmente. - Adquiro força da meditação.

De lá nós fomos para Deeksha Bhoomi ("local da conversão"), onde aconteceu a conversão. No centro de um grande terreno deserto, agora considerado local sagrado de peregrinação para aqueles dalits, há um edifício monstruosamente grande, moderno e circular que levou vinte anos e cerca de 50 milhões de rúpias para construir (1,1 milhão de dólares). Eu tinha lido que é a maior stupa na índia. Consagrada em 2002, feita de granito, mármore e arenito, a cúpula tem 36,5 metros de altura e de diâmetro. Cinco mil fiéis podem sentar e meditar em cada um dos dois andares. Dentro de uma caixa ornamentada no terceiro andar sob a abóbada, num salão tão grande que o eco da minha voz reverberou por trinta segundos inteiros, estão as cinzas do dr. Ambedkar.

Ainda encontrei outro grupo animado em Deeksha Bhoomi, e me convidaram para meditar e cantar as Três Jóias do Buda com

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eles dentro do templo. Sentamos de pernas cruzadas e avistei uma mulher trabalhadora com um sari bem surrado, de cócoras, daquele jeito que os asiáticos ficam com a maior facilidade, com as nádegas quase encostando no chão, aos pés de uma estátua gigante de Buda no centro de um enorme salão. Ela fazia seu trabalho em silêncio enquanto as pessoas passavam por ela, sem cumprimentá-la, sem contato visual, tornando-a quase invisível. Mesmo numa revolução social inspirada no budismo, pensei, alguns são deixados para trás. Mesmo naquela classe, havia uma classe ainda mais baixa.



Na saída eles nos cumprimentaram com uma mesura e desejaram aJai Bhim" novamente. Neha, por força do hábito, respondeu para eles: "Namasté", que é a saudação hindu e que significa algo parecido com "Eu saúdo o Deus dentro de você". O dr. Gajbhiye e os amigos dele lembraram para Neha que aquela palavra dava força aos valores hinduístas entranhados e que eles não queriam isso agora, nem mesmo como um gesto bondoso. Neha, uma alma realmente gentil, respondeu indignada, observando que Ambedkar podia ser o líder deles, mas não era o dela, então por que ela tinha de dizer "jai" para ele?

- Namaste é uma saudação universal na índia - disse ela.

Eles concordaram que discordavam quando entramos na van. Foi o único momento tenso da viagem a Nagpur, mas serviu para demonstrar para nós dois com que afinco eles se agarravam à própria crença, e compreendi com isso quanto trabalho ainda teriam para "converter" os hinduístas de modo que aceitassem esses budistas Ambedkar nos termos deles e vice-versa.

Alguns dias depois em Mumbai conheci outro dalit convertido que também me fez lembrar da diferença de classe mesmo dentro da classe. A vida do dr. Narenda Jadhav está tão além dos sonhos mais loucos dos dalits que embora deva ser uma inspiração para muitos, ele atrai inveja e certo desdém. Consultor principal do Departamento de Análise Econômica e Política para o Reserve Bank of índia, ele mora com a mulher num apartamento grande, num bairro de Mumbai que ele mesmo descreveu como sendo "chique". Alto e erudito, usa uma barba curta e grisalha do tipo usado entre os acadêmicos, ele é mais conhecido entre os

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indianos como escritor de dois livros de sucesso e polêmicos sobre ser um dalit, Our Father and Us, publicado em 1993, e Outcaste, publicado na índia em 2003 e nos Estados Unidos em 2005 com o título Untouchables (Intocáveis).



Não faltava a ele nem um pingo de autoconfiança e, quando tomávamos o café da manhã no apartamento dele, contou novamente a história que começa com seu pai, que morava num antigo campo de trabalho municipal que eu havia visitado, coincidentemente, mais cedo aquele dia. Continua como no tempo do seu pai. Filas de barracões de madeira e cada dormitório consiste em uma pequena saleta na entrada e uma cozinha minúscula. Banheiros coletivos atrás de cada barracão.

- Era uma pobreza absoluta - disse o dr. Jadhav. - Antes disso meu pai dormia em estações de trem.

"Eu ainda carrego essa marca comigo - confidenciou. - Não era só o desprezo dos outros por centenas de anos, éramos nós mesmos que nos desprezávamos."

Admirando os prêmios do dr. Narenda Jadhav em seu apartamento em Mumbai. Nascido numa família pobre de intocáveis que se converteu ao budismo, ele hoje é o consultor principal do Reserve Bank ofíndia e autor do livro autobiográfico Untouchables.

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A mulher dele preparou a nossa refeição na cozinha. Implorei para ela sentar à mesa conosco e participar da conversa, mas ela não quis.

- Para mim - continuou ele - a conversão significa o direito de viver como um ser humano, a conversão nos deu essa oportunidade. No que diz respeito à prática do budismo, essa é a coisa mais importante que tenho para dizer: o significado da religião para mim não reside nos rituais que seguimos, é a mudança de mentalidade.

Ele me deu um exemplo muito claro.

- Antes da conversão as crianças dalits recebiam nomes como Dagdoo e Kacharu - disse ele, citando os nomes hindus. - Sabe o que significam? Pedra. Terra. Estou dizendo literalmente, pedra, terra. - Ele praticamente cuspiu as palavras. - Agora lhes damos nomes como Siddharth, que significa "aquele que atingiu a realização", e Pradnya, que quer dizer "intelecto", e Neha, que significa "amor".

Eu conhecia bem o significado dos nomes das crianças e do impacto que podem representar. íris e eu escolhemos o nome Ariana para a nossa filha em 1976 porque gostávamos da associação com a deusa mitológica grega e princesa Ariadne, que significa "santíssima" no inglês arcaico. E de fato Ariana correspondeu ao nome para aqueles que a conhecem e a amam.

Para os dalits, compreendi que a nova nomenclatura revelava demais aquela nova auto-estima que o dr. Jadhav e todos os outros dalits convertidos atribuíam àquele outro Siddharth e ao dr. Ambedkar, o Siddharth deles.

Houve um período de 24 horas na índia em que testemunhei a prova mais impactante da adaptabilidade da vipassana, uma técnica de meditação praticada na tradição Theradava do budismo e a qual venho praticando desde meados da década de 1970.

O dia começou em Nova Deli - na cadeia.

- Não estou cumprindo pena, estou fazendo vipassana — disse-me um prisioneiro chamado Hyginus Udegbe.

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Ele já esperou quatro anos e meio pela audiência do seu caso de posse de cocaína, e continua no presídio Tihar em Nova Deli. Com quase 13 mil presidiários, mais de duas vezes sua capacidade, Tihar é talvez o maior presídio da Ásia. À superpopulação acrescente-se saneamento inadequado e guardas carcerários que foram treinados inicialmente para oprimir, privar, punir fisicamente, isolar e desumanizar os prisioneiros - em resumo, transformar a vida deles num verdadeiro inferno.

Mas para Hyginus e milhares de outros em todos os presídios da índia, "fazer" a meditação vipassana transformou a prisão, se não exatamente num paraíso, pelo menos num oásis para auto-reflexão e reabilitação.

O primeiro retiro vipassana de dez dias de silêncio aconteceu em Tihar em 1993. Junto com 96 presidiários, 23 carcereiros também participaram. Provou ser tão benéfico - tanto para os presos como para os guardas - que uma seçáo da Ala número 4 foi isolada para servir de local de retiro permanente. Agora dois cursos de dez dias cada são oferecidos todos os meses. Os presidiários podem repetir os retiros a cada três meses, e muitos fazem isso. Nos presídios em todo o mundo, administrados por pessoas iluminadas, os grupos de meditação budistas agora se encontram regularmente. Com a prática das técnicas budistas, estudos feitos por um professor do Instituto Indiano de Tecnologia mostram que os prisioneiros podem aliviar seu sofrimento e quando são soltos provocam menos sofrimento nos outros. Agora vipassana é ensinado não apenas nas prisões, mas também nas escolas, em agências do governo e nos departamentos de polícia, como também a uma faixa extensa de indivíduos por toda a índia.

Um homem tipo armário, de mais de um metro e noventa de altura, barba desgrenhada, careca e com sobrancelhas formidáveis que formavam uma marquise sobre os olhos, o nigeriano parecia mais com o lutador de boxe norte-americano Joe Frazier do que com qualquer um que faz meditação. Cercados pela equipe da prisão, presidiários e guardas curiosos, conversamos diante de um muro alto. Nele estava pintada uma roda amarela, o símbolo tradicional dos ensinamentos de Buda, a Roda de Dhamma.

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- Eu tinha pressão alta e não conseguia dormir - disse Hy-ginus. - Depois do meu primeiro retiro de dez dias aqui, minha pressão baixou e pude dormir dez horas. E vi imediatamente mudanças emocionais também. Costumava ter um pavio muito curto. Eu sempre reagia, era muito agressivo. Agora me sinto como um pombo, cheio de paz. Estou muito mais feliz.

"O meu caso não está progredindo - continuou ele, querendo falar da sua experiência —, mas estou muito mais desligado disso. E a ânsia que provoca os sofrimentos. E isso que aprendemos. Realmente me sinto abençoado de estar em Tihar. Se não, jamais teria aprendido o que é vipassana."

Por mais impressionado que eu estivesse de conversar com alguns presos que deram seus testemunhos tocantes sobre transformação pessoal, o maior impacto foi a conversa que tive com um administrador do presídio de Tihar, de 38 anos, que trabalhava lá havia 14. Ele fez três retiros de dez dias dentro da prisão, todos voluntários.



Entrevista com Hyginus Udegbe, prisioneiro nigeriano no presídio de Tihar em Nova Deli, onde já fez alguns retiros vipassana no centro de retiro permanente, J*-1") dos muros de um dos maiores e mais populosos presídios da Ásia.

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- Eu só queria ver por mim mesmo o que era essa coisa de que tinha ouvido falar, vipassana — disse ele, quando conversamos sentados numa sala do prédio do presídio. - Antes do curso eu era uma pessoa com muita raiva. Costumava espancar os prisioneiros sem precisar de grandes motivos. O estresse era tanto que acabei me transformando num monstro. Depois do curso passei a sentir mais pelos prisioneiros, a ter uma ligação com eles. Eu me senti mais humano.

Agora, ele disse, os prisioneiros o procuravam pedindo conselhos.

- Antes eu pensava na prisão como um instituto penal. Agora esse conceito mudou, trata-se de um ashram de recuperação -completou ele, usando a palavra hindu para o centro espiritual.

- Todos nós somos prisioneiros... das nossas mentes - disse Satya Narayan Goenka, um comerciante birmanês de 80 anos que virou mestre de meditação e foi um dos vanguardistas do renascimento do vipassana na índia. Isso aconteceu alguns dias depois, quando fui de avião para Mumbai encontrá-lo na casa dele.

- Há lugar melhor para reconhecer isso do que atrás das grades? Mas eu não estou ensinando budismo - disse ele enfaticamente, um homem grande mas elegante, com uma voz profunda e retumbante. - Não estou interessado em converter as pessoas de uma religião organizada para outra religião organizada. O meu interesse é converter as pessoas do sofrimento para a felicidade, da escravidão para a liberdade, da crueldade para a compaixão. Não me considero budista, mas sou um dedicado seguidor dos ensinamentos do Buda.

Essas palavras poderiam ter sido ditas pelo Buda em pessoa. Goenka queria enfatizar para mim que não era um proselitista religioso, que, em vez disso, promovia o objetivo final do budismo que era o fim do sofrimento.

- Não há nenhum mistério nisso — continuou ele dando uma risada, balançando a barriga volumosa. - Vipassana significa "ver as coisas como realmente são". Depois de observar a sua respiração alguns dias, você começa a prestar muita atenção nas suas sensações. E rapidamente percebe que está obcecado com desejos...

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de alimento, de conforto, todos os tipos de desejos... assim como aversão a coisas desagradáveis. Então você descobre a imperma-nência de tudo isso. Tudo muda. A dor no joelho passa para o pescoço. Uma obsessão ocupa o Jugar da outra e da outra.

Dito isso, ele pôs as mãos grossas uma de cada lado da barriga e fez um gesto de uma sensação de angústia nas entranhas.

- ímpermanência - ele gritou. - ímpermanência, imperma-nência.

Suas mãos apertavam cada vez mais, toda vez que repetia a palavra, como se quisesse enfatizar que aquela conclusão tinha de calar muito fundo nas nossas entranhas mesmo. Lembrei-me daquele gesto muito tempo depois de já ter esquecido grande parte das coisas que ele disse.

- Desses conhecimentos simples, todos descobertos empirkâ-mente por cada indivíduo, a começar pelo próprio Buda, acsh? surgindo uma doutrwa £M%pJá&.

Entrevista com Satya Narayan Goenka, ex-comerciante birmanês que se tornou mestre de meditação, na casa dele em Mumbai. Pelos seus esforços, agora vipassana í ensinada nas escolas indianas, em departamentos do governo e nos presídios.

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Quando voltei para Nova Deli ainda sobrava tempo para uma ou duas visitas antes de pegar o avião para Mumbai no fim da tarde. Continuando a seguir a trilha do movimento vipassana de Goen-ka, atravessei a cidade de Nova Deli e fui para um bairro no subúrbio. E lá, na escola pública DLF (na verdade uma escola particular), observei jovens estudantes emergentes de classe média de 12 a 15 anos, todos com seus uniformes azuis bem passados, lotando um grande salão, meninos de um lado, meninas do outro. Eles sentaram no chão com as pernas cruzadas, de frente para um palco. No palco o apresentador ligou um gravador que estava conectado com um alto-falante. Todos riram quando ouviram por trás dos ruídos da fita uma voz grave e profunda. Era Goenka na fita, dando as orientações de uma sessão simples de meditação. Os jovens procuraram acalmar suas mentes agitadas, seus corpos agitados, com disposição.

Fiquei vendo aquilo e me imaginando quando tinha a idade deles. Se a minha cabeça parece um macaco selvagem hoje, aos 12 anos era como uma jaula cheia deles. Os estudantes tentaram se concentrar dez ou 15 minutos de uma vez só. Deve ter sido como horas a fio para eles. Entre uma e outra meditação eram orientados para executar num projeto de arte e trabalhos manuais. A mulher que liderava a sessão distribuiu revistas populares para a platéia e depois pediu que recortassem ilustrações de pessoas que pareciam felizes e fizessem colagens com elas em papel colorido. As crianças se reuniram em grupos pequenos de quatro ou cinco, contentes de estarem fazendo alguma coisa, em vez de não fazer nada. Eu corria para lá e para cá, enfiando o microfone do meu gravador na cara delas, perguntando se tinham gostado da meditação e de que forma poderia ser útil para elas. Um garoto de olhos brilhantes falou do que imaginei que seria a impressão predominante. Ele disse que aquilo podia ajudá-lo a atingir seu objetivo: não a iluminação, mas a aceitação no Instituto Indiano de Tecnologia.

— Acho que pode ajudar a me concentrar melhor nos estudos - disse ele, e os colegas menearam a cabeça, concordando. - E muito importante para mim obter boas notas para poder entrar numa boa universidade.

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Saí da escola primeiro achando que o verdadeiro objetivo do budismo estava se perdendo ali, que aqueles garotos o viam apenas como um meio de avançar, de ficar em dia com a corrida competitiva em que a vida indiana estava se transformando. Mais tarde repensei essa minha posição. Um pouquinho de Dhamma é melhor do que nenhum Dhamma, não é? Quem se importa com o motivo? Capacidade de concentração? Tudo bem. E melhor do que tomar Ritalin. E só dar-lhes um gostinho. Se eles gostarem, voltarão para sentir mais. E com o tempo o Dhamma ia acabar alcançando todos eles, mesmo com aquela abordagem enviesada, e devíamos torcer para ser antes de eles virarem os maiores viciados em trabalho. A idéia de que essa metodologia estava se infiltrando nas escolas, nos presídios, parecia surpreendente, mas um bom exemplo do budismo engajado na educação. Eu via outros exemplos em instituições educativas de outras partes do mundo, algumas igualmente surpreendentes.

Corri para o aeroporto e voei para Mumbai para entrevistar Goenka. Depois, graças ao amigo de um amigo, que me dera os nomes, fui visitar um casal rico que me disseram ser alunos de Goenka. Eles concordaram em deixar que eu os entrevistasse e também ofereceram hospedagem para mim aquela noite em sua casa luxuosa. Eu estava mais animado com essa segunda parte do que com a primeira, viciado que sou nos confortos materiais, quanto mais confortável melhor, especialmente na índia.

Meus anfitriões eram um casal muito simpático de sessenta e poucos anos, os Patel, nome tão comum na índia como Smith nos Estados Unidos. Rohit é engenheiro civil internacional aposentado. A mulher dele, Charu, é gentil e prestativa, que imediatamente reconheci como uma peregrina companheira que postula as mesmas perguntas imperativas que intrigam a mim e intrigavam ao Buda. A casa deles ficava num bairro de Mumbai onde moram os executivos e os astros da Bollywood. Sentamos no pátio ao ar livre, com piso de mármore tão liso e limpo que podíamos comer nele.

Rohit me disse que a prática da vipassana tinha ajudado a aliviar suas constantes dores de cabeça. Charu parecia mais interes-


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