Silvia Maria de Araújo · Maria Aparecida Bridi · Benilde Lenzi Motim



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participação política, uma ação efetiva de mobilização das diversas instâncias da sociedade civil no sentido de exercer os seus direitos e deveres.

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Condições da cidadania no Brasil

Cidadania relaciona-se com liberdade, uma noção originada da Revolução Francesa (1789) como projeto burguês de sociedade. Segundo a cientista política Elisa Reis (1946-), cidadania e liberdade só existem quando direitos políticos, civis e sociais são naturalizados em uma sociedade nacional, ou seja, são universalizados e respeitados.

Para que haja cidadania plena, é preciso que os direitos sociais venham acompanhados dos direitos civis e políticos. No entanto, isso não aconteceu ao longo da história do Brasil. Essa ausência de direitos, que persistiu por séculos, contribuiu para criar as desigualdades de renda e oportunidades, em geral associadas a questões de gênero e étnico-raciais, que se mantêm ainda hoje.

No século XIX, mesmo após a independência do Brasil, só era considerado "senhor-cidadão" aquele que possuía e controlava terras, tinha escravos e detinha poder político local. Para a socióloga brasileira Teresa Sales, eram esses proprietários que cediam aos indivíduos pobres a condição de cidadãos. Por isso, os primeiros direitos civis - o de ir e vir, o de justiça, o direito à propriedade e ao trabalho - nasceram de uma espécie de "cidadania concedida". Essa gênese da cidadania brasileira é contraditória, pois a mesma elite que concedia também negava a cidadania aos indivíduos livres e pobres, que dependiam dos favores do dono de terras para poder usufruir de direitos elementares.

A primeira Constituição do Brasil republicano, de 1891, estendeu a cidadania a outros setores da população, mas não incluiu os analfabetos, as mulheres, os padres e os soldados como indivíduos atuantes na vida política nacional. As mulheres, por exemplo, só tiveram direito constitucional ao voto com a Constituição de 1934, e os analfabetos, com a Constituição de 1988. Esta última, ainda em vigor, foi considerada a "Constituição cidadã", em virtude da ampliação dos direitos sociais e do combate à discriminação social.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

LEGENDA: Por meio da organização política, as mulheres conquistaram, em 24 de fevereiro de 1932, um direito básico no Brasil: o voto. Na imagem, mulher vota no Rio de Janeiro (RJ), em 1933.

FONTE: Arquivo/Agência O Globo



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Por meio da organização e da associação, os trabalhadores brasileiros protagonizaram conquistas sociais. Esse processo de lutas e conquistas dos trabalhadores passou por tensões, conflitos e contradições, uma vez que em alguns momentos históricos o Estado restringiu os direitos civis e políticos. Foi o que aconteceu no período do governo de Getúlio Vargas entre 1937 e 1945 (o chamado Estado Novo), no qual o Congresso estava suspenso e a imprensa, sob censura. Apesar dessas restrições à cidadania, o governo instituiu, em 1943, o estatuto jurídico denominado Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamentou o trabalho no país, reconhecendo o direito coletivo e as garantias dos contratos individuais. A formalização do trabalho assegurou a inclusão social e uma rede de proteção ao trabalhador das grandes cidades. No texto a seguir, podemos compreender como o movimento dos trabalhadores organizou-se, na forma de greves gerais e mobilizações, a fim de conquistar esses direitos.

LEGENDA: A Constituição de 1988 é apresentada pelo deputado Ulysses Guimarães (1916-1992), presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em Brasília (DF), 1988. Essa assembleia foi composta por deputados eleitos pelo povo e teve como finalidade elaborar uma nova Constituição para o Brasil após o fim da ditadura militar.

FONTE: Lula Marques/Folhapress



Foi com a urbanização e a industrialização, processos decisivos de 1890 em diante, que o operariado emergiu como força social significativa nos vários centros urbanos. Uma identidade operária começou a se forjar então, contrapondo-se aos interesses burgueses [...]. A luta do operariado pela jornada diária de 8 horas de trabalho foi constante ao longo do primeiro período republicano. Desde o início do século XX ocorreram greves pela redução da jornada de trabalho. [...] Em 1907, [por exemplo], eclodiu em São Paulo e atingiu Santos, Ribeirão Preto e Campinas, tendo sido desencadeada na construção civil, na indústria da alimentação e metalurgia; a greve abrangeu posteriormente empregados da limpeza pública, gráficos, sapateiros e operários têxteis. O movimento foi reprimido violentamente e apenas alguns setores operários obtiveram vitórias parciais.

DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, trabalho e cotidiano. Brasil - 1889 a 1930. São Paulo: Atual, 1991. p. 11.

Embora seja importante valorizar as conquistas obtidas por meio de leis, elas ainda não são uma realidade efetiva para todos os indivíduos. O confronto entre a legalidade (o prescrito em lei, o formal) e a legitimidade (aquilo que é aceito) é permanente. Essa tensão ocorre também em relação ao mundo do trabalho. O Estado brasileiro concede aos trabalhadores que seguem profissões regulamentadas, têm carteira profissional assinada e são filiados a um sindicato registrado direitos sociais que não estão ao alcance, por exemplo, dos trabalhadores autônomos. Para essa situação, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos (1935-) utiliza a expressão cidadania regulada, ou seja, são cidadãos apenas aqueles que têm ocupações reconhecidas e definidas em lei.

Santos refere-se à cidadania como uma concessão na cultura cívica do país pelo fato de o Estado interferir e regular a vida econômica sem deixar de promover o desenvolvimento capitalista. Apesar das conquistas obtidas na lei, na prática existe um mercado de trabalho situado entre a formalidade e a informalidade, e os trabalhadores excluídos do mercado formal sofrem com a desigualdade de benefícios e a marginalização social.

Glossário:

cultura cívica: forma como os indivíduos aceitam e se relacionam com o Estado.

Fim do glossário.



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Com a Constituição cidadã de 1988 foram ampliados os direitos, como o acesso à saúde pública àqueles que estão fora da contratação formal de trabalho, isto é, aos milhões de brasileiros e brasileiras do campo e da cidade que trabalham na informalidade (sem registro em carteira). Mais recentemente, outras políticas sociais voltadas a esses grupos foram implementadas, como o Programa Bolsa Família (que transfere renda a famílias consideradas extremamente pobres) e a criação da categoria de microempreendedor individual (MEI), que formaliza trabalhadores autônomos, como vendedores ambulantes, jornalistas, técnicos de manutenção, entre outros. Ainda há muitas categorias excluídas desse processo, como a das pessoas que exercem a prostituição, profissão que, mesmo não sendo proibida no país, não é regulamentada.

LEGENDA: Manifestação em novembro de 2012, no Congresso Nacional, em Brasília (DF), pela aprovação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante às empregadas domésticas os mesmos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores. Além de estarem sujeitas, até então, a condições distintas de trabalho pela Constituição de 1988, as empregadas domésticas muitas vezes não tinham registro formal de trabalho.

FONTE: José Cruz/Agência Brasil

LEGENDA: A sanção presidencial à chamada "PEC das Domésticas" em 2015 foi o desfecho de uma longa luta pelo reconhecimento efetivo das empregadas domésticas como trabalhadoras formais. À esquerda, sessão do Senado em que a PEC foi promulgada, em 2013.

FONTE: José Cruz/Agência Brasil



Poder e política: exercício e participação

Por meio do exercício da política - do diálogo, da palavra, da persuasão - os seres humanos também transformam sua realidade. É por ela que os desprovidos de direitos e benefícios podem mudar a sociedade e atuar coletivamente em prol do bem comum. Mas, quando os meios políticos não estão disponíveis, ocorre o uso da força. Nesse caso, as práticas políticas perdem a relevância e o povo se vê impedido de decidir sobre seus representantes e de participar das decisões sobre o destino da sua cidade, do seu estado e do seu país.

Glossário:

persuasão: tentativa de convencer um indivíduo a aceitar uma ideia ou realizar uma ação.

Fim do glossário.



241

Uma parcela da população brasileira ainda acredita que a política se restringe aos políticos, que ela é cansativa e deve ser deixada para quem entende do assunto. Essa atitude tem raízes antigas, pois desde a independência até o início do período republicano votar e ser votado eram privilégios dos ricos e poderosos. No decorrer do século XX, existiram, ainda, regimes políticos autocráticos, ou seja, caracterizados pelo autoritarismo e pela concentração do poder. Os governos autocráticos visavam controlar a sociedade por meio da repressão, como no Estado Novo (1937-1945) ou no período da ditadura militar (1964-1985). Tudo isso contribuiu para afastar o povo da política e espalhar a ideia de que ela cabe apenas aos partidos e políticos eleitos.

LEGENDA: A charge do cartunista Henfil permite refletir sobre o papel dos cidadãos na sociedade e no exercício da cidadania e da prática política.

FONTE: Henfil/Acervo Ivan Constanza

O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava que o ser humano é um animal político. Nessa condição, a política não se restringiria à dimensão do Estado, mas à vida da cidade como um todo. Ou seja, fazemos política em nosso cotidiano.

Fazemos política quando, no local de trabalho, nos unimos para conquistar melhorias ou participamos do sindicato. Fazemos política na escola ou na universidade quando participamos das organizações estudantis, do grêmio ou do diretório acadêmico. Fazemos política ao nos interessarmos pelas coisas do nosso bairro, da nossa cidade, da zona rural, do nosso país; enfim, quando queremos decidir o que é essencial para um bem comum. A política está no dia a dia, e se realiza, por exemplo, em uma reunião de moradores do bairro para reivindicar a iluminação ou a instalação de um semáforo, no envolvimento formal com movimentos sociais, partidos políticos ou grupos religiosos.

Participar de eleições, embora seja uma parte importante da atividade política, é somente uma das formas de atuar politicamente. Por meio das eleições escolhemos aqueles que, em tese, nos representam, tomam decisões e agem por nós em determinadas esferas do poder, sendo remunerados para exercer essa função: isso é o que define uma democracia representativa.

LEGENDA: Assembleia de alunos, funcionários e professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em 2011, na reitoria da instituição. O diálogo é parte essencial da política nos Estados democráticos.

FONTE: Alessandro Assunção/ON/D.A Press

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Boxe complementar:



Direitos e deveres

Os direitos e deveres do cidadão estão previstos na Constituição do Brasil, especialmente no Título II, Capítulo I (Dos direitos e deveres individuais e coletivos).



Os principais direitos do cidadão brasileiro são:

· Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

· Direito à educação, saúde, moradia, trabalho e lazer.

· Proteção à maternidade e à infância.

· Liberdade de manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato.

· Seguir a crença religiosa que desejar.

· Exercer a profissão que quiser, respeitando as exigências relacionadas às qualificações profissionais.

· Não ser tratado de forma desumana ou degradante nem ser submetido a atos de tortura física, psicológica ou de qualquer outra natureza.



São deveres do cidadão brasileiro, principalmente:

· Respeitar e cumprir a legislação (leis) do país.

· Escolher, por meio do voto, os governantes do país (presidente da República, deputados federais e estaduais, senadores, prefeitos, governadores de estados e vereadores).

· Respeitar os direitos dos outros cidadãos, brasileiros ou estrangeiros.

· Tratar com respeito e solidariedade a todos, principalmente os idosos, as crianças e as pessoas com deficiência.

· Proteger e educar, da melhor forma possível, os filhos e outras pessoas dependentes.

· Colaborar para a preservação do patrimônio histórico-cultural do país.

· Ter atitudes que ajudem na preservação do meio ambiente e dos recursos naturais.

A cultura e a educação são meios importantes para a formação da consciência política da população e para a valorização do indivíduo e da coletividade como forças políticas. Nesse processo de construção e incorporação do exercício da cidadania, podem estar presentes a participação em atividades comunitárias, a preocupação com o meio ambiente, o respeito à diversidade cultural, a atenção às diferenças sociais e a valorização da vida e da dignidade humanas.

Fim do complemento.

As propostas, os projetos, as leis e a condução das políticas de Estado são elaboradas, debatidas, votadas e concretizadas por aqueles que escolhemos, por meio do voto direto, como representantes políticos. No caso de repúblicas federativas presidencialistas como o Brasil, são os vereadores e o prefeito no nível municipal; os deputados estaduais e o governador no nível estadual; e os deputados federais, senadores e o presidente no nível federal. Suas decisões políticas influenciam diretamente nos mais diversos aspectos do nosso cotidiano: no preço do pão, no custo da energia elétrica, na possibilidade ou não de estudar em uma escola de qualidade, entre outras coisas.

LEGENDA: Charge de 2006, do cartunista Gilmar.

FONTE: Gilmar/Acervo do artista

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Nas repúblicas federativas presidencialistas, diferentes atribuições são delegadas aos diferentes representantes, a saber:

· Os membros eleitos do Poder Legislativo (vereadores, deputados e senadores) formulam leis e fiscalizam o Poder Executivo, aprovando e sugerindo emendas ao orçamento anual, ou seja, onde os recursos arrecadados devem ser empregados.

· Os membros do Poder Executivo, chefiados pelo prefeito (no município), pelo governador (no estado) e pelo presidente (no país), executam aquilo que as leis determinam, propõem o orçamento anual e administram as políticas, obras e serviços públicos.

· Os membros do Poder Judiciário julgam o cumprimento das leis. No caso do Brasil, o Legislativo e o Executivo são eleitos pelo voto popular, enquanto os membros do Judiciário são selecionados mediante concursos públicos.

A divisão de poderes em três esferas foi elaborada pelo pensador iluminista francês Charles de Montesquieu (1689-1755). Ele inspirou a elaboração de muitas constituições com sua obra O espírito das leis, de 1748. Montesquieu defendia que os poderes do Estado não deveriam se concentrar nas mãos de um só indivíduo ou de uma só instância social, pois tenderia a haver abuso. A ideia de Montesquieu é que cada poder funcione independentemente, mas sempre sob a fiscalização dos demais, para garantir um equilíbrio.

LEGENDA: Esboço de Oscar Niemeyer para a Praça dos Três Poderes, em Brasília, 1958. O Congresso Nacional, no centro da imagem, representa o Poder Legislativo; à esquerda e acima, o Palácio do Planalto, do Poder Executivo; e o Supremo Tribunal Federal, à direita, representa o Poder Judiciário.

FONTE: José Cruz/Agência Brasil

LEGENDA: Adolescente votando em seção eleitoral localizada no Rio de Janeiro (RJ), durante eleições de 2014. O voto é facultativo para os cidadãos de 16 e 17 anos, maiores de 70 anos e pessoas analfabetas.

FONTE: Luciana Whitaker/Pulsar Imagens

Aprendemos a fazer política também nas relações estabelecidas nos vários espaços sociais dos quais participamos.

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Há, no entanto, outros sentidos do conceito de política. Max Weber (1864-1920) expõe, em sua conferência Ciência e política: duas vocações (1919), que política é o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão de poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado. Para ele, a política se relaciona ao poder do Estado e aos indivíduos que aspiram obtê-lo.

Mas o que é o poder? Para Weber, o poder tem relação com a capacidade de mando de um indivíduo ou de um grupo de pessoas sobre determinada comunidade ou país. O poder, porém, não é uma via de mão única. Ele depende da legitimidade da dominação. Ou seja, é preciso que a dominação seja aceita pelos dominados para que se mantenha; é necessário um mínimo de interesse em obedecer à autoridade para que ela seja legítima.

Em uma visão mais alargada, o filósofo francês Michel Foucault (1926- -1984) destaca que o poder está em todas as relações sociais, e não apenas no Estado. Assim, o poder está presente nas microrrelações: na família (onde existe a autoridade do pai e da mãe), na sala de aula (na relação entre professor e aluno), nas instituições religiosas (com a autoridade do padre, do pastor ou de outros líderes em relação aos seus fiéis), nas relações de gênero (entre homens e mulheres), entre outras. Como diz Foucault, o poder não tem um lugar; ele está em todo lugar.

Podemos identificar relações de poder e exercício da política em todas as esferas de nossa vida. Poder é uma prática social, no sentido de que é algo que se exerce e se efetua, e há sempre múltiplas resistências dentro da própria rede de poder. Para Foucault, em sua obra Microfísica do poder, publicada pela primeira vez em 1979, é possível verificar esses poderes mínimos em qualquer situação concreta, pois o poder se difunde mediante mecanismos muito sutis de controle e regulamentação da conduta humana em sociedade. O poder se distribui e se transforma, seja na divisão do trabalho, na disciplina, no desenvolvimento tecnológico do capitalismo, nas hierarquias, seja nos exercícios e treinamentos.

FONTE: Filipe Rocha/ Arquivo da editora



Debate

Quando o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-) nos mostra o princípio da democracia - o poder de todos -, revela a importância da conquista da cidadania:



Esta ideia [de cidadão como membro de um corpo político e titular do decidir, com outros membros, sobre direitos e deveres, prerrogativas e obrigações] foi lançada na fundação da democracia moderna e da visão de república - res publica - como um corpo político cujos membros deliberam coletivamente sobre como moldar as condições de sua coabitação, cooperação e solidariedade.

Tal modelo de democracia moderna nunca foi completamente implementado. [...] Enquanto os poderes constituídos promovem o governo de poucos, a democracia é uma constante alegação em nome de todos [...].

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 74.

· Quais práticas de nossa sociedade levam a identificar o caráter político afirmativo da democracia? Promovam um debate questionando em que aspectos a realidade atual do país se distancia dessa ideia inicial.

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Cidadania: entre o público e o privado

O pensador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859), como outros autores clássicos, discutiu a cidadania pela óptica do espaço urbano, pois a cidade é o local onde primeiro se manifesta a distinção entre o poder público e o poder privado. A delimitação entre o espaço público (de interesse geral) e o espaço privado (restrito a indivíduos) articula-se justamente por meio do Estado.

Pensar a cidadania entre as duas esferas - a pública e a privada - torna possível entendê-la como o conjunto de direitos e deveres na convivência coletiva. A tensão permanente entre indivíduo e sociedade que a cidadania faz surgir é própria da vida política e é encontrada em muitos âmbitos da vida, seja no uso e na conservação dos transportes públicos, seja na reivindicação por creches e escolas, por empregos, acesso à moradia e muitas outras situações.

A cidadania diz respeito às relações entre o Estado e os cidadãos, definindo o espaço público quanto a direitos e obrigações dos cidadãos.

LEGENDA: Voluntários participam de mutirão de limpeza durante a 46ª Ação Voluntária EcoFaxina, realizada em praia do Guarujá (SP). Foto de 2014. Por se constituir em um espaço que ao mesmo tempo é de todos e não é propriedade de ninguém, a esfera pública está sujeita tanto ao descaso dos indivíduos como ao benefício de ações coletivas.

FONTE: William R. Schepis / Instituto EcoFaxina

A filósofa política alemã Hannah Arendt (1906-1975) definiu a esfera pública como o "mundo comum" - aquilo que é de todos e, ao mesmo tempo, aparentemente não é de ninguém. Isso implica respeito e responsabilidade ao que é de todos para que cada um possa usufruir esse mundo comum. Quando os membros de uma sociedade perdem essa noção, há um declínio da esfera pública com consequências sociais graves para o conjunto das relações: há a privatização do que deveria ser de todos, a democracia se restringe e os direitos coletivos ficam diminuídos, dando margem ao fenômeno da corrupção.

A Ciência Política aponta a origem da corrupção política na queda da monarquia absolutista. Até então, tudo pertencia ao rei; no momento em que o Estado moderno é instituído, os bens do rei ou governante são separados dos recursos do Estado, e a apropriação destes por qualquer indivíduo ou grupo passa a ser proibida e considerada um ato de corrupção.

LEGENDA: O palácio de Versalhes e seus jardins em pintura de Pierre Patel, de 1668. A pomposa construção foi sede da corte francesa e símbolo da monarquia absolutista de Luís XIV.

FONTE: The Bridgeman Art Library/Getty Images



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A esfera privada corresponde aos interesses particulares. A palavra privado, originalmente, tem relação com privação, afirma Arendt: ter uma vida inteiramente privada significa ser destituído de ser visto e ouvido pelos outros. A possibilidade de estar com os outros, de estabelecer interações com os grupos sociais, insere o indivíduo no espaço público.

A esfera pública e a esfera privada nasceram de uma transformação histórica da propriedade. Na passagem da era feudal para a moderna, os reis e seus súditos assumiram sua condição de proprietários, exigindo proteção para seus bens e propriedades. Com isso, a riqueza se transformou em capital, ou seja, passou a ser um proveito para o indivíduo. Na modernidade, essa divisão entre as esferas pública e privada se acentuou.

Atualmente a questão dos direitos civis engloba os direitos de grupos dentro da sociedade - mulheres, negros, indígenas, idosos, migrantes, imigrantes, sem-terra, sem-teto, homossexuais, pessoas com deficiência e outros grupos historicamente discriminados ou marginalizados. Esses grupos hoje se organizam para reivindicar tratamentos específicos e espaços que lhes foram tirados ou negados.

O debate sobre cidadania, promovido também pelas Ciências Sociais, contribui para que ela seja alcançada nas sociedades contemporâneas.

LEGENDA: Atendente com deficiência física durante o trabalho no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), em São Paulo (SP). Foto de 2012.

FONTE: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Pausa para refletir

Observe atentamente a charge de Angeli reproduzida a seguir. Ela faz uma crítica social e nos reporta aos direitos de cidadania.

FONTE: Angeli/Acervo do cartunista

1. Escreva, em poucos parágrafos, sobre como você percebe os direitos de cidadania e as dificuldades para que todos possam viver uma cidadania plena em nosso país.

2. Relate algum caso que você conheça e que tenha significado uma conquista ou uma ampliação de direitos de cidadania.

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Tem prevalecido como ideal em nossa sociedade e entre cientistas sociais a concepção universalista dos direitos do indivíduo. Essa concepção se baseia no reconhecido direito do ser humano à dignidade e articula esses direitos individuais aos sociais e coletivos. Assim, a sociedade estabelece leis e regras de convivência para garantir os direitos e a segurança dos cidadãos, até mesmo contra ações muitas vezes arbitrárias do Estado. No Brasil, o Ministério Público fiscaliza o cumprimento das leis em defesa do patrimônio nacional e dos interesses sociais e individuais. Desde a Constituição de 1988, esse órgão atua em favor dos interesses difusos e coletivos, como meio ambiente, consumidor, patrimônio histórico, turístico e paisagístico; atua também em favor dos direitos das pessoas com deficiência, das crianças e dos adolescentes, das comunidades indígenas e das minorias étnico-sociais.

Hoje, de modo geral, o Estado procura assegurar, por meio de políticas públicas, certas condições de vida que a sociedade considera necessárias à população. No entanto, as interpretações teóricas divergem sobre o papel dessa instituição social e a forma como ela de fato atua. É o que veremos a seguir.

Glossário:



dignidade: no campo da Ética e da Filosofia Política, significa respeito e tratamento ético.

Fim do glossário.



Pesquisa

Você conhece alguma política pública realizada no Brasil (na sua cidade ou estado)? Em equipe, pesquisem um projeto - ou uma política pública - e identifiquem por que ele existe e a quem ele pretende atender. Observem que é possível encontrar programas de governo que se destinam a diferentes segmentos da população, como idosos, desempregados, pessoas com deficiência, minorias sociais, relativos a políticas públicas de saúde, educação, trabalho, transporte, etc. Sistematizem por escrito os resultados dessa pesquisa e apresentem para a turma.



Estado e sociedade

Desde a Idade Moderna, o exercício do poder político legítimo é considerado em nossa sociedade uma atividade própria do Estado. Um dos primeiros estudiosos a fornecer as bases para essa concepção foi o historiador e diplomata italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527). Ele acompanhou a centralização política que ocorria em outras partes da Europa e procurou orientar a unificação das cidades italianas em um Estado, a fim de que não permanecessem vulneráveis aos exércitos de outras nações.

Por ter se dedicado a estudar o poder e a política com base nos acontecimentos, e não apenas em ideais, Maquiavel é considerado um precursor da Ciência Política. Em seu livro clássico O príncipe (1513), ele aconselha ao soberano que se faça temido pelos governados (inclusive com o uso da força) sem, no entanto, ser odiado. Essa perspectiva menos idealizada da política foi a base para que, séculos depois, Weber destacasse que a dominação só se legitimaria se fosse aceita pelos dominados.

Glossário:



Idade Moderna: período que, segundo a historiografia tradicional, se estende de 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, até 1789, com a Revolução Francesa.

Fim do glossário.



248

Boxe complementar:



Concepções de Estado e sociedade civil na Idade Moderna

A primeira definição de sociedade civil foi elaborada pelo filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679). Ele acreditava que, em seu estado natural, os homens lutavam uns contra os outros pelo poder e por riquezas. Por isso, os indivíduos abrem mão de sua liberdade e concebem regras de convivência a fim de garantir condições mínimas de estabilidade. Forma-se, assim, a sociedade civil - que, no pensamento de Hobbes, é sinônimo de Estado.

Para o filósofo inglês John Locke (1632-1704), a sociedade civil é mais um aprimoramento do estado natural do que uma solução para ele. O ser humano, livre e igual por natureza, precisa de um poder imparcial e legítimo para mediar conflitos, garantindo os direitos que já tinha no estado natural: à vida, à liberdade, à saúde e à propriedade. Além da ideia de igualdade no nascimento, o respeito à propriedade como um direito natural do indivíduo atendia aos interesses da burguesia em ascensão na Inglaterra do século XVII.

Conforme a burguesia e o Estado moderno se consolidavam na Europa, a noção de sociedade civil foi se distanciando da de sociedade política. Durante a Idade Média, tanto o poder como a propriedade eram hereditários. Na sociedade burguesa moderna, esses dois aspectos se desvinculam: embora, na sociedade civil, a propriedade continue sendo transmitida de pai para filho, o poder político passa a obedecer a normas e leis próprias. Segundo o cientista político italiano Luciano Gruppi (1920-2003), garante-se a democracia no âmbito da sociedade política, desde que esta não interfira na propriedade e na livre iniciativa econômica.

Se Locke considerava a propriedade privada um direito natural, para o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ela era justamente a origem da desigualdade e da corrupção moral. A sociedade civil, instaurada com a invenção da propriedade, seria uma degeneração do estado de natureza, no qual os seres humanos eram bons, livres e felizes. Para Rousseau, os indivíduos só recuperariam as qualidades perdidas quando a sociedade civil se transformasse em sociedade política, na qual a vontade geral do povo seria soberana - ou seja, na qual as leis e regras a serem seguidas emanassem do próprio povo.

LEGENDA: A coroação de Guilherme III, em 1689, como rei da Inglaterra. Para ser coroado após a Revolução Gloriosa, Guilherme de Orange aceitou os termos da Declaração de Direitos, pela qual, na prática, repassava o poder político para o Parlamento. Gravura de 1860.

FONTE: Diosphere Ltd./Diomedia

Fim do complemento.

O que é e como funciona o Estado? Não há uma visão única sobre isso. Na interpretação do filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895), o Estado é um produto da sociedade e seu papel é amortecer os conflitos sociais, evitar os choques entre as classes e, de certo modo, assegurar a reprodução do sistema social. Eis a sua concepção:

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é "a realidade da ideia moral", ou "a imagem e a realidade da razão". É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição consigo mesma e está dividida por antagonismos irreconciliáveis [...]. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, torna-se necessário um poder colocado aparentemente acima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Esse poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e distanciando-se cada vez mais, é o Estado.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Global, 1985. p. 227.



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Já o filósofo político grego Nicos Poulantzas (1936-1979) pensou o Estado como uma relação de forças, uma relação de poder entre as classes sociais e no próprio interior delas. Para o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), o Estado é composto por aparelhos ou instituições sociais (como é o caso do exército, da administração, do sistema judiciário e do aparato da polícia) e tem por função a repressão, ou seja, a manutenção da ordem social. Esta, por sua vez, é moldada pelos interesses da classe dominante, que faz com que o Estado esteja a seu serviço.

Na concepção do sociólogo Max Weber, o Estado só pode existir quando os seres humanos se submetem à autoridade de um grupo dominante. Nesse sentido, quando essa instituição se constitui, estabelece-se um "monopólio da violência legítima". Em outras palavras, a população obedece a um grupo dominante mediante uma violência reconhecida e amparada legalmente.

Acompanhe, no quadro a seguir, a perspectiva de diferentes autores sobre a natureza do Estado.

LEGENDA: Estudantes entram em confronto com o Batalhão de Choque da Polícia Militar, durante protesto, em 2012, contra o aumento de passagens do transporte público na Região Metropolitana do Recife (PE). Para Althusser, aparelhos como a polícia estão a serviço da ordem social vigente.

FONTE: Teresa Maia/DP/D.A Press



Interpretações sobre a natureza do Estado

Karl Marx (1818-1883)

No Estado prevalece o poder organizado de uma classe social que é dominante por deter a propriedade dos meios materiais de produção. Há, na estrutura da sociedade, dois níveis articulados: a base e a superestrutura. A base comporta a unidade de forças produtivas e relações de produção; já a superestrutura é composta das instâncias jurídico-políticas (o Direito e o Estado) e ideológicas (a moral, a ciência, a Filosofia, etc.).

Friedrich Engels (1820-1895)

O Estado é um produto da sociedade e tem como papel amortecer os conflitos e os choques entre as classes e assegurar a reprodução do sistema social.

Max Weber (1864-1920)

O Estado existe quando há obediência à autoridade de um grupo dominante e essa relação de dominação está fundada na violência legítima, legalmente reconhecida.

Antonio Gramsci (1891-1937)

O Estado tem papel importante nos campos cultural e ideológico, bem como na organização do consentimento - ou seja, busca legitimar-se perante a sociedade civil não apenas pela coerção, mas, sobretudo, buscando convencê-la a aceitar a autoridade.

Louis Althusser (1918-1990)

As relações de poder necessitam de instituições que as reproduzam - escola, família, igreja, veículos de comunicação, que são os aparelhos ideológicos do Estado. O poder e a ideologia, fenômenos correlatos, são exercidos por essas organizações formais mediante símbolos e práticas sociais.

Nicos Poulantzas (1936-1979)

Embora o Estado capitalista não seja um instrumento totalmente controlado pela classe dominante, em razão das lutas entre as frações que a compõem, ele fornece o quadro para que os operários não se reconheçam como integrantes de uma mesma classe. Isso ocorre com a criação de noções como a de identidade nacional, que submetem todos a um conjunto unificado de regras e instituições.

Octavio Ianni (1926-2004)

O Estado não é apenas um órgão da classe dominante, pois responde aos movimentos das outras classes sociais e age conforme as determinações das relações entre elas. Ele faz parte do jogo de interesses sociais.

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Boxe complementar:



Encontro com cientistas sociais

Max Weber teoriza sobre as características do Estado moderno. Uma delas é o emprego da violência legítima. Leia com atenção e responda à questão.



É conveniente definir o conceito de Estado em correspondência com seu tipo moderno - já que em seu pleno desenvolvimento é inteiramente moderno - mas abstraindo seus fins concretos e variáveis, tal como o vivemos. Caracteriza hoje formalmente ao Estado ser uma ordem jurídica e administrativa - cujos preceitos podem variar - pela qual se orienta a atividade [...] que se pretende válida aos membros da associação - que a ela pertencem essencialmente por nascimento - como também toda ação executada no território a que se estende a dominação [...]. É, portanto, característico: que hoje só exista coação "legítima" desde que a ordem estatal o permita ou prescreva.

WEBER, Max. Economía y sociedad. v. 1. Bogotá: Fondo de Cultura Económica, 1977. p. 45. Texto traduzido.

· O monopólio do poder estatal é um traço atual, semelhante à racionalidade da empresa moderna, segundo Weber. Identifique situações em que o Estado contemporâneo, disputando poder com outras instituições sociais, faz valer seu caráter de coação legítima, amparada pela lei e aceita como tal.

Fim do complemento.



Estado e governos

Ao mesmo tempo que o Estado se revela necessário na sociedade atual, ele é foco de contradições e problemas de diversas ordens. Na contemporaneidade, observamos disputas pelo poder estatal entre as classes sociais e pelos grupos de diferentes partidos políticos.

Preocupados com teorias que possam explicar o Estado e suas transformações, os cientistas sociais fazem um balanço histórico sobre essa questão e se perguntam: que tipo de Estado existia há cem anos, aqui no Brasil, na Europa, na América do Norte, na África ou na Ásia? O cientista político sueco Göran Therborn (1941-) responde:

Em quase todos os países tínhamos aparatos estatais oligárquicos, sem participação da maioria da população, dos trabalhadores. As mulheres estavam excluídas dos direitos políticos em todos os países independentes do mundo. O racismo encontrava-se institucionalizado em lei e normas em um grande número de países. Uma parte significativa do mundo era governada por forças coloniais ou por dinastias imperiais. Em comparação com tudo isso, que Estado temos agora? Na grande maioria dos países, institucionalizaram-se Estados democráticos, onde o sexismo e o racismo são, pelo menos, vergonhas ilegais, embora, naturalmente, ainda persistam. Estados onde certos serviços sociais, como por exemplo a educação, formam parte da rotina cotidiana do aparato estatal. Tal trajetória teve custos enormes: as duas guerras mundiais, numerosas guerras civis e coloniais, revoluções e contrarrevoluções, ditaduras sangrentas e repressões brutais. [...]. Em um balanço geral podemos ver como durante essas décadas também se produziram importantes progressos, assim como um número significativo de lutas pela emancipação e pela liberdade.

THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século. In: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (Org.). Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia?. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 88.

FONTE: Filipe Rocha/Arquivo da editora

LEGENDA: Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão do Congresso Nacional realizada em 2015, para a votação da Medida Provisória 665/14, que trata de novas regras para o acesso ao seguro-desemprego.

FONTE: Marcelo Camargo/Agência Brasil

251

Além da centralização da administração da coisa pública, um dos aspectos do desenvolvimento do Estado moderno é o seu vínculo com a democracia - um regime político em que o poder é legítimo por se originar do povo e se apoiar nele. Independentemente da forma e do conteúdo que o Estado possa assumir na história, trata-se de uma instituição social distinta do conceito de governo. Os governos são formados pelos grupos que temporariamente ocupam o aparelho de Estado para gerir o poder político; eles passam, mas o Estado permanece.

Segundo Foucault, o governo é definido como uma maneira correta de dispor as coisas para conduzi-las não ao bem comum, mas a um objetivo adequado a cada uma delas, o que implica

[...] uma pluralidade de fins específicos como, por exemplo, fazer com que se produza a maior riqueza possível, que se forneça às pessoas meios de subsistência suficientes, e mesmo na maior quantidade possível, que a população possa se multiplicar, etc. Portanto, [...] não se trata de impor uma lei aos homens, mas de dispor as coisas, isto é, utilizar mais táticas do que leis, ou utilizar ao máximo as leis como táticas. Fazer, por vários meios, com que determinados fins possam ser atingidos.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 9ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 284.

As mudanças no Estado se relacionam em geral com os grupos que estão no poder e com seus projetos políticos. Essa é a eterna contradição do Estado: teoricamente ele existe para atender a todos, mas muitas vezes, ignorando e subvertendo as leis, grupos o direcionam para que ele atenda a determinados interesses econômicos, mercados e elites políticas. Quando certos governos buscam cooptar o Estado, tendem a se confundir com ele, causando prejuízos para a cidadania.

LEGENDA: Charge de Laerte.

FONTE: Laerte/Acervo do cartunista



252

Os partidos políticos, no exercício do poder ou não, e certos grupos sociais que praticam lobby político impõem determinadas características ao Estado. No Estado corporativo, por exemplo, organizam-se corporações para representar politicamente os diferentes interesses econômicos, industriais e profissionais. A expressão mais conhecida do modelo de Estado corporativo foi o Estado fascista italiano, vigente entre 1922 e 1945. Sob a liderança autoritária do líder fascista Benito Mussolini (1883-1945), o Estado italiano organizou instâncias de representação das diferentes categorias profissionais, pelas quais elas fariam reivindicações ao governo. Porém, os representantes dessas categorias eram escolhidos pelo Estado, e não pelos próprios representados. Assim, as corporações constituíam uma esfera movida pelos interesses particulares desses supostos representantes.

Outro caso em que os interesses de grupos sociais misturam-se com os do aparelho público foi a República brasileira no período de 1889 a 1930, chamada por alguns de "República dos coronéis" ou "dos fazendeiros" e pela historiografia mais recente de República oligárquica. Esses grupos colocavam o Estado a serviço de seus interesses particulares, e não da coletividade e do povo, como prevê o termo república em sua origem - res publica, em latim, significa 'coisa pública'.

Glossário:



lobby: forma de convencer parlamentares ou executivos do governo (além de funcionários próximos, como assessores e secretários) a tomar uma determinada decisão para atender a interesses particulares ou gerais.

corporação: conjunto organizado de pessoas com afinidades de ideias e de profissão e interesses sociais definidos, sujeito a regulamento e estatuto.

Fim do glossário.

Boxe complementar:


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