. Acesso em: maio 2016.
*UFPA: Universidade Federal do Pará.
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a) O que você pensa sobre os jovens indígenas serem educados em locais considerados no imaginário popular como instituições educacionais de “brancos”?
b) Quais argumentos favoráveis e contrários são frequentemente usados quando o assunto é “políticas de cotas” ou “política de reservas de vagas em universidades”?
c) A construção de um direito individual ou coletivo relaciona-se com princípios de justiça. No caso das políticas de ação afirmativa, qual princípio de justiça as fundamenta?
[ícone] ATIVIDADE INTERDISCIPLINAR
EXERCITANDO A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA
TEMA DE REDAÇÃO DO VESTIBULAR DA FUVEST (2014)
Leia o seguinte extrato de uma reportagem do jornal inglês The Guardian, de 22 de janeiro de 2013, para em seguida atender ao que se pede:
O ministro de finanças do Japão, Taro Aso, disse na segunda-feira (dia 21) que os velhos deveriam “apressar-se a morrer”, para aliviar a pressão que suas despesas médicas exercem sobre o Estado.
“Deus nos livre de uma situação em que você é forçado a viver quando você quer morrer. Eu acordaria me sentindo cada vez pior se soubesse que o tratamento é todo pago pelo governo”, disse ele durante uma reunião do conselho nacional a respeito das reformas na seguridade social. “O problema não será resolvido, a menos que você permita que eles se apressem a morrer”.
Os comentários de Aso são suscetíveis de causar ofensa no Japão, onde quase um quarto da população de 128 milhões tem mais de 60 anos. A proporção deve atingir 40% nos próximos 50 anos.
Aso, de 72 anos de idade, que tem funções de vice-primeiro-ministro, disse que iria recusar os cuidados de fim de vida. “Eu não preciso desse tipo de atendimento”, declarou ele em comentários citados pela imprensa local, acrescentando que havia redigido uma nota instruindo sua família a negar-lhe tratamento médico para prolongar a vida.
Para maior agravo, ele chamou de “pessoas-tubo” os pacientes idosos que já não conseguem se alimentar sozinhos. O ministério da saúde e do bem-estar, acrescentou, está “bem consciente de que custa várias dezenas de milhões de ienes” por mês o tratamento de um único doente em fase final de vida.
Mais tarde, Aso tentou explicar seus comentários. Ele reconheceu que sua linguagem fora “inapropriada” em um fórum público e insistiu que expressara apenas sua preferência pessoal. “Eu disse o que eu, pessoalmente, penso, não o que o sistema de assistência médica a idosos deve ser”, declarou ele a jornalistas.
Não foi a primeira vez que Aso, um dos mais ricos políticos do Japão, questionou o dever do Estado para com sua grande população idosa. Anteriormente, em um encontro de economistas, ele já dissera: “Por que eu deveria pagar por pessoas que apenas comem e bebem e não fazem nenhum esforço? Eu faço caminhadas todos os dias, além de muitas outras coisas, e estou pagando mais impostos”.
theguardian.com, Tuesday, 22 January 2013. Traduzido e adaptado.
Considere as opiniões atribuídas ao referido político japonês, tendo em conta que elas possuem implicações éticas, culturais, sociais e econômicas capazes de suscitar questões de várias ordens: essas opiniões são tão raras ou isoladas quanto podem parecer? O que as motiva? O que elas dizem sobre as sociedades contemporâneas? Opiniões desse teor seriam possíveis no contexto brasileiro? Como as jovens gerações encaram os idosos?
Escolhendo, entre os diversos aspectos do tema, os que você considerar mais relevantes, redija um texto em prosa, no qual você avalie as posições do citado ministro, supondo que esse texto se destine à publicação – seja em um jornal, uma revista ou em um site da internet.
Instruções:
■ A redação deve ser uma dissertação, escrita de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.
■ Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível. Não ultrapasse o espaço de 34 linhas da folha de redação.
■ Dê um título a sua redação.
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15 Quem faz e como se faz o Brasil?
Galeria Jacques Ardies, São Paulo
Edgar Calhado. Colhedores de bananas, 2004. Óleo sobre tela, 50 cm × 70 cm.
A Sociologia e o mundo do trabalho
Você já foi apresentado a um sociólogo que considera o mundo do trabalho elemento precioso para o entendimento da sociedade. Ao observar a vida social de seu tempo, Émile Durkheim deu-se conta do quanto ela havia sido modificada pelas novas formas de produzir bens. Para ele, era no ambiente das fábricas, das corporações, do trabalho enfim, onde os homens e as mulheres passavam a maior parte de seu tempo, que eles aprendiam a se relacionar com os ofícios e as pessoas com as quais conviviam. Por isso mesmo Durkheim considerava que um bom caminho para conhecer essas relações era prestar atenção a esses ambientes. O que as pessoas faziam ali? Só cumpriam tarefas? Ou interagiam umas com as outras?
Da mesma forma, nós também podemos nos perguntar: Onde passamos a maior parte do tempo? O que fazemos com nossos dias? Como nos ocupamos e onde estamos quando estamos ocupados? Essas perguntas mobilizam muito as pessoas em nossa sociedade. “O que você quer ser quando crescer?” acabou sendo uma maneira corriqueira de perguntar às crianças como elas se imaginam quando ficarem adultas. Mas é também uma maneira de pôr na cabeça das crianças que elas devem se imaginar em alguma ocupação, cumprindo alguma tarefa, trabalhando em algum lugar. A pergunta indica que fazer parte da sociedade é estar inserido em alguma atividade produtiva.
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A sociedade urbana criou uma diversidade de ocupações e de espaços onde se pode trabalhar. Como vimos com Durkheim, se os trabalhadores passam a maior parte do tempo no local de trabalho, eles têm de aprender ali o que podem ou não fazer, que atitude se espera deles, como devem conviver com os que estão a seu lado. Alguns são chefes, outros, subordinados, outros, ainda, colegas na mesma posição. O que interessava a Durkheim ao observar esse tipo de ambiente era perceber ali a sociedade que estava em funcionamento. Como ele identificava essa sociedade? Pelas regras, normas e orientações definidas para que todos soubessem como deveriam proceder e como seriam punidos caso não respeitassem o que fora estipulado. Conhecendo as regras do mundo do trabalho, seria possível entrar em contato com a moralidade que dirigia o comportamento das pessoas – boa pista para perceber como a sociedade funciona.
Acontece que nem sempre todas as pessoas têm trabalho, e nem todas, mesmo trabalhando, o fazem em lugares fixos. No Brasil, fala-se muito em trabalho formal e trabalho informal. O trabalho formal é aquele regulado por regras precisas: carteira assinada, número preestabelecido de horas de trabalho, salário correspondente à função, direito a férias e 13º salário, pagamento de impostos e da contribuição para a Previdência Social com vista à aposentadoria. Mas, no Brasil, existe um número grande de jovens e adultos que estão fora do ambiente formal. Segundo os dados fornecidos pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, em 2016, 8% da população estava empregada sem carteira de trabalho assinada no setor privado e 20% trabalhava por conta própria nas regiões metropolitanas de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
Quando entramos no universo do trabalho, percebemos que muitas questões estão em jogo: oportunidades abertas no mercado, condições de trabalho, respeito aos direitos do trabalhador. Nada disso é natural, surgiu espontaneamente ou é realidade no país como um todo. Os direitos que os trabalhadores adquiriram foram conquistas históricas, embora nem sempre respeitadas em todos os lugares ou da mesma maneira. Vamos entender melhor esse importante capítulo da História do Brasil?
Começamos mal ou o passado nos condena?
Os historiadores Ida Lewkowicz, Horacio Gutiérrez e Manolo Florentino iniciam seu livro Trabalho compulsório e trabalho livre na História do Brasil destacando o fato de que “o trabalho no período colonial no Brasil pautou-se por modalidades compulsórias, sendo a escravidão a principal e a mais cruenta de todas”. Tudo começou quando a população que habitava a terra foi capturada pelos portugueses, que aqui aportaram em 1500, para trabalhar na extração do pau-brasil a ser vendido no mercado internacional. Os nativos – povos diferentes, que os portugueses chamaram genericamente de índios – foram, portanto, as primeiras cobaias dessa forma compulsória, obrigatória, de trabalhar. Posteriormente, as tentativas de aprisionamento e escravização dessas populações tiveram como meta o cultivo da cana-de-açúcar. Era um trabalho pesado, desgastante e, segundo nossos historiadores, “considerado feminino” na prática cultural indígena, contra o qual os nativos se rebelaram.
Museu de Arte de São Paulo
Agostino Brunias (c. 1730-1796). Índios atravessando um riacho. Óleo sobre tela, 80 cm × 112 cm.
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Os hábitos europeus de trabalho se chocavam brutalmente com os das culturas nativas. Mas, a partir de meados do século XVI, os colonizadores contaram com a ajuda de religiosos empenhados na conversão dos indígenas à fé cristã. Nessa campanha de catequização cabia também o treinamento para novos hábitos de vida e de trabalho, ou seja, para comportamentos mais afinados com os costumes europeus. Tentou-se, assim, criar um campesinato indígena. Segundo os dados dos religiosos, em 1600 mais de 50 mil indígenas viviam em aldeamentos voltados para o trabalho no campo. Imagine quão violento deve ter sido o contato dos nativos com o colonizador, que, mais forte, chegou impondo hábitos totalmente estranhos! No sul da colônia, os indígenas que tentavam escapar dos espanhóis foram acolhidos pelos jesuítas. Mas não conseguiram escapar dos bandeirantes, que aprisionaram milhares deles e os conduziram ao cativeiro em marcha forçada.
As capturas de nativos se espalharam muito, a ponto de o antropólogo Carlos Fausto afirmar que, no século que se seguiu à chegada dos portugueses à América, houve um “re po voa men to” do território. Os nativos foram dizimados aos milhares. A história do trabalho na colônia teve um começo cruel que prosseguiu com mais sofrimento. Aos indígenas seguiram-se os negros africanos, que já vieram escravizados de seu continente de origem.
O mercado de gente
Comprar e vender pessoas para o trabalho forçado – é disso que se trata quando falamos da escravidão no Brasil. O comércio de pessoas na costa africana alimentou o território brasileiro com mão de obra farta e continuada de meados do século XVI a meados do século XIX, o que significa que por mais de 300 anos a sociedade brasileira conviveu com uma prática de trabalho cruel e condenável.
As cifras são implacáveis. Veja no mapa a seguir.
© DAE Alessandro Passos da Costa
Fonte: ELTIS, David; RICHARDSON, David. Atlas of the transatlantic slave trade. Londres: Yale University Press Books, 2010.
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O trabalho escravo espalhou-se por amplos setores da produção. O cultivo da cana-de-açúcar, no Nordeste, somado à atividade dos engenhos, foi o que mais utilizou o trabalho forçado. Nos séculos XVI e XVII, o nordeste foi, assim, o principal destino dos africanos escravizados. Mas a economia do Período Colonial contou ainda com uma intensa produção de café nas fazendas do Rio de Janeiro e São Paulo, além da atividade mineradora, sobretudo em Minas Gerais.
Como escreveu André João Antonil (1649-1716) em um livro clássico intitulado Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas, publicado em 1711, os escravizados eram “as mãos e os pés do senhor de engenho”. Mas não só dele: também do senhor do café, dos que extraíam metais preciosos nas minas, dos que criavam gado, dos que movimentavam a produção em todas as escalas.
Tão extensa foi a participação dos escravos em toda a rotina da vida dos senhores, e tão identificado ficou o trabalho com os negros, que Ina von Binzer, educadora alemã que morou em uma fazenda de café do Rio de Janeiro no final do século XIX, contratada como preceptora dos filhos do fazendeiro, escreveu em carta a uma amiga que ficara na Alemanha:
Neste país, os pretos representam o papel principal; acho que, no fundo, são mais senhores do que escravos dos brasileiros. Todo trabalho é realizado pelos pretos, toda a riqueza é adquirida por mãos negras [...]. Todo o serviço doméstico é feito por pretos; é um cocheiro preto quem nos conduz, uma preta quem nos serve, junto ao fogão o cozinheiro é preto e a escrava amamenta a criança branca; gostaria de saber o que fará essa gente, quando for decretada a completa emancipação dos escravos...
BINZER, Ina von. Os meus romanos: alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil. Introdução Antonio Callado. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 34.
Embora a educadora alemã considerasse os negros “mais senhores do que escravos”, pela capacidade de trabalho que demonstravam e pela agilidade com que se moviam em todas as funções, o regime de escravidão se caracterizava pela ausência completa de direitos: o escravo não era remunerado, sua jornada de trabalho não tinha limites prefixados, não havia descanso garantido nem liberdade de escolher onde e para quem trabalhar. Muitos escravos que conseguiam a alforria – ou seja, a liberdade concedida pelo senhor – prosseguiam nas atividades produtivas, e alguns até conseguiam comprar escravos para trabalhar em seus ne gó cios. Mas, mesmo vivendo em liberdade, os negros não eram considerados semelhantes aos brancos. Muitas ocupações e postos de trabalho lhes eram proibidos.
Com a Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, às vésperas da Proclamação da República, em 1889, o trabalho no Brasil tornou-se, por lei, livre. Mas a caminhada foi longa, e desde então os trabalhadores construíram uma história de resistências, lutas, conquistas e retrocessos, que se confunde com a dos movimentos coletivos por mais justiça nas sociedades.
Museus Castro Maya/IBPC, Rio de Janeiro
Jean-Baptiste Debret. Carregadores de café a caminho da cidade, 1826. Aquarela sobre papel, 15,9 cm × 22 cm. A imagem retrata a vida de trabalhadores escravizados no Brasil antes de 1888.
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Trabalho livre: libertos e imigrantes
Florestan Fernandes, importante sociólogo brasileiro, escreveu um livro considerado clássico na Sociologia. A integração do negro na sociedade de classes é o título desse trabalho, que trata da passagem do regime escravista para o do trabalho livre em nosso país. O livro nos mostra como, saindo de uma longa tradição escravista, sem acesso aos benefícios socias – estudo, proteção social, preparação psicológica, educação para o mercado –, o negro liberto foi jogado na sociedade competitiva sem nenhuma habilidade para competir. Era um jogo condenado ao fracasso, que reproduzia tudo de negativo que a sociedade divulgava sobre os negros, uma imensa parcela da população desprovida de qualquer direito à cidadania. Como se não bastasse, eles teriam de enfrentar todos os preconceitos que ficaram enraizados nos costumes da sociedade, marcando-os como inferiores, incapazes, em suma, inabilitados para o trabalho livre, que exigia iniciativa, conhecimento e capacidade.
Completadas duas décadas de república, o Brasil passou a estimular a vinda de imigrantes para o desenvolvimento da cultura cafeeira, sobretudo no estado de São Paulo. A entrada de estrangeiros de várias nacionalidades – italianos, espanhóis, alemães, japoneses – foi tão grande que em 1930 foi aprovada a Lei dos Dois Terços, estabelecendo que as empresas tinham de ter em seus quadros dois terços de trabalhadores brasileiros. Se foi preciso promulgar uma lei protegendo os trabalhadores nacionais, é porque havia uma real ameaça de as vagas serem ocupadas majoritariamente pelos imigrantes. Vejamos os números: em 1889, quando o governo paulista abriu as portas à imigração para abastecer de braços a lavoura cafeeira, entraram no estado cerca de 2 milhões de imigrantes, um terço deles vindos da Itália. Em 1932, 33 mil fazendas de café do oeste paulista, equivalentes a 42% do total, estavam nas mãos de italianos, portugueses e espanhóis. Os imigrantes italianos, que vinham de precárias condições de trabalho em seu país de origem, engajaram-se também no trabalho fabril, que começava a se disseminar no fim do século XIX. Tiveram, aqui também, uma vida de sacrifícios, escrita e lembrada em muitas pesquisas feitas por historiadores e sociólogos.
O período conhecido como Primeira República (1889-1930) ferveu em manifestações de trabalhadores pela conquista de direitos. Depois do primeiro marco importante na história dos direitos trabalhistas, representado pela Abolição da Escravatura, uma longa caminhada se iniciou.
Florestan Fernandes
(São Paulo, 22 de julho de 1920 – São Paulo, 10 de agosto de 1995)
Luzia Ferreira/Folhapress
Florestan Fernandes, 1995.
Filho de uma empregada doméstica, Florestan Fernandes teve sua educação formal interrompida ainda na infância devido à necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da família. Trabalhou como engraxate e em outros serviços, mas continuou a estudar por conta própria, lendo diversos livros que encontrava em sebos. No fim da década de 1930, graças ao apoio de pessoas ligadas à sua madrinha – a patroa de sua mãe – e de clientes de um bar onde trabalhava como garçom, retomou os estudos no curso noturno. Ingressou em seguida no curso de Ciências Sociais e Políticas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP). Em 1945, tornou-se professor e pesquisador dessa mesma faculdade.
As mudanças sociais, econômicas e políticas que ocorreram com a urbanização, a industrialização e a migração interna, a partir das décadas de 1940 e 1950, tiveram grande impacto no pensamento de Florestan Fernandes. Convencido de que a reflexão sociológica poderia criar condições para a mudança social, acreditava também que, para tanto, era necessário estabelecer a Sociologia como ciência no país. A Sociologia foi, assim, seu ponto de partida tanto para trabalhar em defesa da educação pública quanto para denunciar e lutar contra o Regime Militar.
Preso em 1964, após o Golpe Militar, foi liberado em pouco tempo, mas, em 1969, foi afastado da USP e aposentado pelo AI-5. Após a aposentadoria forçada, dedicou-se ao ensino e pesquisa em universidades nos Estados Unidos e no Canadá. Retornou ao Brasil no final da década de 1970, passando a trabalhar como professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1986, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e foi eleito deputado federal constituinte. Teve grande participação no processo de elaboração, discussão e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a partir de 1988.
Dentre seus trabalhos, merecem destaque A organização social dos tupinambá, que foi publicado em 1949 e contribuiu para o desenvolvimento da Antropologia brasileira, e o estudo realizado no âmbito do Programa de Pesquisa sobre Relações Raciais no Brasil, patrocinado pela Unesco, que desmentiu a tese da inexistência de preconceito e discriminação no país e inaugurou uma nova fase de estudos do afrodescendente.
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As décadas de 1920 e 1930 foram tomadas por movimentos de trabalhadores que reivindicavam a redução da carga horária, a regulamentação do trabalho feminino e infantil, e a promulgação de uma lei de proteção contra acidentes de trabalho. Os trabalhadores também organizaram greves. Do outro lado, a repressão policial era intensa – tão intensa que uma expressão da época ficou famosa: “A questão operária é uma questão de polícia”. Os trabalhadores criavam suas associações de classe, faziam boicotes, promoviam greves e campanhas contra a alta de preços, a falta de dinheiro, as condições abusivas de trabalho e a guerra. Formavam partidos operários e lançavam candidatos às eleições. Enfim, organizavam a vida coletiva com o objetivo de melhorar suas próprias condições de vida e de trabalho.
Fundo Memorial do Imigrante/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Imigrantes recém-chegados ao Brasil no pátio da Hospedaria de Imigrantes, São Paulo (SP), c. 1910. Tratava-se de um verdadeiro mercado de trabalho, no qual se firmavam contratos entre imigrantes e fazendeiros.
Trabalhadores do Brasil!
A chegada maciça de imigrantes europeus ao Brasil contribuiu para a valorização social do trabalho. Como nossa tradição tinha sido predominantemente escravista, o trabalho era associado ao escravo. Logo, era degradante trabalhar, como era degradante ser escravo. Imigrantes brancos que, mesmo pobres em seus países, tinham recebido alguma educação formal, sabiam ler e tinham conhecimentos rudimentares, o que propiciou o contato dos brasileiros com formas mais organizadas de pressionar o governo por melhorias.
Acervo Iconographia
Getúlio Vargas recebido por uma concentração de trabalhadores às portas do Ministério da Fazenda no dia em que a CLT entrou em vigor. Rio de Janeiro, 11 out. 1943.
Fazer que o trabalho fosse aceito como atividade digna, que o trabalhador se sentisse honrado por ser trabalhador, foi a bandeira de alguns governantes brasileiros. Um deles ficou famoso por ter abraçado essa causa.
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Trata-se de Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945 e, depois, de 1951 a 1954. Vargas passou à história como o “pai dos pobres” e “o presidente dos trabalhadores”, aquele que criou a Carteira de Trabalho, em 1932, e assinou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1º de maio de 1943.
A partir da década de 1940, aos imigrantes estrangeiros veio se juntar, nas grandes cidades, um grande contingente de migrantes oriundos do próprio país. Os historiadores relatam com detalhes as migrações internas. Em um Brasil ainda predominantemente rural, as pessoas sofriam com as péssimas condições de vida e trabalho em regiões desprovidas de oportunidades, machucadas por problemas graves, como a seca, as doenças e a falta de incentivo à produção. O historiador Paulo Fontes descreve esse fenômeno em um livro cujo título é expressivo: Um Nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-66). Era uma região migrando para outra, à procura de trabalho. Eram as regiões rurais expulsando seus habitantes.
FONTES, Paulo. Um Nordeste em São Paulo: trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista (1945-66). Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 43.
De novo, o governo de São Paulo, o estado mais desenvolvido do país, abriu as portas para receber os migrantes como força de trabalho. A antiga política de subsídio à imigração foi então dirigida aos trabalhadores nacionais.
Carteira de Trabalho
Arquivo particular
Texto em carteira de trabalho de 1978.
A expressão “trabalho informal” se refere a uma modalidade de trabalho caracterizada, sobretudo, pela ausência de documentação legal na regulação da atividade praticada. Feirantes, camelôs e tantos outros personagens de nosso dia a dia são, assim, classificados como trabalhadores informais, uma vez que suas atividades não estão submetidas a nenhum vínculo empregatício. E o que caracteriza um vínculo empregatício? Qual é a documentação legal cuja existência – ou não – é critério básico para a definição de um trabalho como “formal” ou “informal”? Essas perguntas nos levam diretamente ao ano de 1932, quando o então presidente Getúlio Vargas criou a Carteira de Trabalho.
Mais que um documento, a Carteira de Trabalho nasceu como a materialização de um vasto conjunto de direitos que, aos poucos, passaram a garantir ao trabalhador benefícios como o descanso semanal, as férias remuneradas, o sistema previdenciário, o seguro-desemprego, o 13º salário (a partir de 1962) e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS, a partir de 1966). Podemos dizer, portanto, que a criação da Carteira de Trabalho significou também a instituição da ideia de formalidade no universo trabalhista, uma vez que antes dela não havia nenhum princípio de regulação das atividades profissionais.
É interessante notar que, na época em que surgiu, a Carteira de Trabalho continha, além do espaço para o registro do empregado pelo empregador, um espaço destinado a “anotações policiais”. O documento funcionava, assim, como uma espécie de “atestado de conduta” do trabalhador, conforme fica claro no texto da imagem à esquerda, impresso nas Carteiras de Trabalho a partir da década de 1940. Hoje, mais de 70 anos após seu surgimento, a Carteira de Trabalho continua como sinônimo de segurança e estabilidade. Isso fica claro, por exemplo, em pesquisas que mostram que no cenário atual, marcado pelo crescimento da informalidade e pela constante ameaça do desemprego, a busca por um trabalho “com carteira assinada” está no topo da lista de prioridades dos jovens que ingressam no mercado de trabalho. Apesar disso, cerca de 42% dos brasileiros economicamente ativos não têm suas atividades reguladas pela legislação trabalhista, ficando de fora da proteção do Estado.
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Entre 1935 e 1939, mais de 285 mil trabalhadores estrangeiros passaram pela Hospedaria de Imigrantes, na cidade de São Paulo, antes de ser encaminhados às fazendas do interior. Entre 1946 e 1960 foram recebidos ali 1,6 milhão de trabalhadores brasileiros. Os números não pararam de crescer: entre 1950 e 1960, a capital paulista triplicou de tamanho e a população de origem nordestina aumentou dez vezes. O censo de 1970 indicava que cerca de 70% da população economicamente ativa da cidade havia passado por algum tipo de experiência migratória.
Galeria Jacques Ardies, São Paulo
Barbara Rochlitz. Os retirantes, 2011. Óleo sobre tela, 30 cm × 50 cm.
A figura do trabalhador nordestino escapando da fome, da miséria e, periodicamente, das secas, chegando à metrópole industrial em busca de emprego e melhores condições de vida, tornou-se um símbolo da migração no imaginário social brasileiro.
Os soldados da borracha
Um dos episódios mais marcantes da história do trabalho no Brasil é também um dos menos lembrados. Em 1942, em meio à Segunda Guerra Mundial, o Japão, então responsável por 97% da produção de borracha no mundo, cortou o fornecimento para os países inimigos. Matéria-prima fundamental à indústria bélica, a borracha diminuía rapidamente nos estoques, deixando muitos dos países em guerra (em especial, os Estados Unidos) em situação alarmante. Uma comissão foi então convocada pelo presidente americano Franklin D. Roosevelt e, após estudar as possibilidades de novas fontes de fornecimento, concluiu que a Amazônia tinha uma quantidade de seringueiras capaz de produzir 800 mil toneladas anuais de borracha – mais que o dobro das necessidades norte-americanas. No entanto, apesar do potencial revelado, havia na época apenas 35 mil seringueiros em atividade na Amazônia, quando seriam necessários cerca de 100 mil homens para elevar a produção aos níveis desejados.
Foi esse contexto que levou o presidente Getúlio Vargas a firmar os Acordos de Washington, que estabeleciam que o governo norte-americano investisse maciçamente no financiamento da produção de borracha na Amazônia. Em contrapartida, o governo brasileiro deveria organizar o encaminhamento de grandes contingentes de trabalhadores para os seringais. Numa grande mobilização por todo o país, Getúlio Vargas veiculou muitas promessas àqueles que se dispusessem a colaborar. Com a criação do Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores da Amazônia (Semta), o governo previa um pequeno salário para o trabalhador durante a viagem até a Amazônia e, após a chegada, uma remuneração de 60% de todo o capital obtido com a borracha. Comparados pelo governo e pela imprensa a soldados, o que lhes rendeu o apelido de “soldados da borracha”, os trabalhadores foram envolvidos num verdadeiro esforço de guerra. Aos poucos ficou claro que o alistamento voluntário não seria suficiente para dar conta do montante de produção esperado. Teve início então o recrutamento forçado de jovens, focado principalmente na população do Sertão nordestino. Ofereciam-se apenas duas opções às famílias: ou seus filhos partiam para os seringais como soldados da borracha ou então seguiriam para o front na Europa, a fim de lutar contra os fascistas italianos. Não é difícil imaginar que muitos daqueles jovens preferiram a Amazônia...
Tratados, no início da campanha, como verdadeiros heróis de guerra, os soldados da borracha não tardaram a deparar-se com inúmeros problemas: além das dificuldades de chegada à Amazônia (a viagem podia demorar mais de três meses, em péssimas condições de transporte e alimentação), padeciam diante da total ausência de assistência médica e dos inúmeros conflitos entre trabalhadores e proprietários de terras. O resultado fala por si: dos 60 mil soldados da borracha enviados para os seringais entre 1942 e 1945, metade acabou morrendo na Amazônia ou mesmo na viagem. Para termos uma ideia dos números, basta lembrar que, no mesmo período, dos 20 mil combatentes brasileiros na Itália, morreram 454. Em 1988, passados mais de 40 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, a nova Constituição brasileira determinou que os soldados da borracha ainda vivos passassem a receber uma pensão como reconhecimento pelos trabalhos prestados ao país.
Fundação Getulio Vargas – CPDOC
Transporte de trabalhadores para as áreas de extração da borracha, no Amazonas, década de 1940.
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E as mulheres? E as crianças?
O capítulo do trabalho não só é longo, como tem muitas facetas às quais um sociólogo precisa ficar atento. Você sabia que, mesmo tendo as mesmas ocupações regulares que os homens, as mulheres ainda ganham menos que eles? Essa situação também tem história.
Durante muito tempo, o trabalho feminino foi visto como essencialmente doméstico. “Lugar de mulher é na cozinha!” – você já deve ter ouvido isso algumas vezes. Frases como esta vêm de hábitos recorrentes de uma cultura patriarcal. Mas na verdade não era só dentro de casa que as mulheres trabalhavam. Ao contrário, executavam serviços tão pesados quanto os homens nas lavouras e nos engenhos do Nordeste. Como eles, aravam, plantavam e limpavam os canaviais. Para você ter uma ideia, em 1820 as mulheres constituíam 23% dos escravos; em 1880, passaram a constituir 44%. Nas cidades, depois da Abolição, elas se ocupavam do comércio ambulante. Mas foi na tecelagem e na confecção que a mão de obra feminina prevaleceu no final do século XIX.
Os costumes foram criando uma lista de ocupações para as mulheres: parteiras, amas de leite, empregadas domésticas, fiandeiras, rendeiras, costureiras, tecelãs... No início do século XX, quase dois terços da força de trabalho da indústria têxtil era formado por mulheres. Seja nas fábricas de tecidos, seja nas casas de famílias, as mulheres foram encontrando espaço para um trabalho remunerado.
Também entre as mulheres foram constantes as lutas por melhor remuneração, férias, 13º salário, diminuição da jornada de trabalho... Era uma luta que começava dentro de casa. Até praticamente a década de 1960, o marido podia impedir a esposa de ter um emprego caso considerasse que aquela atividade perturbava as obrigações da mulher em casa. O Código Civil de 1917 designava o marido como chefe da família e dava-lhe esse direito. A Lei nº 4.121, de 1962, alterou em parte o Código Civil de 1917, e a Constituição de 1988 instituiu a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres. Mas essa é uma conquista que ainda não foi plenamente realizada em nosso país.
Algumas estatísticas nos ajudam a perceber esses avanços e desafios. Em pesquisa divulgada em 2015, o IBGE mostrou que a participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou significativamente (acréscimo de 4,5% entre 2000 e 2014, contra decréscimo de 4% dos homens). Por outro lado, em 2014 as mulheres brasileiras ainda ganhavam, em média, salário equivalente a 74,5% do que recebiam os homens. A diferença fica ainda maior quando se trata de mulheres negras ou pardas, como mostra o gráfico abaixo.
A diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro se faz sentir também no ramo de atividade. Segundo dados do IBGE, em 2013 as mulheres eram maioria em setores como saúde e serviços sociais (73,3%), educação (66,6%) e alimentação (57,6%). Os homens, por sua vez, dominavam os setores de construção (91%), indústria extrativa (87,9%) e transporte (82,4%).
Paula Radi
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010.
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Entretanto, a mesma pesquisa mostra sinais de que esses números devem mudar em breve, pois a presença das mulheres está aumentando em setores tradicionalmente masculinos. Entre as áreas em que houve maior avanço da participação feminina na economia entre 2009 e 2013, duas são setores tipicamente ocupados por homens: indústria extrativa e reparação de veículos.
Além das mulheres, as crianças também têm uma história cheia de episódios condenáveis socialmente. No século XVII, as Ordenações Filipinas as consideraram aptas para o trabalho desde que tivessem 7 anos completos. Até o século XIX, elas foram vítimas do tráfico de escravos. Ao longo dos séculos, muitas vezes foram obrigadas a trabalhar e mantidas fora da escola, sem proteção.
Hoje, os abusos e as desatenções do mundo adulto com relação à infância têm sido denunciados com mais frequência pelos meios de comunicação. No Brasil, a legislação passou a prever que apenas com 16 anos se poderá admitir um jovem em um emprego. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990, já como resultado da Constituição de 1988, as crianças devem ficar fora do mercado de trabalho para estudar e se formar como cidadãs dotadas de direitos. A lei tem sido mais observada nos ambientes formais de contrato: grandes indústrias, empresas e ocupações regulares. Mas o mercado informal utiliza ainda grandes contingentes de adolescentes e crianças, muitas vezes menores de 10 anos. Em 2014, por exemplo, 19% das crianças e adolescentes brasileiros entre 10 e 17 anos exerciam algum tipo de trabalho ilegal.
Como você pode ver, o mundo do trabalho, como acreditava Émile Durkheim, é revelador do que a sociedade constrói para si mesma. E podemos completar: a falta de trabalho igualmente denuncia o que a sociedade impede a ela mesma e aos seus membros.
Anderson Nascimento/FramePhoto
Criança trabalhando em avenida no Recife (PE), 2015.
Recapitulando
As primeiras experiências de trabalho no Brasil foram compulsórias – os nativos eram aprisionados, e os negros eram trazidos da África para servir de mão de obra nas lavouras.
Ao longo do tempo, esses dois grupos sofreram grandes perdas, devido aos deslocamentos por mar e terra até chegarem a seus destinos como escravos, às péssimas condições de trabalho e aos maus-tratos que sofriam. A abolição da escravidão no Brasil no final do século XIX não significou a extinção dessa prática, nem resultou na incorporação dos descendentes de escravos ao mundo do trabalho formal.
A imigração de povos estrangeiros durante o século XIX representou também um novo desafio para o problema da mão de obra no país – grandes contingentes de brasileiros foram preteridos devido à preferência dos empregadores (das lavouras e das indústrias) por imigrantes.
O trabalhismo – encabeçado pelo presidente Getúlio Vargas – contribuiu para a valorização do trabalho e a ampliação dos direitos dos trabalhadores, ainda que fossem conquistas reguladas pelo Estado brasileiro.
Um quarto grupo de trabalhadores foi destacado: os migrantes, que entre 1950 e 1975 deixaram suas terras de origem (especialmente o Nordeste) e foram para as regiões industrializadas do Sudeste. Aumentou com isso, nos centros urbanos, o volume de mão de obra não qualificada, que não foi absorvida pelas indústrias, e sim pelo setor de serviços – muitos deixaram de ser “boias-frias” para se transformar em “peões” de obra ou “domésticas”, nem sempre com a Carteira de Trabalho assinada.
Atualmente o mundo do trabalho enfrenta diversos desafios: incorporar os jovens e os portadores de necessidades especiais, gerar igualdade entre homens e mulheres e também entre diferentes etnias, qualificar a mão de obra, ampliar a oferta de empregos e amenizar os efeitos do desemprego estrutural (que afeta indivíduos com diferentes níveis de qualificação), melhorar as condições dos trabalhadores informais e conter o tráfico ilegal de trabalhadores.
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Leitura complementar
O rural sobrevive
O deslocamento de grandes massas rurais para a cidade revelou-nos uma dimensão desdenhada do mundo rural: um modo de ser [...] e uma perspectiva crítica poderosa em relação ao desenvolvimento capitalista [...] e à desumanização das pessoas apanhadas de modo anômico, incompleto e marginal pelas grandes transformações econômicas e políticas [...]. O deslocamento nos mostrou [...] que o rural pode subsistir culturalmente por longo tempo fora da economia agrícola [...] como visão de mundo, como nostalgia criativa [...], como moralidade em ambientes moralmente degradados das grandes cidades, como criatividade e estratégia de vida [...].
Desde os anos 70 a modernização forçada do campo [...] vem mostrando que esse modelo imperante de desenvolvimento acarretou um contradesenvolvimento social responsável por formas perversas de miséria antes desconhecidas em muitas partes do mundo. As favelas e cortiços desta nossa América Latina, e de outras partes, constituem enclaves rurais no mundo urbano [...] modos de sobreviver mais do que de viver. O mundo rural está também aí, como resíduo, como resto da modernização forçada e forçadamente acelerada, que introduziu na vida das populações do campo um ritmo de transformação social e econômica gerador de problemas sociais que o próprio sistema em seu conjunto não tem como remediar. [...]
Aqui no Brasil, tivemos, nos anos 80 e 90, a grande [...] expansão da fronteira agropecuária na Amazônia. Espaços ocupados por populações indígenas [...] e por populações camponesas pobres remanescentes das ondas de povoamento dos séculos XVIII e XIX, foram declarados espaços vazios pelo Estado nacional. Estímulos fiscais escandalosos foram concedidos a ricos grupos econômicos, nacionais e estrangeiros, para que fizessem uma ocupação moderna do território. Uma modernização postiça, pesadamente subvencionada pela sociedade brasileira, mais expressão da ineficiência da grande empresa do que de sua louvada eficiência.
Os cientistas sociais deste país, e muitos estrangeiros que para aqui vieram a fim de estudar e acompanhar o deslocamento da fronteira econômica na região amazônica, testemunharam e documentaram uma das grandes falácias [...] da função emancipadora da modernização técnica e econômica. As grandes empresas recorreram ao trabalho escravo, à peonagem, à escravidão por dívida, para efetivar a implantação de megaprojetos agropecuários. Invariavelmente usando pistoleiros para torturar, perseguir, violentar e matar os que tentavam fugir. [...]
Não só aqui esses fatos têm acontecido. [...] Estamos trabalhando com a hipótese [...] de que há no mundo hoje 200 milhões de escravos. Todos vitimados pela decomposição do mundo rural que resultou de intervenções de “engenharia social” modernizadora.
[...] O desafio dos sociólogos rurais [...] é o de mergulhar no sonho inventivo e regenerador que ainda há no mundo rural. Tanto para decifrá-lo e prezá-lo, quanto porque há nele a nostalgia do futuro e a negação das privações que o presente representa para muitos.
MARTINS, José de Souza. O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural. Estudos avançados, São Paulo: USP, v. 15, n. 43, p. 31-36, set.-dez. 2001.
Fique atento!
Definição dos conceitos sociológicos estudados neste capítulo.
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