A herança maldita de fhc – Sérgio Miranda o fmi foi co-gestor da economia do país no último mandato de fhc, que deixou o país quebrado, a inflação alta e o futuro comprometido pela ruína da infra-estrutura, como estradas e energia elétrica



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CC-5, dreno externo

Com isso, a legislação original das CC-5, que era muito restritiva, tornou-se completamente permissiva. E essas contas se transformaram no principal instrumento de drenagem de dinheiro para fora do país. A mudança estava articulada com outros instrumentos da abertura financeira. Entre esses, destacam-se os chamados “anexos” do Banco Central. Por esses regulamentos, permitiu-se que fundos estrangeiros fizessem aplicações aqui – na bolsa de valores, em fundos financeiros de investimento e em fundos para leilões das estatais. Com isso, se buscava não só atrair capital de empresas e investidores estrangeiros, como também trazer de volta os recursos de brasileiros que tinham levado dinheiro para o exterior ilegalmente. Desde que as aplicações fossem feitas a partir de fundos externos e em outros localizados no país, as pessoas físicas que estavam por trás dessas instituições não precisavam aparecer. Fez parte da abertura financeira também a mudança nas regras de remessa de lucros, dividendos e royalties. As remessas foram liberalizadas pela Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, que extinguiu o adicional de imposto de renda que incidia sobre elas.

Com tudo isso se objetivava atrair o capital externo que, supunha-se, iria financiar nosso desenvolvimento e modernizar a estrutura produtiva nacional. Na verdade, até 1994, essa liberação serviu pouco para a modernização e muito para que brasileiros repatriassem parte dos seus fundos no exterior, aproveitando as altas taxas de juros da dívida pública praticadas desde o final de 1991, e outras oportunidades de ganhos financeiros. Estima-se que no início da década de 90, empresas e brasileiros ricos dispunham de um saldo de 60 bilhões de dólares no exterior, retirados ilegalmente do país e mantidos em paraísos fiscais. De 1992 a 1994, entraram liquidamente no país, por meio das CC-5, mais de 23 bilhões de dólares. Essa “repatriação” foi feita também para adquirir as primeiras estatais privatizadas.

Só após 1994, com a renegociação da dívida externa e a implantação do real, começaram a chegar de fato investimentos estrangeiros. Nos primeiros anos da década passada houve uma grande oferta de empréstimos externos a custos muito baixos. Essa situação mudou em 1994: no segundo semestre, o banco central dos EUA duplicou a taxa de juros básica, gerando a crise do México. Em 19 de dezembro de 1994, o peso foi desvalorizado em 15% e, em poucos dias, investidores mexicanos e americanos perderam mais de 10 bilhões de dólares. As reservas mexicanas, que estiveram em 25 bilhões de dólares no início de 1994, caíram para menos de seis bilhões de dólares.

A partir daí, os fluxos de empréstimos diminuíram para os mercados emergentes e os empréstimos ficaram caros. Como só em 1994 o Brasil chegou a um acordo sobre a dívida herdada da década de 70, do tempo do milagre dos militares, a economia brasileira chegou tarde ao mercado financeiro internacional, quando as condições de financiamento passaram a ser mais seletivas e os juros elevados. Já na euforia dos primeiros seis meses de Plano Real, portanto, a taxa de juros externa estava começando a fazer com que o sonho de um novo milagre brasileiro, financiado com capitais externos, se esvaísse.

Mesmo assim, o governo FHC continuou a apostar no financiamento externo e nosso déficit não parou de crescer. Por isso, ao mesmo tempo em que entravam os investimentos e empréstimos externos, as remessas das rendas do capital (juros, lucros e royalties) aumentavam espetacularmente: de cerca de oito bilhões de dólares em 1991, saltaram para perto de 12 bilhões de dólares em 1996 e para mais de 16 bilhões de dólares em 2001.

No dia 2 de julho de 1997, o Banco da Tailândia anunciava a entrada do baht, a moeda local, num regime de taxa flutuante administrada e pedia assistência técnica ao FMI. Tem início a chamada crise da Ásia. Em 23 de agosto, o primeiro ministro da Malásia, Mahatir Bin Mohamad, que depois imporia medidas restritivas à movimentação de capitais, acusou o megaespeculador George Soros de estar por detrás dos ataques especulativos às moedas da região.

No final de julho de 1998, havia uma grande euforia pela conclusão do processo de privatização do sistema Telebrás. Agosto, entretanto, reservava surpresas. No dia 17, a Rússia declarou moratória no pagamento das suas dívidas interna e externa e desvalorizou o rublo. O Índice Ibovespa acusou uma queda de 40% e os 10 bilhões de dólares que saíram do país anularam o efeito da entrada de divisas (cerca de 4 bilhões de dólares) pelo pagamento de parcela da Telebrás, adquirida por investidores estrangeiros.

Com essas duas crises, o fluxo externo de capitais diminuiu, o Brasil foi pego no contrapé e quebrou. Houve uma intensa fuga de capitais. Em plena campanha eleitoral, na surdina, FHC costurou um acordo com o FMI, que passou a ser co-gestor da economia nacional. O país teve que se submeter a um longo programa de três anos para executar o ajuste externo e fiscal.

Em janeiro de 1999, o real foi desvalorizado. Muitos que tinham dívidas em dólar haviam comprado papéis do Tesouro Nacional, que lhes garantiam, além de juros, correção correspondente à desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar. Assim, com a desvalorização, o Tesouro levou um prejuízo de mais de 60 bilhões de reais por ter assumido o risco cambial de investidores e grandes devedores.



Investimentos

De 1999 em diante, com o real barato e as empresas brasileiras em dificuldades, houve um grande aumento no fluxo de investimentos diretos. Não para criar empreendimentos novos, mas para comprar as empresas nacionais na bacia das almas. Uma parcela importante das principais empresas privadas e de estatais nacionais foi adquirida por capitais externos. Os estrangeiros passaram a atuar em diversas áreas em que não tinham presença alguma ou nas quais sua participação era muito pequena. Na siderurgia e metalurgia, entre os anos de 1994 e 1999, a participação estrangeira saiu de quase nada para 34%. No comércio varejista, em 1994, os estrangeiros controlavam apenas 7,1% dos negócios. E os grandes eram brasileiros. Hoje, o capital estrangeiro controla cerca de 60% do setor. Em 2000, o capital estrangeiro já controlava 90% do setor eletro-eletrônico; 86% do setor de higiene, limpeza e cosméticos; 77% do setor de computação; 74% das telecomunicações; 74% do setor farmacêutico, 68% da indústria mecânica, 58% do setor de alimentos e 54% do setor de plásticos e borracha.

Alguns exemplos ilustram esse movimento de desnacionalização. A Metal Leve de José Mindlin foi comprada pela Cofap em associação com a Mahle, da Alemanha. Em abril de 97, a própria Cofap, ainda sob o comando do brasileiro Abraham Kasinski, foi engolida pela Magneti Marelli, do grupo italiano Fiat. A Freios Varga, outra gigante brasileira do setor de autopeças, passou para o controle da inglesa Luca Varity. A Brasmotor foi transferida à antiga sócia norte-americana Whirpool. A Phelps, dos Estados Unidos, desembolsou em torno de 200 milhões de dólares para levar a Ciopebrás, principal empresa brasileira na produção de negro-de-fumo, matéria-prima utilizada na fabricação de pneus e componentes para a indústria automobilística. A Dana Coporation (EUA), uma das maiores do mundo, depois de montar 14 fábricas no Brasil, passou a comprar concorrentes nacionais aproximando-se de um controle do mercado. Por intermédio de uma compra internacional da também norte-americana Echilin, a Dana levou o tradicional fabricante de carburadores Brosol. Depois, ainda adquiriu a Nakata, que produzia amortecedores e escapamentos. Assim, o setor automotivo, que tinha uma significativa presença nacional, passou a ter 89% de presença estrangeira.

Outros setores viveram o mesmo problema com empresas tradicionais engolidas pelo capital estrangeiro: a Lacta foi comprada pela Philip Morris; a Peixe pela Italiana Cirio; a Adria pela americana Quaker; a Petroquímica União pela americana Union Carbide; a Arno pela francesa SEB; a gaúcha Frangosul, classificada entre as cinco maiores do Brasil, ficou com o grupo francês Doux, maior exportador de aves da Europa e principal concorrente das empresas nacionais no mercado internacional; parte da Gradiente foi para a Ericsson; a Café do Ponto passou para a norte-americana Sara Lee; a Etti e a Batavo ficaram com italiana Parmalat.

A partir de 1999 o país não tinha mais fôlego para crescer. Não havia mais dólares para financiar uma economia que só poderia crescer criando um buraco nas contas externas, seja pelo aumento das importações, seja pela elevação das remessas das rendas de capital. Como as regras de entrada e saída de dólares não foram mudadas, os detentores de dólares e os grandes empresários nacionais e internacionais passaram a ter um grande poder sobre a economia. Qualquer flutuação nos mercados financeiros internacionais imediatamente impacta a economia, mantendo elevada a taxa de juros interna ou provocando fuga de dólares. Esse é o mecanismo que cria a instabilidade na taxa de câmbio e vem ameaçando deixar o país sem reservas internacionais.

Sempre mais juros

Desde a crise do México, o governo vem mantendo a estratégia de inserção externa, sempre na esperança de que as coisas melhorem e voltemos às “boas condições” de financiamento farto e barato dos primeiros anos da década de 90. Mas a realidade vem sempre contrariando essas expectativas, o que vem custando muito caro ao Brasil.

Com queda acentuada das bolsas de Nova Iorque a partir do final de 2000, a crise mundial se agravou ainda mais, e o governo FHC passou a se aplicar mais nos esforços de obter uma melhoria de suas contas externas, principalmente com incentivos às exportações.

Sem financiamento externo adequado, não há como o país continuar pagando os compromissos financeiros, a amortização das dívidas e as remessas de juros, lucros e royalties. Muito menos poderá continuar a garantir a livre saída de dólares por “repatriação” de investimentos. Por isso, o governo FHC voltou, como na crise da dívida de 1982, a incentivar as exportações para angariar dólares, mantendo a economia interna estagnada e sob pressão inflacionária pela desvalorização do real frente ao dólar. Não para diminuir a nossa dependência externa, mas para manter os compromissos financeiros em dia.

Manter saldos comerciais elevados durante longos períodos, deixando inalterados o volume e as condições dos compromissos externos, não significa necessariamente resolver o problema da vulnerabilidade externa. Ao contrário, pode apenas agravá-la mais. Assim como aconteceu na década de 80, alcançar um superávit comercial, rapidamente e de grande monta, só pode ser feito às custas da constante desvalorização da moeda nacional, da diminuição da receita tributária com incentivos aos exportadores e pela manutenção da economia interna estagnada. E assim como aconteceu também após o fim do milagre dos generais, esse superávit comercial fará com que volte a inflação ou que os governos federal e estaduais quebrem, perdendo receita e se endividando ainda mais – ou mesmo as duas coisas ao mesmo tempo.

Por isso, a solução para o equilíbrio de nossas contas externas não pode ser outra vez o apelo à velha fórmula, sempre repetida, do aumento das exportações e da estagnação da economia. É preciso levar em consideração que nossos credores e investidores também fazem parte do problema e que as condições atuais da dívida externa, bem como das regras vigentes de liberdade de movimento de capitais, também podem ser renegociadas e revistas. Diminuindo o montante de nossas obrigações externas, poderemos equilibrar melhor a condição de gerar superávit comercial, sem ter que deprimir o consumo interno, o emprego e as condições de vida dos brasileiros. Esse é um grande problema herdado e que o governo de Lula terá que enfrentar mais cedo ou mais tarde.

A fragilidade de nossas contas externas decorre, portanto, não apenas do enorme passivo externo acumulado durante o Plano Real, mas também da continuidade das regras liberais de entrada e saída de dólares. Os compromissos internacionais e o controle que o capital forasteiro tem sobre a economia tornaram o país cada vez mais vulnerável às flutuações externas.

Mas é a continuidade de regras que permitem a saída quase livre de dólares que faz com que a população e o próprio governo tornem-se reféns da vontade de um pequeno número de empresas que movimentam gigantescas massas de dinheiro e tentam preservar a qualquer custo o modelo de desenvolvimento do país. Promovendo a fuga de dólares ou especulando com a taxa de câmbio e com os títulos da dívida pública, eles desestabilizam a economia e pressionam o governo para manter as políticas e as regras que lhe são favoráveis.



Trabalho precário, emprego em queda, renda achatada

FHC patrocinou uma campanha contra os direitos trabalhistas, ampliou a informalidade na economia e levou o Brasil para o segundo lugar em desempregados no mundo.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Carteira de Trabalho são os grandes emblemas da herança Vargas, que Fernando Henrique Cardoso identificava como o Estado intervencionista.

Uma das principais contribuições de FHC na área social – uma contribuição muito negativa – foi ter utilizado toda a sua autoridade de grande sociólogo em uma campanha particular, teórica e prática, contra a legislação trabalhista. Nessa campanha, procurou atribuir o grande crescimento do desemprego, nos anos de neoliberalismo, à resistência dos partidos de esquerda e do movimento sindical à chamada flexibilização das leis trabalhistas.

A legislação trabalhista é antiga, complexa e merece uma revisão. Mas FHC não apresentou nenhum plano, nenhum estudo merecedor do nome que procurasse dar nova forma, organizar e modernizar o conjunto dessas leis. Quem diz isso é uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, Márcio Pochmann. Secretário do Trabalho e Solidariedade da prefeitura de São Paulo, coordena o que é possivelmente o maior programa municipal de distribuição de renda diretamente à população pobre, que ele mesmo considera apenas uma forma de minimizar os efeitos do grande desemprego no país. Pochmann foi ainda consultor da Organização Internacional do Trabalho no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e tem oito livros publicados sobre trabalho e emprego. Ele diz que FHC tratou do problema do país com a retórica neoliberal. Falou mal de Getúlio Vargas e da CLT para insinuar que tinha um plano para o emprego no país, coisa que não tinha.

Posteriormente, já na campanha eleitoral de 2002, quando seu candidato José Serra assumiu como bandeira central de seu programa a criação de empregos – desajeitadamente, como não poderia deixar de ser, para um candidato do governo –, Fernando Henrique disse que o desemprego tinha crescido no mundo todo em função de problemas estruturais do desenvolvimento. Não seria, portanto, um defeito específico de seu governo.

Pochmann prova que não. O desemprego não atingiu todos os países de modo igual. O Brasil, em 1980, tinha 2,6% da População Economicamente Ativa (PEA) e apenas 1,7% dos desempregados globais. No ano 2000, sua participação na PEA tinha crescido para 3%, mas seu porcentual do desemprego global tinha mais que quadruplicado (7,1%).

De 108 nações selecionadas*, o Brasil estava em nono lugar em valores absolutos de desemprego aberto em 1980. Em 1985, ficou no 10º posto. Em 1990, ocupava a 6ª posição, com 2,3 milhões de desempregados. Quando FHC assumiu, em 1995, já era o 5º, com 4,5 milhões de desempregados. Em 2000, 5 anos depois, FHC e suas políticas tinham levado o país para o posto de segundo pior do mundo, com 11,4 milhões de pessoas sem emprego. Com uma população 175 milhões, o Brasil tem quase o dobro do número de desempregados da China (5,9 milhões), que tem mais de sete vezes o seu número de habitantes (1,3 bilhão). O país de FHC só perde para a Índia, a primeira colocada. Supera a Rússia (3ª), a Indonésia (5ª) e os EUA (6ª), que estiveram em segundo desde 1980.

Em termos porcentuais**, o país também piorou com FHC: em 1980 o Brasil era o 91º país com maior índice de desemprego, com 2,2%. Em 1990, com 3% de desemprego, ocupava a 78ª posição. Com FHC, em 2000, a taxa de desemprego foi de 15% e o país “subiu” para o 23º lugar.

Como se vê, o desemprego não começou a crescer no governo FHC. O que seu governo fez foi multiplicar por três o desemprego no país: de 4,5 milhões de pessoas para 11,5 milhões – na média, um milhão de desempregados a mais por ano de mandato. Com o crescimento medíocre da economia, o aumento do emprego não acompanhou a taxa a evolução da, que é de cerca de 2% – o que significa, a cada ano, um incremento de 1,5 milhão de novas pessoas procurando trabalho.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), apenas um em cada três brasileiros é assalariado com registro formal. Das 76,5 milhões de pessoas que compõem a PEA brasileira, somente 24 milhões possuem algum tipo de proteção social e trabalhista. O restante está desempregada ou integra o mercado informal**. Diversos outros trabalhos fazem a mesma constatação. Um estudo*** do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mostra que, além das mudanças na forma de contratação da força de trabalho pelos setores privado e público, registrou-se redução generalizada do peso do trabalho assalariado no total dos postos de trabalho gerados. Cresceram as formas de contratação de trabalhadores consideradas alternativas e tradicionalmente mais precárias e instáveis, associadas a atividades menos produtivas, com menores rendimentos, sem proteção social ou condições de trabalho adequadas e, em alguns casos, até mesmo clandestinas. A Flexibilização

No mesmo trabalho citado, o Dieese identifica como a primeira forma da chamada flexibilização a contratação do trabalhador diretamente pela empresa como assalariado sem carteira de trabalho assinada. A seguir, a flexibilização aparece na generalização do assalariamento indireto, em decorrência da terceirização de serviços. “A contratação do trabalhador como [trabalhador por] conta própria ou autônomo continua crescendo e é maior que a terceirização de serviços, na maioria das regiões metropolitanas”. O aumento de jornadas de trabalho acima das 44 horas semanais, legais entre os trabalhadores informais, é outro aspecto da flexibilização.

O Mapa do Trabalho Informal**, elaborado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) na cidade de São Paulo, indicou uma jornada média de 76 horas semanais entre os entrevistados. A conclusão foi enfática: “a grande maioria dos informais exerce atividades precárias, quase todas sujeitas à repressão policial, o que torna os ganhos extremamente instáveis e incertos”.

Até os anos 1980, a informalidade complementava o trabalho nacional e cumpria o papel de criar um “colchão” que amortecia os efeitos do desemprego na sociedade. A marca central do trabalho no Brasil era o assalariamento formal: de cada dez postos de trabalho criados, oito eram empregos assalariados, sete com carteira assinada. Na década de 1990, de cada dez empregos criados somente dois são assalariados e ainda sem registro em carteira.

A defesa da flexibilização foi a forma de o governo cumprir o compromisso firmado com o Fundo Monetário Nacional (FMI) em 1998. Está escrito no item 33 do Memorando Técnico de Entendimento: “embora o mercado de trabalho brasileiro não seja perseguido por nenhuma rigidez grave, determinadas regulamentações e políticas do mercado de trabalho podem contribuir para uma maior flexibilidade”.

A grande e última tentativa de flexibilização, já aprovada na Câmara dos Deputados, aguarda votação no Senado. Altera o art. 618 da CLT e seria um importante golpe nos direitos dos trabalhadores: os acordos coletivos ganhariam peso maior do que a lei, permitindo a flexibilização de direitos históricos, como, por exemplo, os 30 dias de férias anuais, prevalecendo “o negociado sobre o legislado”.

Dentre a inúmeras modificações da CLT promovidas por FHC destacam-se o impedimento de autuação das empresas por desrespeito às convenções e acordos trabalhistas; a retirada do direito brasileiro da limitação à demissão imotivada; a participação nos lucros e resultados, o contrato temporário e o banco de horas. Tudo contribuindo para enfraquecer os direitos dos trabalhadores e aumentar a exploração do trabalho.

O conjunto das mudanças recentes na forma do trabalho na economia nacional se refletiu no perfil do desempregado. Se até a década de 1980 o desemprego atingia linearmente os trabalhadores menos qualificados, agora é diferente. O novo perfil do desemprego no Brasil, escreve Marcio Pochmann, “refere-se aos trabalhadores com mais de oito anos de escolaridade; com idade mais avançada (mais de 49 anos); do sexo feminino; chefes de família; brancas; que buscam o reemprego e que residem na Região Sudeste”*. Segundo pesquisa do Dieese, obter recolocação no mercado de trabalho, nos anos 90, também ficou mais difícil. Em algumas regiões, como o Distrito Federal e Salvador, a busca por emprego chegou a levar um ano ou mais.

Renda

Os resultados da política de flexibilização na distribuição de renda e na qualidade de vida do brasileiro foram imediatas. Escreve Pochmann: “A partir de 1995, o fim do período hiperinflacionário não veio acompanhado da elevação real do poder de compra dos trabalhadores. A ausência do crescimento econômico sustentado, combinada com a expansão do desemprego e a maior escolarização e qualificação da oferta de mão-de-obra, geraram ainda maior concorrência no interior das classes trabalhadoras, o que levou à piora da parcela salarial na renda nacional”*.

Ao final dos anos 90, o cenário de altas taxas de desemprego, queda dos salários médios, estagnação do emprego e aumento do nível de ocupação inferior ao crescimento da PEA provocou a redução de 17,6% da massa de salários da região metropolitana de São Paulo**** .

As perdas na renda do brasileiro no período de 1990 até o ano 2000 impressionam. A participação da remuneração do trabalho na renda nacional decresceu de 53,48%, em 1990, para 42,4%, em 2000. Essa queda de 11 pontos reflete a redução da participação da remuneração do trabalho no setor privado: de 37,25%, em 1990, para 27,38%, em 2000. O comportamento do setor público é variado e registra uma queda de um ponto porcentual na renda nacional.

A distribuição da renda também sofreu mudanças. FHC fez um rearranjo da escassez. Pelos dados do Dieese, os 10% mais pobres em São Paulo, de 1995 até agora, viram seu salário cair 19,3% e os 10% mais bem remunerados perderam 33,1% na renda do seu trabalho. Todos perderam renda, mas perdeu mais quem ganha mais.

Segundo números do Ipea, órgão de pesquisa oficial do Ministério do Planejamento, o rendimento médio do trabalhador vai chegar ao fim de 2002 com perda estimada de 0,74% durante os oito anos do Real. Ao fim de 1994, o trabalhador ganhava 664,93 reais e chegará ao fim de 2002 recebendo em média 660 reais, em valores de janeiro de 2000.

Enquanto a participação da renda do trabalho decrescia na renda nacional, a produtividade do trabalho crescia vertiginosamente. De 1990 até 1999, cresceu 24%, mas foi com o governo de FHC que os índices explodiram, chegando a mais do que dobrar, saltando de 10% para 24%. Dessa fatia, nada foi repassado aos trabalhadores. A produtividade da indústria ultrapassou os 40%.

Os trabalhadores passaram a ser também remunerados de formas novas (por exemplo, porcentual sobre lucros e/ou resultado das empresas). Nada disso, no entanto, foi incorporado definitivamente aos salários. Apenas deu mais flexibilidade às empresas na determinação do custo do trabalho. Diz o Dieese: “em São Paulo, em valores absolutos, os rendimentos auferidos pelos contratados de forma flexibilizada foram significativamente inferiores aos contratados de forma padrão, constatação válida para todas as regiões pesquisadas”. E ainda: “a facilidade encontrada pelas empresas na contratação de autônomos garantiu aumento do número de contratos de forma flexibilizada, vantajosa para as empresas, uma vez que, além de se eximirem do recolhimentos de encargos sociais, podiam pagar salários menores do que os que seriam pagos mediante contratação padrão”.

Tudo isso gerou um caldo de cultura que enfraqueceu a força dos trabalhadores e dos sindicatos, reduzindo sua capacidade de luta e resistência. É ainda do Dieese o diagnóstico sobre a redução do poder dos sindicatos: “a expectativa do coordenador técnico da entidade em São Paulo, Wilson Amorim, é de que a safra de acordos pelo país, que contemple a inflação, diminua para algo perto de 50%. No ano passado, ficou em 64%. “Há espaço restrito para campanha, que se concentra em reposição salarial”, afirmou. “As negociações são tensas e se prolongam além do prazo normal”. Diz o Dieese que 76% das categorias não tiveram nenhum tipo de reajuste e as demais conseguiram aumentos entre 10% e 50%. O instituto não contabiliza, nesse cálculo, as gratificações, que considera decorrência de uma política “arbitrária e clientelista”.

FHC, já no início de seu governo, em maio de 1995, demonstrou sua disposição para com o movimento sindical. De forma emblemática, acionou o Exército contra a greve dos petroleiros e aplicou multas às entidades da categoria. O número de greves no país reduziu drasticamente.

O funcionalismo público foi particularmente atingido e ficou quase oito anos com o seu salário congelado. Pesquisa recente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que os gastos com pessoal das empresas públicas encolheram de 13,9%, em 1995, para 6,45%, em 2000.

Durante a primeira metade da década de 1990, o salário mínimo – importante fator de distribuição de renda – continuou a perder poder aquisitivo e alcançou seu menor valor real no início em 1995. O reajuste de 42,86%, concedido em maio daquele ano, e os sucessivos aumentos reais nos anos seguintes repuseram parte dessa perda. Mesmo assim, em 1999, o salário mínimo correspondia a somente 2/3 do seu valor em 1989.

A indexação do salário mínimo sempre foi rechaçada como elemento inflacionário, entretanto, o governo não teve o menor constrangimento de indexar tarifas públicas como, por exemplo, a de energia elétrica. Em 29 de junho de 1995, a Lei 9.069, em seu art. 70, já determinava que “o reajuste e a revisão dos preços públicos e das tarifas de serviços públicos far-se-ão conforme atos, normas e critérios a serem fixados pelo Ministro da Fazenda”. A política a cargo do ministro Malan elevou as tarifas telefônicas em quase 4.000%; na energia elétrica, o brasileiro paga o “imposto do apagão” por ter reduzido seu consumo e impedido a falta de energia.

O discurso oficial para reduzir progressivamente os aumentos reais do mínimo sempre recorreu ao déficit da previdência como álibi, pois o aumento do salário-mínimo reflete-se diretamente nos gastos da previdência. As dificuldades da previdência, entretanto, estão vinculadas à própria política de criação de emprego. A redução do número de trabalhadores com carteira assinada e no pleno exercício de seus direitos e o aumento da informalidade do trabalho levaram a uma redução significativa do recolhimento para a previdência. Por outro lado, a previdência tem um grande papel de redistribuição de renda e não pode ser considerada somente do ponto de vista de despesa.

Não bastassem todas as perdas salariais acumuladas nos oito anos de FHC, os trabalhadores assistem agora à retomada da inflação. Em novembro, segundo o economista Ricardo Braule, de uma equipe do governo que estuda mudanças no Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, o aumento dos preços foi “explosivo e generalizado”. Pela primeira vez desde o início do Plano Real, em 1994, o chamado núcleo da inflação, que exclui as tarifas públicas, passou de 2% ao mês. O IPCA acumulou 10,22% de janeiro a novembro e pode chegar próximo de 13%, com a alta de 2,5% esperada para dezembro.

* Globalização e desemprego: breve balanço da inserção brasileira - Marcio Pochmann - São Paulo - Maio de 2002 - Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura do Município de SP

** In A regressão do trabalho na Era FHC - Altamiro Borges

*** Mercado de Trabalho no Brasil - Dieese

**** Os Rendimentos do Trabalho no Brasil - Dieese


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