Assim, é tarefa essencial encontrar um leque suficiente-245
mente amplo de informantes. Um grupo auto-selecionado que atenda a uma notícia pública ou a uma convocação pelo jornal ou pela rádio locais pode, por certo, proporcionar o melhor começo para alguns projetos, mas raramente será suficientemente repre-sentativo. As pessoas podem ser localizadas de muitos outros modos: por meio de contatos pessoais; em oficinas de artesanato ou em clubes de idosos; por meio de sindicatos ou de partidos políticos; mediante convocação no jornal local, em vitrinas de lojas ou na rádio; por intermédio de assistentes sociais ou médi-cos, igrejas ou organizações de visitação; e até mesmo mediante encontros casuais numa loja, num bar, ou num parque. É sempre muito mais fácil se se puder abordá-los com uma recomendação de alguma outra pessoa. Embora sempre haja recusas, que podem ser desanimadoras, desde que se tenha uma idéia clara sobre que tipo de pessoa se esta procurando, esta parte do projeto depende antes de mais nada de persistência. Mas valerá a pena persistir.
Afinal, e quanto ao produto desse trabalho? As fitas grava-das e as transcrições devem ser guardadas, juntamente com foto-grafias, documentos e outros materiais que se tenha coletado, como fonte para posterior uso público: e o melhor lugar para isso provavelmente será a biblioteca pública local. Porém, a partir desse material, pode-se produzir de imediato pacotes educacio-nais para uso nas escolas locais, inclusive cassetes de trechos de entrevistas; montar pequenas exposições itinerantes, também aqui combinando som, fotografia e texto; e fazer um espetáculo com fitas gravadas e slides para ser utilizado com pessoas idosas, para estimular suas próprias lembranças a respeito do passado da comunidade. As fitas gravadas podem ser também utilizadas para fazer programas na rádio local - neste caso, a forma mais efi-ciente será provavelmente uma montagem de trechos de entrevis-tas, com um mínimo de ligação feita por um narrador; ou se po-derá encontrar um grupo de teatro com cuja ajuda se poderá desenvolver parte do material sob a forma de peça teatral. E o material pode ser publicado sob forma impressa: como artigo es-pecial em jornal, como folhetos locais, ou - como a História da
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Ilha, na Isle of Dogs de Londres, ou o Seminário de História de East Bowling, em Bradford - como calendários anuais de ve-lhas fotografias.
Sob essa última forma, só a legenda pode denunciar sua ori-gem em trabalho de gravação oral; e isso também pode ocorrer quanto a outros resultados. Assim, muitos museus têm utilizado projetos de história oral para reconstituir, corrigir e interpretar exposições de materiais, desde a casa do arrendatário negro do Smithsonian, em Washington, ou as fornalhas de aço de Schnei-der, que outrora iluminaram a cidade operária da companhia Le Creusot, na França, até o consultório dentário de Durham na dé-cada de 1920, em Beamish; porém., embora igualmente eficiente, ainda é bastante rara a utilização de evidência oral do projeto na própria exposição, como na cozinha da família de pescadores no Museu Marítimo de Lancaster. Assim, na mina de ardósia de Gloddfa Ganol, em Blaenau Ffestiniog, no Norte do País de Gales, pode-se ver e ouvir os próprios mineiros num espetáculo de fita gravada e slides, nos antigos estábulos, antes de entrar nas vastas cavernas cavadas no interior da montanha. Em outros lu-gares, às vezes se emprestam cassetes aos visitantes para levarem com eles durante a visita. Os extratos são melhores quando bem curtos, de menos de um minuto. Um lavrador pode falar sobre como se ara a terra, ou um tecelão explicar como funciona o tear. No Imperial War Museum, pode-se ouvir o ruído da marcha dos soldados e dos canhões enquanto se observa uma exposição de ob-jetos das trincheiras, ou entrar numa barraca de recrutamento onde a voz de um velho soldado conta o que significava ser convocado.
Até mesmo uma iniciativa temporária pode ter mm impacto notável. Os museus de Coventry e de Southampton organizaram exposições a partir de seus projetos, que incluíam chás dançantes com bandas de jazz, onde velhos casais rodopiavam com alegria rejuvenescida ao som de melodias há muito esquecidas; e essas ocasiões também mostraram ser catalisadoras para a reunião de velhos companheiros de trabalho, e até mesmo de duas irmãs que não se viam há quarenta anos. Em outros projetos, grupos de
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reminiscência de idosos contataram escolas locais, ou vice-versa. Em Harlow New Town, adolescentes judeus organizaram um clube de idosos dentro de seu próprio clube; enquanto na aldeia de BurwelL do condado de Cambridge, o projeto de um filme documentário que incluía memórias gravadas levou à formação de um "clube informal", este também dentro de um clube de jo-vens, com os idosos que recebiam sua aposentadoria na agência postal nas tardes de quinta-feira. Eles conversavam com alguns jovens do grupo durante o chá, do que resultavam gravações, ar-tigos publicados na revista da comunidade e muitas outras infor-mações. Um pequeno número de projetos de comunidade são muito mais ambiciosos - ou obtêm êxito além das expectativas. Assim, o New York Çhinatown History Project visa contribuir para a construção de uma estrutura comunitária democrática, exatamente por meio de uma interpretação recíproca extrema-mente consciente politicamente, mas sensível, de imigrantes anti-gos e novos, e de chefes da comunidade e trabalhadores explora-dos das lavanderias. Na cidade de Lund, na Suécia, na década de 1960, um projeto no bairro pobre de Nôden, condenado a desapa-recer, reavivou de tal maneira o sentimento de comunidade que Nõden foi salvo definitivamente do projeto de estrada que o teria arrasado; e vinte anos depois, de modo semelhante, o pavilhão "Dig Where You Stand" de história industrial rodou o país inteiro provocando a solidariedade das antigas comunidades industriais. E um projeto britânico, evocando lembranças muito diferentes, conseguiu transformar uma rádio local num canal de mão dupla. Para tanto, Dennis Stuart, do Departamento de Educação de Adultos da Universidade de Keele, concebeu um projeto sobre a história da igreja metodista local, trabalhando com Arthur Wood, da Rádio Stoke-on-Trent. Formou-se um conjunto de grupos de estudos de oito templos, cada um deles estudando os próprios registros e realizando entrevistas; o material assim obtido, unifi-cado por 'urna narração e por gravações de cantos e orações, foi reunido numa série de programas de rádio. Esses programas, e urna exposição ligada a eles, estimulou nova atividade de grava248
ções - bem como unia nova série de programas semanais de quinze minutos cada um, compostos de uma colagem de depoi-mentos, sem nenhuma narrativa, a maioria deles sobre aspectos da vida social antes da Primeira Guerra Mundial, programas esses que se tornaram muito populares e foram ao ar durante oi-tenta semanas ao todo. Uma vez mais, isso provocou uma partici-pação local muito ativa, com as pessoas enviando comentários, oferecendo-se para ser entrevistadas, e redigindo textos sobre suas lembranças pessoais.
Podemos terminar com um exemplo ainda mais impressio-nante de participação local, que resultou na criação de um museu inteiramente novo na Itália. Este não foi um projeto de história oral propriamente dito, mas antes um projeto de história de co-munidade, para o qual foi de especial importância o papel desem-penhado pela lembrança oral. Ele oferece também um exemplo notável da cooperação que pode existir entre trabalhadores e pro-fessores universitários, que ocorreu no contexto de um movi-mento político italiano mais amplo para a reavaliação da cultura da classe operária. Como afirma Alessandro Triulzi, ao descrever o projeto, o Museu da Civilização Camponesa - o Museo della Civiltá Contadina di S. Marino, em Bentivoglio - deve ser com-preendido não como uma simples coleção de objetos do passado, mas como "a resposta dos próprios trabalhadores à apropriação cultural a que haviam sido submetidos pelas classes dominantes", e como um passo na direção da "reapropriação de valores e con-tribuições que durante muito tempo haviam sido ignorados, tri-vializados e distorcidos pela cultura oficial estatal".
O museu fica a alguns quilômetros de Bolonha, na região quente, plana e chuvosa do vale do Pó. Constitui uma exposição esplendidamente documentada e de grande penetração social, instalada na elegante casa do administrador de uma antiga pro-priedade fundiária, a respeito da vida e do trabalho dos campone-ses meeiros da região circundante. Aberta em 1973, resultou de uma campanha que durou nove anos. Começou em 1964, quando um ex-camponês, Ivano Trigari, descobriu, semi-enterrada ao
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lado da casa de um amigo, uma antiga ferramenta agrícola, local-mente chamada de stadura:
A stadura é uma barra de ferro redondo, de cinqüenta ou sessenta centímetros de comprimento, que era utilizada nos antigos carros-de-boi bolonheses, ao mesmo tempo como breque e como enfeite. A parte de cima da barra era em geral adornada com uma cruz ou alguma outra decoração, e ela tinha um ou mais anéis de ferro que dava, a cada carro em movimento, seu som característico peculiar.
Trigari limpou e poliu essa stadura e a pôs em exposição na vitrine da cooperativa agrícola em que trabalhava, na pequena cidade de Castelmaggiore. O resultado foi espantoso: uma "febre da stadura" tornou conta da cidade, todos competindo para apre-sentar o melhor exemplar, escolares trazendo exemplares que os pais enviavam, embrulhados em papel, notícias de descobertas vindas de todo lado. Em poucos dias, juntaram-se uns vinte exemplares, sendo as mais bonitas expostas na frente da loja, as demais amontoadas a um canto. A coleção tornou-se o assunto da cidade, atraindo grande número de velhos camponeses do bar e do clube dos trabalhadores, a Casa del Popolo. Enquanto ali fica-vam, olhando e comentando, Trigari escutava suas lembranças, perguntando-lhes sobre detalhes que desconhecia. Deu-se conta, como diz ele, de que essas lembranças orais podiam proporcionar "um afresco geral de urna época que já havia desaparecido, ou estava prestes a desaparecer". Os comentários eram variados:
Alguns deles amaldiçoavam as ferramentas que os faziam lembrar como haviam trabalhado duro no passado; outros ficavam excitados, lembravam-se de seu tempo de moços. Diziam que agora os tempos eram melhores, e começavam a trocar lembranças do passado, do tempo em que tinham que levantar às duas da manhã para ir arar o campo; de como tinham que levar seus carros-de-boi até os arrozais, para recolher a forragem e a palha do arroz que era então utilizada como cama para os animais (...) E também de quando costumavam levar todo o cânhamo àmansão do proprietário da terra ou como carregavam na cabeça os enor-mes cestos cheios de uva; ou dos grandes feixes de lenha que eram leva-dos para o padeiro; ou, finalmente, de quando, com o melhor carro e os
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melhores bois, com a stadura brilhando de lustrosa, o noivo ia à casa da noiva para buscar seu dote.
Em breve, outras ferramentas começaram também a chegar: velhos teares, ferramentas para o cânhamo, cangas, enxadas, ara-dos, e assim por diante. Disso nasceu a idéia de uma coleta local sistemática de antigas ferramentas de trabalho. Essa idéia foi aco-lhida com entusiasmo pelos camponeses que esquadrinharam por todas as suas casas e pelos depósitos desativados e persuadiram seus amigos a fazerem o mesmo. Foi instituída uma festa della stadura para obter recursos financeiros, que acabou se tornando urna festa anual. Foi organizada uma associação, o Gruppo della stadura, que organizou uma exposição itinerante: uma antiga car-roça puxada por um trator com amostras de ferramentas, que eram apresentadas nas aldeias das redondezas nas épocas de fei-ras e de carnaval, ou nos dias de festa dos santos locais, ocasiões em que se pedia ajuda. "Os camponeses escutavam, e freqüente-mente contribuíam no ato com ferramentas, dinheiro, conselhos e sugestões sobre onde se poderia encontrar mais material." Na época em que, após anos de busca, a associação recebeu, do go-verno provincial de Bolonha, o atual prédio de seu museu, ha-viam sido reunidos 4 mil objetos. "Com base na fé e orgulho inabaláveis em seu próprio sentimento de história", o movimento se desenvolvera como "um esforço coletivo que envolveu quase todo o mundo da comunidade".
Fator fundamental para conseguir o apoio financeiro oficial fora a ajuda de um grupo de estudantes e pesquisadores da uni-versidade, reunidos em torno de Carlo Poni, professor de História Econômica em Bolonha. Com o êxito conseguido pela primeira etapa do projeto, com a abertura do museu, pretende-se que o estreito contato entre os historiadores da universidade e a comu-nidade continue. O museu está constituindo um importante ar-quivo de contratos de trabalho, documentos de propriedade, re-gistros de organizações camponesas e fotografias. Funciona como centro para seminários e. para pesquisa sobre história agrá-ria. Ao mesmo tempo, atrai milhares de visitantes locais, espe-251
cialmente escolares, que são estimulados a escrever seus traba-lhos de fim de curso utilizando o material do museu. Proporciona também treinamento para outras pessoas que desejem tomar a iniciativa de empreendimentos semelhantes em outros lugares: apenas em Emília, cerca de quinze novos museus agrários estão sendo criados, e a idéia está se disseminando por outras provín-cias. Talvez o que mais interesse ao historiador oral é o estímulo da memória histórica local. Os estudantes coletam entrevistas em suas próprias aldeias ou se utilizam das gravações do museu. O método de entrevistas também se desenvolveu entre os estudan-tes universitários. E, sobretudo, os historiadores-camponeses dentro da comunidade descobriram renovada confiança. Apenas um só exemplo para concluir: o de Giuseppe Barbieri, de S. Gio-vanni, em Persiceto.
Com 78 anos de idade, Giuseppe Barbieri, camponês agora apo-sentado, tem um histórico escolar medíocre (não passou da terceira série), mas um histórico respeitável como historiador local. Seu primeiro trabalho, um manuscrito de trezentas páginas intitulado "Minhas memó-rias da guerra e da paz. Algumas lembranças de família", foi escrito em 1936. Nele, esse camponês, na época com 39 anos, descreveu minucio-samente essa experiência da guerra, as condições de trabalho dos cam-poneses em Emilia de antes da Primeira Guerra Mundial, a luta agrária de 1919-20, e as reações camponesas aos acontecimentos nacionais, como o surgimento do fascismo, ou a tragédias locais, como o terremoto de 1929. Escrito com incorreções em italiano (quase uma língua estran-geira para ele, uma vez que, como a maioria dos camponeses da região, fala o dialeto local, tanto em casa como no trabalho), seu caderno ma-nuscrito permaneceu inútil em sua casa até 1975, quando a notícia do museu camponês se espalhou pela região (...) Giuseppe Barbieri decidiu tomar de novo da pena (...)
O novo livro de Barbierj seria sobre a estrutura tradicional rural e o trabalho quotidiano. Ofereceria, nas palavras de Triulzi, a resposta de um trabalhador à falsa dicotomia dos acadêmicos entre a pequena história da vida e do trabalho do dia-a-dia e a Grande História dos compêndios oficiais". E Giuseppc Barbieri certamente lançou-se a essa tarefa com entusiasmo, pois espe-252
rava, como disse, '4prosseguir com ela rapidamente, enquanto minha memória ainda está boa, uma vez que já passei dos meus 77 anos e tenho orgulho de expressar nosso passado".8
Dificilmente se poderia exprimir de maneira melhor o espí-rito com que se deve empreender um projeto de história oral.
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A ENTREVISTA
Ser bem-sucedido ao entrevistar exige habilidade. Porém, há muitos estilos diferentes de entrevista, que vão desde a que se faz sob a forma de conversa amigável e informal até o estilo mais formal e controlado de perguntar, e o bom entrevistador acaba por desenvolver uma variedade do método que, para ele, produz os melhores resultados e se harmoniza com sua personalidade. Há algumas qualidades essenciais que o entrevistador bem-suce-dido deve possuir: interesse e respeito pelos outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de de-monstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar. Quem não consegue parar de falar, nem resistir à tentação de discordar do informante, ou de lhe impor suas próprias idéias, irá obter informações que, ou são inúteis, ou positivamente enganosas. Mas a maioria das pessoas consegue aprender a entrevistar bem.
O primeiro ponto é a preparação de informações básicas, por meio da leitura ou de outras maneiras. A importância disso varia muito. A melhor maneira de dar início ao trabalho pode ser mediante entrevistas exploratórias, mapeando o campo e co-lhendo idéias e informações. Com a ajuda destas, pode-se definir o problema e localizar algumas das fontes para resolvê-lo. Do mesmo modo que a "entrevista piloto" de um grande levanta-mento, uma entrevista de coleta de informações genéricas no iní-cio de um projeto local pode ser uma etapa muito i~til. E natural254
mente não há razão alguma para fazer uma entrevista, a menos que o informante seja, de algum modo, mais bem informado do que o entrevistador. Este vem para aprender e, de fato, muitas vezes consegue que as pessoas falem exatamente dentro desse espírito. Por exemplo, Roy Hay descobriu, em sua pesquisa com os construtores navais de Clydeside, que, muitas vezes, "nossa própria ignorância pode tornar-se útil. Em muitas ocasiões, os trabalhadores mais velhos recebiam minhas perguntas ingênuas com divertida tolerância e me diziam. Não, não, garoto, não foi desse jeito', ao que se seguia uma descrição clara e detalhada do
que verdadeiramente acontecera".1
Não obstante, o que se dá na verdade é que, em geral, quanto mais se sabe, mais provável é que se obtenham informa-ções históricas importantes de uma entrevista. Por exemplo, se se estabeleceu, a partir dos jornais, a descrição básica de uma deci-são política, ou de uma greve, será possível situar exatamente dentro dos acontecimentos a participação do informante, identifi-car até que ponto sua experiência e observações são diretas, quais recordações são de segunda mão, e reconhecer as falhas de me-mória entre eventos semelhantes em momentos diversos como as duas eleições gerais de 1910, ou as greves de 1922 e 1926. Essas informações básicas podem, por sua vez, ter sido construí-das de maneira muito completa a partir de entrevistas anteriores, como em relação à reconstruçao sistemática da perseguição e da resistência dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, ou dos movimentos guerrilheiros locais na Itália, onde a importância de um testemunho pode ser a de corroborar e preencher com deta-lhes precisos os eventos, hora a hora, de um certo dia do ano de 1944, quando a família de um certo homem foi exterminada.
Um controle semelhante de detalhe pode ser estabelecido para uma entrevista de história de vida, no caso de o sujeito ser uma personalidade pública, ou um escritor, ou possuir documen-tos pessoais em quantidade suficiente. Muito embora parte desse material - como os próprios textos do sujeito - seja acessível antes do início da entrevista, pode-se conseguir mais resultados
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com as primeiras entrevistas, que levem à correspondência, à descoberta de novos documentos e, finalmente, a mais entrevistas em outro nível de indagações. Claro que nem todo informante proeminente se dispõe a submeter-se a um processo de pesquisa passo a passo. Thomas Reeves descobriu que entrevistar intelec-tuais liberais norte-americanos exigia uma preparação trabalhosa e completa. Freqüentemente, eram ocupados demais para conce-der mais do que breves entrevistas, de modo que era essencial que se fizessem "perguntas específicas, muito bem fundamenta-das". Ainda pior, se se parece "demonstrar hesitação, ou estar procurando obter informações ás cegas, o relacionamento entre os participantes de uma entrevista pode destruir-se rapidamente. Os intelectuais liberais parecem estar especialmente interessados em testar suas credenciais para ser um historiador oral, mediante o exame de seu conhecimento do assunto em discussão. Senti muitas vezes, principalmente no início de uma sessão de entre-vistas, que eles é que estavam me entrevistando (...) Esse tipo de inquirição são estratagemas do status".2
Esse tipo de informante exigente é raro. Não obstante, mesmo num estudo histórico mais geral de uma comunidade ou de uma indústria, é importante que se obtenha o mais rápido pos-sível um conhecimento das práticas e da terminologia locais. John Marshall, por exemplo, indica o quão enganosa pode ser a pergunta "Com que idade você deixou a escola?" nas cidades algodoeiras de Lancashire. Uma antiga fiandeira responderia: aos 14 anos; e apenas porque ele sabia que a maioria delas trabalhara em meio período nos teares muito antes de deixar a escola -fato que elas davam por sabido - é que ele então continuava com outra a pergunta: "Quando você começou a trabalhar?".3 Muitos historiadores orais descobriram que um conhecimento bá-sico sobre os termos é útil, como um recurso para que se instaure respeito e confiança recíprocos. Beatrice Webb, dezenas de anos antes, disse a mesma coisa com sua perspicácia característica:
Interrogar rigorosamente um inspetor de fábrica sem saber distinguir entre uma fábrica e uma oficina (...) constitui uma impertinência. É
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especialmente importante ter familiaridade com termos técnicos e com seu uso correto. Começar a entrevistar qualquer especialista sem ter esse domínio não apenas será uma perda de tempo, como também pode levar a um encerramento mais ou menos polido da entrevista, depois de algu-mas observações gerais e algumas opiniões banais (...) Pois os termos técnicos (...) são ferramentas importantes para fazer com que surjam na consciência e na expressão os fatos ou série de fatos mais obscuros e incomuns; e precisamente esses eventos mais ocultos é que são necessá-rios para completar a análise descritiva e para a verificação de hipóteses.4
E isso não se aplica apenas ao especialista. Constitui igual "impertinência" submeter a interrogatório grande número de traba-lhadores de uma comunidade ou indústria, sem primeiro se assegu-rar, na medida do possível, de que as perguntas são historica-mente relevantes e estão corretamente formuladas para aquele contexto.
Um estudo mais amplo sobre mudança social, que dependa de um espectro relativamente amplo de informantes, também exige que, antes das entrevistas, haja uma preparação particularmente cuidadosa da forma das perguntas. Fazer perguntas da me-lhor maneira é evidentemente importante em toda entrevista. Contudo, esta é uma questão que pode provocar forte reação entre os historiadores orais. Pode-se estabelecer uma diferença entre os chamados "questionários" de perguntas fechadas, cujos padrões lógicos rigidamente estruturados inibem de tal modo a memória que o "respondente" - a escolha desse termo é por si só sugestiva - fica reduzido a respostas monossilábicas, ou muito curtas; e, no outro extremo, não propriamente uma "entre-vista", mas uma "conversa" livre em que a "pessoa", o "portador-de-tradição", a "testemunha", ou o "narrador" e "convidado a falar" sobre um assunto de interesse comum.5 A verdade é que é preciso grande destreza e um informante bem escolhido, para que se possa, como George Ewart Evans, conseguir um material ex-traordinário permanecendo "tranqüilo e sem pressa", dado ao informante "todo o tempo que quiser para ir em qualquer dire-ção..." "Deixe que a entrevista flua. Nunca procuro controlá-la. O menos que se pode fazer é orientá-la e procuro fazer o menor
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número possível de perguntas (...) Todo o tempo necessário, toda a fita necessária, e poucas perguntas".6 Essas poucas perguntas ba-seiam-se em longa experiência, associada a uma idéia clara, obtida antecipadamente, sobre o que cada um dos informantes pode relatar.
O argumento em favor de uma entrevista completamente livre em seu fluir fica mais forte quando seu principal objetivo não é a busca de informações ou evidência que valham por si mesmas, mas sim fazer um registro 'subjetivo" de como um homem, ou uma mulher, olha para trás e enxerga a própria vida, em sua totali-dade, ou em uma de suas partes. Exatamente o modo como fala sobre ela, como a ordena, a que dá destaque, o que deixa de lado, as palavras que escolhe, é que são importantes para a compreen-são de qualquer entrevista; mas para esse fim, essas coisas se tornam o texto fundamental a ser estudado. Assim, quanto menos seu testemunho seja moldado pelas perguntas do entrevistador, melhor. Contudo, a entrevista completamente livre não pode existir. Apenas para começar, já é preciso estabelecer um contexto social, o objetivo deve ser explicado, e pelo menos uma pergunta inicial precisa ser feita; e isso tudo, juntamente com os pressupostos não expressos, cria expectativas que moldam o que vem a seguir. Experimentos feitos com essa abordagem geralmente têm se mos-trado decepcionantes: Janet Askbam descobriu que "isso tende a resultar num relato curto, e até mesmo conciso", simplesmente por-que "eles não sabiam em que eu estava interessada". Os relatos fluíam muito mais livremente assim que ela começava a fazer perguntas.7 Mesmo para esse objetivo, é necessária uma solução conciliatória.
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