De descartes



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outos numa arquitectura de conjuntos interligados; e (3) o con 

tributo de cada um dos conjuntos para o funcionamento do sis 

tema a que pertence depende da sua localizaçäo nesse sistema.

Por outras palavras, a especializaçäo no cérebro mencionada no

aparte sobre frenologia no Capitulo Um é üma consequencla do

lugar ocupado por estes conjuntos de neurónios no seio de um

sistema de grande escala.
Niveis de Arquitectura Neural
Neurónios

Circuitos Locais

Núcleos Subcorticais

Regiöes Corticais

Sistemas

Sistemas de Sistemas

Em suma, o cérebro é um super sistema de sistemas. Cada

sistema é composto por uma complexe interligaçäo de pe 

quenas, mas macroscópicas, regiöes corticais e núcleos sub 

corticais, que por sua vez säo constituidos por circuitos locais,

microscópicos, formados por neurónios, todos eles ligados por

sinapses. (É comum encontrar termos como «circuito» e «rede»

utilizados como um sinónimo de «sistema». Para evitar confu 

säo, é importante indicar a escala de referência, microscópica ou

Assembly, no original. (N. da T.)

REVELAÇÄO DO CEREBRO DE GAGE 51


macroscópica. Neste texto, a nao ser que se especifique algo di 

ferente, os sistemas säo sempre macroscópicos e os circuitos säo

microscópicos.)

A SOLUÇÄO

Dado que Phineas Gage näo podia ser examinado, Hanna Damásio

teve de idealizar uma abordagem indirecta que lhe permitisse ter acesso

ao seu cérebro. Contou com a ajuda de Albert Galaburda, um neurolo 

gista da Harvard Medical School, que se deslocou ao Warren Medical

Museum e fotografou cuidadosamente o cränio de Gage de diferentes

ängulos e mediu as distäncias entre as áreas ósseas danificadas e uma

série de marcas ósseas padräo.

A análise destas fotografias, combinada com as descriçöes da ferida,

permitiu restringir o leque de trajectos possiveis da barra de ferro. As fo 

tos permitiram também a Hanna Damásio, juntamente com o seu colega

neurologista, Thomas Grabowski, recriar o cränio de Gage sob a forma de

coordenadas tridimensionais, e destas derivar as coordenadas mais pro 

váveis do cérebro que melhor se ajustava a esse cränio  Com a ajuda do seu

colaborador Randall Frank, um engenheiro, Hanna Damásio executou

entäo uma simulaçäo num computador altamente potente. Eles recriaram

um bastäo de ferro tridimensional com as dimensöes exactas do ferro de

calcar de Gage e «empalaram no» num cérebro cujas forma e tamanho

eram semelhantes ao de Gage, segundo o leque, agora restrito, de trajec 

tórias que o ferro pode ter percorrido durante o acidente. Os resultados

obtidos säo apresentados nas Figuras 2.7 e 2.8.

Figura2.7 FotografiadocräniodeGageobtida

em 1992.


52 O ERRO DE DESCARTES

Figura 2.8   PAINÉIS

SUPERIORES: Uma recotis 

tritçiio do cérebro e do cränio

de Gage com a trajectória pro 

vável do bastäo deferro assina 

lada a cinzento esc (ro.

PAINÉIS INFERIORES:

Uma imageni de ainbos os he 

niisférios, esquerdo e direito,

z,istos do iiiterior, mostrando

como oferro daiiificoii as es 

trittitras do lobo frontal etti

ambos os lados.


Podemos agora confirmer a hipo'tese de David Ferrier de que, apesar

da quantidade de cérebro perdida, o ferro näo atingiu as regiöes cerebrais

necessárias para as funçöes motoras e para a linguagem. (As áreas intac 

tas de ambos os hemisférios incluem os córtices motor e pré motor, assim

como o opérculo frontal, no lado esquerdo, designado por área de Broca.)

Podemos afirmar com segurança que os danos foram mais extensos no he 

misfério esquerdo do que no direito, abrangendo mais os sectores anterio 

res do que os posteriores da regiäo frontal. A lesäo comprometeu sobre 

tudo os córtices pré frontais nas superficies ventral e interna de ambos os

hemisférios, preservando os aspectos raterais, ou externos, dos referidos

córtices.

Parte de uma regiäo que as nossas investigaçöes mais recentes têm re 

velado ser critica para a tomada normal de decisöes, a regiäo pré frontal

ventromediana, foi de facto danificada em Gage. (Na terminologia neu 

roanatómica, a regiäo orbital é também conhecida como a regiäo ventro 

mediaiia do lobo frontal, sendo esta a forma como a referirei ao longo do

livro.

regiäo é, por assim dizer, o baixo ventre do lobo frontal; «mediano»

designa a proximidade da linha central ou da superficie interna de uma

estrutura.) A reconstruçäo revelou que certas regiöes consideradas vitais

para outros aspectos das funçöes neuropsicológicas näo foram danifica 

das em Gage. Por exemplo, os córtices situados na parte latéral do lobo

frontal, cuja lesäo limita a capacidade de controlar a atençäo, executar cál 

culos e de passar apropriadamente de estimulo para estimulo, estavam

intactes.

A REVELAÇAO DO CÉREBRO DE GAGF 53
Esta abordagem modema permitiu obter certas conclusöes. Hanna

Damásio e os seus colegas podiam afirmar concretamente que foi uma le 

sä,o selectiva dos cártices pré frontais do cérebro de Phineas Gage que

comprometeu a sua capacidade de planeur o futuro, de se conduzir de

acordo com as regras sociais que tinha previamente aprendido e de deci 

dir sobre o curso de acçöes que poderiam vir a ser mais vantajosas para

a sua sobrevivência. O que faltava agora era o conhecimento de como a

mente de Gage pode ter funcionado quando ele exibia um comporta 

mento täo anómalo. E para isso tinhamos de investigar os modernes com 

panheiros de infortúnio de Phineas Gage.


Três
Um Phineas Gage

Moderne

ouco tempo depois de ter começado a observar doentes cujo com 



P portamento se assemelhava ao de Gage e de ter ficado intrigado

com os resultados de lesöes pré frontais   há bem uma vintena de

anos  , pediram me que examinasse um doente com uma versäo espe 

cialmente pura desse estado patológico. Diziam me que o doente tinha

sofrido uma alteraçäo radical da personalidade, e os médicos tinham uma

pergunta especifica para que procuravam resposta: queriam saber se es 

ta mudança bizarra, täo incompativel com o comportamento anterior, era

uma verdadeira doença. Elliot, como lhe chamarei daqui em diante,

encontrava se entäo na casa dos trintal. Näo mantinha um emprego,

encontrando se a viver com a ajuda da familia, e a questäo premente re 

sidia no facto de a Segurança Social lhe recusar o pagamento de subsidios

de invalidez. Aos olhos de toda a gente, Elliot era um homem inteligente,

competente e robusto que tinha de ser chamado à razäo e voltar ao tra 

balho. Vários profissinais da medicina tinham declarado que as suas

faculdades mentais estavam intactas   o que significava que, na melhor

das hipôteses, Elliot era preguiçoso e, na pior, um impostor.

Recebi Elliot de imediato e, ao contrário do que esperava, encontrei

uma pessoa agradável e um pouco misteriosa, profundamente simpática

mas emocionalmente contida. Possuia uma compostura respeltável e di 

plomática, revestida por um sorriso irónico que subentendia sabedoria

superior e uma ténue condescendência com as loucuras do mundo. Era

UM PHINEAS GAGE MODERNO 55


frio, distante e impassivel, até mesmo perante a discussäo de aconteci 

mentos pessoais potencialmente embaraçosos. Lembrava me Addison

DeWitt, o personagem desempenhado por George Sanders em Tudo sobre

Eva.


Elliot näo só era coerente e inteligente como tinha um conhecimento

perfeito do que se passava no mundo à sua volta. Datas, nomes, por 

menores dos noticiários, tinha tudo na ponta da lingua. Discutia assuntos

politicos com o humor que eles frequentemente merecem, e parecia

compreender a situaçäo da economia. O seu conhecimento sobre o

mundo dos negócios, no qual ele tinha trabalhado, permanecia intacte.

Tinham me dito que as suas capacidades profissionais se mantinham

inalteradas, o que parecia plausivel. Possuia uma memória impecável da

história da sua vida, que  inclura os mais recentes e estranhos aconteci 

mentos. E, de facto, tinham vindo a acontecer as coisas mais estranhas.

Elliot tinha sido um bom marido e pai, tinha tido um excelente em 

prego numa arma comercial e tinha sido um exemplo para os irmäos e

colegas mais novos. Tinha atingido um invejável estatuto pessoal, pro 

íissional e social. Mas a sua vida tú iha começado a esboroar se. Tinha

começado a queixar se de violentas dores de cabeça e a capacidade de

concentraçäo tinha se deteriorado em pouco tempo. A medida que o seu

estado piorava, parecia perder o sentido de responsabilidade, e o seu

trabalho tinha de ser conclufdo ou corrigido por outros. O médico de

familia suspeitou da existência de um tumor cerebral, e, infelizmente, a

suspeita estava correcta.

O tumor era grande e crescia rapidamente. Na altura em que foi

diagnosticado, tinha atingido o tamanho de uma pequena laranja. Era um

meningioma, assim chamado porque emerge das membranas que reves 

tem a superficie do cérebro, as quais se denominam meninges. Mais tarde,

tive conhecimento de que o tumor de Elliot tinha começado a crescer na

linha mediana, mesmo por cima das cavidades nasais, acima do plano

formado pelo tecto das órbitas. A medida que aumentava de volume, o tu 

mor ia comprimindo para cima, a partir das suas superficies inferiores,

ambos os lobos frontais.

Os meningiomas säo geralmente tumores benignos, pelo menos no

quedizrespeitoaoseutecidotumoral,porém,senäoforemremovidosci 

rurgicamente tomam se täo fatais como os tumores a que,chamamos ma 

lignos. Devido ao seu crescimento, os meningiomas vao comprimindo o

tecido cerebral e acabam por o destruir e conduzir à morte. A cirurgia era

necessária para que Elliot sobrevivesse. A operaçäo foi executada por

uma excelente equipa cirúrgica e o tumor foi removido. Como é comum

acontecer nestes casos, o tecido do lobo frontal que tinha sido danificada

pelo tumor teve também de ser removido. A cirurgia foi um sucesso em


56 O ERRO DE DESCARTES


todos os aspectos, e, como este tipo de tumores näo tende a desenvol 

ver se outra vez, as perspectivas eram excelentes. Mas a parte que näo

correu täo bem teve a ver com a reviravolta que a personalidade de Elliot

sofreu. As alteraçöes, que tinham começado durante a sua convalescença

fisica, surpreenderam os familiares e os amigos. Para ser exacto, a inteli 

gência, a capacidade de locomoçäo e a eloquência de Elliot permanece 

ram ilesas. No entanto, sob muitos pontos de vista, Elliot já näo era Elliot.

Consideremos o inicio de um dia da sua vida: para começar a manhä

e preparar se para ir para o trabalho, necessitava de incentivo. Uma vez

no trabalho, era incapaz de utilizar o seu tempo adequadamente, e näo era

possivel confiar que respeitasse os prazos prometidos. Quando o traba 

lho requeria a interrupçäo de uma actividade para passar a ocupar se de

outra, ele podia todavia persistir na primera, perdendo aparentemente

de vista o seu objective principal. Ou podia interromper a actividade com

que estava ocupado para se dedicar a algo que o cativasse mais naquele

preciso moments. Imagine, por exemplo, uma tarefa que envolva a leitura

e a classificaçäo de documentes de um determinado cliente. Elliot lê los 

 ia, compreendendo inteiramente a importäncia do material, e saberia

certamente como separar os documentes de acordo com a semelhança ou

a disparidi%de do seu conteúdo. O problema consistia na possibilidade de

abandonar subitamente a tarefa de classificaçäo que tinha iniciado para

se pôr a ler um desses papéis, de forma cuidadosa e inteligente, durante

todo o resto do dia. Elliot podia passar uma tarde inteira a ponderar sobre

o critério de classificaçäo que devia ser aplicado: data, tamanho do do 

cumento, releväncia para o caso, ou noutro qualquer critério. O ritmo do

trabalho era quebrado. Podia dizer se que o passo específico do trabalho

em que Elliot tinha encalhado estava na realidade a ser executado com

deinasiada perfeiçäo, mas à custa do objective global. Podia dizer se que El 

liot se tinha tornade irracional em relaçäo ao enquadramento necessário

para a sua prioridade principal, enquanto dentro de enquadramentos

menores, que diziam respeito a tarefas subsidiárias, as suas acçöes eram

desnecessariamente pormenorizadas.

A sua base de conhecimento parecia ter sobrevivido e podia executar

as mais diversas acçöes, täo bem como antes. Mas näo se podia esperar

que executasse a acçäo apropriada no momento necessário. Nada há de

surpreendente no facto de, após repetidos conselhos e advertências de

colegas e superiores terem sido ignorados, Elliot ter sido despedido, ou

de outros empregos e outros despedimentos se terem seguido. A vida de

Elliot seguia agora ao sabor de um novo ritmo.

Ao deixar de estar amarrado a um emprego regular, Elliot dedicou se

a novos passatempos e aventuras comerci@iis. Desenvolveu hábitos de

UM PHLNEAS GAGE MODERNO 57


coleccionador   o que, por si só, näo é nada de negativo mas também

nada prático quando o tema da colecçäo säo objectes de sucata. Os novos

negócios estendiam se desde a construçäo civil até à gestäo de investi 

mentos. Num deles, aliou se a um sócio desonesto. Os vários avisos dos

amigos foram ignorados e o esquema terminou na falência. Todas as suas

economias tinham sido investidas na malfadada empresa, e com ela se

perderam. Era desconcertante como um homem com os conhecimentos

de Elliot podia tomar decisöes financeras e comerciais täo desastradas.

Mulher, filhos e amigos näo conseguiam compreender como é que

uma pessoa instruida e devidamente prevenida podia agir de forma täo

insensata, e, como era talvez de esperar, alguns deles perderam a paciên 

cia. Veio um primeiro divórcio. Depois, um curto casamento com uma

mulher que nem a familia nem os amigos aprovavam. Seguiu se outro

divórcio. Depois, mais deambulaçöes sem uma fonte de rendimentos, e fi 

nalmente, como um golpe derradeiro na óptica daqueles que ainda se

preocupavam com ele e o observavam de longe, a recusa dos pagamen 

tos da Segurança Social referentes à óbvia invalidez.

A pensäo de Elliot foi restabelecida. No relatôrio que escrevi sobre El 

liot expliquer que as suas falhas eram de facto provocadas por uma doen 

ça neurológica. Era verdade que ele estava ainda fisicamente apto e que

a maioria das suas capacidades mentais estavam intactas. Porém, a sua

aptidäo para tomar decisöes estava diminuida, assim como a sua capa 

cidade para elaborar um planeamento eficaz das horas que tinha pela

frente, para näo falar na planificaçäo dos meses e dos anos do seu futuro.

Estas alteraçöes näo eram de forma alguma comparáveis aos deslizes que,

de vez em quando, cometemos nas nossas decisöes. Individuos normais

e inteligentes com uma educaçäo similar à dele cometem erros e tomam

decisöes incorrectas, mas näo com consequências sistematicamente täo

desastrosas. As alteraçöes em Elliot possuiam uma ordem de grandeza

superior e constituiam um sinal de doença. Näo eram o resultado de uma

prévia insuficiência de carácter e näo estavam certamente sob o controlo

intencional do doente; a sua causa original, de uma forma bastante sim 

ples, consistia na lesäo de um determinado sector do cérebro. Para além

disso, as alteraçöes possuiam um carácter crônico. O estado de Elliot näo

era transitório. Tinha vindo para ficar.

A tragédia deste homem, que em tudo o resto era saudável e inteli 

gente, resultava do facto de, apesar de näo ser nem estúpido nem igno 

rante, agir frequentemente como se fosse. A maquinaria das suas decisöes

estava täo defeituosa que ele já näo podia funcionar efectivamente como

ser social. Mesmo quando era posto em confronte com os resultados

desastrosos das suas decisöes, näo aprendia de todo com os erros. Parecia

58 O ERRO DE DESCARTES


estarpara além de qualquerpossibilidade de salvaçäo, talcomo O transgres 

sor incurável que profere sincero arrependimento quando sai da prisäo,

mas comete outro crime pouco tempo depois. Pode talvez afirmar se que

o seu livre arbitrio tinha sido comprometido e arriscar, em resposta à

pergunta que me pus em relaçäo a Gage, que o livre arbitrio de Gage ti 

nha sido também comprometido.

Em alguns aspectos, Elliot era um novo Phineas Gage, caido em

desgraça social, incapaz de raciocinar e de decidir de forma conducente

à manutençäo e ao melhoramento da sua pessoa e da sua familia. já näo

era capaz de funcionar como ser humano independente e, tal como Gage,

também tinha desenvolvido hábitos de coleccionador. Em outros aspec 

tos, no entanto, Elliot era diferente. Era menos intense do que Gage parece

ter sido e nunca recorria à profanidade. Quer as diferenças correspondam

a localizaçöes ligeiramente diferentes das suas lesöes quer a diferenças

existentes nos seus respectivos passados sócioculturais, a diferentes per 

sonalidades em termos de tendência mórbida ou até a diferentes idades,

esta é uma interessante questäo empirica para a qual, por enquanto, näo

tenho resposta.

Mesmo antes de estudar o cérebro de Elliot com as técnicas modernas

de neuro imagem, eu sabia que a lesäo envolvia o lobo frontal; o seu per 

fil neuropsicológico apontava apenas para esta regiäo. Tal como veremos

no Capitulo Quatro, lesöes noutros locais (por exemplo, no lado direito do

córtex somatossensorial) podem comprometer a capacidade de tomada

de decisöes, mas nesses casos há outros defeitos associados (paralisias,

perturbaçöes sensoriais).

Os estudos de tomografia computorizada e de ressonäncia magnética,

efectuados em Elliot, revelaram que os lobos frontais direito e esquerdo

tinham sido afectados e que a lesäo do direito era muito superior à do

esquerdo. De facto, a superficie externa do lobo frontal esquerdo estava

intacts e todos os danos sofridos pelo lado esquerdo concentravam se

nos sectores orbital e mediano. No lado direito, estes sectores estavam

também danificados, porém, para além deles, o cerne do lobo (a massa

branca que se encontra por baixo do córtex cerebral) tinha sido destruido.

Uma grande porçäo dos córtices frontais direitos tinha deixado de ter

qualquer viabilidade funcional.

Em ambos os lados, as partes do lobo frontal responsáveis pelo con 

trolo dos movimentos (as regiöes motora e pré motora) näo tinham sido

danificadas. O que näo era de espantar, visto Elliot apresentar movimen 

tos inteiramente normais. Também, como seria de esperar, os córtices

UM PHINEAS GAGE MODERNO 59


frontais relacionados com a linguagem (a área de Broca e seus arredores)

estavam intactes. A regiäo imediatamente atrás da base do lobo frontal,

o prosencéfalo basal, estava igualmente intacts. Esta regiäo é uma das

muitas necessárias para a aprendizagem e para a memória. Se esta zona

tivesse sido atingida, a memória de Elliot teria ficado diminuida.

Havia algum sinal de quaisquer outras lesöes no cérebro de Elliot? A

resposta é um näo definitivo. As regiöes temporal, occipital e parietal es 

tavam intactas em ambos os hemisférios, esquerdo e direito. O mesmo

acontecia em relaçäo aos grandes núcleos de massa cinzenta localizados

porbaixo do córtex: os gänglios basais e o tálamo. As lesöes estavam assim

confinadas aos córtices pré frontais. Tal como em Gage, o sector ven 

tromediano desses córtices tinha sofrido a maior parte da lesäo. A lesäo

no cérebro de Elliot era, porém, mais extensa no lado direito do que no

esquerdo.

Poder se ia pensar que muito pouco deste cérebro tinha sido des 

truido e que tanto cérebro tinha sido preservado. No entanto, a quanti 

dade de cérebro danificada por uma lesäo näo é o que mais conta nas

consequencias das lesöes cerebrais. O cérebro näo é uma extensa massa

disforme de neurónios que fazem a mesma coisa onde quer que se encon 

trem. Acontece que as estruturas destruidas em Gage e Elliot säo as que

säo necessárias para que o raciocinio culmine numa tomada de decisäo.

UMA MENTE NOVA

Lembro me de ter ficado impressionado com a sanidade intelectual

de Elliot, mas recorás me também de achar que outros doentes com

lesöes no lobo frontal pareciam estar säos e, no entanto, possuiam alte 

raçöes intelectuais subtis, apenas detectáveis através de testes neuropsi 

cológicos especiais. As alteraçöes nos seus comportamentos tinham sido

frequentemente atribuidas a deficiências na memória ou na atençäo. Mas

o estudo de Elliot levou me a abandonar esta explicaçäo.

Elliot tinha sido examinado noutra instituiçäo, onde o diagnóstico ti 

nha negado a existência da chamada «sinároma orgänica cerebral». Por

outras palavras, Elliot näo demonstrou Iú nitaçöes quando foi submetido

a testes padräo de inteligência. O seu quociente de inteligência (o cha 

mado QI) encontrava se na gama superior, e a sua posiçäo na Escala de

Inteligência para Adultos de Wechsler näo indicava a existência de

qualquer anormalidade. Os seus problemas näo eram o resultado de


ó0 O ERRO DE DESCARTES


«doença orgänica» ou de«disfunçäoneurolôgica»  por outras palavras,

doença cerebral   mas sim o reflexo de problemas de ajustamento

«emocional»e«psicológico» ouseja,problemasmentais osquaispo 

deriam ser resolvidos por psicoterapia. Só depois de uma série de sessöes

terapêuticas se terem revelado infrutiferas é que Elliot foi enviado para a

nossa unidade. (A distinçäo entre doenças do «cérebro» e da «mente»,

entre problemas «neurológicos» e «psicológicos» ou «psiquiátricos»,

constitui uma herança cultural infeliz que penetra na sociedade e na

medicina. Reflecte uma ignoräncia básica da relaçäo entre o cérebro e a

mente. As doenças do cérebro säo vistas como tragédias que assolam as

pessoas, as quais näo podem ser culpadas pelo seu estado, enquanto que

as doenças da mente, especialmente aquelas que afectam a conduta e as

emoçöes, säo vistas como inconveniências sociais nas quais os doentes

têm muitas responsabilidades. Os individuos säo culpados por imper 

feiçöes do seu carácter, pormodulaçäo emocional deficiente e porproble 

@as quejandos; a falta de força de vontade é, supostamente, o problema

primário.)

O leitor pode perguntar, e com razäo, como é possivel uma avaliaçäo

médica anterior täo errada. Será possivel que alguem täo diminuido como


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