E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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eram como gentios, só que ainda mais culpados. Tal como Elisha ben Avuyah, eles conheciam Deus, mas optaram por lhe desobedecer. Referir-me-ei a eles como os «ímpios», visto que esta é quase de certeza a palavra utilizada por Jesus e pelos seus críticos. (Eles falavam aramaico e não hebraico, mas a palavra é a mesma.)



A importância do facto de Jesus ter sido um amigo dos ímpios estava no seguinte: ele contava entre os seus seguidores com pessoas que eram geralmente consideradas como alguém que vivia fora da Lei de uma maneira notória.

A expressão «cobradores de impostos e pessoas ímpias» aparece frequentemente nos Evangelhos sem qualquer explicação, não sendo imediatamente claro por que razão estes dois grupos são referidos em conjunto. A explicação provável é que os cobradores de impostos eram

considerados desonestos. Nesse caso, eram ímpios, visto que a sua desonestidade era sistemática. Uma pessoa que utilizasse o seu cargo para encher o seu próprio bolso, estava a fazer quase exatamente aquilo que os ímpios fazem nos Salmos: oprimir as outras pessoas e viver como se Deus não existisse ou como se não concedesse justiça. Esta é a descrição que Filo faz do homem que, cerca de 40 d. C., tinha a função de cobrador de impostos na província da Judeia: «Capito é o cobrador de impostos para a Judeia e despreza a população. Quando chegou lá, era um homem pobre, mas, graças à sua rapacidade e ao peculato, acumulou muita riqueza sob várias formas (Embaixada 199). A palavra traduzida como «imposto», significa «tributo», no sentido mais literal; Capito era responsável pelo envio do tributo da Judeia para Roma ou para a base romana na Síria. Cobrava mais do que tinha de enviar e ficou rico.

Na obra de Josefo existe uma referência mais favorável a uma outra espécie de cobradores de impostos: o funcionário alfandegário. Os judeus da Cesareia estavam incomodados com construções que bloqueavam ou dificultavam o seu acesso a uma sinagoga. João, o funcionário alfandegário, subornou o procurador romano, Florus, para que este decidisse a disputa a favor dos judeus. O procurador aceitou o dinheiro e, depois, saiu da cidade, deixando às duas partes a resolução da questão (Guerra 2, 285-288). Este funcionário alfandegário era judeu e atuou de acordo com os judeus notáveis da cidade. Ao contrário deles, ele era suficientemente rico para dispor de uma grande quantidade de dinheiro para o suborno: oito talentos de prata. Um talento pesava cerca de 35 kg, embora as estimativas dos especialistas

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variem muito. Se este número for mais ou menos correto, podemos calcular o valor de oito talentos de prata em moedas contemporâneas. A prata está a ser negociada a cerca de 4,30 dólares americanos por onça; isto significa que os oito talentos valem, aproximadamente, 41280 dólares americanos. Nesta história, o vilão é Florus. Se um político honesto é alguém que resiste ao suborno, então Florus era desonesto e os resultados foram catastróficos. O conflito por causa do acesso à sinagoga na Cesareia foi o primeiro numa série de acontecimentos que levaram à grande revolta dos judeus contra Roma.



Mas o nosso interesse centra-se em João, o funcionário alfandegário. Ele era o único judeu na Cesareia capaz de oferecer um grande suborno. O funcionário alfandegário que controlava o porto de Cesareia (pressupondo que este era o cargo de João) estava numa posição muito boa. As exportações que passavam pelo porto eram muito mais valiosas do que as importações, visto que o porto de Cesareia se encontrava numa das rotas possíveis através da qual os produtos de luxo do Oriente chegavam à Ásia Menor, à Grécia e à Itália. As taxas eram cobradas, provavelmente, tanto sobre as exportações como sobre as importações e, portanto, a maior parte dos custos suportada pelos consumidores em outros países. João podia cobrar demasiado, ou tirar para si o melhor, sem causar prejuízo aos habitantes da Cesareia.

Os cobradores de impostos nos Evangelhos, tal como João, eram funcionários alfandegários e não cobradores de tributos. As pequenas cidades à volta do mar da Galileia eram menos prósperas do que Cesarei a e as mercadorias exportadas, bem como as importadas, eram mais básicas do que os bens de luxo que passavam pelo porto de Cesareia. A Galileia produzia muitos alimentos, mas tinha de importar muitos bens manufaturados. Os cobradores de portagens na Galileia cobravam taxas sobre coisas que eram utilizadas pelos camponeses comuns da região. É provável que os cobradores de portagens se tornassem relativamente ricos - não tão ricos como um cobrador de tributo ou um funcionário alfandegário numa cidade tão grande como Cesareia, mas mais ricos do que a maioria dos agricultores e pescadores da Gali­ leia. Os habitantes da Galileia consideravam, provavelmente, os funcionários alfandegários «ímpios»: regra geral, eles eram desonestos.

Muitos investigadores, incluindo eu próprio, pensavam que os cobradores de impostos na Galileia eram considerados colaboradores, habitantes que atuavam em nome de um poder imperial. Cobravam impostos ao serviço de Antipas, mas ele pagava tributo a Roma; por

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conseguinte, ajudavam Roma, indiretamente. Já não estou muito seguro desta opinião. Basta dizer que eles eram suspeitos de cobrar de mais e, por conseguinte, de pilhar a população. Por isso, eles viviam como se Deus não existisse ou como se não reagisse; eram «ímpios».

O único outro grupo de pessoas que os Evangelhos mencionam como pertencente aos ímpios era o das prostitutas. Segundo Mt 21, 31 e segs., os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão no Reino de Deus antes de «vós» - ao que parece, os sumos sacerdotes e os anciãos (ver 21,23) - porque acreditaram em João Baptista e arrependeram-se. Nunca se diz que Jesus tinha uma ligação íntima com prostitutas. Lucas conta a história de uma mulher que era uma «pecadora» e que ungiu os pés de Jesus, mas isto aconteceu na presença de um fariseu, pelo que está fora de questão um comportamento impróprio (Lc 7, 36-50). Se queremos colocar a questão da relação entre Jesus e os ímpios, temos de nos limitar aos cobradores de impostos.

Já registámos a crítica generalizada ao facto de Jesus ter sido amigo de cobradores de impostos e de ímpios (Mt 11, 19). Existem duas histórias concretas das quais já referimos uma: Jesus chamou um cobrador de impostos a segui-lo e, depois, jantou com cobradores de impostos. «Os escribas dos fariseus» perguntaram-lhe porque o tinha feito e ele respondeu: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os enfermos» (Mc 2, 14-17). Isto faz supor que ele

queria curá-los, isto é, levá-los a deixarem de ser desonestos. A outra história também se centra numa renovação moral bem sucedida. Quando Jesus atravessava Jericó, o chefe dos cobradores de impostos, Zaqueu, subiu a uma árvore para o ver. Jesus levantou os olhos e disse a Zaqueu que ficaria em casa dele. Isto levou a multidão a murmurar que Jesus ia ficar com alguém que era ímpio. Zaqueu prontificou-se imediatamente a dar metade dos seus bens aos pobres e a restituir quatro vezes mais a todos aqueles que tinha defraudado. Jesus comentou que a salvação tinha chegado à casa de Zaqueu e acrescentou: «O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19, 1-10).

Zaqueu ofereceu muito mais do que o exigido por Lei; de acordo com esta, uma pessoa que defraudasse outra devia restituir-lhe o que tinha roubado, acrescentar 20 por cento como multa e, depois, sacrificar um carneiro como sacrifício de reparação (Lv 6, 1-7). Uma pessoa que fizesse isto e que não voltasse à sua vida anterior, deixava de ser ímpia. Se Jesus tivesse conseguido persuadir outros funcionários alfandegários a fazer aquilo que Zaqueu fez, teria sido um herói local.

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Mas parece que foi criticado. Como havemos de entender isto? Tendo em conta estas e outras questões, que explanarei em seguida, sugeri num dos trabalhos anteriores que, apesar da história da conversão maravilhosa de Zaqueu, Jesus não era um pregador de arrependimento: ele não era, em primeiro lugar, um reformador e a sua associação a cobradores de impostos não tinha o objetivo de os persuadir a fazer aquilo que Zaqueu fez.

Tal como eu tinha previsto, esta sugestão foi mal recebida. Gostaria de voltar a tentar explicar o meu ponto de vista. A história de Levi e dos outros cobradores de impostos (Mc 2, 14-17) não afirma que eles se tivessem arrependido, restituído o dinheiro, acrescentado 20 por cento e apresentado um sacrifício no Templo. Além disso, as palavras «arrepender-se» e «arrependimento» são muito raras em Mateus e em Marcos. Se o objetivo de Jesus fosse levar as pessoas desonestas ao arrependimento, poderíamos esperar que a palavra «arrepender-se» fosse uma palavra proeminente no seu ensinamento. Gostaria de recapitular brevemente a ocorrência destas palavras (tanto do verbo, como do substantivo) nos Evangelhos sinópticos. O sumário que Marcos apresenta da pregação de Jesus inclui um apelo ao arrependimento (Mc 1, 15), mas não dá nenhum exemplo específico. Além disso, Marcos atribui só uma mensagem de arrependimento a João Baptista e aos doze discípulos (1, 4; 6, 12). Mateus apresenta o mesmo resumo da mensagem de Jesus (Mt 4, 17) e uma descrição alargada da mensagem de João que sublinha o arrependimento (3, 2.8.11). Em Mt 11,20 e segs., Jesus critica Corozaim, Betsaida e Cafarnaum pelo facto de não se arrependerem. Mt 12,41 louva Nínive por se ter arrependido depois de ter ouvido a pregação de Jonas. Mateus 21, 32 (como já vimos) critica os chefes dos sacerdotes e os anciãos por não se arrependerem com a pregação de João. Lucas apresenta paralelos com os versículos sobre João Baptista (Lc 3, 3.8), as cidades da Galileia (10, 13) e Nínive (11,32). Enquanto em Mateus e Marcos, quando Jesus defende a sua atitude de jantar com cobradores de impostos, diz que veio para chamar os pecadores, em Lucas, diz que veio para chamar ao arrependimento (Lc 5, 32). Segundo Lucas, Jesus concluiu a parábola sobre a ovelha perdida dizendo: «Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam

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de conversão», uma conclusão que não se encontra na versão de Mateus (Lc 15, 7; Mt 18, 14). A parábola sobre a dracma perdida, em Lucas, tem um fim semelhante (Lc 15, 10). Há outras afirmações em Lucas que recomendam o arrependimento (16, 30 e 17, 3 e segs.) e a história de Zaqueu, que acabámos de debater, versa sobre o arrependimento.



Esta recapitulação demonstra que o arrependimento tem uma importância em Lucas que não possui em Mateus e em Marcos. Note-se igualmente que o arrependimento tem uma proeminência nos Atos dos Apóstolos, escritos pelo autor de Lucas, que não possui no resto do Novo Testamento, com exceção do Apocalipse. As principais palavras gregas para «arrepender-se» e «arrependimento» aparecem 62 vezes no Novo Testamento, 14 das quais em Lucas, 11 nos Atos dos Apóstolos e 12 no Apocalipse. No que diz respeito aos outros Evangelhos, os números ascendem a 10 em Mateus, 3 em Marcos e O em João. Se nos perguntarmos sobre a utilização dos termos «arrepender-se/arrependimento» no ensinamento atribuído a Jesus, excluindo os debates sobre João Baptista e outros, os números descem: 6 em Mateus, 1 em Marcos (o resumo do próprio Marcos) e 11 em Lucas. Se, em lugar do número de vezes que as palavras aparecem, contarmos o número de passagens que as incluem, chegamos ao seguinte resultado:

Mateus: João Baptista 1; Jesus 4, Judas 1

Marcos: João Baptista 1, Jesus 1, os discípulos

Lucas: João Baptista 1, Jesus 8

Uma das quatro passagens em Mateus na qual a palavra «arrepender-se» é atribuída a Jesus, refere-se, de facto, a João Baptista: os sumos sacerdotes e os anciãos não se arrependeram depois de terem ouvido a pregação de João (Mt 21, 22). Isto reduz ainda mais o número de passagens que provam que Jesus chamou as pessoas ao arrependimento.

Detenhamo-nos agora no substantivo utilizado na mensagem central de Jesus - o «Reino» - em ordem ao estabelecimento de uma comparação. A palavra aparece 55 vezes em Mateus, 20 vezes em Marcos, 46 em Lucas, 5 vezes em João, 162 vezes em todo o Novo Testamento. Em termos estatísticos, «Reino» é a palavra mais importante em todos os três sinópticos, ao passo que as palavras «arrepender-se/arrependimento» são significativas em Lucas, nos Atos dos Apóstolos

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e no Apocalipse. A explicação mais razoável é que o autor de Lucas/ Atos dos Apóstolos gostava especialmente de sublinhar o arrependimento e que este não era um dos temas centrais da mensagem do próprio Jesus.



Compreendo que esta afirmação parece algo estranha ao leitor, visto que todos, sejam religiosos ou não, consideram o arrependimento um elemento central e fundamental da religião. E isto é verdade. O arrependimento constituía um tema central no judaísmo e, mais tarde, no início do cristianismo. Continuou a ser uma característica dominante de ambas as religiões. Por isso, é surpreendente que o arrependimento desempenhe um papel tão reduzido no ensinamento de Jesus, segundo Mateus e Marcos. O seu papel reduzido nestes dois Evangelhos torna-se ainda mais notável se repararmos que ambos utilizam a palavra nos seus resumos do ensinamento de Jesus (Mc 1, 15; Mt 4, 15). Eles não tinham qualquer interesse em desvalorizar o tema; contudo, este tema é pouco significativo. Qual é a explicação para tal?

Não é que o arrependimento desagradasse a Jesus e que ele tivesse pensado que as pessoas nunca deviam sentir remorsos e rezar pelo perdão. Ele era favorável a tudo isto. Pensava que as prostitutas que se arrependeram quando ouviram a pregação de João Baptista, assim como os habitantes de Nínive que se arrependeram depois de terem ouvido a pregação de Jonas, fizeram bem (Mt 21, 31 e segs.; 12,41) e que as cidades da Galileia se deviam ter arrependido (Mt 11, 20 e segs.). A parábola sobre o servo que não perdoou (Mt 18, 23-35) debate os apelos à clemência e ao perdão de forma a não deixar qualquer dúvida de que aquele que fala lhes atribui grande valor. Não é isto que está em causa. Existem duas questões. A primeira é saber o que desagradou aos críticos de Jesus na sua ligação com as pessoas ímpias. Se as outras pessoas ímpias tivessem respondido como fez Zaqueu, que se arrependeu e distribuiu generosamente a sua riqueza, qual poderia ser a acusação? Nenhuma, penso eu.

Isto leva à segunda questão: em que consistia a missão do próprio Jesus? Que objetivo tinha ele estabelecido para si próprio? Será que o seu objetivo de vida era persuadir as pessoas más a começarem a ser honestas ou persuadir os ricos a partilharem o seu dinheiro? Para responder a estas questões temos de perguntar o que os Evangelhos dizem exatamente sobre a associação de Jesus com os ímpios. Esta investigação revela que apenas Lucas apresenta histórias concretas em que Jesus chama pessoas ao arrependimento e que só Lucas era de

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opinião que Jesus tinha persuadido os ímpios a arrepender-se e a devolver os seus lucros obtidos desonestamente. Isto é, o Jesus de Lucas, que levou os cobradores de impostos ao arrependimento e à restituição, não teria irritado ninguém, pelo menos, não neste ponto. Mas, visto que Jesus encontrou oposição por causa da sua atitude para com os pecadores, inclino-me a pensar que Jesus não deve ser definido como um pregador do arrependimento. Jesus era favorável ao arrependimento, mas, se o classificarmos como um tipo e descrevermos como ele encarava a sua missão, temos de concluir que ele não era um reformador orientado para o arrependimento.

No Novo Testamento, este título pertence claramente a João Batista. Jesus tinha consciência daquilo que o distinguia de João Batista e comentou-o várias vezes. As prostitutas arrependeram-se com a pregação de João - não com a de Jesus. João era um asceta; Jesus comia

e bebia. Além disso, Jesus era amigo de cobradores de impostos e de pecadores - não daqueles que já tinham sido cobradores de impostos e pecadores, como Zaqueu, depois do seu encontro com Jesus - mas daqueles que ainda eram cobradores de impostos e pecadores. Penso que Jesus era bastante mais radical do que João. Jesus pensava que o apelo de João ao arrependimento devia ter sido eficaz, mas, de facto, só o foi em parte. De qualquer modo, o seu estilo era diferente; ele não repetiu as táticas de João Baptista. Pelo contrário, comia e bebia com os ímpios e dizia-lhes que Deus os amava especialmente e que o Reino estava próximo. Será que esperava que eles mudassem o seu estilo de vida? Provavelmente, sim. Mas a sua mensagem não era «mudem agora ou serão destruídos». Esta era a mensagem de João. A mensagem de Jesus era: «Deus ama-vos.»

A diferença entre a mensagem de Jesus e de João torna-se mais explícita na parábola da Ovelha Perdida. Se um homem tivesse cem ovelhas e uma delas se perdesse, o homem deixaria as noventa e nove entregues a si próprias e iria procurar a ovelha perdida (M t 18, 12-14; Lc 15, 3-7). Segundo a versão de Mateus, a moral da história é a seguinte: «A vontade do meu Pai que está no Céu não é que se perca um só destes pequeninos.» Lucas apresenta a declaração que já registámos: «Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.» A ênfase da conclusão de Mateus está de acordo com a da própria parábola: o pastor vai à procura da ovelha perdida. A ênfase de Lucas é diferente: a ovelha perdida tem de se decidir a regressar. Isto colide

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com a orientação geral da parábola e é na própria parábola que encontramos a perspetiva do próprio Jesus. O pastor é Deus: assumindo um risco bastante elevado para o rebanho (as ovelhas não cuidam muito bem de si próprias), Deus vai à procura de uma única ovelha perdida. É certo que Deus deseja que os pecadores voltem, mas a ênfase recai totalmente na procura de Deus, não no arrependimento do pecador. Esta é uma parábola de boa nova sobre Deus, não uma ilustração do valor do arrependimento.



Esta boa nova sobre Deus constitui uma mensagem potencialmente muito mais poderosa do que uma exortação habitual a abandonar a impiedade e a começar uma vida nova. Num mundo que acreditava em Deus e no julgamento existiam, apesar disso, algumas pessoas que viviam como se Deus não existisse. Elas deviam sentir alguma ansiedade por causa disso nas horas sombrias da noite. A mensagem de que Deus as amava, apesar de tudo, podia transformar a sua vida. No

entanto, tenho de me apressar a acrescentar que não sei se a mensagem de Jesus foi eficaz na mudança efetiva de perspetiva e, por conseguinte, de vida dos ímpios da Galileia. Tal como as mulheres que seguiram Jesus foi Jerusalém, o viram morrer e regressaram para o ungir, os ímpios dos Evangelhos desapareceram. Nem sequer sabemos o que aconteceu a Levi, o funcionário alfandegário que Jesus chamou. É difícil encontrar espaço para pessoas deste tipo na igreja de Jerusalém, liderada por Tiago, o Justo (como a tradição chamava ao irmão de Jesus, que era muito submisso à Lei). Talvez elas tenham acabado a sua vida na Galileia, esperando que o homem que tinha feito com que se sentissem tão especiais voltasse.

Este olhar prospetivo para a situação da Igreja no seu início é muito útil para compreender Jesus. Se ele tivesse sido um reformador da sociedade, teria tido de enfrentar o problema da integração dos ímpios num grupo social mais justo. Nesse caso, deveriam ter existido regras explícitas sobre os parâmetros de comportamento, bem como algum tipo de política sobre as fontes de receitas. Não existe nada disto. Jesus não teve de lidar com problemas deste tipo, uma vez que pensava que Deus estava prestes a mudar as condições no mundo. Ele era uma pessoa de absolutos. Exigiu a algumas pessoas, aqueles que o seguiam de facto, que abandonassem tudo. A outros prometeu o Reino, sem estabelecer muitas cláusulas e condições. O Reino estava próximo; Deus pretendia incluir mesmo os ímpios. Jesus não queria que os ímpios permanecessem ímpios até lá,

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mas não estabeleceu um programa que permitisse a cobradores de impostos e a prostitutas ganhar a vida de maneira menos dúbia.

Quanto à falta de planos específicos para a integração dos ímpios numa sociedade mais justa, é de registar que não existe nenhum caso no qual Jesus exija aos ímpios que eles façam aquilo que a Lei estipula, a fim de se tornarem justos. Já vimos estes requisitos: aqueles que tinham tirado proveito da impiedade deviam restituir aquilo que tinham roubado, acrescentando um quinto do valor como multa, levar um carneiro ao Templo como sacrifício de reparação, confessar o peca­

do com uma mão colocada na cabeça do carneiro, sacrificar o carneiro e alcançar, assim, o perdão (p. ex., Lv 6, 1-7). Na história de Lucas sobre Zaqueu, o cobrador de impostos prometeu restituir quatro vezes o valor daquilo de que se tinha apropriado injustamente, o que é mais do que a Lei exigia, mas continua a não existir qualquer alusão a um sacrifício e a uma obtenção de perdão no Templo.

Existem duas explicações possíveis para a ausência deste tema. Uma é que Jesus, aqueles que o ouviam, os discípulos e todos os primeiros cristãos pressupunham, pura e simplesmente, o sistema sacrificial. As pessoas ímpias que decidiram mudar as suas vidas, tal como Zaqueu, sabiam que a Lei exigia um sacrifício, portanto, na visita seguinte a Jerusalém, apresentavam um sacrifício de reparação. A segunda possibilidade é que Jesus tenha pensado e dito que os ím­

pios que o seguiam, embora não se tivessem «arrependido» no sentido técnico do termo e embora não se tivessem tornado justos da forma exigida por lei, entrariam no Reino, aliás, «antes» daqueles que eram justos aos olhos da Lei. Caso tenha sido esse o objetivo do chamamento que Jesus fez a ímpios, ele teria constituído um perigo para a compreensão comum e óbvia que os judeus tinham da Bíblia e da vontade de Deus. Considero esta segunda possibilidade mais provável do que a primeira, visto que a atitude de Jesus para com os pecadores foi criticada. Vemos aqui como Jesus era radical: muito mais radical do que alguém que se limitasse a cometer pequenas infrações ao sábado e às normas relativas aos alimentos. Ele não só era muito mais radical como também muito mais arrogante, de acordo com a opinião comum. Jesus parece ter pensado que aqueles que o seguiam faziam parte dos eleitos de Deus, apesar de não cumprirem aquilo que a própria Bíblia exigia. Lembremo-nos da conclusão de uma das parábolas de Jesus: os servos do rei «saíram pelas ruas e reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons; e a sala do

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banquete encheu-se de convidados» (Mt 22, 10). Os servos não exigiram que todos os maus se tornassem, primeiro, bons: trouxeram-nos de qualquer maneira.

Penso que esta é a explicação para o facto de a associação de Jesus com cobradores de impostos ímpios ser ofensiva. Como a minha proposta não é aquilo de que a maioria dos leitores estará à espera, vou repeti-la brevemente. Os Evangelhos afirmam que Jesus foi criticado por se associar a cobradores de impostos, que eram considerados «ímpios» - pessoas que transgrediam sistemática e habitualmente a Lei. A maioria dos intérpretes do Novo Testamento presume que a

história de Zaqueu, apresentada em Lucas, revela o objetivo de Jesus: ele queria que os cobradores de impostos se arrependessem, restituíssem aquilo que tinham roubado, acrescentassem um pagamento de 20 por cento como multa e abandonassem a sua prática desonesta. Eu sugeri que isto não é correto. Primeiro, apenas Lucas apresenta Jesus como um reformador. Segundo, ninguém teria discordado se Jesus tivesse convencido os cobradores de impostos a abandonar o grupo dos ímpios: os outros teriam sido todos beneficiados com isso. Se ele tivesse sido um reformador de cobradores de impostos desonestos bem sucedido não teria sido alvo de crítica. Mas, de facto, ele era criticado por causa da sua associação com cobradores de impostos. Isto é difícil de explicar e eu apresentei uma hipótese de explicação para a crítica de que Jesus foi alvo: ele anunciou aos cobradores de impostos que Deus os amava e disse às outras pessoas que os cobradores de impostos entrariam no Reino de Deus antes das pessoas justas. Isto é, ele parece ter dito, de facto, que, se eles o aceitassem a ele e à sua mensagem, Deus os incluiria no Reino - apesar de não se terem arrependido e emendado, tal como a Lei exigia (restituição, 20 por cento de multa, sacrifício de reparação). Isto teria sido ofensivo sob dois aspetos: Jesus não tentou fazer valer os mandamentos da Lei judaica que estipulam como uma pessoa se transforma de ímpia em justa; Jesus considerava-se a si próprio como alguém que tinha o direito de dizer quem entraria no Reino.


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