E. P. Sanders Tudo o que se pode, corrigir histórico, saber sobre Jesus



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O título «Filho do Homem» é utilizado nos Evangelhos fundamentalmente em três sentidos:

1. Por vezes, constitui uma circunlocução para «uma pessoa» ou para o próprio orador, tendo o significado de «eu»: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. O Filho do Homem é Senhor até do sábado» (Mc 2, 28). Aqui, a expressão poderia significar «eu próprio», mas é mais provável que constitua simplesmente um paralelo com a expressão «humanos» na frase anterior, significando, portanto, que «um ser humano é senhor do sábado». Há outros casos, no entanto, em que «Filho do Homem» significa certamente o próprio Jesus: ele disse àqueles que o queriam seguir que «as raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (Mt 8, 20 / / Lc 9, 58). Isto é um aviso da dificuldade que espera aqueles que seguem Jesus.

2. Quando Jesus anuncia a sua própria morte, fala do «Filho do Homem»: «Começou, depois, a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito» (Mc 8, g 1). Nestas passagens, a expressão também significa «eu».

3. A pessoa que virá do céu e que precede o Reino de Deus é chamada «Filho do Homem». Vimos anteriormente que Paulo esperava que «o Senhor» descesse do Céu «à ordem dada, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus» (1 Ts 4, 16). Ele diz que esta profecia é «palavra do Senhor» (4, 15). Os sinópticos atribuem afirmações semelhantes a Jesus, mas, em vez de «o Senhor», falam do «Filho do Homem». Os paralelos mais evidentes com as afirmações de Paulo

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encontram-se em Mateus". «o Filho do Homem há-de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos» (16, 27); o «sinal do Filho do Homem» aparecerá no céu e todos os povos verão «o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu, com grande poder e glória, e ele enviará os seus anjos, com uma trombeta altissonante» (43, 50 e segs.). Tal como Paulo, Jesus esperava que isto acontecesse em breve: «Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem no seu Reino» (Mt 16, 28 / / Mc 8, 38 / / Lc 9, 26). Parece que a afirmação de Jesus - «o Filho do Homem virá do céu» - em Paulo, se transformou na expressão: «o Senhor virá do céu». Com «Senhor», Paulo quer dizer Jesus: esta é uma profecia da «segunda vinda», quando o Senhor ressuscitado voltará. No entanto, é menos certo o que Jesus tinha em mente quando profetizava a vinda do «Filho do Homem».



Pressupúnhamos que estes três grupos principais são palavras autênticas de Jesus." O que não é certo é se Jesus se referia ou não a si próprio quando falava do Filho do Homem futuro. Note-se que nenhum dos dois significados aparece simultaneamente. Não encontramos a afirmação de que «o Filho do Homem tem de sofrer e morrer e regressar», assim como não é claro que tenhamos de combinar o grupo 2 com o grupo 3. Além disso, durante o seu processo, Jesus parece ter feito uma distinção entre si próprio e o Filho do Homem futuro.

o Sumo Sacerdote disse-lhe: «Intimo-te, pelo Deus vivo, que nos digas se és o Cristo, o Filho de Deus.» Jesus respondeu-lhe: «Tu o disseste. Mas Eu digo-vos: Vereis um dia o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.» (Mt 26, 63 e segs.)

A palavra «mas» (plen, em grego) é adversativa: «mas, por outro lado», e, por conseguinte, segundo Mateus, Jesus afirmou que esperava uma figura celeste e não o seu próprio regresso. Marcos combina os

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títulos: Jesus aceita as designações de «Messias» e de «Filho de Deus» e acrescenta que o Filho do Homem virá sobre as nuvens (Mc 14, 61 e segs.).

É impossível chegar a uma conclusão segura sobre a utilização que Jesus fez da expressão «Filho do Homem». Ele utilizou-a; por vezes, aplicou-a a si próprio; ele esperava que o Filho do Homem viesse do céu; mas não é certo que se identificasse a si próprio com o Filho do Homem futuro.

Visto que os títulos atribuídos a Jesus suscitavam sempre tanto interesse, quis apresentar um esboço dos vários significados possíveis e da sua utilização nos Evangelhos sinópticos. Pretendo, no entanto, voltar ao tema principal. Não ficamos a saber com exatidão o que Jesus pensava sobre si próprio e qual era a sua relação com Deus através do estudo dos títulos. Existem três razões para tal. A primeira é que, no judaísmo do tempo de Jesus, não existiam definições claras de «Messias», «Filho de Deus» ou «Filho do Homem». Mesmo que ele tivesse atribuído constantemente a si mesmo estes três títulos, só podemos ficar a saber o que ele pensava sobre si próprio se estudarmos a sua pessoa - não estudando os títulos em outras fontes. A segunda razão é que não sabemos se ele se atribuiu os títulos a si próprio. É evidente que ele rejeitava o título de «Messias». Tanto quanto sabemos, não se apelidava a si próprio de «Filho de Deus». Referiu-se a si próprio como «Filho do Homem», mas não sabemos em que sentido. Sobretudo, não sabemos se ele pensava que seria o Filho do Homem futuro que virá sobre as nuvens.

O terceiro motivo pelo qual o estudo dos títulos não nos diz nada sobre o que Jesus pensava sobre si próprio está relacionado com o facto de dispormos de informações melhores. Jesus pensava que os doze discípulos representavam as tribos de Israel, mas também que iriam julgá-las. Jesus estava claramente acima dos discípulos; uma pessoa que está acima dos juízes de Israel está, de facto, numa posição muito elevada. Sabemos igualmente que ele considerava a sua missão como sendo algo de absoluta importância e que estava convencido de que a forma como as pessoas respondiam à sua mensagem era mais importante do que outras obrigações importantes. Ele pensava que Deus estava prestes a trazer o Seu Reino e que ele, Jesus, era o último enviado de Deus. Por isso, pensava que era, de certa maneira, «rei». Entrou em Jerusalém montado num burro, evocando uma profecia

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sobre o rei montado num burro, e foi executado por ter reivindicado ser «rei dos judeus» (ver o próximo capítulo). Não existia nenhum título na história do judaísmo que transmitisse tudo isto plenamente e Jesus parece ter tido bastante relutância em adotar um título para si próprio. Penso que nem «rei» é um título completamente correto, visto que Jesus considerava Deus como rei. Eu próprio prefiro o título de «vice-rei» para a compreensão que Jesus tinha de si mesmo. Deus era rei, mas Jesus representava-O e iria representá-Lo no Reino futuro.



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16. A última semana de Jesus

Por volta do ano 30 e.c., Jesus, os seus discípulos e outros seguidores foram para Jerusalém, para a festa da Páscoa. Em rigor, havia duas festas distintas: a Páscoa, que só durava um dia, e a Festa dos Pães Ázimos, que durava os sete dias seguintes. A Páscoa festeja-se no décimo quarto dia do mês judaico de Nisan e a Festa dos Pães Ázimos decorre entre o dia 15 de Nisan e o dia 21. Tratava-se, em termos práticos, de uma longa festa e os judeus designavam frequentemente todo o período de oito dias como a «Páscoa» ou a «Festa dos Pães Ázimos». A Páscoa (como lhe chamarei) é uma «festa de peregrinação», uma das três nas quais todos os judeus do sexo masculino deviam participar todos os anos." A diáspora dos judeus, tanto dentro

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como fora da Palestina, tornou isto impossível, mas, mesmo assim, havia muitas pessoas que participavam em todas as festas mais importantes, e a Páscoa era a mais popular. Embora a Bíblia exija a participação apenas dos homens, estes traziam consigo as suas mulheres e os seus filhos (Antiguidades 11, 109). Era a maior festa do ano. As cidades ficavam vazias quando as pessoas afluíam a Jerusalém.



Josefo refere um número incrivelmente elevado de pessoas. Diz que houve uma Páscoa em que os sacerdotes contaram os cordeiros e verificaram que tinham sido sacrificados 255 600. Se um cordeiro era suficiente para dez pessoas (segundo os cálculos de Josefo), tinham participado na festa mais de dois milhões e meio das pessoas. Ao falar de uma outra Páscoa, Josefo calcula que estiveram presentes três milhões de pessoas. Todos concordam que estes números são exagerados. Segundo o meu cálculo, a cidade e a área do Templo podiam albergar cerca de 300 000 a 400 000 peregrinos, o que é um número mais razoável. Alguns dos peregrinos ficavam em casas de família, em Jerusalém, e alguns ficavam nas aldeias próximas da cidade (Mc 11, 12), mas muitos deles acampavam fora dos muros da cidade (Antiguidades 17, 217). A presença de grandes multidões significava que as festas constituíam, por vezes, ocasião para agitações populares. Por isso, o prefeito vinha para Jerusalém, com um reforço militar. Os soldados romanos patrulhavam os telhados dos pórticos do Templo para poderem observar se havia problemas.

A maioria dos peregrinos tinha de vir uma semana antes. A Bíblia proíbe a celebração da Páscoa a quem ficou impuro por causa de ter entrado em contacto com um cadáver (Nm 9, 9 e segs.) e a maior parte das pessoas adquiria esta impureza ao longo do ano. Bastava estar no mesmo compartimento em que estivesse um cadáver, tocar-lhe ou passar por cima de um túmulo. Os cortejos fúnebres e os enterros constituíam ocasiões em que não só familiares e amigos se juntavam à família do morto, mas também conhecidos mais distantes e, por vezes, até estranhos. Preparar o morto e confortar aqueles que tinham perdido

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os seus entes queridos era uma obrigação religiosa e eram poucos aqueles que não a cumpriam. Numa aldeia ou numa cidade pequena, um caso de morte significava, provavelmente, que a maioria dos residentes ficava impura. A eliminação deste tipo de impureza demorava uma semana (Nm 19). No terceiro e no sétimo dia do período de purificação, a pessoa impura era aspergida com uma mistura de água e cinzas de uma bezerra vermelha. Depois da segunda aspersão, a pessoa impura tinha de tomar banho e de lavar a sua roupa. Depois ficava pura. É possível que os sacerdotes levassem uma porção desta mistura especial às cidades e aldeias nas imediações de Jerusalém, mas a maior parte dos peregrinos tinha de ser purificada em Jerusalém, pelo que tinha de vir uma semana antes do início da festa. Filo debate o valor religioso desta preparação, da qual, ao que parece, tinha experiência,? e Josefo refere-se ao facto de os peregrinos se reunirem para a Festa dos Pães Ázimos no dia 8 de Nisan.



Portanto, os peregrinos ficavam uma semana à espera perto do Templo e preparavam-se espiritualmente, enquanto os seus corpos eram purificados. Na tarde do dia 14 de Nisan, um membro de cada grupo levava um cordeiro" ao Templo, onde este era sacrificado, esfolado e parcialmente esventrado. O proprietário trazia-o de volta. Depois, o animal era assado na íntegra. A ceia pascal decorria nessa noite. Como o dia dos judeus acaba ao pôr-do-sol, a ceia realizava-se no dia 15, o primeiro dia da Festa dos Pães Ázimos. No ano da morte de Jesus, os cordeiros foram sacrificados na quinta-feira, dia 14, e a ceia realizou-se nessa noite, segundo a contagem judaica, no dia seguinte, na sexta-feira.

No dia 8 de Nisan, Jesus e os seus seguidores entraram em Jerusalém, juntamente com uma multidão enorme. 11 Atentemos, antes de mais,

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naquilo que não se encontra nos Evangelhos: eles não dizem que Jesus e os seus seguidores cumpriram os atos religiosos fundamentais que marcavam a preparação para a Páscoa, isto é, não foram aspergidos no dia 10 e 14 de Nisan e não levaram um cordeiro ao Templo no dia 14. Os Evangelhos dizem que foram abatidos cordeiros no primeiro dia da festa (Me 14, 12 & par.), mas não dizem se Jesus ou um dos seus seguidores se juntou à multidão, sacrificando um cordeiro. Em vez disso, os Evangelhos contam uma história estranha relacionada com a preparação para a ceia: Jesus disse aos discípulos para eles irem a Jerusalém, onde encontrariam um homem transportando um cântaro de água. Eles deviam seguir o homem e ver em que casa ele entraria. Depois, deviam dizer ao dono da casa que «o mestre» utilizaria a sala do andar de cima para a sua ceia pascal. De seguida, segundo os relatos dos Evangelhos, os discípulos «prepararam a Páscoa» (Mc 14, 12-16 & par.). A expressão «prepararam a Páscoa» talvez queira dizer que «compraram um cordeiro, mataram-no no Templo e o enfiaram-no num espeto para assar». Do mesmo modo, se entre os dias 8 e 14 de Nisan, Jesus é apresentado a ensinar perto do Templo, podemos imaginar que ele e os discípulos também foram aspergidos com a mistura purificadora. Mas não existe uma referência explícita à purificação, nem ao sacrifício.



Não podemos ter a certeza do significado exato deste silêncio. Penso que é altamente provável que Jesus e os seus seguidores estivessem purificados e que um dos discípulos tenha levado um cordeiro para ser abatido no Templo. Os leitores dos Evangelhos sabiam que os animais eram sacrificados em festas, como também sabiam que as festas e os sacrifícios incluíam a purificação. Tal constituía uma parte essencial da vida na Antiguidade: judeus, gregos, sírios, romanos e outros habitantes do Império Romano, todos eles participavam em rituais deste tipo. Apenas os pormenores eram diferentes. Por conseguinte, o facto de não existir a afirmação de que Jesus e os seus seguidores fizeram aquilo que todos faziam não tem, provavelmente, significado. Se eles não tivessem observado as leis e as tradições, tal teria sido notado, mas a observação das mesmas não teria dado origem a qualquer comentário. Josefo, por exemplo, que confirma que os judeus vinham para Jerusalém uma semana antes da Páscoa, não diz o que eles faziam durante esses dias (Guerra 6, 290). O que eles faziam de facto não era importante para o

objetivo da sua narrativa; todos o sabiam muito bem. Outras fontes, começando pelo Livro dos Números 19 e incluindo Filo e a literatura rabínica, revelam as especificidades dos rituais de purificação.

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No que diz respeito à questão de saber se Jesus foi purificado, devemos lembrar-nos, mais uma vez, de que os Evangelhos mencionam uma lei relativa à pureza: aquela que se refere à lepra. Depois de Jesus ter curado o leproso, disse ao homem para ele se mostrar a um sacerdote e fazer aquilo que tinha sido estabelecido por Moisés (Mc 1,44 & par.). Acrescente-se a isto o facto de os Evangelhos sinópticos não revelarem um único exemplo no qual Jesus tivesse transgredido realmente a Lei ou em que tivesse aconselhado outros a fazê-lo. Tudo isto torna altamente provável que Jesus e os seus seguidores estivessem purificados e tivessem comido um cordeiro sacrificado no Templo.



Consideremos agora aquilo que os Evangelhos nos dizem positivamente sobre a última semana de Jesus. Passarei rapidamente por alto sobre uma grande quantidade de material que se encontra nos últimos capítulos dos sinópticos. Os autores situam em Jerusalém uma grande quantidade de material de ensinamento, o que, em termos globais, é muito apropriado. Encontramos aqui uma questão sobre o pagamento de impostos a César (Mc 12, 13-17 & par.), uma questão muito mais apropriada para Jerusalém do que para a Galileia, visto que, na Judeia,

o dinheiro e os bens iam diretamente para as mãos dos romanos, enquanto na Galileia os impostos eram pagos a Antipas, que, por seu turno, pagava tributo a Roma. A tributação direta era mais desagradável do que o tributo indireto. Também é nestes capítulos que encontramos os saduceus (Mc 12, 18-27 & par.). O partido dos saduceus era um partido aristocrático e havia poucos - se é que existiam sequer alguns - saduceus nas aldeias da Galileia. Passo por alto este material de ensinamento não porque o considere duvidoso, mas para chegar ao cerne da questão: o que fez Jesus para ter sido crucificado.

As cinco cenas principais que compõem o drama da última semana de Jesus são as seguintes:

1. Jesus entrou em Jerusalém sentado num jumento; as pessoas receberam-no exclamando: «Hossana! Bendito seja o que vem em nome do Senhor! Bendito o Reino do nosso pai David que está a chegar» (Mc 11,9 e segs.). Segundo Mateus e Lucas, as pessoas chamaram-lhe explicitamente «Filho de David» ou «rei» (Mt 21, 9; Lc 19,38).

2. Foi ao Templo, onde derrubou as mesas dos cambistas e os bancos daqueles que vendiam pombas (Mc 11, 15-19 & par.).

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3. Partilhou uma última ceia com os seus discípulos, dizendo que não voltaria a beber vinho «até ao dia em que o beber, novamente, no Reino de Deus» (Me 14, 22-25 & par.),

4. Os guardas do sumo sacerdote prenderam-no e levaram-no ao sumo sacerdote e ao seu conselho. As testemunhas acusaram-no de ter ameaçado destruir o Templo, mas ele não foi condenado. Segundo Marcos (mas não Mateus e Lucas), ele admitiu perante o sumo sacerdote que era tanto o «Cristo» (<

5. Aqueles que o prenderam enviaram-no a Pilatos que o interrogou e, depois, ordenou a sua crucificação, por ter declarado ser «rei dos judeus» (Mc 15, 1-5.18.26 & par.).

Estes cinco incidentes colocam quatro questões centrais. Qual foi o significado das ações de Jesus (1-3)? Por que razão mandou o sumo sacerdote prender Jesus (4)? Por que razão o mandou a Pilatos (5)? Por que razão mandou Pilatos executar Jesus (5)?


Ações de Jesus

Qual foi o significado das ações de Jesus? Provavelmente, elas foram todas simbólicas. As ações simbólicas faziam parte de um vocabulário profético. Elas atraíam a atenção, transmitindo, simultaneamente, uma informação. Alguns exemplos da Bíblica Hebraica: Isaías

andou «nu e descalço três anos, como sinal de presságio contra o Egipto e a Etiópia» (Is 20, 3); Deus mandou Jeremias quebrar uma bilha e proclamar que o Templo seria destruído (Jr 19, 1-13); Jeremias também trazia um jugo, para indicar que Judá seria submetido à Babilónia (capítulos 27-28). Ezequiel levou a cabo ações muito mais complicadas, que exigiam explicações muito maiores, como, por exemplo, ficar deitado durante muito tempo para um lado e, depois, para o outro (Ez capo 4-5; 12, 1-16; 24, 15-24). Estes sinais seriam todos difíceis de compreender sem uma interpretação verbal. Carregar um jugo simboliza submissão, mas a quem? Partir uma bilha simboliza destruição, mas uma destruição de quê? Andar nu e descalço é, certamente, algo que desperta grande atenção e todos saberiam que o profeta estava a protestar contra alguma coisa, mas teriam de lhe perguntar contra o quê, para terem a certeza.

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Jesus também recorria a ações simbólicas, como já vimos: a sua utilização do número «doze», quando estava a falar dos seus discípulos, transmitia, quase com certeza, a sua intenção de chamar todo o Israel, outrora dividido em doze tribos; Jesus e, possivelmente, outros interpretavam os seus milagres, especialmente os exorcismos, como algo que simbolizava a vitória sobre o mal e a vinda próxima do Reino de Deus. As três ações em Jerusalém também foram simbólicas, embora, em alguns casos, o seu simbolismo seja difícil de interpretar.

A primeira destas três ações é fácil de compreender: Jesus entrou em Jerusalém montado num burro, cumprindo, assim, uma profecia de Zacarias citada por Mateus, mas que teria sido óbvia para muitos:

Exulta de alegria, ó filha de Sião!

Solta gritos de júbilo, ó filha de Jerusalém!

Eis que o teu rei vem a ti;

Ele é justo e vitorioso; humilde e montado num jumento, sobre umjumentinho,filho de uma jumenta. (Zc 9, 9)

É possível imaginar tanto que a profecia tenha criado o acontecimento, como que a profecia tenha criado a história e que o acontecimento nunca tenha ocorrido. Este é um de uma série de casos em que não podemos ter a certeza absoluta se foi o próprio Jesus que encenou uma profecia, ou se foi a tradição cristã que o descreveu a fazê-lo. Inclino-me para a opinião de que foi o próprio Jesus que interpretou a profecia e decidiu cumpri-la, isto é, que se declarou aqui, implicitamente, como «rei». Os seus seguidores compreenderam-no e concordaram: aclamaram o Reino que estava a chegar (Me 11, 10) ou o próprio Jesus como rei (Mt 21, 9; Lc 19,38).

Mateus e Lucas referem-se a «turbas» ou à «multidão», ao passo que Marcos diz que «muitos» participaram na saudação a Jesus. No entanto, se houve, de facto, uma grande multidão, temos de explicar por que razão Jesus ainda viveu uma semana. Uma manifestação pública, acompanhada por exclamações ao «rei» ou até ao «Reino», teria sido altamente explosiva. A Páscoa constituía um período ideal para agitadores incitarem a multidão e tanto o sumo sacerdote como o prefeito romano estavam alertados para o perigo. A única coisa que posso sugerir é que a manifestação a Jesus foi bastante modesta: ele realizou um gesto simbólico para o seu pequeno círculo, para aqueles que tinham olhos para ver.

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A segunda ação é mais difícil de interpretar. Jesus derrubou «as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas» (Me I, 15 & par.). E comentou: «A minha casa será chamada casa de oração ... Mas vós fizestes dela um covil de ladrões» (Mc li, 17 & par.). Esta declaração junta expressões de Isaías («casa de oração», Is 56, 7) e de Jeremias (<

Não há hipótese de eliminar nenhuma destas possibilidades. É possível que Jesus pensasse que o comércio na área do Templo era desonesto e que tivesse previsto que, um dia, o seu povo se revoltaria contra Roma, o que levaria à destruição do Templo; é possível que este acontecimento seja tanto um sinal de uma reforma moral, como uma previsão. Comecemos pela reforma sugerida pela citação do Livro de Jeremias 7, 11: o Templo é um «covil de ladrões». Não existe nenhuma alusão em outras fontes de que o dinheiro sagrado fosse empregue indevidamente para fins que não fossem o sustento do Templo e dos seu sacrifícios;" mas dado o princípio universal de que as reformas e os aperfeiçoamentos são sempre possíveis, podemos admitir a priori

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que Jesus podia ter tentado reformar «o sistema». O que falta é qualquer outra indicação de que ele tivesse pretendido reformar o vasto e complexo sistema do Templo. O sustento do Templo e dos seus ministros constituía um aspeto importante da vida dos judeus: o imposto do Templo, o dízimo agrícola, as pequenas ofertas agrícolas («as primícias»), a consagração dos filhos e dos animais primogénitos, os sacrifícios de reparação e de expiação, as festas, os sacrifícios de ani­ mais para fornecer comida para banquetes e festas - o culto do Templo afetava, de uma maneira ou de outra, todos os domínios da vida. Se Jesus estivesse convencido de que o sistema era todo corrupto, que os sacerdotes eram criminosos e que os sacrifícios eram errados, devendo ser eliminados - ou alguma coisa deste género - nós disporíamos de mais material que apontasse nessa direção. O Templo era fundamental para o judaísmo da Palestina e importante para todos os judeus em toda a parte. Opor-se ao Templo significaria opor-se ao judaísmo como religião. Tal seria igualmente um ataque ao principal símbolo unificador do povo judaico. Se Jesus tivesse atacado realmente esta instituição central, teríamos mais provas disto para além do incidente com as mesas dos cambistas. Além disso, não seriam só os Evangelhos, mas também os Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo a informar-nos sobre a oposição de Jesus. Os Evangelhos mencionam críticas às aldeias da Galileia, mas não ao Templo. Jesus parece ter cri­

ticado os proprietários de terra ricos nas suas parábolas, mas não os sacerdotes aristocráticos. Ele aprovava a principal lei relativa à pureza mencionada nos Evangelhos (ver o debate sobre a lepra). Pagava o imposto do Templo, apesar de o fazer com alguma relutância (Mt 17, 24-27). As poucas passagens nos sinópticos que se referem ao Templo e às prerrogativas dos sacerdotes são favoráveis e não existe nenhum material que o apresente como um reformador do culto e dos impostos - à excepção, possivelmente, desta passagem. Se este episódio constituiu um momento singular de cólera, diz-nos pouco sobre ele e sobre a sua missão.


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