Fortune, uma mulher impiedosa. Bertrice small



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Fortune não sabia se contaria as novidades ao marido ou se simplesmente não diria nada. Logo estaria nos braços de Kieran e, depois de tanto tempo sem sentir o calor dele, não queria perturbá-lo com problemas que ele não poderia resolver.

Ela olhou para a praia. Não havia nenhuma evidência de civilização. Antes do final do dia, ancorariam em St. Mary's Town, o assentamento de Calvert. Mal podia esperar!

As outras mulheres também apreciavam a paisagem.

— Só há árvores!

— Não vejo os índios.

— O que pode ser pior: protestantes ou índios?

— O lugar é bonito.

— Ulster também era.

— Aqui há uma chance de vivermos em paz, de termos nos­sas terras... Para mim, é motivo mais do que suficiente para deixar Ulster sem olhar para trás.

— Teremos um padre?

— Sim, é o que dizem.

— Graças a Deus por isso!

Fortune ouvia a conversa e se divertia com ela. Era bom saber que as mulheres estavam tão nervosas quanto ela. Como seria seu novo lar? O Highlander teria feito a travessia em se­gurança? Todos os seus bens, incluindo os cavalos, haviam via­jado naquela embarcação menor. O que Kieran diria quando visse Aine? Pretendia dar ao marido um filho. E queria engra­vidar logo. Nada da poção por enquanto.

— Vejam! — gritou uma das mulheres. — Vejo construções!

— Uma igreja!

— Graças a Deus!

Ualtar OTlaherty desceu do patamar do leme, onde se mantivera atento, e sorriu para as mulheres.

— Bem, acho que vão querer se apresentar bem para os seus maridos, minhas senhoras. Por que não descem e vão se prepa­rar? Logo ancoraremos em St. Mary's Town.

Todas desceram às cabines levando seus filhos. Aaron Kira juntou-se ao capitão e a Fortune.

— Vejo que o lugar é selvagem, milady. Talvez nem haja negócios a conduzir aqui. O tempo dirá.

Os três ouviram o som de um tiro de canhão distante.

— Eles nos viram — explicou o capitão. — E estão infor­mando todos os cidadãos de nossa chegada. — Ele olhou para Fortune. — Bem, prima, agora está praticamente em casa. Kieran a espera ansioso, e você deve estar preparada. Ele já construiu uma casa para você, eu sei, mas não é nada parecido com o que está habituada. Mais tarde, terá uma casa melhor e mais con­fortável, mas essa primeira residência não deve ser nada do que sonhou ter. As condições ainda são precárias.

— Está me assustando, Ualtar.

— Não é minha intenção. Só quero que saiba que sua nova casa não será como Queen's Malvern, nem como o castelo de seu pai em Erne Rock. Será mais como uma cabana ampla e rústica.

— Desde que eu não tenha de viver numa tenda indígena, como os primeiros colonizadores no ano passado... — disse ela. Então sorriu. — Ualtar, sei que não estamos mais no Velho Mundo. Tudo aqui é novo. Mas uma coisa não é novidade: o amor que Kieran e eu temos um pelo outro.

— E sua coragem — completou ele.

O CardiffRose atracou no porto de St. Mary's. Fortune e Róis seguravam os filhos nos braços, os olhos varrendo a pequena multidão reunida no porto. Em torno delas, mulheres e crian­ças se espremiam, algumas já chorando por terem identificado seus maridos. A prancha para o desembarque foi baixada, e o Capitão OTlaherty acompanhou a prima e seu grupo até a praia, mas não havia nem sinal de Kieran. Então, Kevin surgiu, en­volvendo Róis e Brendam em seus braços, os olhos úmidos de lágrimas de alegria. Fortune esperou enquanto eles se abraça­vam e se beijavam. Brendam não sabia se devia rir ou chorar diante do homem encorpado que o abraçava com força. Final­mente, Kevin percebeu que sua senhora esperava em silêncio e se curvou para Fortune.

— Seja bem-vinda a Mary's Land, milady. Vai gostar de sa­ber que o Highlander ancorou em segurança há pouco mais de uma semana. Os cavalos já estão nos pastos, e seus bens foram seguramente guardados em Fortune's Fancy.

— Fortune's Fancy? Kevin riu.

— É como meu senhor chama a propriedade, milady. Ele construiu uma bela casa para milady e a menina.

— Onde está meu marido? Por que não veio nos receber? — perguntou Fortune, preocupada.

— É uma criada, aquela interminável fonte de problemas, milady. Dissemos mil vezes àquela criatura que não deve va­gar sozinha pela floresta. Hoje ela se embrenhou mais uma vez na mata e acabou se perdendo. Muitas Luas, o velho curandeiro dos Wicocomoco, trouxe-a de volta gritando e chorando, di­zendo que seria escalpelada pelos índios. Meu senhor achou melhor não deixá-la sozinha nessas circunstâncias. Ele sabia que milady entenderia.

— É claro. Pobrezinha — comentou Fortune, embora não sentisse nenhuma piedade dessa criatura sem nome que ousa­ra desobedecer às ordens de seu marido. Quando a senhora de Fortune's Fancy finalmente estivesse no comando da casa, tudo seria diferente.

— Trouxe a carroça, milady — anunciou Kevin. — A tripu­lação do navio já desembarcou sua bagagem e a colocou na car­roça. Devemos ir o quanto antes, pois estamos a oito quilôme­tros da cidade.

— E os outros colonizadores? E Mestre Kira?

— Os homens sabem para onde devem levá-los, milady. Mestre Kira, do outro lado do porto, naquela pequena casa, ali... — apontou ele. — Foi comprada para você, e também contrata­mos um criado.

Aaron agradeceu, despediu-se e seguiu para o lugar que doravante seria seu estabelecimento.

Kevin ajudou a esposa e sua senhora a se acomodarem na carroça, cada uma segurando seu filho, e ele mesmo tomou as rédeas. Ele e Róis falavam sem parar, trocando informações e contando novidades, e Fortune ouvia a conversa sem muito interesse, pensando no marido que havia preferido ficar com uma criada histérica a ir receber a esposa que não via fazia qua­se 2 anos. Por que se dera ao trabalho de vestir seu melhor ves­tido? Cometera um engano casando-se com aquele homem? Logo descobriria. Se ele houvesse mudado, retornaria com o Capitão OTlaherty para a Inglaterra em algumas semanas. Não ficaria ali, a menos que sua presença fosse desejada e ela ainda fosse amada.

Kieran a viu sentada na carroça quando ela despontou na alameda que serpenteava colina acima, para a entrada da casa. Ela estava elegante, imponente... Por que Fortune se casara com ele? Por que fizera uma viagem tão longa para viver em um lugar tão primitivo? Ela ainda o amava? Então notou a criança sentada sobre os joelhos da esposa, vestida exatamente como ela. Seu coração sofreu um sobressalto. Mal conseguia falar quando a carroça finalmente parou diante dele.

— Kieran! — havia esquecido como era o doce o som da voz de Fortune. Ela sorriu. — Temi por sua segurança quando não o vi no cais para nos receber. Não vai nos acolher em nossa casa, senhor?

— Fortune... Como senti sua falta!

O brilho nos olhos de Kieran a fez esquecer todas as dúvidas.

Róis pôs o filho nos braços do pai e pegou Aine, cantando uma canção que a menina apreciava e tentando impedir que ela chorasse. Os pais tinham o direito de trocar beijos e abraços de verdade depois de tanto tempo! Róis podia imaginar o sofri­mento de sua senhora ao desembarcar e não encontrar o mari­do esperando por ela no porto.

O senhor de Fortune's Fancy ergueu a esposa nos braços e beijou-a com paixão. Mal podia esperar para tê-la novamente como antes, ardendo em seus braços! Ela retribuía como se tam­bém estivesse tomada pelo desejo.

— Seja bem-vinda à nossa casa, meu amor. Bem-vinda a Fortune's Fancy! — ele a beijou novamente.

— Ma-ma... — a voz de Aine denotava certa contrariedade. Quem era aquele homem que ousava tirar dela sua querida mãe?

Kieran e Fortune olharam para ela e riam, tomados por sú­bita felicidade. Fortune pegou a menina e a colocou nos braços de Kieran.

— Este é seu papai, querida.

Aine olhou séria para o homem que a segurava. Ela escon­deu o rosto com as mãos e, tímida, espiou por entre os dedos.

— Pa-pa — disse, experimentando a palavra que nunca havia pronunciado. Depois, começou a se debater. — Chão... chão...

Kieran a pôs no chão. — Não qué pa-pa — decidiu Aine, agarrando-se às pernas da mãe.

—Ela... não gostou de mim — murmurou Kieran, devastado. Fortune riu, entregando a filha a Róis.

— Ela não conhece você, meu querido! E não está acostu­mada com a presença masculina. Mamãe e eu passamos prati­camente todo esse tempo sozinhas em Queen's Malvern. Quan­do esteve lá, papai se dedicou mais a Autumn do que a Aine. Nossa filha vai se acostumar com você, querido. Ignore-a, e ela o procurará. Agora, quero conhecer minha casa!

A construção tinha um andar e meio de altura, e era feita de madeira sólida com chaminés de tijolos e telhado de madeira. As janelas eram de vidro e contavam com a proteção de espes­sas venezianas. O Capitão OTlaherty não mentira quando res­saltara a diferença entre o que teria ali e o que havia conhecido no Velho Mundo.

— Há uma adega sob a casa — comentou Kieran, tentando saber qual era a opinião da esposa sobre a casa que havia cons­truído. — Vamos substituí-la por outra em algum tempo, é cla­ro. Teremos uma casa de tijolos. Mas, por enquanto, só pude­mos produzir material suficiente para as chaminés.

Fortune assentiu. Finalmente, perguntou:

— Ela é espaçosa?

— Temos quatro cômodos no andar principal, além de uma pequena despensa e uma sala onde é feita a manteiga e todos os derivados de leite. Os criados dormem no andar de cima, que não é muito grande. Kevin e Róis terão o próprio chalé per­to daqui.

— Criados? — ela se surpreendeu e então se lembrou da mulher que havia impedido seu marido de encontrá-la no momento de sua chegada. — Quantos são?

— Três mulheres na casa e quatro homens no estábulo. São escravos. Eu os comprei na Virgínia no ano passado.

— Escravos? Mas... não são criminosos deportados?

— Alguns, sim, mas muitos foram condenados por ofensas ridículas. E há os que se dispuseram à escravidão porque, de­pois de 7 anos, recuperam a liberdade e recebem terras próprias. A sra. Hawkins, nossa cozinheira, não conseguiu pagar pelos serviços do médico que cuidou de seu marido doente. O ho­mem morreu. O médico a denunciou e exigiu que fosse depor­tada. Dolly, que trouxe para ser babá de Aine, é católica. Comfort Rogers, a terceira criada, foi condenada por ter roubado pão para alimentar os irmãos menores. Os quatro homens que com­prei para ajudar nos campos e com os animais são todos purita­nos. Esses são os crimes cometidos por essa gente. E todos são bem-vindos em Mary's Land. Todos são trabalhadores e esfor­çados. Eu não traria criminosos perigosos para nossa casa, mi­nha querida. Venha, vamos entrar.

Fortune foi inspecionar o interior de sua nova casa. Surpre­sa, notou que as paredes de tábuas haviam recebido um acaba­mento de barro entre as pranchas para impedir a penetração do vento e da chuva. Havia um corredor central que se estendia por toda a casa, e o piso era de madeira sem acabamento. Feliz­mente levara com ela tapetes da índia. O quarto onde dormiria com o marido ficava à esquerda do corredor. A direita ficava o salão. Atrás do dormitório havia outro menor, por onde só se podia chegar atravessando o quarto principal. Na parte dos fundos da casa ficavam os aposentos de serviço.

— As paredes precisam receber revestimento de gesso ime­diatamente — decidiu Fortune com firmeza. — A casa vai ficar muito fria para Aine durante o inverno. E o piso tem de ser lixado e polido. Onde está a mobília que trouxe comigo?

— No salão, com exceção da cama, que já mandei montar — contou ele com um sorriso insinuante.

Fortune corou de prazer.

— Os móveis vão ficar onde estão até revestirmos as paredes. Seria inútil tentar ajeitá-los sobre um piso rústico — disse ela.

— Começaremos amanhã mesmo, antes da chegada da umidade do verão — prometeu ele. — Venha, quero que co­nheça os criados.

Eles se dirigiram ao fundo da casa, onde três mulheres os esperavam. Uma era sorridente, roliça e simpática, com gran­des olhos azuis.

— Esta é Dolly, a nova babá de Aine.

Fortune gostou dela. A criada se curvou diante de sua senhora.

— Quantos anos tem, Dolly?

— Nasci no ano em que tentaram explodir o Parlamento, senhora. Não sei fazer contas.

30 anos, Fortune calculou.

— Não tem importância — disse. — Vai se importar se tiver de cuidar de mais de uma criança? Pretendo ter mais filhos, e você também vai ter de cuidar do bebê de minha Róis. Ele é dois dias mais novo que minha filha. Os dois já andam e estão sempre se metendo em confusões.

— Saberei cuidar deles, senhora. Tive dois filhos, mas os perdi para a enfermidade que os atacou na prisão, onde meu marido também adoeceu.

Fortune respirou fundo, contendo o choro, e segurou a mão de Dolly. Os olhos de ambas se encontraram, compreensivos, e Fortune sorriu para a mulher.

— Esta é a sra. Hawkins, minha querida. Sem ela, não esta­ríamos bem alimentados como estamos — disse Kieran.

Fortune olhou para a mulher alta e forte que se curvava respeitosa.

— Vejo que meu marido tem sido muito bem tratado, sra. Hawkins. Sou grata por seu evidente talento.

Obrigada, milady. Estou assando um peru para o seu jantar, e será um prazer servi-la.

— E esta é Comfort Rogers, que limpa e arruma a casa. Ela levou um terrível susto esta manhã.

— Eu soube — respondeu Fortune com tom seco, exami­nando atentamente a escrava. Ela mal saíra da infância, e era muito bonita com seus cabelos claros e olhos azuis. — Quantos anos tem, Comfort? Sabe me dizer?

— Dizem que nasci no ano em que a velha rainha morreu. Minha mãe morreu quando teve seu oitavo filho, e meu pai morreu logo depois. Sou a mais velha e fui deportada por ter roubado pão para alimentar meus irmãos.

— O que foi feito deles?

— Não sei. — E ela não parecia estar preocupada.

— Não sabe e não se incomoda — resmungou a sra. Hawkins.

— Não vai mais andar pela floresta, Comfort? — pergun­tou Fortune com tom severo.

A jovem não respondeu. Apenas sustentou o olhar de sua senhora.

— Estou esperando por sua resposta, Comfort.

— Eu não queria me perder. Estava procurando frutas para o desjejum de Mestre Kieran.

— Nunca mais entre na floresta, a menos que esteja com alguém que conheça o caminho de volta.

— Não pode me dizer o que fazer — respondeu a escrava com atrevimento. — Só o mestre pode dar ordens aqui.

Antes que Kieran pudesse repreendê-la, a sra. Hawkins bateu em suas nádegas com uma enorme colher de pau.

— Comporte-se, sua meretriz londrina! Esta é a senhora da casa, e a casa pertence a ela, bem como tudo o que nela existe. E ela quem vai nos dar ordens de agora em diante, e você vai obedecer a todas elas, Comfort Rogers, a menos que deseje ser vendida, o que não seria uma má idéia. — A cozinheira olhou para Fortune. — Ela sabe limpar, senhora, mas não tem ne­nhum respeito por seus superiores. Não aprendeu em casa, se é que teve uma casa.

— Mestre! Oh, mestre! — gritou Comfort, chorando e se agarrando a Kieran. — Não deixe que ela me venda! Por favor, não! — Ela virou o rosto para olhar para Fortune.

— Menina, faça seu trabalho e obedeça à minha esposa, e não teremos problemas. A sra. Hawkins conhece as leis da ter­ra. A casa pertence de fato à minha senhora. Sua lealdade deve ser dela, antes de tudo e de todos. — Kieran se soltou, empur­rando a menina para longe com delicadeza firme.

Fortune segurou o braço do marido.

— Chame-nos quando o jantar estiver pronto — disse à co­zinheira, ignorando Comfort.

— Sim, milady.

— Dolly, vá conhecer as crianças — disse Fortune.

— Vaca! — resmungou Comfort assim que sua senhora se retirou.

— É melhor se comportar, criatura. Nossa nova senhora é paciente, mas pode se dar mal se insistir em desacatá-la. O mes­tre não está interessado em você. Nunca esteve e nunca estará — disse a sra. Hawkins.

— Se ela realmente o amasse, teria vindo com o marido des­de o início, quando ele desembarcou em Mary's Land. Há qua­se dois anos eles estão separados. Se o ama de verdade, por que não veio antes? Não vê como ele olha para mim? Ele me deseja. Conheço os homens.

— Você é tola e presunçosa, Comfort Rogers. O mestre nem olha para você, muito menos de alguma maneira especial. E sua senhora não o acompanhou porque estava grávida. Além disso, o Governador Calvert ordenou que nenhuma mulher ou criança fosse trazida até que houvesse abrigo decente para elas. Somos escravas, fomos trazidas para cá independentemente da nossa vontade, mas o mestre queria garantir a segurança da esposa e da filha. Aposto que haverá outro bebê nascendo nes­ta casa em um ano — ela sorriu. — Esta noite, e por muitas noi­tes ainda, o mestre estará se saciando com sua senhora.

— Odeio você! — disparou Comfort antes de sair.

A sra. Hawkins riu, satisfeita por ter conseguido irritar a jovem. A menina ia causar problemas. Na verdade, ela era fon­te de problemas desde o início. Infelizmente, o pobre mestre não enxergava a realidade da situação, como era comum aos homens. Mas a nova senhora logo compreenderia tudo. Comfort Rogers teria uma dura batalha pela frente... e jamais realizaria seu desejo de se deitar com o mestre.

Fortune ajudou Róis a arrumar o chalé modesto de piso de terra batida e depois decidiu que a criada e o marido come­riam com eles, pois ainda não haviam tido tempo para de-sembalar as panelas e transportar as provisões. Não estavam mais na Inglaterra, na Escócia ou na Irlanda. Fortune's Fancy não era um castelo. Os tempos de isolamento esplendoroso haviam ficado para trás. Era hora de cooperação, trabalho duro e generosidade.

Os quatro criados do estábulo também foram convidados a se juntar a eles. Dolly alimentava as crianças e as entretinha para permitir às mães oportunidade de comer. A sra. Hawkins servia a refeição de peru, batatas-doces assadas na brasa, pão, manteiga, queijo e cerveja e exigia que Comfort a ajudasse, im­pedindo a jovem de se sentar com os outros.

— Quando vou comer? — reclamou Comfort. — Não vai sobrar nada para mim!

— Se não houver mais peru, você pode comer angu de mi­lho. Vai encher sua barriga da mesma maneira.

Depois da refeição, os quatro escravos se retiraram. Kevin pegou Brendam, quase adormecido, e se retirou com sua espo­sa para o chalé. Dolly anunciou que ia limpar e acomodar a pequena Aine em sua cama.

Kieran segurou a mão da esposa.

— Venha, quero que veja algo antes de o sol se pôr — disse. Eles saíram de mãos dadas, e Fortune viu os prados com os cavalos e dois campos lacrados com grãos que ela não podia re­conhecer. O ar era suave, como é típico no início do verão, e tudo ali era muito diferente da Inglaterra. E mais quente, também.

— O qüe plantou nos campos, Kieran?

— Tabaco. É muito lucrativo e necessário para uma socie­dade como essa onde vivemos agora.

— Não plantamos comida? — quis saber Fortune.

— Sim, porque a lei de Mary's Land assim exige. Os índios nos apresentaram três culturas que não conhecíamos: feijão e dois tipos de abóbora, e também plantamos milho. Nossas se­mentes crescem bem no solo local. Temos ervilhas, cenouras, beterrabas... e batata-doce, é claro. É uma terra muito fértil.

— Quando construirmos nossa casa com tijolos, ela deve estar voltada para a baía. A vista é tão linda! Nunca antes vi nada parecido. — Ela se virou e olhou para o marido. — Obri­gada, Kieran. Por nossa casa, por essa chance de construirmos juntos os nossos sonhos.

— Senti tanto a sua falta! — confessou ele enquanto a abra­çava. — Não imagina quantas noites passei acordado pensan­do em você, Fortune, especulando se este lugar seria tão propí­cio para você quanto é para mim. Acha que poderá ser feliz em Mary's Land, tão longe de seu povo?

— Você é meu povo. Você e Aine, e os outros filhos que tere­mos. Sim, sinto saudades da minha família, mas, enquanto es­tivermos juntos, saberei suportar todas as faltas. Quanto a este lugar, é o meu lugar. O nosso lugar. Eu sei. Essa terra nos cha­mou, Kieran.

O sol se punha atrás deles, e estrelas começavam a cintilar no céu sem nuvens. Eles voltaram para casa de mãos dadas. Teriam a noite toda para fazer amor e compensar todo o tempo que haviam passado separados. E sabiam que nunca mais ha­veria outra separação.

Nunca!


Capítulo 18
As paredes da casa de Fortune foram revestidas com gesso. O piso foi lixado e polido. Havia tapeçarias nas paredes e tapetes indianos no chão. A mobília que Fortune trouxera da Inglater­ra foi disposta nos melhores lugares. Os colonizadores irlande­ses foram convidados para uma celebração de Lammastide or­ganizada por seu líder, Kieran Devers. Todos comeram, beberam e dançaram. E se mantiveram quietos e solenes enquanto Pa­dre White, o sacerdote jesuíta de Leonard Calvert, abençoava Fortune's Fancy. O sentimento comunitário era forte.

A Senhora Happeth Jones, a médica, deu a Fortune um pre­sente especial: duas lindas roseiras.

— Trouxe uma dúzia da Irlanda, e elas se adaptaram bem ao clima local — contou ela. — Venha vê-las quando puder, milady, e eu lhe darei uma poção fortalecedora para você e o bebê que está esperando. Na próxima primavera teremos mui­tos nascimentos. Parece que todos os maridos se alegraram com a chegada de suas esposas, milady.

Fortune riu.

— Não diga nada a Kieran, por favor. Vou contar a ele hoje. Róis também espera outro filho. Mary's Land não é um lugar maravilhoso, Happeth Jones?

Fortune estava feliz como jamais estivera antes.

Esse Novo Mundo parecia ter sido abençoado. A terra era fértil e generosa. Tudo o que era plantado germinava, crescia e frutificava. Logo começariam as colheitas. A floresta continha uma profusão de aves e animais de caça. A água estava repleta de peixes e frutos do mar, como ostras e mariscos. Havia caran­guejos e lagostas também. Kieran cuidava da propriedade, de tudo que nela era produzido, e dividia o produto de seu traba­lho com aqueles que o ajudavam, distribuindo porções justas para a manutenção das famílias dos colonizadores que para ele trabalhavam. Com os índios, haviam aprendido a moer o mi­lho e a transformá-lo em uma farinha que podia ser usada para fazer pão ou consumida como cereal.

Comfort Rogers não gostava dos índios. Ela dizia ter medo deles, da curiosidade que demonstravam por seus cabelos cla­ros. Fortune não os temia. Deixava os cabelos vermelhos soltos para que eles pudessem inspecioná-los e até chegara a cortar pequenas mechas para dar às mulheres indígenas como pre­sentes que sinalizavam sua boa vontade. Elas a recompensa­ram com um novo nome que, traduzido para seu idioma, que­ria dizer Tocada pelo Fogo.

— Qualquer dia vai acordar sem o escalpe — disse Comfort à sua senhora, tentando amedrontá-la.

Fortune riu.

— Eles são curiosos, só isso. Afinal, as mulheres de seu povo têm cabelos negros e pele morena. Eles nunca viram mulheres com cabelos como os nossos, louros ou vermelhos. Por que os teme tanto?

— Criaturas sujas... Eles me olham de soslaio, como se me desejassem algum mal. Sei em que estão pensando. Imaginam como seria estar em cima de mim, ouvindo-me gemer enquan­to fizessem o que bem entendessem...

— Eles têm belas mulheres, menina. Acho que devia con­trolar sua imaginação fértil. Melhor: temos de encontrar um marido para você. Um homem forte em sua cama vai aplacar seus medos.

— Já escolhi o homem que quero.

— De fato? E quem é ele?

— Meu senhor é o homem certo para mim. Você não vai conseguir viver muito tempo neste Novo Mundo. Vai voltar para sua casa na Inglaterra, e terei o mestre em minha cama. E delicada demais para sobreviver aqui. Não passa de uma vadia mimada e protegida, e não merece esse homem. Mas eu o mereço. E quando o tiver entre minhas pernas, ele a esquecerá rapidamente!

Fortune esbofeteou o rosto da menina com força, espanta­da com sua colocação ousada. Sempre soubera que Comfort tinha um certo interesse por Kieran, mas considerara essa atra­ção uma mera paixão juvenil. Afinal, ele a levara para a colônia e a tratara com bondade, embora fosse uma deportada conde­nada e escrava.


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