História do brasil moderno ernesto geisel



Yüklə 1,66 Mb.
səhifə16/46
tarix02.03.2018
ölçüsü1,66 Mb.
#43801
1   ...   12   13   14   15   16   17   18   19   ...   46

49 Lopes, Lucas. Memórias do desenvolvimento. Rio de Janeiro, Centro de Memória da Eletricidade no Brasil/CPDOC, 1991. #

<132 ERNESTO GEISEL>

dos em avião. Não se fez uma infra-estrutura preliminar, uma base pa- ra poder construir a cidade. Então tudo era transportado em avião, em caminhão, a longa distância. E a ladroeira que houve? Houve la- droeiras incríveis! Para levar o pessoal para lá, inclusive o Supremo Tribunal Federal e o Congresso, criaram a dobradinha. Quem servia em Brasília passava a ganhar salário dobrado. Hoje em dia Brasília é um problema, com o afluxo de numerosa população carente, atraída pela miragem da capital. A vantagem que trouxe, no meu modo de ver, foi dar algum desenvolvimento ao Brasil central. Goiás, por exem- plo, ganhou muito. O sul do Pará também. Mas esse desenvolvimento poderia ter sido feito mesmo sem a construção e o funcionamento da capital. O resultado é que a capital funciona mal. O Congresso, por exemplo, tem número para funcionar apenas dois dias na semana, porque nos demais dias os congressistas estão viajando para os esta- dos. Continuo a achar que não foi uma boa solução.

Discordo também dessa história de querer fazer 50 anos em cinco. É verdade que Juscelino desenvolveu muita coisa, mas quanto à indústria automobilística, por exemplo, ele teve que proporcionar fa- vores excepcionais para que as montadoras se estabelecessem aqui. Concentrou, ademais, toda a indústria em São Paulo. Por quê? Não houve preocupação com o desenvolvimento das outras regiões. De- pois, muito depois, é que se conseguiu ter a Fiat em Minas Gerais. No meu governo surgiu a oportunidade de instalarmos uma nova fá- brica de caminhões pesados. Existiam duas indústrias de caminhões pesados no Brasil, ambas em São Paulo, e viria uma terceira, sueca. Vencida a resistência das duas que já existiam e que obviamente não queriam mais uma concorrente, surgiu a questão: onde vai ser instala- da? "Em São Paulo", foi a resposta. Eu disse: "Não, por que em São Paulo? Por que não vamos mudar um pouco, para evitar o congestio- namento em São Paulo e atender a outra região? Vamos sediar no Pa- raná!" Apesar das objeções, acabei insistindo, e a fábrica foi para o Paraná, onde está até hoje e muito bem.50 A tendência, no entanto, é concentrar tudo em São Paulo. Uma vez um jornalista me perguntou:

"Por que o senhor é contra São Paulo?" Respondi: "Eu não sou con- tra São Paulo, sou a favor do Brasil. Não tenho nada contra São Pau- lo, mas acho que é preciso desenvolver o país, evitar essa excessiva concentração. Sem falar na Amazônia, temos que olhar para o Para-

50 Trata-se da fábrica Volvo. #

ná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais e Espíri- to Santo, temos que ver o que é possível fazer no Nordeste, onde as condições são, de fato, extremamente difíceis. O Sul tem condições ótimas! Minas,Espírito Santo e Bahia também podem ter".

Juscelino, contudo, foi concentrando tudo em São Paulo, do ponto de vista industrial. E a loucura de fazer Brasília... Ele já não governava mais o Brasil, ele vivia absorvido por Brasília, com prazo fixo para inauguração. Hoje em dia ele é lembrado como um grande presidente e ganhou uma estátua especial em Brasília.

E o rompimento de Juscelino com o FMI? Qual sua impressão so- bre isso?

Não acompanhei os detalhes, mas sei que ele não quis aceitar as imposições do FMI. Podia não aceitar, mas não precisava ir ao rompimento. O Brasil dependia muito do exterior, e depende cada vez mais, à medida que cresce economicamente. Mas com o rompi- mento ele agradou a corrente de esquerda. Toda ela bateu palmas. Ele recebeu o Prestes no palácio do Catete numa festa, agradando aos partidários do Lott, que era um candidato muito fraco.

Como foi a campanha presidencial de 1960?

A do Lott foi muito ruim. Não acompanhei direito, mas me contaram que ele foi ao Rio Grande do Sul e lá, em um comício, fa- lando aos colonos, foi ensinar como é que se devia plantar milho... Riram na cara dele. O colono está há tantos anos plantando milho e vem um general ensinar como é que se planta?! Jânio, por sua vez, já naquele tempo se revelava meio doido. Eu era a favor dele porque entre os dois achava que era o menos ruim. Além disso, Lott estava cercado pelos comunistazinhos do Exército e pelos pele- gos do Jango. Havia perdido um pouco da influência no Exército pe- la ação do Denys, que não quis envolvimento na campanha.

O papel do Juscelino, por sua vez, foi bem passivo. Ele aca- bou tendo que aceitar o Lott mas queria o Juracy Juracy era o can- didato da UDN, e quem o liquidou e fez o Jânio foi o Lacerda. Jus- celino gostaria de ver o Juracy candidato. Tinham boas relações, mas o Lacerda torpedeou. Juracy tinha muita experiência, muita ha- bilidade, e tinha também suas manhas. Foi governador da Bahia co- mo tenente. Já imaginou o que é isso? E foi um excelente governa- #



<134 ERNESTO GEISEL>

dor. Ficou muito prestigiado por lá. Não creio que fosse dominado pelo Juscelino. Quando saiu do governo, realmente Juscelino tinha a idéia fixa de voltar a ser presidente.

E quanto aos levantes contra Juscelino na Aeronáutica: Jacarea- canga, Aragarças?

Acompanhei isso na função que ocupava no Estado-Maior. Fo- ram movimentos precipitados e sem qualquer possibilidade de êxi- to. Quem trabalhava contra o Juscelino era o almirante Pena Boto. Era um visionário e um obcecado contra o comunismo. Vivia tam- bém no mundo da lua.

Quando eu estava em Cubatão, o Jaime Portela de Melo, que depois veio a ser o factótum do Costa e Silva, me procurou. Eu o co- nheci quando servia na Paraíba, ele era aspirante e foi classificado na bateria que eu comandava. Começou a vida de oficial como meu subordinado, procurei orientá-lo, prepará-lo para a função. Depois saí de lá e o perdi de vista. Um dia ele veio ao meu gabinete em Cu- batão me contar que estavam preparando um movimento contra o Juscelino, que contavam com isso e com aquilo, contavam com Per- nambuco, mais não sei o quê - muita fantasia. Tudo para fazer um movimento e derrubar o Juscelino, que já estava eleito. Ele disse tex- tualmente: "No balanço que temos feito, vimos que estavam faltando os irmãos Geisel. Eu queria que o senhor nos ajudasse participando disso e convencesse o seu irmão a participar também". Uma longa história. Perguntei-lhe: "Vem cá, vocês vão fazer um movimento, e quem é que vai governar esse país? Vocês vão entregar o governo ao Pena Boto, que é outro maluco?" Ele: "Não, não. Nós vamos fazer um triunvirato". Eu digo: "Mas um triunvirato?! Você não sabe que is- so nunca deu resultado na história do mundo? Se são três, um de- les vai dominar e vai acabar botando os outros dois para fora. Triun- virato só serve para dividir". Perguntei também: "Quem é que vai ser do Exército?" Ele respondeu: "Vai ser o general Etchegoyen". Argu- mentei: "Mas o Etchegoyen? É um homem correto, muito bom, mas reconhecidamente de poucas luzes!" Ele: "Mas nós vamos botar gen- te atrás do Etchegoyen. O senhor, por exemplo, podia ir para lá". Não me contive: "Ah, você quer que eu seja eminência parda? Não conte comigo". Ele ficou danado da vida e desde então passou a ser meu inimigo, e do Orlando. Posteriormente tivemos outros inciden- tes, durante e após a Revolução de 1964. #

8 - A renúncia de Jânio Quadros

Que funções o senhor exerceu no governo Jânio Quadros?

Quando Jânio foi eleito eu estava no gabinete do ministro da Guerra, marechal Denys. Lá fiquei, e quando se cogitou da transfe- rência do ministério para Brasília, resolveu-se mandar, inicialmente, um destacamento precursor para tomar conhecimento dos proble- mas da nova capital e preparar a base para receber oportunamente o gabinete do ministro. Era o que nós denominávamos um escalão avançado. Designaram-me para chefiar esse escalão. Fui para Brasí- lia na parte final do governo do Juscelino, tomei conhecimento dos problemas locais e comecei a trabalhar para instalar o gabinete, o que se verificou pouco tempo depois. Na primeira promoção feita por Jânio fui promovido a general-de-brigada e fui nomeado coman- dante militar de Brasília, cargo que exerci até a posse do Jango. Vivi todos os momentos da confusão e tensão causadas pela renún- cia do Jânio. Quando o presidente interino Ranieri Mazzilli assu- miu, logo após a renúncia, acumulei o Comando Militar de Brasília com a chefia da Casa Militar. De acordo com o ministro Denys, Mazzilli ia ficar por pouco tempo e, assim, não havia razão para se nomear outro general para o cargo. #



<136 ERNESTO GEISEL>

Qual a sua visão do episódio da renúncia de Jânio?

Até pouco tempo atrás eu tinha uma opinião, mas depois ouvi um depoimento que me abalou. Eu achava que o Jânio, não tendo maioria no Congresso, e com o problema do Lacerda que ocorreu na véspera,51 renunciara convencido de que, com o clamor popular que haveria, exigindo a sua volta, retornaria e dominaria a situação como um triunfador. Acontece que o povo não tomou conhecimento da renúncia e não fez nada: já tinha esquecido o Jânio. Recentemen- te, um oficial que na época servia na Casa Militar e gozava da con- fiança do Jânio, o almirante Faria Lima, me relatou o que aconte- ceu, dando-me uma versão completamente diferente. Sua opinião é de que Jânio se acovardou diante das condições de governo. Ele não tinha condições de governar. Resolveu ir embora mesmo e não sonhava voltar. Estava com a oposição no Congresso e havia brigado com o Lacerda. Havia mandado o Lacerda conversar com o minis- tro da Justiça, Pedroso Horta, e este convidara Lacerda a tomar par- te em um movimento para fechar o Congresso. Lacerda não concor- dou, brigou etc., veio ao Rio, falou na televisão e começou a contar a história toda. Foi aí que Jânio se acovardou.

O senhor estava presente à solenidade do Dia do Soldado?

Estava, pois era o comandante militar de Brasília. Recebi o Jâ- nio quando ele chegou ao local da solenidade e desceu do automó- vel. Fomos para o palanque - levei-o até lá - e depois que termi- nou a cerimônia conduzi-o de novo ao automóvel.

Eu tinha boas relações com o chefe da Casa Militar, general Pe- dro Geraldo de Almeida, que nessa ocasião me disse: "Te prepara, que hoje vai haver coisa grossa". Perguntei: "Ele vai fazer interven- ção na Guanabara contra o Lacerda?" Ele respondeu: "Não, coisa muito pior". Quando terminou a cerimônia, fui ao palácio conversar na Casa Militar. Aí o Pedro me disse que o Jânio ia renunciar, ia em- bora. Fiquei surpreso: "Mas não é possível!" Voltei ao ministério e contei ao ministro Denys o ocorrido. Denys foi logo com os minis- tros da Marinha e da Aeronáutica conversar com o Jânio, em virtu-

51 No dia 24 de agosto de 1961, aniversário do suicídio de Vargas, Lacerda fez um pronunciamento pela televisão pedindo a renúncia de Jânio Quadros para evitar nova tragédia nacional. #

de da informação que lhe dei. Foram os três ao palácio e conversa- ram com o Jânio mostrando que ele tinha o apoio completo das For- ças Armadas, que nessa área não havia problemas, que ele podia contar com isto, que não devia sair. Fizeram um apelo insistente pa- ra que não renunciasse. Aí o Jânio disse: "Não, não. Vou renunciar". Essa é a história do Faria Lima: como já disse, Jânio renunciou aco- vardado. Viu que não podia realizar as coisas que prometia.

Jânio era um homem muito complicado. Qual o sentido da condecoração do Che Guevara?52 E dos bilhetinhos? Ele passava por cima da autoridade dos chefes, desprestigiando-os e mandando bilhetes para o segundo, terceiro escalões, sem respeitar as hierar- quias dos ministérios civis. Deixava os ministros numa posição mui- to ruim. Se havia, por exemplo, um problema na Alfândega do Rio de Janeiro, ele se dirigia ao inspetor da Alfândega e não ao minis- tro. Além disso, fixava-se em questôes bobas: biquíni na praia, bri- ga de galos de rinha e assim por diante. Era muito passional.

A condecoração de Che Guevara incomodou muito?

Sim, de certa maneira. Achou-se que era esdrúxulo fazer aqui- lo; não havia razão alguma. Jânio tinha estado em Cuba antes, e pa- rece que ficou bem impressionado. Imediatamente após a renúncia, houve muita perturbação no meio político e militar. Houve quem pensasse em fazer um movimento e fechar o Congresso. Eu e meu irmão reagimos muito contra isso. Achávamos que colocar o Denys ou os três ministros militares para governar, fazer uma junta etc., não daria certo. Cogitou-se também impedir a posse do vice-presi- dente, o Jango, na presidência, mas não se conseguiu o necessário apoio do Congresso. E o Mazzilli, muito habilidoso, procurava conci- liar as coisas, de um lado e de outro, mas não conseguia.

Jango estava saindo da China e retornando ao Brasil. Houve uma célebre conferência telefônica quando ele ainda estava em Pa- ris. Vários políticos, falando pelo telefone, o convenceram de que não deveria voltar. Nós fizemos escuta desses telefonemas. Jusceli- no, entretanto, disse: "Não, Jango, venha. Venha porque aqui você assume etc.". E com o endosso do Juscelino o Jango resolveu voltar.

52 A 19 de agosto de 1961, Jânio Quadros condecorou Che Guevara, ministro da Eco- nomia de Cuba então em visita ao Brasil, com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. #

<138 ERNESTO GEISEL>

Nessa épocajá existia a cadeia da legalidade no Rio Grande do Sul?

Já havia uma cadeia da legalidade, dirigida pelo Brizola, mas ela não teve maior expressão até que o III Exército, no Rio Grande do Sul, contando inclusive com alguns elementos da guarnição do Paraná, resolveu aderir ao Brizola. No Exército as opiniões estavam muito divididas, tanto que não houve uma ação forte para se contra- por a essa corrente sulista pró-Jango. Organizaram-se destacamen- tos que chegaram a se deslocar de outros estados para São Paulo, de São Paulo para o Paraná, mas sem muita determinação para criar um conflito de uma parte do Exército contra outra. O princi- pal comandante do Sul que era favorável ao Jango era o Machado Lopes. Quase todo o Exército da área do Sul, isto é, Rio Grande do Sul, parte de Santa Catarina e Paraná estava com ele, embora hou- vesse algumas divergências de oficiais que não pactuavam com o Brizola, mas não tinham capacidade para reagir.

Nessa ocasião eu me irritei com o Cordeiro de Farias, que fo- ra nomeado para o comando do III Exército, porque ele ficou reman- chando. Eu estava em Brasília e o Orlando, que continuava chefe do gabinete do Denys, estava aqui no Rio. Eu disse a ele: "Por que o Cordeiro não assume? A força de Curitiba está dominada pelo Sul, integra-se ao Exército do Sul e, por isso, de certa forma, é contra nós. Mas o Cordeiro pode ir a Curitiba e lá assumir o comando do III Exército: em vez de assumir em Porto Alegre assume em Curiti- ba". Orlando respondeu-me: "Não, ele não vai conseguir". Retruquei: "Acho que ele pode assumir". E sugeri ao Orlando uma operação mi- litar: "Você usa os pára-quedistas do Exército e os joga no campo de aviação de Curitiba, o Afonso Pena. Eles tomam conta do campo e organizam a defesa. Em seguida, voa do Rio o Regimento-Escola de Infantaria. Não tenha dúvida de que quando esse regimento des- cer em Afonso Pena, a guarnição de Curitiba, que é uma guarnição relativamente pequena, vai se entregar, vai aderir a nós, e o Cordei- ro assume o comando lá". E o Orlando: "Ah, mas o Denys não quer empregar os pára-quedistas, que são as suas reservas". Eu respon- do: "Mas para que serve a reserva? A reserva é usada para obter uma decisão num ponto crítico". A resposta foi: "Não". O Cordeiro também não queria.

Temia-se um conflito real com o III Exército, e aqui no Rio de Janeiro alguns generais não queriam isso, além de não estarem em-

penhados na ação contra o Jango. Não sei o que havia na cabeça do Cordeiro, mas estranhávamos sua inércia. O general Castelo- nessa época eu não privava com ele mas tinha informações - acha- va que era melhor deixar o Jango governar, e se tivesse que haver uma ação contra ele seria depois, durante o governo. Outros, como o próprio marechal Denys, achavam que era preferível liquidar o problema desde logo.

Os ministros militares, que andavam sempre juntos, resolve- ram lançar um manifesto, não sei com que objetivo. Esse manifesto ficou engavetado, e o Golbery, que estava na Secretaria do Conselho de Segurança, aqui no Rio, organizou outra minuta de manifesto. Na parte final, Golbery mostrava que o Jango não podia assumir com todos os poderes de um presidente da República e deixava a porta aberta, numa insinuação, para o regime parlamentarista. Ao tomar conhecimento desse manifesto, eu disse ao Golbery: "Entrega isso ao Orlando que ele mostrará ao Denys". Assim foi feito, mas o Denys não concordou e disse: "Há coisa muito melhor. Há um mani- festo feito pelo ministro Moss, da Aeronáutica". E botou o manifesto do Golbery na gaveta. Dias depois, a situação foi se complicando, e então ele se virou para o Orlando e perguntou: "Onde está aquele documento que no fim vem com parlamentarismo?" O Orlando dis- se: "O senhor guardou". Foi aí que o Denys acordou e resolveu se engajar nessa saída que propunha o regime parlamentarista.

Essa era, na época, do meu ponto de vista, a saída preferida, porque vi que os generais, de uma maneira geral, estavam divididos. Ninguém queria ir combater os militares do Sul e dividir ainda mais o Exército. Quando vi que as forças não iam para o Paraná e que o Cordeiro não ia assumir o comando do III Exército, senti que não te- ríamos a solução desejada. Aliás, nós todos víamos que não ia dar. Foi aí que se partiu para o parlamentarismo como a solução menos ruim. E o Congresso gostou, por duas razôes: primeiro, porque era uma saída do impasse, segundo, porque ele adquiria maior poder.

Qual era a solução desejada a que o senhor se referiu? Controlar militarmente o Sul e arranjar outro presidente?

Sim, porque se desaparecesse a ação do Brizola, a posição do Exército e das Forças Armadas ficaria muito mais forte, dominariam a situação nacional e possivelmente o Jango não assumiria. O que vi- ria então eu não sei. Poderia haver um período de regime anormal e #



<140 ERNESTO GEISEL>

depois, fatalmente, haveria nova eleição. Não se imaginava fazer uma ditadura, ou um regime como o que se verificou depois de 64.

Nessa época, quem, além do marechal Denys, era favorável a que se impedisse a qualquer custo a posse do Jango?

Os dois outros ministros militares. O da Aeronáutica era o bri- gadeiro Grüm Moss, e o da Marinha era o almirante Sílvio Heck, de ação notória na área revolucionária. Eles estavam vivamente engaja- dos contra a posse. A área lacerdista também.

Foifeita alguma tentativa no sentido de desmantelar a cadeia da legalidade?

Havia negociações políticas em certas áreas. No Sul, por exem- plo, nessa época, acusaram o Orlando de ter ameaçado bombardear o palácio do governo do Brizola. Isso não era verdade.

Havia contato com o general Machado Lopes, ou ele se isolou?

Ele se isolou, se entregou praticamente ao Brizola. Naquele tempo, o governo do Rio Grande do Sul tinha uma estação de rádio em Brasília. E com ela, tudo o que acontecia no nosso meio, em Brasília, era transmitido para o Brizola por agentes que ele tinha na capital. Eu comandava a região militar e determinei o fechamento da estação. Na verdade não havia muita coesão da nossa parte, nem uma ação forte para impedir a posse do Jango. E a área política dançava muito. Uns eram partidários do impedimento do Jango, mas havia outros mais acomodados. Quem se batia pela posse do Jango era o Juscelino.

Foi por causa da divisão do Exército que Jango assumiu?

Não posso afirmar que foi por causa disso, mas a divisão cer- tamente influiu, e muito. E o próprio Congresso também colaborou para a solução a que se chegou. O que aconteceu foi que, do lado contrário ao Jango, não havia uma ação muito forte, ao passo que o outro lado, comandado pelo Brizola e por gente favorável ao Jan- go, como o Juscelino, era muito atuante. #

Qual era exatamente o veto que se fazia a João Goulart?



João Goulart, desde o tempo do Ministério do Trabalho, do qual, como já narrei, Getúlio o exonerou em consequência do "Ma- nifesto dos coronéis", era, no nosso entender, um homem fraco, do- minado pelas esquerdas. O que havia contra ele era a tradição vin- da do getulismo com a política trabalhista. Achávamos que o seu governo iria ser faccioso, voltado inteiramente para a classe traba- lhadora, em detrimento do desenvolvimento do país - era a sua tendência para a esquerda. Nas Forças Armadas, desde a Revolu- ção de 1935, passamos a considerar o comunismo o principal pro- blema de segurança interna. A presença de oficiais comunistas no Exército, a que já me referi, em número crescente, embora relativa- mente pequeno, principalmente após o regresso da FEB, e a infiltra- ção de alguns deles no gabinete do ministro Lott aumentaram a nossa preocupação. Getúlio se empenhara na expansão e fortaleci- mento do trabalhismo, com a participação direta do Jango. Este, por sua vez, apoiara-se fortemente no trabalhismo para se eleger vi- ce-presidente, principalmente na eleição de 1960. Sofria a influên- cia dominadora de líderes trabalhistas, os chamados pelegos, mui- tos deles vinculados ao comunismo. Isso se manifestou principal- mente quando esteve no Ministério do Trabalho, pois como vice- presidente não teve muita ação. Foi vice-presidente do Juscelino e do Jânio, mas este não lhe deu maior participação no governo, in- clusive mandou-o para a China.

Houve, aliás, um procedimento indigno durante a campanha eleitoral de 1960. Naquela ocasião, a eleição do presidente era sepa- rada da do vice-presidente. Havia um candidato a vice na chapa da UDN e da coalizão janista que era o mineiro Milton Campos. Jânio, ardilosamente, ao invés de apoiá-lo, fez um acordo com a corrente do Jango, aceitou a propaganda do voto Jan-Jan, para desse modo assegurar a vitória na eleição. E assim Jango foi eleito vice-presiden- te. Era uma anomalia dentro do sistema, que gerou grande descon- tentamento. Aí está a raiz do problema, que não teria ocorrido se Jâ- nio tivesse sido eleito juntamente com Milton Campos. Mas o receio de não ganhar a eleição levou-o à felonia. Pode ser também que ele simpatizasse mais com o Jango por causa da esquerda. Em matéria política, Jânio era relativamente indefinido, puxava muito para a es- querda. Erá demagogo. São exemplos disso os comícios que fazia na Vila Maria, em São Paulo, cheio de caspa, comendo sanduíche. #



<142 ERNESTO GEISEL>

O parlamentarismo foi portanto uma imposição militar?

Não. Foi uma saída para o governo, uma vez que não se conse- guia impedir que Jango assumisse por causa da área política e pela divisão que se estabeleceu nas Forças Armadas, principalmente den- tro do Exército. Uma parte se vinculou ao Brizola, outra queria impedir a posse, e assim não houve unanimidade, mas um conflito indesejável dentro das próprias Forças Armadas. E aí surgiu uma forma de transigência: Jango assumia mas seus poderes ficavam li- mitados. Era o regime parlamentarista.

Quando João Goulart assumiu, como ficou sua posição dentro do Exérci to?

Logo após a posse do Jango, eu me exonerei, juntamente com outros militares, peguei um avião e vim para o Rio. Naquela oca- sião, eu estava com idéia de ir para a reserva. Mas os amigos me aconselharam: "Tira férias, vamos ver o que acontece etc.". Tirei fé- rias, voltei, apresentei-me e fiquei adido à Secretaria do Ministério da Guerra durante alguns meses, aguardando função. Era uma espé- cie de cão leproso. . . No ministério, o pessoal que havia tomado pos- se era ligado ao Jango, mas o novo ministro, João de Segadas Via- na, era meu amigo. Tínhamos trabalhado juntos na Revolução de 32 em São Paulo, quando ele fora chefe do cstado-maior do destaca- mento Daltro, no qual trabalhei com a minha artilharia. Mas os de- mais, os oficiais de gabinete, eram janguistas ou oportunistas.

Durante alguns meses permaneci em casa. ia à praia e, às ve- zes, ao ministério. Tinha encontros esporádicos com companheiros, lia muito. Em fins de janeiro de 1962, o ministro mandou me cha- mar. Disse-me: "Finalmente estou em condições de dar a você um comando. Você vai para São Paulo comandar a Artilharia Divisioná- ria da 2ª Região Militar". Recusei dizendo: "Não. Lá eu não posso ir. É o único lugar no Brasil em que não posso servir. Perdi um filho lá e não quero, por questões sentimentais, rever aquele quadro com minha mulher. De modo que o senhor cancele isso, eu vou ficar em casa como estive até agora". E ele: "Então você vai para o Paraná". Eu disse: "Bom, para o Paraná eu vou. Posso ir para qualquer ou- tro lugar, desde que não seja São Paulo". Fui então, em meados de fevereiro de 1962, comandar a Artilharia da 5ª Região Militar, e nes- sa função ocupei várias vezes interinamente o comando da 5ª Região. #


Yüklə 1,66 Mb.

Dostları ilə paylaş:
1   ...   12   13   14   15   16   17   18   19   ...   46




Verilənlər bazası müəlliflik hüququ ilə müdafiə olunur ©muhaz.org 2024
rəhbərliyinə müraciət

gir | qeydiyyatdan keç
    Ana səhifə


yükləyin