Castelo tinha muito mais nome no Exército e nas Forças Arma- das do que Costa e Silva. Sua escolha para a presidência verificou- se numa reunião, à noite, no palácio Guanabara, com a presença de vários governadores, entre eles Lacerda, Magalhâes Pinto, Ademar de Barros, Ildo Meneghetti e Nei Braga, após muita discussão e com uma intervenção do general Muniz de Aragão. Acho que o Costa e Silva não gostou muito dessas conversas e, no meio dessas discus- sões sobre quem ia ser o presidente, disse ao Castelo uma frase que não achei muito apropriada: "É, vamos solucionar isso. Vamos evitar a repetição do conflito de Deodoro com Floriano".
Lembro-me também de um fato, que nunca vi publicado, ocor- rido um ou dois dias depois da revolução: houve uma reunião no ga- binete do Costa e Silva à qual compareci com Castelo. Lá estavam Costa e Silva e outros generais, entre eles Peri Beviláqua, que ade- riu à revolução mas era muito ligado à esquerda. Costa e Silva, fa- lando sobre a revolução, declarou: "Nossa revolução não vai se limi- tar a botar o Jango para fora! Temos que remontar aos ideais das revoluções de 22, de 24 e de 30!" Ele queria fazer uma revolução mais profunda. Ficaram todos em silêncio. Apenas Beviláqua come- çou a falar, mas Costa e Silva não deixou que prosseguisse. Bevilá- qua comandava Santa Maria em 1961 e tinha ficado ao lado do Ma- chado Lopes. Costa e Silva disse que ele não tinha o direito de se manifestar em virtude de sua atuação naquela emergência.
Costa e Silva e Castelo já manifestavam, nesse começo, opiníões diferentes sobre o caráter da intervenção militar?
Sim. Costa e Silva era mais radical, enquanto Castelo era mais moderado. Castelo achava que a tarefa governamental era resol- #
ver os problemas negativos deixados por Jango e fazer o país entrar na normalidade. Essa divergência, no meu modo de ver, teve influên- cia muito grande depois, ao longo do governo Castelo. Creio tam- bém que Costa e Silva queria ser presidente, já nessa fase inicial da revolução. Não posso afirmá-lo com segurança, mas tive algumas in- dicaçôes positivas a esse respeito, inclusive em fatos posteriores.
E o general Castelo Branco? Como encarava a questão da presi- dência?
No começo, pelo menos aparentemente, ele não manifestava qualquer pretensão de ser o presidente. Entretanto, todos nós traba- lhávamos para isso e lhe mostrávamos que ele era a pessoa mais qualificada para a função. Era a figura mais respeitada, tinha um passado muito bom, inclusive por sua atuação na Força Expedicioná- ria na Itália. Seu nome tinha muita repercussão no Exército porque fora instrutor de várias gerações de oficiais na Escola Militar e na de Estado-Maior.
O grupo militar que queria Castelo Branco articulou-se com os polí- ticos, com os empresários, com o Ipes, por exemplo, para susten- tar seu nome?
A ação dos políticos verificou-se mais tarde. Juarez pugnava pe- lo Castelo, e depois os políticos, vendo que o escolhido não seria um deles, aderiram. Castelo era um admirador do Lacerda, era lacer- dista. Magalhães Pinto ia ao gabinete do Castelo, no Estado-Maior do Exército, para conversar. O fato é que havia rivalidade entre os gover- nadores, todos com suas ambições, e no fim todos eles acabaram con- cordando com a escolha do Castelo. Quem influiu muito para que se escolhesse o nome do Castelo, como já relatei, foi o general Muniz de Aragão. Essa é a minha versão.
Escolhido o Castelo, era necessário assegurar sua eleição pelo Congresso, pelo tempo restante do período governamental, fórmula prevista inclusive para dar-lhe o cunho da legalidade. E aí, para asse- gurar a maioria, foi necessário o entendimento com o PSD. Líderes deste partido estiveram com o Castelo e o levaram para uma conver- sa com o Juscelino. Há diversas versôes sobre esse encontro, mas não há nenhuma confirmação de qualquer delas. O que de efetivo re- sultou dessas conversações foi a escolha do Alkmin para vice-presi- #
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dente. Em meio a isso, Costa e Silva e os que o acompanhavam aca- baram por apoiar o Castelo porque viram que não havia outra solu- ção pacífica. Castelo tinha o melhor conceito. Costa e Silva ocupava uma posição de mando, era ministro e, por isso, tinha mais poder de ação. Acho que Costa e Silva, no começo, queria a permanência do Mazzilli, porque o Mazzilli era um homem relativamente fraco e seria um instrumento na sua mão. Como ministro e com o comando revolucionário, quem mandaria e desmandaria, caso o Mazzilli conti- nuasse na presidência, seria o Costa e Silva. Mas a idéia de manter o Mazzilli foi logo abandonada.
Os senhores achavam que iam ficar no poder 20 anos?
Não. Foi um erro ter-se ficado tanto tempo. Surgiu, desde lo- go, o problema do combate ao comunismo, ao terrorismo, à corrup- ção. Além disso, manifestou-se outro problema grave: o da divisão no Exército entre a linha dura e a área mais moderada, que tendia para a normalização. Os duros sabiam que não podiam ficar definiti- vamente no poder, que um dia as coisas tinham que se normalizar, mas sua tendência era prolongar a revolução até que se pudesse fa- zer tudo o que eles imaginavam.
Nesse primeiro momento já havia uma percepção clara dessa divi- são entre linha dura e moderados?
A percepção era muito tênue no início, mas foi se acentuando. Havia muitos oficiais que eram moderados e cuja tendência era se agrupar em torno do Castelo. E havia outros que eram mais exalta- dos, mais radicais, e que se uniram em torno do Costa e Silva. Essa divisão continuou até o meu governo: quando fui presidente da Repú- blica, ainda tive que enfrentar o problema da linha dura. Os que es- tavam em torno do Castelo tendiam para a normalização da vida do país. E os outros achavam que não, que era preciso continuar o ex- purgo. Terminaram criando um lema que era inteiramente negativo. Era o contra. Diziam que eram contra a corrupção e contra a subver- são. Como seria possível construir o Brasil com a divisa de ir con- tra? Era preciso construir, e não só destruir. O problema da corrup- ção subsiste até hoje. Não se acaba apenas com o expurgo. O que se deve fazer é, progressivamente, pelo desenvolvimento, eliminar as cau- sas que levam à corrupção. Mas esse é um problema da natureza hu- #
mana! Hoje temos o problema da corrupção no Congresso: o que ocorreu no governo Collor? Não adiantou passar 10 ou 15, 20 anos lutando contra a corrupção. Foi uma luta praticamente inócua. Não digo que a corrupção não deva ser punida exemplarmente, mas não pode ser o objetivo principal de um governo. O que se precisa é tirar as condições que favorecem a corrupção, a miséria, a pobreza etc., uma série de fatores que levam a isso.
O divisionismo vinha daí e foi se acentuando ao longo do tem- po. Castelo lutou terrivelmente contra isso, mas a eleição do Costa e Silva em 1967 foi uma vitória da linha dura. Embora Costa e Silva endossasse ou apoiasse essa linha, ele era pessoalmente um homem mais pacato. Mas achou que era melhor apoiar essa linha dura por- que lhe servia para chegar à presidência da República.
Por que o presidente Castelo não tirou Costa e Silva do Ministério do Exército, a exemplo do que fez com os outros ministros mili- tares?
Uma noite, ainda com o problema da formação do ministério e com algumas dificuldades, Castelo nos disse que tinha resolvido dissolver o Comando Revolucionário, substituindo os ministros da Marinha e da Aeronáutica. Nós dizíamos: "Por que o senhor não aproveita, já que vai tirar esses dois, para tirar também o Costa e Silva?" Ele: "Não, não posso tirar. O que faria com ele?" Sugería- mos: "O senhor dá a ele a embaixada em Buenos Aires e resolve o problema. Ficando no ministério, ele vai lhe dar trabalho". Ele: "Não, não vou tirar não". Então deixou o Costa e Silva e tirou os ou- tros dois. Foi uma decisão pessoal.
Tenho uma interpretação que pode servir para explicar as re- lações do Castelo com o Costa e Silva. É muito subjetiva e decorre da análise que faço sobre a trajetória dos dois. É o seguinte: Caste- lo e Costa e Silva foram companheiros no Colégio Militar em Porto Alegre. Castelo era cearense, gostava de fazer discurso, gostava de escrever, e tinha o defeito físico da coluna. O Colégio Militar manti- nha uma sociedade cívico-literária dos alunos, e nela realizavam-se sessões cívicas. O orador da sociedade era o Castelo. Ele levou pa- ra o Colégio as histórias do Nordeste com as secas, matéria que no Rio Grande não se conhecia. Era considerado um literato, um ho- mem ligado às coisas do Nordeste, benquisto no meio da turma. Como aluno, como estudante, estava na média. Não era brilhante, #
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não se destacava. Costa e Silva, ao contrário, era primeiro aluno, muito benquisto, muito bem apessoado, tocava na banda de músi- ca do Colégio. Era dedicado ao esporte, fazia ginástica, e Castelo não. Costa e Silva, naquela fase, evidentemente tinha uma posição de ascendência. Foi comandante-aluno do Colégio. Na Escola Mili- tar aconteceu a mesma coisa. Costa e Silva foi muito bom aluno no curso de infantaria, e o Castelo ficou na média. Saíram oficiais jun- tos. Dessa mesma turma, na artilharia, saiu o Ademar de Queirós, e na cavalaria, o Kruel, que também vinha do Colégio Militar de Porto Alegre. Kruel e Costa e Silva eram companheiros de mocida- de do Castelo e os três eram amigos. Parece que na Escola de Aper- feiçoamento de Oficiais Costa e Silva ainda fez um bom curso, mas depois disso deixou os livros de lado, nunca mais estudou, casou- se cedo e depois tornou-se uma espécie de bon vivant. Gostava de jogar em corrida de cavalos, pôquer. Fez o curso do Estado-Maior muito tarde e teve dificuldades. Problemas psíquicos ou familiares. Castelo, que até então tinha sido um oficial da média, quando che- gou na Escola de Aperfeiçoamento, mas principalmente na Escola de Estado-Maior, se destacou. Tanto se destacou que foi indicado pela Missão Militar Francesa para fazer o curso da Escola Superior de Guerra na França. Sempre havia um oficial dos que terminavam o curso no Estado-Maior que ia estagiar nessa Escola. Antes dele fo- ra o Lott, que ainda estava lá quando o Castelo iniciou o curso. Castelo passou a ter maior projeção militar que o Costa e Silva. Foi instrutor na Escola Militar e na de Estado-Maior, depois teve um papel muito importante na FEB, a Força Expedicionária na Itá- lia, como seu chefe de Estado-Maior. Mas, por incrível que pareça, Costa e Silva, sempre com boas relações, era promovido antes do Castelo. Chegou a general-de-exército na sua frente.
Acho que essas situações do passado, do tempo do Colégio Mi- litar, da Escola Militar e ao longo da carreira fizeram com que o Castelo tivesse sempre certa consideração pelo Costa e Silva. Reco- nhecia os defeitos dele, achava que era indolente, atribuía-lhe uma frase de que os franceses muito gostavam: "Je suis très fatigué", is- so porque o Costa e Silva chegava ao palácio e dizia: "Estou muito cansado, muito cansado". Em suma, achava que o Costa e Silva era preguiçoso, mas o respeitava e evitava ter conflito com ele. #
Já o senhor tinha uma posição de enfrentar os problemas de ime- diato.
Sim, e com a necessária oportunidade, antes que eles se agra- vassem. No tempo do governo Castelo tínhamos crises na área políti- ca e sobretudo na área militar, com os inquéritos e prisões. Eu era chefe da Casa Militar e o Golbery era chefe do SNI e nós dois traba- lhávamos no mesmo gabinete, porque o palácio Laranjeiras, onde funcionávamos quando no Rio, tinha poucas acomodações. Nós nos entendíamos muito bem e conversávamos muito sobre a situação. Quando despontava uma dessas crises, íamos ao Castelo, normal- mente de manhâ cedo. Chegávamos, subíamos, o encontrávamos com o barbeiro fazendo a barba, ou tomando café, e começávamos a conversar. Um de nós relatava o problema: "Presidente, está se ini- ciando uma crise. Está havendo isso e isso, e esse problema vai se complicar". Ele perguntava: "Bem, e o que se pode fazer? O que eu vou fazer?" Dizíamos: "O senhor pode fazer isso ou isso, tomar tais providências, fazer com que essa crise seja abortada". Ele dizia: "Vou pensar". Dois ou três dias depois a crise se complicava. Íamos de novo ao Castelo. "Presidente, aquele problema que expusemos ao senhor outro dia está agora mais complicado, já está com outros contornos, está ficando mais difícil, mais grave". Ele dizia: "Sim, mas ainda vou pensar". E assim levava. Quando a crise estava de- sencadeada dizíamos: "Presidente, a crise estourou". "E a solução de vocês? Vamos agir". Então dizíamos: "Presidente, aquela solução não serve mais, o quadro agora é outro". E ele: "Sim, mas vamos agir". Aí ele entrava na luta e era positivo. Essa era uma das suas características. Ele temia a precipitação. E nós, ao contrário, acháva- mos que devíamos atacar o problema na origem. Eu era partidário, em muitos casos, de uma ação preventiva. Dizíamos sempre que o Castelo recuava, e quando não podia mais recuar, partia para o con- tra-ataque com grande vigor.
Por que o senhorfoi nomeado chefe do Gabinete Militar?
Minha aproximação e do Golbery com Castelo, como já contei, foi feita pelo general Ademar de Queirós antes da revolução, quando o Castelo estava na chefia do Estado-Maior do Exército, e ainda mui- to indeciso quanto à conspiração. Parecia que o Castelo tinha algu- ma repugnância em aparecer como conspirador, porque sempre fora um homem da lei, tinha sido assim toda a vida. Creio que conspi- #
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rou e preparou a revolução porque se convenceu de que o quadro nacional era realmente calamitoso.
Castelo eleito, havia o problema da organização do governo. Nós nos encontrávamos geralmente, o Ademar, eu e Golbery, na ca- sa do Castelo em Ipanema. Aí se começava a estudar e analisar no- mes. Por indicação do Juracy, Castelo escolheu para chefe do Gabi- nete Civil o Luís Viana Filho, político tradicional, deputado pela Bahia e também um literato, com muitos livros publicados; era considerado um homem de bem e capaz. Para o Gabinete Militar, quando Castelo indicou meu nome, alguém lhe disse: "Você vai levar o Geisel para ser o chefe da sua Casa Militar? Você confia nele?" Aí o Castelo ponderou: "Sim, confio nele, mas mais em mim mesmo". Como querendo dizer: "É evidente que quem vai comandar, dirigir o país, sou eu. Caso o Geisel queira fazer coisas que no meu enten- der não estão certas, não vou permitir". Era o que estava subenten- dido.
Quem escolheu os demais membros do Gabinete Militar: o senhor ou o presidente?
Castelo tinha oficiais ligados a ele, e alguns, como o Meira Ma- tos, foram para a Casa Militar por sua indicação. Outros foram leva- dos por mim. Havia três subchefias no Gabinete, uma do Exército, uma da Marinha e uma da Aeronáutica. Cada subchefia era dirigida geralmente por um coronel, um capitão-de-mar-e-guerra e um coro- nel-aviador, que dispunham de dois adjuntos. E eu tinha um ou dois auxiliares e um ajudante-de-ordens. Além disso, como chefe da Casa Militar eu era o chefe da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, onde trabalhavam.
A esse respeito, devo registrar um fato ocorrido com o Jaime Portela. Quando assumi a Casa Militar e me tornei, como era previs- to legalmente, secretário do Conselho de Segurança, encontrei nessa Secretaria, como chefe de gabinete, o general Jaime Portela, que havia ocupado essa chefia e tomado conta do gabinete logo depois de 31 de março. Ele não me procurou, nem pediu demissão. Dizia que ocupava aquele lugar por direito de conquista. Eu o demiti e nomeei o chefe de gabinete que eu queria: o general Ariel Paca da Fonseca. #
O senhor acompanhou a escolha dos demais ministros do governo Castelo?
Sim. A escolha dos ministros foi difícil. O ministério foi conce- bido à última hora, quase na véspera da posse. Para o Ministério da Educação, por exemplo, o Castelo convidou a Raquel de Queirós e outros, que não aceitaram. Então, no fim, fixou-se no Suplicy que era um bom reitor da Universidade do Paraná e que eu tinha conhe- cido quando lá servi. Não foi bom ministro, era meio trapalhão. Jua- rez foi ministro da Viação e Obras Públicas.
Para enfrentar o problema econômico, ele escolheu Roberto Campos para o Ministério do Planejamento, alguns dias depois de assumir a presidência. Roberto Campos era, naquela época, um di- plomata e economista controvertido. Trabalhara com Juscelino e ti- nha sido do BNDE. Otávio Gouveia de Bulhões já estava no Ministé- rio da Fazenda, por indicação do Comando Revolucionário. Ambos, Bulhões e Roberto Campos, formaram uma dupla coesa que traba- lhou muito. Em todo o período do governo nunca houve, ao que eu saiba, divergência entre os dois. Com eles, o governo Castelo procu- rou normalizar o quadro econômico do país. O programa que de- senvolveram foi duro, foi difícil, provocou uma certa recessão, cau- sou dificuldades na indústria e no comércio, mas por fim a in- flação baixou, o balanço de pagamentos melhorou, a situação de crédito no exterior também. E quando eles saíram, o país estava co- meçando uma fase de desenvolvimento que continuou durante o pe- ríodo Costa e Silva. O problema na área econômico-financeira foi normalizado.
Na área política, Castelo fez uma reforma da Constituição, fez uma reorganização partidária que muita gente condena, que introdu- ziu o bipartidarismo. Fez a reforma administrativa com o Decreto- lei nº 200. Essa reforma vinha sendo tentada havia vários anos pe- los governos anteriores. O próprio Amaral Peixoto havia sido incum- bido de fazer o projeto da reforma administrativa no governo do Jango, mas nada conseguiu. Castelo fez. Muitos condenam a refor- ma, achando que eram soluções teóricas, mas na realidade foram soluções tendendo para a normalização da vida do país. Só que o Castelo pensou que pudesse resolver tudo em pouco tempo, e a rea- lidade mostrou que isso não era viável. # <174 ERNESTO GEISEL>
O senhor se preocupava com a politica econômica?
É evidente que acompanhávamos o que ocorria na nossa eco- nomia, mas não nos cabia interferir. Estávamos mais preocupados com o desenvolvimento da revolução. O problema mais complexo era o dos inquéritos. Tinha sido criada uma Comissão Geral de In- vestigação, que foi progressivamente alargando sua área de ação. Além de investigar o passado, passou a investigar também o presen- te, a tal ponto que, um dia, eu disse ao Castelo: "Presidente, o se- nhor tome cuidado, qualquer dia eles vão indiciar o senhor num in- quérito". Como querendo dizer: "Essa comissão está extravasando de suas funçôes". O homem que dirigia a comissão fora contemporâ- neo do Castelo. Era o general Taurino Resende, que depois se com- plicou por causa do envolvimento do filho. Quando houve a crise, o Castelo me disse: "Vou demitir o Taurino hoje, mas você tem que me trazer outro em 24 horas". Respondi: "É difícil escolher em 24 horas um homem capaz. Vamos dar um jeito". Fomos buscar, por in- dicação do comandante Quandt de Oliveira, que estava na subchefia da Marinha, o Bosísio, oficial da reserva da Marinha que estava em Bragança Paulista criando coelhos. Bosísio era uma pessoa muito correta, um homem muito bom e de muito valor.
Como funcionava a Comissão Geral de Investigação?
Era um quadro muito difícil. Recordo, por exemplo, que um dia um general meu conhecido foi falar comigo e me disse: "Sou o encarregado da investigação na União Nacional dos Estudantes. E preciso que você me arranje 30 sargentos datilógrafos". Eu pergun- tei: "Você quer 30 datilógrafos para quê?" Ele respondeu: "Terminei a fase de investigação relativa ao estudo e exame dos arquivos, dos papéis, do material que foi encontrado na sede da União. Agora vou começar a fase da inquirição. Vou tomar os depoimentos, são cente- nas de depoimentos". Ponderei: "Nesse conjunto de pessoas, possivel- mente oito ou 10 são os cabeças, os principais. Deixe o resto! Con- centre a investigação em torno dos cabeças, dos principais, que são os responsáveis. E aí você não precisa de 30 datilógrafos". Ele me respondeu: "Não! Ou eu atuo sobre todos ou então não pego nin- guém". Faltava objetividade. Como é que se ia colocar no inquérito cento e tantos indiciados?! Era um problema sem fim. Estou citan- do isso para mostrar como às vezes as investigações eram condu- zidas. #
Certa ocasião, fizeram um inquérito incluindo o Auro de Mou- ra Andrade, que tinha sido presidente do Senado e era político de São Paulo. E isso porque um parente dele fazia negociatas com a loteria federal em São Paulo. Procurei acabar com esse inquérito na parte referente ao Auro, que criava uma área de atrito com o governo.
Faltava, nesses inquéritos, um sentimento objetivo e prático. Se o problema é corrupção, então devemos apurar essa corrupção. Até porque a corrupção tem determinados níveis, tem determinadas circunstâncias. Ao querer resolver todo o problema da corrupção no Brasil, morre-se de velho e não se consegue nada. Faltava, repito, objetividade.
Como era instaurado um IPM?
Ante uma denúncia fazia-se uma investigação preliminar e, con- forme o que essa investigação revelasse, procedia-se ao inquérito. Is- so é o normal: há uma denúncia, há a suposição de um fato delituo- so, investiga-se, e se o fato denunciado tiver procedência, faz-se um inquérito. Esses inquéritos, envolvendo pessoal civil e militar, eram controlados pela CGI. E esta, encerrado o inquérito, fazia a sua con- clusão e, conforme o caso, a remetia para a Justiça ou para a área administrativa do governo para a punição adequada. Muitas vezes o inquérito ia para os ministérios. Para o Exército ia o que se relacio- nasse, principalmente, com oficiais seus. Muitos oficiais foram, em função disso, transferidos para a reserva. Uns voluntariamente, ou- tros compulsoriamente, com enquadramento no Ato Institucional. Outros inquéritos iam para a Justiça, quando realmente havia indí- cios de crime que competia ao Poder Judiciário julgar.
Antes da posse de Castelo Branco houve o Ato Institucional e co- meçaram as listas de cassações de direitos políticos. Como foram feitas essas listas?
Essas listas foram feitas na área do Costa e Silva. Elas chega- ram ao Castelo, que promoveu a retirada dos nomes de diversas pessoas que, na sua opinião, não deviam ser cassadas. Porque nes- sa hora de fazer uma lista de cassações entra muito o lado pessoal, de antipatias, ou de problemas vividos ao longo do tempo. Os que ficaram foram cassados mais ou menos por consenso. #
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E qual era a justificativa ou o embasamento jurídico para se fa- zer isso?
Sobre o embasamento jurídico prevalecia a revolução. Era um problema da revolução. Eram cassados, uns porque eram corrup- tos, outros pela ação nociva durante o governo Jango, e outros, en- fim, porque poderiam prejudicar a ação da revolução. Uma vez eli- minado o Jango, muita gente achava que a revolução tinha acabado. Mas subsistiram as sequelas, havia muitos problemas decorrentes da gestão do Jango.
Na qualidade de chefe da Casa Militar do presidente Castelo Bran- co, o senhor acompanhava a feitura dessas listas?
Eu só participei quando Castelo levou a lista lá para o Estado- Maior do Exército e nós nos reunimos. Quem conversou nessa oca- sião com o Castelo foram o Ademar, o Golbery e eu. E o Castelo, en- tão, mostrou a lista e os elementos que ele tinha cortado. Golbery cortou o Jânio. Jânio naquele tempo já era uma figura fora do bara- lho. Era realmente o maior responsável, em conseqüência do que ti- nha acontecido com a sua renúncia, mas se dizia também que ali havia uma questão pessoal do Costa e Silva. Quando o Jânio era não sei se prefeito ou governador de São Paulo, Costa e Silva exer- cia um comando de general em São Paulo e houve um desentendi- mento entre os dois. Não sei se a cassação obedeceu a esse pro- blema pessoal ou se foi uma decorrência da irresponsabilidade ou da culpa de Jânio nos acontecimentos que o país viveu após sua re- núncia.
Posteriormente, Castelo já na presidência, as propostas de cas- sações, originadas na CGI ou nos ministérios, vinham ao palácio, ao Castelo, e depois a mim ou ao Luís Viana, conforme fosse. Se o Cas- telo achasse que havia fundamento, havia motivo, fazia-se, através da Secretaria do Conselho de Segurança, uma remessa do processo, ou das conclusões do processo, para os ministros membros do Con- selho de Segurança, que deviam votar se eram pela cassação ou não. Cada um deles dava o seu voto, e em função da votação o pre- sidente tomava a decisão. Geralmente os ministros apoiavam as cas- sações. Nos últimos dias vieram também cassações do Ministério das Relações Exteriores, que até então não tinham ocorrido. Na vés- pera ou antevéspera de acabar o prazo, veio um representante do go- vernador de Minas com um calhamaço pedindo a cassação de não # 176>174>172>170>168>
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