Como é que os senhores viam o papel do Legislativo nesse momento?
Era um órgão necessário. A nação não pode prescindir de um poder legislativo. Mas o funcionamento do Poder Legislativo, entre nós, era muito complicado, como ainda o é até hoje. No entanto, a nação tem que ter um poder legislativo.
Para a imagem externa do país?
Não apenas externa, mas para a vida nacional. Castelo sempre procurava a normalização, no que estava muito certo. Ele realmente pensava que poderia encerrar o período revolucionário, queria a elei- ção de um presidente civil, da área política, para que o país entras- se em regime normal. Isso tudo foi obstado, não foi realizado por- que os mais radicais, que nós chamamos de linha dura, exerceram pressões, envolvendo os próprios políticos, que, por sua vez, preferi- ram eleger o Costa e Silva. A linha dura não estava só no Exército, nas Forças Armadas. Havia também linha dura no meio civil, no meio político.
Ainda no governo Castelo, a intransigência civil e militar da linha dura levou ao AI-2.
Para se sentir o clima da época, vou narrar um episódio. Hou- ve uma manobra da guarnição de São Paulo na região de Itapeva que teve uma certa relevância. Castelo compareceu, e eu e o Moraes Rego o acompanhamos. Foram também vários generais, entre eles #
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Costa e Silva e o comandante da região militar, Amaury Kruel. De- pois da fase final da manobra, houve a crítica, como é comum, ana- lisando erros e acertos, e um almoço, oferecido pelo dono do sítio onde se realizou o exercício. Nesse almoço o Costa e Silva fez um discurso que, de certa forma, era uma crítica ao governo, sobretudo pelo conflito que havia com o Supremo Tribunal Federal. O Supre- mo Tribunal Federal estava dando habeas-corpus aos presos polí- ticos envolvidos em inquéritos ou em investigações. Houve habeas- corpus que não foram cumpridos, e o presidente do Tribunal se diri- giu ao Castelo e reclamou. Castelo, por seu lado, exigiu dos milita- res o cumprimento das decisões do Supremo Tribunal. Preocupou- se em prestigiar a Justiça. Pois o Costa e Silva, no seu discurso, in- vestiu contra a Justiça e indiretamente contra a decisão do Castelo, o que nós consideramos muito ruim. Era um discurso de certa for- ma indisciplinado, na presença de generais e oficiais, alguns dos quais apoiaram ruidosamente a fala do ministro. Havia oficiais que estavam exaltados. Um deles, no meio do discurso, disse, sentado no fim da mesa: "Manda brasa, ministro! É isso mesmo! Manda bra- sa!" Castelo ficou quieto, no fim falou alguma coisa, e se dissolveu a reunião. Nós voltamos de avião para São Paulo, e de lá para o Rio. Eu disse a ele: "O senhor tem que demitir o Costa e Silva hoje! De- pois desse discurso não é possível continuar!" Mas o Castelo ficou calado. Remoeu aquela coisa toda e se aquietou. Isso, conjugado com o problema da vitória da oposição nas eleições aqui no Rio e em Minas Gerais, ficou fervendo e levou finalmente à decisão da for-
mulação do Ato Institucional nº 2.
Em parte, as críticas ao Castelo eram conseqüência das elei-
çôes, da sua posição prestigiando os resultados. O revolucionário
não quer saber de lei. Ele tem seus objetivos e se torna intransigen-
te. Geralmente a revolução é feita pelos exaltados que dela se asse-
nhoram. Gustave Le Bon, no seu livro Psicologia das multidões, diz
que as revoluções não se fazem sem as multidões; mas que, depois,
não se pode governar com elas. Em 64, a maior parte dos oficiais do Exército entrou na revolução, e depois vieram as reivindicaçôes, não pessoais nem de classe, mas relacionadas às idéias, de como acabar com a subversão, como acabar com a corrupção... Com o problema das eleições em Minas e no Rio conjugado ao problema dos inquéritos, e com o Supremo Tribunal Federal pródigo em con- ceder habeas-corpus que alguns militares não queriam cumprir, mas que, como já disse, Castelo obrigava a cumprir, criou-se um cli- #
ma de certa efervescência. Havia também o problema dos partidos
políticos, UDN, PSD e PTB, que muitas vezes criavam dificuldades
para o governo, apesar de o Castelo despender grande parte de seu
tempo em conversas com políticos parlamentares, visando à defesa
e à difusão das suas idéias. A UDN, que mais apoiava o governo,
era um partido liberal. Sempre quis a revolução, mas depois não
queria que se adotassem as medidas decorrentes. Todas essas cir-
cunstâncias levaram à decisão de baixar um novo Ato Institucional,
o nº 2.
O ministro da Justiça era Juracy Magalhâes, e com ele se rea-
lizou o trabalho da redação do ato. Quem muito cooperou e deu for-
ma final à sua redação foi um advogado de renome, Nehemias Guei-
ros, de Pernambuco. Golbery e Moraes Rego, assim como Juracy, participaram das discussões feitas no Gabinete Militar. Nehemias Gueiros trabalhava ali, auxiliado por outro bacharel Gueiros, que mais tarde foi ministro do Tribunal em Brasília. Ali, no Gabinete Mi- litar, se elaborou o projeto, que ia ao Castelo e às vezes era por ele modificado. Num processo de aproximações sucessivas, chegou-se, por fim, à redação definitiva.
Não me lembro dos detalhes, mas sei que o ato continha uma série de medidas, entre as quais a extinção dos partidos políticos existentes. Houve uma relutância da UDN, principalmente do Eduar- do Gomes, mas acabaram concordando. Outra questão controverti- da era a das eleições para presidente da República. Castelo fez ques- tão de um dispositivo determinando que o "atual presidente" era ine- legível. Sobre isso há duas versões. Uma, segundo a qual Costa e Silva teria sido contrário, achando que, se Castelo se declarasse ine- legível, iria haver um açodamento no meio político, com civis queren- do se candidatar. Castelo se afastando dava margem a que esses candidatos civis se precipitassem nas suas próprias candidaturas. A outra versão é de que o Castelo estabeleceu esse impedimento já sob a influência da candidatura do Costa e Silva. Realmente, no dia da reunião no palácio em Brasília para a leitura e assinatura do ato, antes que chegassem os convidados, alguns líderes do Congres- so e da UDN que apoiavam o governo, e antes de o Luís Viana pro- ceder à leitura do documento, Castelo estava sentado na sala, espe- rando, quando entrou o Costa e Silva, que foi dizendo: "Castelo, on- de é que está, onde é que está?" Castelo abriu a papelada e disse: "Está aqui". Era o tal artigo em que ele se declarava inelegível. #
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Vários fatores influíram no Ato Institucional nº 2: o problema criado pela linha dura com o Supremo Tribunal, o problema das candidaturas presidenciais, mas também o grande problema dos partidos políticos.
O senhor e o presidente Castelo Branco eram favoráveis ao biparti- darismo?
Éramos, e o Golbery também. Pelo menos naquela situação era a melhor solução. Em resumo, permitia caracterizar quem esta- va com a revolução e quem era contra. Era uma forma de definir posições.
Olhando de hoje, como o senhor avalia a importância do AI-2? O senador Amaral Peixoto, por exemplo, dizia que o grande erro dos militares foi ter acabado com os partidos políticos.
Por que será que ele disse isso? Porque era o cacique do PSD. A posição dele - talvez a nossa também - era suspeita. Ele defen- dia as tradições da agremiação em que tinha vivido e ocupado im- portantes posições, notadamente no Rio de Janeiro, estado que era seu feudo. Amaral não considerou que havia iniciado sua vida políti- ca sem partido, no Estado Novo. Não estou procurando criticá-lo. Eu tinha boas relações com Amaral Peixoto. O pessoal da UDN tam- bém não gostou do AI-2. Os conflitos com a UDN vinham de longe, vinham com o problema do Lacerda candidato do partido à presi- dência da República. Como nós, Castelo achava que era uma candi- datura prematura. Lacerda era um batalhador interessantíssimo na oposição, mas no governo, não. Era um homem de oposição, panfle- tário, agitador. Chego a achar que se ele fosse presidente da Repúbli- ca tornar-se-ia ditador.
O senhor considera que o AI-2foi necessário?
Acho que foi. Naquela ocasião foi. Apesar dos defeitos que pos- sa conter, foi adequado à época. Nós achávamos que era preciso fa- zer alguma coisa, inclusive para regular o problema das eleiçôes. E vivíamos muito o problema político. Militar não gosta de política. Po- lítica é uma coisa necessária, e nós dizíamos que era um mal neces- sário. É evidente que deve haver política, mas o nosso quadro políti- co, de um modo geral, não era, como não é, muito bom. O Brasil
deveria ter coisa melhor, pois muitos dos nossos políticos, em vez de servir à nação, interessam-se em se servir.
Mas a gente não aprende fazendo?
Nós estamos aprendendo desde 1500! A gente aprende fazen- do, mas é preciso, em primeiro lugar, que se tenha vontade de aprender. Eu acho que é isso o que falta aqui. Não há vontade de aprender. A senhora não reclamou esses dias do ensino de histó- ria?60 Quem é que hoje em dia conhece história do Brasil e estuda história do Brasil? Quem estuda as coisas do Império, as coisas da República? Qual é o garoto, qual é a menina que estuda? Entre os próprios adultos, quais são os que se preocupam com isso? E a his- tória é mestra da vida, não é o que se diz?
Pouco antes da promulgação do AI-2 Milton Campos deixou o Mi- nistério da Justiça, sendo substituído por Juracy Magalhães. Co- mo o senhor viu essa demissão?
Milton Campos era um homem da lei. Era conservador, um ho- mem tranquilo, estático. Quando surgiu a idéia da candidatura Cas- telo, na fase revolucionária dos primeiros dias, e uma vez assentado o nome dele, tivemos uma reunião no Estado-Maior do Exército, a que estavam presentes Castelo, Ademar, eu e Golbery. Castelo vivia nessa ocasião, como era natural, muito assediado pela imprensa. E nós dissemos a ele: "General, o senhor tem que cuidar desde logo de encontrar um bom secretário de imprensa. Um homem que sai- ba lidar com os repórteres, saiba selecioná-los, para evitar que o se- nhor entre em dificuldades com entrevistas e declarações". Castelo respondeu: "Não, não. O que eu preciso, e quero encontrar, é um bom ministro da Justiça. Um ministro da Justiça ágil, que viaje, que vá ao Pará, ao Maranhão, ao Rio Grande do Sul, para ver os di- ferentes problemas que surgirem". Foi escolher o Milton Campos! Uma grande diferença entre a concepção e a execução. Milton Cam- pos era um homem de primeira ordem, mas completamente contrá- rio à dinâmica revolucionária, e imóvel. Era mais de gabinete. Sé-
60 Refere-se ao artigo "Que história é essa?", de Maria Celina D,Araujo, publicado em O Globo de 24 de outubro de 1993. #
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rio, correto, decente, mas inadequado para a função naquele momen- to. Mas saiu bem do governo, não saiu brigado, e aí veio ocupar o Ministério da Justiça o Juracy Magalhâes.
Houve um outro problema que marcou o governo Castelo: a cha- mada questão da aviação embarcada. Foi um problema realmente sério?
Foi uma das grandes dores de cabeça do Castelo. O problema da aviação embarcada não foi criado depois da revolução, já vinha de antes. O ponto de partida foi a compra do porta-aviôes. Jusceli- no, que não contava com a Marinha, resolveu melhorar essas rela- ções comprando um porta-aviões. Compraram um já fora de uso na Inglaterra e o levaram para a Holanda a fim de ser remodelado, atualizado; depois de meses em obras, finalmente o porta-aviões veio para o Brasil.
Quando se fala em porta-aviões, é preciso pensar nos aviões que o vão guarnecer. De acordo com o modelo internacional - Ingla- terra, Estados Unidos, França etc. -, toda Marinha tem uma avia- ção própria. Aqui no Brasil, antes de se criar o Ministério da Aero- náutica, também havia uma aviação do Exército, uma aviação da Ma- rinha e uma aviação civil, esta vinculada ao Ministério da Viação e Obras Públicas. Mas quando o Getúlio resolveu criar o Ministério da Aeronáutica, sob a chefia do Salgado Filho, que era um homem público muito conceituado, formou um quadro de oficiais no qual in- gressaram os aviadores do Exército e da Marinha. O Departamento de Aeronáutica Civil também passou para o Ministério da Aeronáuti- ca, onde está até hoje. Ou seja, toda a aviação foi concentrada no Ministério da Aeronáutica. A justificativa para isso era que, em pri- meiro lugar, se se queria criar um ministério, não havia razão para a dispersão das forças; em segundo lugar, o Brasil se caracterizava por ter poucos recursos, poucos meios, e quem tem poucos meios tende a concentrá-los. Não tínhamos muito dinheiro para comprar uma aviação particularizada, para equipar uma aviação grande; a tendência foi, pois, concentrar, o que trouxe economia de serviços, de cursos de formação etc.
Com a compra do porta-aviões, a Marinha quis ter novamente a sua aviação própria. Achava que para operá-lo adequadamente os aviões tinham que ser dela e, por isso, montou uma base aérea em São Pedro da Aldeia. O governo Juscelino e os governos subseqüen- #
tes não se preocuparam com isso. A Marinha foi montando a base, começou a ter aviões, começou a ter helicópteros, e a Aeronáutica reagiu. Surgiu então um conflito entre a Marinha e a Aeronáutica, que foi sendo exacerbado. Houve incidentes, vários. Na época do Castelo, jogaram tijolos num helicóptero no Rio Grande do Sul. Os dois lados ficaram intransigentes, e o Castelo empenhou-se em resol- ver o problema e evitar o conflito. O ministro da Marinha era o al- mirante Melo Batista, amigo do Castelo. Tinham se relacionado quando Castelo comandava a Região Militar em Belém do Pará, e Melo Batista comandava lá o Distrito Naval. Foi uma das razões por que ele foi nomeado ministro da Marinha. Na Aeronáutica, o minis- tro também era amigo do Castelo, o brigadeiro Lavenère Wanderley. Castelo tinha dois amigos no ministério e cada um deles era mais intransigente que o outro. Cada um deles refletia o impulso que re- cebia dos subordinados, da classe. Cabia ao Castelo resolver o pro- blema, que era realmente muito sério, difícil, e que incomodou mui- to, por causa dos conflitos resultantes.
O problema acabou caindo na minha área, onde eu tinha dois subchefes interessados: um da Marinha e o outro da Aeronáutica. Es- tudou-se uma fórmula segundo a qual a Marinha não teria aviões. Os aviões do porta-aviões seriam da Aeronáutica, aviões próprios, de- vidamente preparados e com pessoal instruído para trabalhar no porta-aviões. A Marinha, por sua vez, por outras considerações, teria helicópteros e uma base adequada para seu abastecimento e manu- tenção e para instrução. Esta fórmula foi aceita pelo Castelo e trans- crita num projeto de decreto. Castelo apresentou a solução aos dois ministros e, na preocupação de obter a concordância deles, retarda- va a solução, fazendo pequenas alteraçôes no texto. Estava ganhando tempo. Por fim resolveu assinar o decreto. Melo Batista se demitiu espalhafatosamente do Ministério da Marinha, onde foi substituído pelo almirante Bosísio, e Lavenère Wanderley também saiu do Minis- tério da Aeronáutica. Resolvido o problema, Castelo fez uma visita oficial ao porta-aviões e no regresso fez questão de levantar vôo num avião da FAB.
Ficou bem resolvido?
Não sei se haveria melhor solução, mas o que foi feito aten- deu aos objetivos, porque extinguiu o conflito. A área militar estava mais ou menos coesa em termos de revolução, embora com diver- #
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gências entre os moderados e a linha dura. Esse conflito profundo entre a Marinha e a Aeronáutica passava a ser muito grave para o futuro revolucionário. O grande argumento foi que nós não podía- mos ter duas Aeronáuticas. Não tínhamos dinheiro para custear mais aviões, mais manutenção, mais parques de material, tudo exi- gindo inversão vultosa de recursos.
Foi em meio a essas tensões civis e militares que a candidatura de Costa e Silva foi se consolidando.
Ela já vinha fermentando. Enquanto isso, Castelo se preocupa- va em dar seqüência à execução do AI-2 e em reformar a Constitui- ção. Isso foi muito trabalhado. Inicialmente houve uma comissão que fez um projeto. Depois Carlos Medeiros, que era da nossa área pelas suas idéias e que vinha com longo tirocínio das futricas políti- cas - tinha trabalhado com Francisco Campos, o homem da Consti- tuição de 37, a "Polaca", e do AI-1 -, deu uns retoques, Castelo também modificou alguma coisa, e o projeto de Constituição foi en- viado ao Congresso. Com algumas alterações acabou aprovado. Cas- telo também se preocupou muito com a reforma administrativa, que era outro problema que vinha rolando havia muitos anos, inclusive, como já disse, andou na mão do Amaral Peixoto em certa época. A reforma foi aprovada, finalmente, pelo Decreto-lei nº 200. Havia tam- bém medidas na área econômica, na área do Ministério da Fazenda. A inflação já tinha diminuído, a recessão já estava em melhores con- dições, a situação no país tinha melhorado. Antes, bem antes, tinha sido instituída a correção monetária, para proteger da inflação e es- timular a poupança privada. Ela foi conjugada com a solução de ou- tro problema: o da habitação popular, através do BNH, que foi cria- do na época e financiava com essa poupança a construção de casas, cuja falta constitui até hoje grave problema social.
Veio a sucessão, e Castelo pensou num candidato civil. Era o sonho dele. Mas era um sonho utópico naquelas circunstâncias. Ele tinha tirado o Bilac Pinto do cenário nacional, para poupá-lo, e o ha- via mandado para a embaixada do Brasil na França. Pensou em fa- zer do Bilac Pinto o novo presidente da República. Depois pediu uma lista aos políticos do partido do governo, com cinco nomes. Mas isso não deu em nada. Os políticos e a maioria dos militares se fixaram no nome do Costa e Silva. Passou a ser um fato consu- mado. Achei que iria atrapalhar o Castelo ficando na Casa Militar, #
porque eu era sabidamente contrário à candidatura do Costa e Sil- va. Pedi demissão e Golbery teve idêntica atitude. Eu disse ao Caste- lo: "Qvero sair, porque ficando aqui vou atrapalhar o senhor. Todo mundo vai achar que me mantendo aqui, e eu sendo contra a candi- datura do Costa e Silva, o senhor estaria de acordo comigo. Não quero lhe criar dificuldades, e por isso pretendo sair". Ele me res- pondeu: "Não, se você sair é que me vai criar dificuldades; preciso que você permaneça". Assim, acabei ficando até o fim.
Pouco antes de o Costa e Silva assumir o governo, abriu-se uma vaga no Superior Tribunal Militar. Castelo me falou a respeito, e resolvi aceitar minha nomeação, inclusive porque se ficasse no Exército acabaria polarizando a oposição de militares ao Costa e Silva em torno de mim. Os oficiais que eram contra Costa e Silva iriam me procurar, e eu iria ser praticamente um conspirador con- tra o governo, coisa que eu não queria. Costa e Silva encontrou co- migo e perguntou: "Mas vem cá, você vai sair?" Eu disse: "Vou sim". Ele: "Mas eu tenho um comando para você! Você vai comandar a re- gião do Nordeste". Respondi: "Não, agora não dá mais, já aceitei ser designado para o Tribunal". Acho que fiz bem, embora minha carrei- ra militar ficasse truncada. No posto que eu tinha atingido, de gene- ral-de-exército, eu podia ambicionar ser algum dia chefe do Estado- Maior do Exército, desempenhar um alto cargo dentro da corpora- ção militar. Eventualmente poderia pensar em ser ministro do Exér- cito e executar as idéias que desde cedo vinha acumulando. Muitos anos eu usei a farda, sedimentando idéias com relação ao Exército, analisando o que estava errado, o que estava certo, o que devia per- manecer, o que devia ser modificado. Mas quando chegou a fase da minha vida em que eu poderia pôr essas minhas conclusões em prá- tica, me retirei, renunciando. Fui para o Tribunal.
Costa e Silva lhe ofereceu o comando do IV Exército.
Sim. Não aceitei porque acabaria sendo um pólo aglutinador contra o governo, porque era notório que eu tinha sido contra a for- ma como fora feita a mudança de governo. Eu sabia que o governo Costa e Silva ia intensificar a ação da linha dura e que, em vez de se pender para uma normalização, ia haver novamente inquéritos e pri- sões. Sabia que todos aqueles que fossem contrários a isso iriam me procurar para me transformar no chefe deles. Como já disse, eu me tornaria o chefe da oposição dentro do Exército, e não queria isso, ab- solutamente. Eu não devia perturbar a ação do novo governo. Já que #
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Costa e Silva era o presidente, ele que governasse. Eu não queria ser um fator de perturbação. E se eu ficasse no Exército, acabaria sendo.
O senhor achava que novas prisões e inquéritos não eram mais necessários?
Eu achava que já não havia mais razão. Mas muitos que eram da linha dura, e que continuaram até o meu governo, diziam: "Nos- sa divisa é: contra o comunismo e contra a corrupção". Contra uma coisa e contra a outra. Eu dizia: "Não pode ser. Vocês não podem imaginar um governo baseado numa fórmula negativa, isto é: gover- no contra. Vocês têm que ser pró, vocês têm que ser a favor de al- guma coisa. Vamos trabalhar para desenvolver o país. Vocês conti- nuam contra, e quem é contra acaba não construindo nada". É uma questão de ideologia, de maneira de encarar o problema nacional. Além disso, eu achava que o Costa e Silva era um homem que não gostava mais de estudar, de ler. Era um homem que gostava de jo- gar, jogar o seu pôquer, jogar nas corridas de cavalo. Isso vinha de longa data. Gostava muito de resolver palavras cruzadas.
E a saúde dele?
Nessa época, o Serviço Médico da Presidência me informou: "Nós constatamos que ele tem problema de coração. É doente do coração". Levaram isso ao conhecimento de alguns, inclusive do An- dreazza, que disse: "Não tem importância. Agora ele já está lançado candidato e não se pode voltar atrás".
Por que não foi possível articular entre os militares, uma candida- tura alternativa? Por exemplo, Cordeiro de Farias?
Cordeiro era um candidato em potencial. Mas quando o Caste- lo citou o Costa e Silva, o Cordeiro se zangou, saiu do ministério e foi embora. Ele tinha contra si a pouca vivência dentro do Exército. Cordeiro foi revolucionário nos anos 20 e esteve muito tempo afasta- do do Exército. Mais tarde fez seus cursos, serviu no Sul, foi chefe do estado-maior do Daltro e interventor no Rio Grande. Então pas- sou anos envolvido na política. Depois foi governador de Pernambu- co. Era uma pessoa ótima, muito bom companheiro, mas o pessoal no Exército não simpatizava muito com ele. Ele fez a FEB, foi à gverra. Era muito ligado ao Getúlio. Teve promoções muito acelera- #
das dentro do Exército, fez uma carreira que poucos fizeram, talvez o Góes tenha feito. Não era benquisto em certas áreas do Exército. Não era absolutamente da linha do Costa e Silva. Cordeiro era seu adversário potencial. Escolhido o Costa e Silva, ele se retirou.
Quem era o seu candidato à sucessão de Castelo Branco?
Eu não tinha candidato. Sinceramente, não tinha.
O senhor disse que uma candidatura civil seria "utópica". A seu ver o candidato devia ser militar?
Sim. Podia ter sido o Cordeiro, mas como acabei de dizer ele não tinha apoio militar, tinha mais apoio político na área da UDN, inclusive por suas relaçôes com Eduardo Gomes. Mas teria que ser um militar, porque os militares revolucionários, principalmente os mais radicais, não aceitariam um presidente civil. Chegou-se a pen- sar no Mamede, mas ele não queria ser presidente de jeito nenhum. Mamede é muito modesto. É da turma do Juracy, de quem é muito amigo. Foi revolucionário de 30, e nessas fases todas, sempre retraí- do, nunca quis saber de candidatura. Foi quem me substituiu no Tribunal, quando vim para a Petrobras.
O presidente Castelo Branco chegou a conversar com o senhor so- bre a possibilidade de devolver o poder aos civis?
Era o sonho dele. Castelo queria encerrar, o mais rapidamen- te, o ciclo revolucionário. Castelo, por formação, pelo seu passado, por princípio, por quase toda a sua vida, era um homem da lei. Ele tinha combatido os revolucionários de 22, de 24. Era considerado por nós um legalista. Foi para a Revolução de 64 levado pelos acon- tecimentos, pela gravidade da situação, porque estava vendo que o governo do Jango era uma calamidade, e por outro lado pela cons- ciência da posição que ocupava no Exército. Era o general, naquela ocasião, de mais prestígio, o que naturalmente acarreta maiores res- ponsabilidades. Assim ele acabou entrando nessa história da revolu- ção. Mas ele não tinha, propriamente, mentalidade revolucionária. Talvez tivesse mentalidade revolucionária no sentido de fazer refor- mas como a da Constituição, a reforma administrativa, mas era mui- to contra inquéritos e punições. 198>196>194>192>190>
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