História do brasil moderno ernesto geisel



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Houve muitas divergências entre ministros. Uma das grandes divergências, por exemplo, era entre o Simonsen, ministro da Fazen- da, e o Paulinelli, ministro da Agricultura. Paulinelli foi um excelente ministro. Foi na sua época que se conseguiu incorporar o cerrado, antes uma área abandonada, à área própria da agricultura. Ele deu também um grande desenvolvimento à pesquisa agrícola, através da Embrapa. Mas é evidente que, como ministro da Agricultura, queria sempre mais dinheiro, mais financiamento para os agricultores. O Si- monsen, que arrancava os cabelos por causa da inflação, era contra, e assim surgiu a divergência. Inicialmente era o Veloso quem me tra- zia, muitas vezes, o problema: um queria receber mais e o outro que- ria dar menos. Por fim eu chamava os dois, pois cabia a mim resol- ver. Examinava o ponto de vista de um e de outro e dava a solução que, na circunstância, me parecia a melhor. Eu não podia me omitir, pois era o responsável. O ministro, pela Constituição, é um simples auxiliar do presidente da República. O responsável é o presidente.

Como era a relação entre os ministros Simonsen e Severo Gomes?

Aí o problema era diferente. Não era somente o problema do Severo com o Simonsen, mas também do Severo com o Veloso. O Se- vero era ultranacionalista, era muito mais intransigente com as ques- #



tões americanas do que eu. Muitas das suas posições me pareciam corretas, outras exageradas, mas ele as defendia intransigentemente. No âmbito do governo sua posição era um pouco difícil, porque cria- va problemas na área econômica, com a Fazenda e o Planejamento. A situação se agravou quando ele foi a uma recepção em São Paulo, bebeu um pouco demais e começou a falar mal do Médici. Evidente- mente, eu não podia ter um ministro falando mal do Médici publica- mente. Eu sempre procurava viver em harmonia com o Médici e com o governo dele. Criou-se então uma situação em que a perma- nência do Severo no governo era impossível. Golbery conversou com ele, e ele achou que a sua saída era justa. Continuou entretanto meu amigo. Pouco antes de morrer almoçou comigo, aqui no Rio. Foi na crise provocada pela saída do Collor, quando o Itamar estava em vias de assumir. Severo veio defender o Itamar junto a mim. Era ami- go do Itamár, que naquela época também era da esquerda e ultrana- cionalista. Respondi-lhe: "Não há problema, é claro que o Itamar vai tomar posse e vai governar. Ninguém pode ser contra ele".

O senhor sempre interferia quando havia divergências entre seus ministros ou eles próprios podiam chegar a um acordo?

Às vezes eles se entendiam. Conversava-se e, no fim, sempre se conseguia uma forma de harmonia. As divergências, quando se mani- festavam, não eram pessoais, eram objetivas e suscetíveis de solução. Não deixavam resíduos nem incompatibilidade. Não pode haver um governo permanentemente harmônico, tem que haver divergência! Es- sa fórmula da pessoa concordar sempre não serve. Tem que haver al- guém que discuta, que possa divergir. Pessoalmente, sempre fui aber- to à discussão. Nunca exigi que meus auxiliares, meus ministros, vies- sem a mim e, a priori, concordassem com tudo. Não! Vamos discutir, analisar, ver como é. Porque o que queremos não é um problema pes- soal, de predominar a minha opinião ou a do fulano. Queremos que o problema tenha a solução mais justa, mais adequada. Esse é que é o objetivo. Em face do problema a pessoa se apaga, é secundária. O que é importante é a boa solução. Procurei conduzir o meu governo assim, sempre aberto à discussão: vamos ver o que há de bom e o que há de ruim, que outras soluções são possíveis. Mas, depois que se chegasse à solução, ninguém mais podia voltar a discordar. E tam- bém não podia, se as coisas não dessem muito certo, vir cobrar: "Eu bem que dizia!" Não. Aconteceu, agora vamos em frente. #



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Dizem que eu era "imperial", que não falava com ninguém, que era impositivo etc. Tudo isso foi difundido por jornalistas aos quais eu não dava maior importância. Um dos que falam muito mal de mim é o Carlos Chagas. Fala de mim, mas se esquece de que foi o homem de imprensa do Costa e Silva, a respeito de quem não fala.

Walder de Góes diz que o senhor teria tido um poder solitário, en- quanto Médici teve Leitão de Abreu, que era um alter ego do governo.

Não. Certas decisões eram minhas, mas quantas decisões eu tomei conversando com o Petrônio, conversando com o Golbery, conversando com o próprio Figueiredo, com Moraes Rego e outros? Quantas vezes! Por exemplo, discursos: eu rascunhava algumas idéias, ia ao Golbery e aos outros, e cada um começava a colaborar. Assim o discurso ia se formando, até que chegava à forma final. Não é verdadeira a afirmação de que eu era um solitário. A última palavra, evidentemente, tinha que ser minha, quando havia divergên- cia. Eu tinha que assumir a solução do problema. Agora, quando ha- via concordância, estava tudo muito bem.

Como era seu relacionamento com a imprensa?

Eu não dava entrevistas. Eu tinha o Humberto Barreto, que era o meu assessor de imprensa e que, mais tarde, foi substituído pelo Ca- margo. Eu não dava muita importância à imprensa, como até hoje não dou. A imprensa é do dia-a-dia, da fofoca, não é? A imprensa construtiva é muito reduzida. Penso assim, até hoje. Não sei se esse é um quadro normal em todo o mundo, mas a imprensa está louca pa- ra estourar um escândalo. Construir com idéias ou cooperar é muito raro. O jornal precisa ter essas notícias para ser lido e vendido, para ter tiragem, receber anúncios e assim ganhar dinheiro. Então, eu me preservava. Não hostilizava a imprensa, mas também não dava muita importância ao que ela dizia. Não dava e não dou entrevistas. Até hoje solicitam a toda hora declarações minhas, mas não os satisfaço. Ainda recentemente, como em 1994 faz 20 anos que eu assumi a presidên- cia, queriam que eu desse uma entrevista, escrevesse um artigo. Há vá- ríos jornalistas que são meus amigos e pediram. Mas por que eu vou dar entrevista à imprensa nessa altura? Falar mal do governo que está aí? Reavivar problemas do passado? Isso não constrói nada. Penso as- sim. Se quiserem alguma coisa para a história, terão este depoimento. Vocês me convenceram e por isso estou aqui. . . #

17 - A opção pelo crescimento

Em discurso pronunciado no início de seu governo o senhor fala- va em distensão, mais desenvolvimento e menos segurança. O senhor passou a dar maior ênfase ao desenvolvimento do que à segurança?

Era isso mesmo. A segurança para mim já estava em grande parte assegurada quando se liquidou o problema de Xambioá. Dei ênfase ao desenvolvimento porque acho que um país do tamanho do Brasil, com a população que tem, com a sua pobreza, a sua debi- lidade, tem que se desenvolver. Se o Brasil quer ser uma nação mo- derna, sem o problema da fome e sem uma série de outras mazelas de que sofremos, tem que se desenvolver. E para isso, o principal instrumento, a grande força impulsora é o governo federal. A nação não se desenvolve espontaneamente. É preciso haver alguém que a oriente e a impulsione, e esse papel cabe ao governo. Esta é uma idéia antiga que possuo, sedimentada ao longo dos anos de vida e esposada nos cursos da Escola Superior de Guerra. Como o país não tinha capitais próprios, como a iniciativa privada era tímida, às vezes egoísta, e não se empenhava muito no sentido do desenvolvi- mento, era preciso usar a poderosa força que o governo tem. A ação básica do meu governo, o que mais me preocupava, era, naque- le período de cinco anos, fazer o possível para desenvolver o país. #

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Médici também tinha feito isso, tinha se preocupado com o desenvol- vimento. Tínhamos modos diferentes de encarar a questão, mas hou- ve de certa forma uma continuidade de ação. O desenvolvimento que o Médici deu ao país, o "milagre brasileiro", influiu sobre o que eu tinha que fazer.

No final do governo Médici, houve o primeiro choque do petró- leo, e os preços do óleo cru quadruplicaram. Mas quem foi sentir as conseqüências foi o meu governo. Para enfrentar a situação cria- da, havia duas soluções: uma era moderar a atividade nacional, colo- cando a nação em recessão, seguindo o exemplo do que fizeram ou- tros países, inclusive os mais desenvolvidos; outra, ao contrário, era ativar a economia, desenvolver o país e, assim, enfrentar esse qua- dro difícil, evitando paralelamente o agravamento do nosso proble- ma social do desemprego. Muitos economistas, Roberto Campos inclusive, achavam que o Brasil devia entrar em recessão, que o go- verno tinha que se retrair, cancelando os empreendimentos. Fui con- trário a isso. Como é que eu iria justificar uma recessão depois da euforia, do desenvolvimento do governo do Médici? E como iria re-

solver o problema social que resultaria do consequente desempre-

go? Se tínhamos problemas sociais no Brasil, de miséria absoluta, analfabetismo, doenças etc., para resolvê-los ou atenuá-los só havia uma maneira, isto é, o desenvolvimento. Dar comida para os famin- tos é uma solução paliativa, que resolve apenas no dia-a-dia e não é mantida ao longo do tempo. A solução definitiva é ter recursos para educação e saúde, desenvolver o país e criar empregos. Só dar comi- da? Pode-se fazer isso durante 15 dias, um mês, dois meses, três meses, mas não se faz durante 10 anos. Não discordo de que se dê comida, mas é uma medida transitória. É preciso encontrar uma so- lução de longo prazo, uma solução definitiva. Por isso, sempre fui contrário à recessão. Eu tinha vivido a recessão no governo Castelo e estava disposto a fazer tudo para evitá-la. Sair da recessão para voltar a uma situação normal, a uma situação de desenvolvimento, é muito difícil. Conseguiu-se sair da recessão, no final do governo

Castelo, com muito sacrifício e graças a várias medidas que foram

adotadas, inclusive sociais, como a correção monetária da poupança

e a criação do Banco Nacional de Habitação, que, com seu progra-

ma, absorveu muita mão-de-obra não-qualificada. Hoje em dia a Eu-

ropa vive em recessão. A Espanha está com o maior índice de de-

semprego. Mas a Europa tem recursos para enfrentar essa situação

muito melhor do que nós. #

Queremos comparar o Brasil com outros países, sobretudo com os da Europa. É a história de que o Brasil é um país moder- no. Se analisarmos um país da Europa, sobretudo da Europa Cen- tral, uma Alemanha, uma França, uma Holanda, uma Bélgica, o que vamos encontrar? Em primeiro lugar, a população não cresce, é está- vel, enquanto no Brasil ela crescia a uma taxa de dois e tantos por cento ao ano. Lá as famílias, no máximo, têm dois filhos, e muitas não têm nenhum. O problema habitacional praticamente está resolvi- do, todos têm casa para morar. O que há é um trabalho no sentido de melhorar a habitação. Escolas, não é necessário construir, as que existem são suficientes. Nos Estados Unidos, numa visita que fiz, eles estavam fechando escolas, porque não havia população in- fantil para freqüentá-las. Não é necessário construir estradas de ro- dagem, nem estradas de ferro, nem aeroportos, nem portos. Tudo está feito. O que fazem, o que têm que fazer mesmo é, pelo desen- volvimento tecnológico, melhorar o que existe. Não é preciso cons- truir mais hospitais, mas apenas evoluir em face das novas desco- bertas, com hospitais especializados. Nesses países a tônica do de- senvolvimento está nos setores da pesquisa em todas as áreas científicas, que passam a ser o grande sorvedouro de recursos finan- ceiros e de capital humano. Já aqui no Brasil, é necessário fazer tu- do. Como a população cresce e como já estamos atrasados, temos que fazer escolas, estradas, casas, hospitais, temos que ocupar o ter- ritório. Há inúmeras coisas por fazer.



Como já mencionei aqui, na época em que servi no Paraná inau- gurava-se uma escola primária por dia. Assim, no fim do ano, havia 365 novas escolas. Mesmo assim sobrava uma população infantil ca- rente, que não tinha escola para frequentar. Em todo o Brasil é isso. Não há escolas em quantidade suficiente. Na época da matrícula anu- al há um grande afluxo de pais que passam as noites em claro, nas fi- las, para conseguir matricular seus filhos. Nossas estradas são defici- entes. Qualquer localidade que cresce um pouco necessita de aeropor- to, tem que construir mais hospitais. Como vamos fazer isso? Temos que gerar riqueza, e isso só conseguiremos através do desenvolvimen- to. Portanto, é necessário engajar o governo num programa adequa- do. Foi o que fizemos com o II Plano Nacional de Desenvolvimento.

Quando começou a ser elaborado o II PND?

Alcancei o resto do I Plano, que vinha do Médici e ainda vi- gorava. Dali passamos a fazer o II PND, com grande participação do Veloso, que, como ministro do Planejamento, tinha uma posição #

<290 ERNESTO GEISEL>

abrangente. O II PND em grande parte foi montado pelo Ipea, um instituto especializado vinculado ao Ministério do Planejamento, en- tão dirigido por um mineiro que faleceu há poucos anos.69 Era mui- to competente e substituía o ministro do Planejamento nos seus im- pedimentos. O plano foi montado de acordo com algumas idéias que eu tinha exposto na primeira reunião ministerial e contou com a colaboração de todos os ministros. Foi muito discutido, inclusive no Congresso, que o aprovou com algumas emendas, e entrou em vigor em dezembro de 1974. O plano, com suas premissas e justifi- cativas, está exposto pormenorizadamente numa publicação oficial. Mas deve-se observar que o II PND não era rígido. Era uma diretriz para os diferentes órgãos do governo pautarem suas ações e, como tal, foi sujeito a modificações, com ampliações ou reduções confor- me a situação.

O desenvolvimento que o II PND pretendia alcançar era um desenvolvimento integrado, não apenas econômico, mas também so- cial. Além do aumento da produção nacional, nossa preocupação era, tanto quanto possível, assegurar o pleno emprego, evitando o agravamento dos nossos graves problemas sociais e promovendo me- lhorias na sua solução. Por essa razão, considerada a principal en- tre muitas outras, o Brasil deve sempre empenhar-se efetiva e priori- tariamente no seu desenvolvimento em todos os setores de ativi- dade. Contudo, não há no país capitais disponíveis. Existem ricos, mas estão pouco dispostos a enfrentar esses problemas, e assim há relativamente pouco dinheiro para promover o desenvolvimento. Ca- be então ao próprio governo, com os meios de que pode dispor, in- clusive o crédito externo, assumir a tarefa. Passamos então a ser acusados, pelos teóricos que nada produzem, de estatizantes!

Realmente, no seu governo começou a campanha da desestatíza- ção. Qual sua avaliação sobre o assunto?

Relativamente à questão dos empreendimentos materiais que o Estado tem tomado a si e que poderiam ser atribuídos às empresas de capital privado, cabe fazer as seguintes observações. Em primeiro lugar, há os que, por sua natureza e finalidade, devem ser da exclusi- va atribuição do Estado, tais como energia nuclear, telecomunica-

69 Trata-se de Élcio Costa Couto. #

ções, aeroportos internacionais ou empreendimentos vinculados a outros países, como Itaipu, eixos rodoviários, ferroviários etc. O pe- tróleo também deve ser incluído entre os empreendimentos de atri- buição exclusiva do Estado, em decorrência, por um lado, da impor- tância de que se reveste para o suprimento das nossas necessidades e, por outro lado, da escassez revelada pelas prospecções em nosso território, o que, além de acarretar uma grande vulnerabilidade da soberania nacional - por várias vezes, inclusive durante a guerra in- ternacional, sofremos graves restrições no abastecimento -, nos obri- ga a importar cerca de 50% do nosso consumo.



Em segundo lugar, há aqueles empreendimentos que, sendo de interesse nacional e devendo ser atribuídos à iniciativa privada, não são por ela realizados, seja por falta de capital próprio ou de empréstimo, seja por falta de interesse, inclusive por não terem as- segurada a remuneração desejada, como se verificou nas grandes si- derúrgicas e usinas hidrelétricas. Nesses casos, ou o empreendimen- to fica a cargo do governo ou não se faz. Finalmente, há atividades da empresa privada - indústrias, bancos etc. - que são malsucedi- das financeiramente e que, por débitos com o fisco ou provenientes de empréstimos, acabam em poder do governo, o qual dificilmente consegue livrar-se delas ou liquidá-las.

No II PND, qual era o papel concebido para a empresa privada nacional? Diminuir a dependência da empresa estrangeira?

Não propriamente. Há setores essenciais que, no meu enten- der, devem ser ocupados pela empresa privada nacional. Contudo, não faço maiores restrições ao capital estrangeiro, que, na época, pe- la crise econômica generalizada, pela recessão, não estava inclinado, como ainda hoje não está, a investir no desenvolvimento tecnológico, nas indústrias que mais nos podiam interessar. Presentemente, mui- to capital estrangeiro entra no país para especular nas bolsas de va- lores e, após realizar um substancial lucro, se retira, o que no meu modo de ver não nos pode convir.

É sabido que a inflação aumentou durante seu governo. Mas pare- ce que quando o senhor assumiu, já havia uma inflação reprimida.

É verdade. A inflação era oficialmente baixa, de 13 ou 14% ao ano, mas na realidade era mais alta. Quando assumimos o governo, #

<292 ERNESTO GEISEL>

logo nas primeiras semanas, Simonsen levou um susto. Havia man- dado verificar os preços na praça, e esses preços eram bem maio- res do que os que figuravam nas pautas no final do governo Médici. A conclusão a que chegou foi desagradável: a inflação era medida pe- la tabela de preços do governo, e não pelos preços realmente prati- cados. Por conveniência política, para evitar divergências e críticas com relação ao governo Médici, essa situação da inflação não foi di- vulgada, e o meu governo arcou com o ônus correspondente perante a opinião pública.

No primeiro ano de seu governo a inflação foi a mais de 30%, não foi isso?

Sim, 34,5%, em decorrência das dificuldades conjunturais, prin- cipalmente do impacto do aumento do preço do petróleo, que tam- bém causou maior déficit no balanço de pagamentos. Aí começamos a cogitar de uma série de soluções que fossem viáveis. A primeira que surgiu foi a restrição ao consumo. Descartamos, desde logo, o ra- cionamento, cuja execução no Brasil é extremamente complexa, difí- cil, e se presta a fraudes e ações ilícitas. Passamos então a realizar a redução do consumo pela elevação dos preços, que é, de fato, um ra- cionamento indireto. Essa elevação incidiu principalmente sobre a ga- solina, partindo da consideração de que quem usa mais a gasolina é a classe mais favorecida e que pode pagar por isso. O consumo caiu e, conseqüentemente, diminuímos a importação de óleo cru. Foi esse o caminho que seguimos. Outra medida que adotamos foi incremen- tar a produção do álcool carburante, que cresceu graças ao progra- ma elaborado pelo governo, oferecendo condições favoráveis para o custeio das instalações. O álcool carburante hoje em dia está em ple- na produção, com a vantagem adicional de reduzir a poluição.

É claro que a execução do II PND também gerou inflação, as- sim como safras agrícolas frustradas devido a más condições meteo- rológicas. Há um excelente trabalho sobre a nossa inflação, de auto- ria do Simonsen, que ele, como ministro do Planejamento do gover- no Figueiredo, apresentou ao Senado em maio de 1979. Segundo esse trabalho, a nossa inflação foi, em 1973, de 15,7%; em 1974, de 34,5%; em 1975, de 29,4%; em 1976, de 46,38%, e em 1977, de 38,7%. Era muito na nossa época, mas que dizer da situação atual, em que temos 45% ao mês? #

Em seu governo a inflação era considerada uma variável secundá- ria emfunção da retomada do crescimento?

Não, era preocupante. Simonsen de vez em quando arrancava os cabelos e vinha a mim com o problema da inflação. Pensávamos na inflação, procurávamos adotar medidas para reduzi-la, mas não era o problema número um do governo. Nosso problema número um era desenvolver o país, dar emprego, melhorar as condições de vida da população. Para tanto, tivemos que recorrer ao crédito externo, que na época era muito favorável. Havia muito dinheiro disponível no exterior, proveniente da reciclagem da receita auferida pelos países da Opep, os célebres petrodólares. E o Brasil tinha muito crédito.

Com osjuros internacionais muito baixos, a alternativa de endivi- damento devia ser muito atraente, não?

A idéia de endividamento, aproveitando essas condições, vinha desde o tempo do Médici. Delfim fazia uma observação que, real- mente, era muito interessante. Ele dizia que o Brasil não tem pou- pança. A poupança popular que temos é muito pequena e não pode ser usada, na escala devida, para o desenvolvimento do país - ob- viamente, o desenvolvimento se faz com poupança; foi o que permi- tiu, além das qualidades do povo, o desenvolvimento extraordinário do Japão. Mas, enquanto o Brasil não tem poupança, o estrangeiro tem, e de sobra. Portanto, o lógico, o racional é que, se nós não te- mos a nossa, usemos a deles! Vamos trazer a poupança do estrangei- ro para o Brasil e aplicá-la criteriosamente, para que ela tenha um efeito reprodutor. Depois poderemos pagá-la de volta.

A tese do Delfim, em linhas gerais, me parece certa. Tudo de- pende do modo de sua aplicação. Já no governo Médici, se usou bas- tante o crédito exterior. No nosso tempo esse crédito se tornou ainda mais fácil, porque os bancos passaram a dispor de muito dinheiro. Os árabes, que se encheram de dinheiro à custa do primeiro choque do petróleo, colocaram os petrodólares nos bancos, e os bancos não tinham outra coisa a fazer senão emprestar. Então os juros eram re- almente baixos. É claro que mais adiante o problema se complicou. No governo Figueiredo, quando houve um novo aumento do preço do petróleo, e quando países como os Estados Unidos entraram em re- cessão e tiveram muita inflação, adotou-se uma política de juros al- tos - como o Brasil está fazendo hoje, para fomentar a poupança, reduzir o consumo e sair da inflação, ou reduzi-la. Naquela ocasião #



<294 ERNESTO GEISEL>

o Brasil foi penalizado, porque teve que pagar juros altos que nos fo- ram impostos em virtude da nova situação internacional.

O endividamento é um aspecto de seu governo que normalmente é muito criticado.

Sim. O endividamento cresceu, atingindo em 1978 cerca de 43 bilhões de dólares - cerca de 14 bilhões de entidades privadas -, enquanto as nossas reservas se elevaram a 12 bilhões. Fazem essa crítica mas sem considerar, em contrapartida, o outro prato da balan- ça, isto é, o que se fez com esse dinheiro. Não foi roubado. Não ha- via "anões" no nosso governo,70 pelo menos até hoje não houve qual- quer denúncia de roubo que tivesse ocorrido naquela época. No Con- gresso, no Executivo, no Judiciário, nas Forças Armadas, não há notícia de corrupção, como depois, desenfreadamente, ocorreu.

Na verdade, o que se pediu emprestado foi relativamente pou- co. Uma das coisas de que o Simonsen podia se vangloriar era o sal- do em divisas, eram as reservas do governo brasileiro em dólares. Um dos pontos graves que tivemos que enfrentar foi o balanço de pagamentos. A balança comercial e o balanço de pagamentos eram deficitários. Lutamos, aumentando nossas exportações, sobretudo de produtos industrializados, substituindo importaçôes, e, no final, pra- ticamente equilibramos a balança comercial. É claro que hoje em dia as reservas são muito maiores, mas tinham que ser, porque já decorreram vários anos e o Brasil progrediu. Condenam os emprésti- mos e a dívida. Entretanto, hoje em dia, tudo que é governante vai com a pasta embaixo do braço aos Estados Unidos pedir emprésti- mo. Inclusive prefeitos. Todos só querem governar com crédito do exterior. Além do governo federal, constituem exemplo dessa orienta- ção os governadores de Minas, querendo duplicar uma rodovia, o de São Paulo, querendo despoluir o Tietê, e o do Rio de Janeiro, que- rendo despoluir a Guanabara. O prefeito do Rio de Janeiro também quis obter crédito no exterior. Quase todos querem dinheiro empres- tado! Onde está a coerência? Se condenam os empréstimos do meu


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