Seus ministros sentavam com o senhor para decidir as obras a se- rem cortadas quando os recursos começavam a escassear?
Entre outras obras, eles cortaram a ferrovia primeiro. Acha- vam que a ferrovia no momento não era tão necessária e que havia outras coisas mais urgentes. E a opinião deles era muito razoável. Eram co-responsáveis, e eu não podia dizer teimosamente: "Não, não corto, quero continuar com ela". Essa imagem do ditador que se apresenta a meu respeito não era bem assim. Meu governo era um governo cordato e que sempre procurou o consenso. #
19 - Princípios para o desenvolvimento
social
Com quem o senhor se orientou para formular seu plano de gover- no na área social?
O homem que mais ajudou nessa área foi também o Veloso, com o Ipea, que lhe era subordinado. Veloso tinha sido ministro do Planejamento no tempo do Médici, mas sem o relevo que teve no meu governo porque, no tempo do Médici, Delfim dominava comple- tamente e qualquer outro ficava apagado. No meu governo o Veloso pôde se expandir, pôde se desenvolver. Ajudou muito. Mas também ajudaram o Golbery, os ministros interessados, todos nós. Prieto, por exemplo, no Ministério do Trabalho, fez muita coisa, inclusive promovendo uma legislação em favor dos artistas. Fez-se também muita campanha contra acidentes de trabalho, embora o Brasil hoje em dia ainda continue a ser campeão de acidentes.
Mas de onde veio essa preocupação social, onde o senhor se inspirou para criar por exemplo, um Conselho de Desenvolvimento Social?
É a realidade brasileira! Não é? É a pobreza, é o analfabetis- mo, é a doença, uma série de problemas. Quando assumi, encontrei o problema habitacional, por exemplo, um problema que foi atacado #
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desde o governo Castelo pelo Roberto Campos. Naquela época incre- mentou-se a poupança com a correção monetária, criou-se o Banco Nacional de Habitação, o BNH, e o dinheiro da poupança, que passa- va a ser mais ou menos estável porque estava assegurada a corre- ção da inflação, era revertido ao BNH para construir casas, conjun- tos habitacionais - hoje em dia, o dinheiro fica com os bancos, que são os que mais lucram no Brasil, a ponto de distribuírem divi- dendos mensais, enquanto grande número de empresas industriais não realiza lucros que possibilitem dividendos. Mas, enfim, quando assumi, fui ver o problema do BNH. Havia uma série de conjuntos habitacionais construídos no Amazonas, no Nordeste e no Sudeste que apresentavam defeitos de construção, não podiam ser habita- dos. Uns tinham problemas difíceis de resolver com a empreiteira encarregada da construção, outros tinham problemas com os as- sociados etc. Coloquei no BNH o Maurício Schulman, com a missão de regularizar a situação de todos os conjuntos habitacionais do país. Era um homem altamente capacitado e conseguiu resolver a maioria dos casos. Além disso, continuamos com o programa, e construíram-se muitas casas durante o meu governo.
Existem levantamentos do Ipea, inclusive recenseamentos, so- bre a melhoria do estado social do país naquela época. Há índices que revelam quantos televisores existem em funcionamento, o núme- ro de máquinas de costura, geladeiras etc., e que permitem verificar a evolução do problema social. Melhorou-se muito o índice da mor- talidade infantil, notadamente na cidade de São Paulo, sobretudo na periferia, nas favelas. Foi um trabalho do governador Paulo Egídio. O problema era o seguinte: nessas áreas havia abastecimento de água, mas a população não usava a água da Sabesp, e sim de po- ços. Havia poços que, evidentemente, estavam contaminados. Daí re- sultavam doenças, e crianças morriam. Paulo Egídio foi verificar por que eles não usavam a água do estado. O problema era o custo do hidrômetro. Instalaram-se hidrômetros de graça em todas essas ca- sas, que passaram a usar a água saneada, e o índice de mortalida- de infantil caiu.
Como essa medida, há muitas outras que revelam o que se po- deria fazer para o desenvolvimento social. Uma iniciativa que, se- gundo creio, era do governo Médici e hoje está abandonada era a construção nas cidades, principalmente no interior e nas áreas mais pobres, de centros sociais. Era um empreendimento da Caixa Eco- nômica. O centro social tinha uma série de atrativos para uso das #
populações, tais como escola, local de diversão, televisão e outros, todos relacionados com a vida social daquela área. O povo passava a freqüentar o centro e eles mesmos elegiam a diretoria, que passa- va a gerí-lo. No meu governo foram construídos muitos deles. Com o tempo, não sei por quê, foram abandonados. Eram uma espécie de clube que o governo construía e entregava a essas populaçôes.
Na área da saúde, quaisforam suas principais preocupações?
Quanto à saúde, tínhamos uma concepção diferente da que existe hoje em dia. Os ministérios, relativamente às suas atribuições e à sua área de atuação, podem ser divididos em duas categorias. Há ministérios que são principalmente normativos e há ministérios que são executivos. O Ministério do Trabalho, por exemplo, é um ministério normativo. Preocupa-se com as leis trabalhistas, procura acompanhar a sua aplicação, mas é sobretudo normativo. Já o Mi- nistério dos Transportes faz estradas, cuida de sua conservação, constrói e opera portos etc. É, essencialmente, um ministério execu- tivo. O Ministério da Fazenda pode ter uma parte normativa, mas é executivo: cabe-lhe arrecadar impostos, cuidar do tesouro e fazer os pagamentos. O Ministério da Saúde, hoje em dia, é considerado exe- cutivo - é preciso fazer hospitais, é preciso gerir hospitais, é preci- so atender à saúde pública, proporcionar saúde para todo mundo. Meu governo pensava de modo diferente.
O problema da saúde é de cada um. Começa-se a cuidar da saúde em casa, depois vêm os ambulatórios, vêm os hospitais. Mas é a comunidade que faz o hospital, que cuida do hospital. E o que faz o Ministério da Saúde? Ele é normativo, ele fixa as condições a que um hospital tem que atender para existir: como devem ser os quartos? Que aparelhagem o hospital tem que ter? Depois, ele esta- belece as normas para o hospital funcionar. Mas ele não vai admi- nistrar o hospital. Independentemente disso, ele é o ministério das grandes campanhas de âmbito nacional. É o ministério que cuida do problema da malária, das epidemias, da peste bubônica, que já se erradicou no Brasil, da campanha da esquistossomose, que é uma desgraça, no Nordeste principalmente, mas está em todo o país, das vacinações em massa. Foi nesse sentido que o Ministério da Saúde se orientou no meu governo. #
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Uma das grandes campanhas que se fez logo no começo foi pa- ra enfrentar uma epidemia de meningite, sobretudo em São Paulo. Compramos vacina na França e fizemos o que creio ter sido a pri- meira vacinação em massa. Fizeram-se grandes estudos de combate à esquistossomose no Nordeste, que, com a continuidade, estão prestes a gerar uma solução positiva no Instituto Oswaldo Cruz.
Saúde é um problema de todos. Como já disse, é em casa que se deve começar a cuidar da saúde. Depois vem a prefeitura, vem o governo do estado, e por fim vem o governo federal, ao qual deve caber a parte normativa. A parte executiva é dos demais. A idéia de que o governo federal tem a atribuição de fazer tudo ocorre também com a educação. Hoje em dia, o governo federal monta es- cola primária, dá dinheiro para os municípios pagarem a merenda escolar. Isso é problema do município! Como querer que o governo federal faça tudo? Ele dá a verba para o estado e para o município, e depois ainda vai fazer? É por isso que ele está quebrado!
Há uma questão que é sempre muito polêmica na área da saúde, que é a dos convênios da Previdência com os hospitais da rede pri- vada.
É o governo federal que faz esses convênios, e quando assumi já havia vários estabelecidos. Mas devia ser o estado, devia ser o município. Há pouco tempo, fui em férias ao Sul e passei pela terra em que nasci e me criei, Bento Gonçalves, onde tenho poucas rela- ções pessoais, porque todos os meus contemporâneos já morreram. Há lá um hospital que foi construído com o dinheiro do povo, com o nome de um grande médico italiano que cuidou daquela popula- ção durante o período colonial, com a interferência do próprio gover- no italiano. Esse médico era um benemérito, e eu o conheci pessoal- mente. É um grande hospital, mas que não tem qualquer subvenção governamental. Vive à custa da população. Estavam empenhados em conseguir recursos financeiros para adquirir equipamentos moder- nos, fabricados no exterior, de grande eficiência sobretudo em diag- nósticos, mas de elevado custo. Buscaram os recursos através de subscrição pública, inclusive com a minha participação pessoal. To- dos ajudaram o hospital, com absoluta exclusão do governo em to- dos os seus níveis. É um grande hospital e funciona. Muitos outros, pelo Brasil, estão paralisados, não funcionam. Comeram o dinheiro, roubaram e acabaram em greve. #
Em sua opinião, o que acontece com o dinheiro da saúde? Qual é o "buraco negro"?
Não sei. Acho que é a desonestidade. A pretexto de que o mé- dico pode ter vários empregos, ele é mal pago pelo governo. Todos, de um modo geral, são mal pagos. Havia aqui no Rio de Janeiro um grande hospital, o dos Servidores do Estado. Hoje em dia está decadente. Era um hospital extraordinário.
Educação é um problema central no Brasil. Como o senhor tratou dessa questão em seu governo?
Meu ministro da Educação, Nei Braga, a quem conheci como governador do Paraná, quando ele inaugurava uma escola primária por dia, era dedicado e fez muita coisa acertada. Havia, contudo, ca- rência de recursos. Para quem governa, o ensino passa a ser um sa- co sem fundo; quanto mais recursos se tem e se aplica na educa- ção, mais se necessita. Minha opinião é que nesse problema do ensi- no, principalmente no primário e no secundário, assim como na área da saúde, os estados e os municípios devem atuar mais. A car- ga sempre recai sobre o governo federal: tantos por cento do orça- mento federal têm que ser para a educação; o governo federal tem que dar isso, tem que dar aquilo. O governo federal, nestes últimos tempos, dá merenda escolar para os municípios! Impõe-se uma ou- tra divisão de encargos. A divisão que se tinha anteriormente, e que me parece ser mais lógica, colocava o ensino primário sob a respon- sabilidade do município. De fato, o que faz o município no Brasil, além de pagar o prefeito, os vereadores e o seu funcionalismo? A maioria náo faz nada. Eu daria a responsabilidade do ensino primá- rio ao município. O ensino secundário ficaria sob responsabilidade do estado, e o governo federal ficaria com o ensino superior. É uma divisão de tarefas. O município não fazer nada, o estado cuidar de outras coisas e colocar todo o peso da responsabilidade sobre o go- verno federal é que não é possível! Nós fizemos, mais ou menos, es- sa distribuição entre município, estado e governo federal, mas isso é um processo que só se implanta se houver muita continuidade e muita doutrinação. E é algo absolutamente inviável com a Constitui- ção vigente.
Sem dúvida, uma das questões mais importantes no nosso país é a da educação, problema em que também é relevante a res- ponsabilidade familiar do pai e da mâe. Presentemente, como o país #
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vive achando que o governo é que tem que fazer tudo, muitas famí- lias não cuidam mais dos problemas dos filhos, e daí resultam os meninos de rua, as meninas que andam por aí se prostituindo e assim por diante. Todo mundo é responsável, menos os pais. Eu acho que os pais é que têm que ser e devem ser responsabilizados. Acham que os outros é que têm o dever de tomar conta dos filhos alheios?
O senhor não aprova a idéia dos Cieps, não é?
Não sou a favor, pela seguinte razão: nesse sistema, tal como está montado, a criança fica o dia inteiro na escola, e a escola faz tudo, dá comida, médico, piscina, banho, biblioteca etc. Agora ela tem até televisão com antena parabólica. Tudo isso é muito bonito, mas me parece uma farsa, porque o governo não tem dinheiro para manter. Quantos professores, quantas pessoas devem trabalhar den- tro de um Ciep para tomar conta dessas crianças durante toda a jornada? E quem vai pagar, e a que preço? Se o governo não tem condições de manter adequadamente o ensino no estágio em que es- tamos, como poderia fazê-lo nesses Cieps? Na realidade, acaba sen- do uma farsa. Não sei se estou apaixonado, mas tenho essa impres- são.
Quem viaja pelo interior do estado do Rio pode observar que todo Ciep é sempre construído na beira da estrada, para que todo mundo veja. Passa a ser meio de propaganda política! O Ciep não é construído no centro de gravidade da vida da população, onde real- mente estão as crianças, e sim em lugar visível! Será que o governo do estado tem recursos para manter os Cieps como está no figuri- no? Além dos professores, quantos outros empregados eles têm que ter? Muita alimentação e roupas! É uma escola que se propõe subs- tituir o lar. A família só vai tomar conhecimento da criança pratica- mente na hora em que ela vai dormir, e talvez aos sábados e domin- gos. O resto da semana as crianças estão, pelo menos teoricamente, desligadas dos pais. Pode ser que eu esteja pensando como velho, avesso ao que é considerado moderno hoje em dia, mas creio que não é um bom sistema. Dizem que é uma idéia antiga do Anísio Tei- xeira, que foi um grande educador. Mas não se pode isolar um problema no Brasil. Não se pode dizer que o problema da educação pode ignorar o resto. As coisas estão interligadas! A escola tem que estar interligada com os recursos de que se dispõe, deve estar vincu- #
lada à comunidade. Eu não posso querer fazer uma escola ideal, te- nho que fazer uma escola compatível com aquilo de que disponho, com os recursos que tenho.
Nessa imitação dos Cieps, que são os Ciacs, o governo federal também está fazendo escola primária, o que, entretanto, deveria ca- ber ao município. Se o município não tem condições de atender a es- se ensino, suprima-se o município, incorpore-se-o a um outro. Mas aqui no Brasil criaram-se municípios apenas para usufruir o retorno de dinheiro do governo federal. A última leva de novos municípios criados obedeceu a esse objetivo. Se a comunidade quer ser relativa- mente autônoma, ter uma administração própria, sob a forma de município, ela também tem que ter responsabilidades, tem que aten- der a uma série de questões.
Problema semelhante ao que acontece na educação existe na saúde. A conclusão é que o governo federal tem que atender a todo mundo nos seus hospitais, tem que dar saúde a todos. Creio que não deve ser assim. A saúde começa em casa. Deve-se ensinar ao pai e à mãe a cuidar da saúde própria e da dos filhos. Muitas doen- ças, muitos problemas podem ser tratados em casa. Muitas vezes, os próprios ambulatórios servem para tapear. O indivíduo faltou ao trabalho, vai ao ambulatório e arranja lá um atestado de que está doente. No dia seguinte vai mostrar ao patrão por que não foi traba- lhar.
Havia antigamente escolas de formação de professores em al- guns estados. Aqui no Rio, funcionava o Instituto de Educação, que era altamente conceituado. Toda professora, para lecionar no estado ou no município, tinha que ter o curso dessa escola. Hoje em dia não sei se ainda existe. Não há mais escolas de formação de profes- sores! Mas então o professor se improvisa? E ao lado disso viceja a indústria de material escolar, ganhando muito dinheiro com venda de caderno, lápis, mapa etc. Durante o meu governo, pelos índices que se tem, melhorou-se muito o problema do analfabetismo. Mas ainda é uma grande mazela neste país.
E quanto ao Mobral?
Encontrei o Mobral quando assumi o governo. Veio do gover- no do Médici. Funcionou comigo, mas não deu os resultados que se esperava. O Mobral se empenhou muito em alfabetizar adultos e ve- lhos. Era um trabalho com uma categoria que talvez não devesse #
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ter prioridade. Era preferível fazer mais esforço nas novas gerações. Uma certa época o Simonsen andou empenhado, pilotando o Mobral.
Havia ainda outras coisas boas. O Projeto Rondon recrutava estudantes universitários num curso de medicina ou outro e levava- os para o interior do país. Com isso os estudantes conheciam ou- tras áreas. Iam, por exemplo, para a Amazônia, onde trabalhavam durante um certo período. Estudantes do Rio Grande do Sul iam pa- ra o Nordeste, com o objetivo principal de conhecer essa região, bem diferente do Sul e do Centro-Sul. Isso era bom, porque a maio- ria dos brasileiros não conhece o Brasil, fica muito presa à sua pró- pria área e ignora o resto. Se nós queremos conservar o Brasil gran- de como ele é, e fazer dele realmente uma nação, temos que nos co- nhecer mais reciprocamente. As passagens de avião estão muito caras, infelizmente. E estamos com essa febre de Miami: os meni- nos têm que ir a Miami, têm que ir a Orlando, mas não sabem na- da do Brasil!
Como o senhor lidou com o ensino superior?
Eu tive uma herança muito complicada. Haviam criado diversas faculdades de ensino superior. O esforço, nesse sentido, foi feito no governo do Costa e Silva. Às vezes, por causa dos excedentes dos ves- tibulares ou pela política da UNE, pela gritaria que se fazia, o go- verno resolvia aceitar essas novas faculdades, apesar de o problema principal estar na base do ensino, no curso primário. Assim, havia-se criado uma série de universidades que, entretanto, não estavam legali- zadas. Encontrei em Montes Claros, Minas Gerais, uma Faculdade de Medicina que dois ou três anos antes tinha formado médicos que não podiam exercer legalmente a medicina porque a escola não estava le- galizada. Resolvi não criar nada em matéria de ensino superior, mas procurei legalizar e fazer funcionar as escolas que já existiam. Uma dessas foi a atual Universidade de Uberlândia. É uma boa universida- de, e a cidade de Uberlândia é excelente. Estive lá há poucos anos, com o país em crise, em dificuldade, e encontrei todo mundo eufóri- co, a região com grande produção agrícola, boa pecuária e alguma produção industrial, em pleno desenvolvimento. Aliás, o interior, seja de São Paulo, do Rio Grande, do Paraná ou de Santa Catarina, é ou- tro país. Eles não sentem essa crise que estamos vivendo. Trabalham com muito interesse, progridem. São de outra origem e vivem em cli- ma mais favorável. E, principalmente, trabalham! #
No meu governo, eu me preocupava também em concluir a obra da universidade no Fundão, que vinha desde o tempo do gover- no Castelo. Foi concluída com a inauguração do respectivo hospital. Um belo dia o ministro Nei Braga veio a mim dizendo que eu devia inaugurar o hospital, mas que antes era necessário provê-lo com pessoal. Trouxe-me uma lista do pessoal a ser nomeado. Não con- cordei por ser muita gente. Disse-lhe que não havia dinheiro para tantos e pedi que reduzisse a lista. Ele reduziu, mas determinei que cortasse mais, o que ele fez. A nossa tendência, sempre que se inau- gura um órgão novo, é fazer uma coisa suntuosa, com gente em quantidade.
Temos no Brasil outra disposição que considero inadequada e ruim, que é a autonomia universitária. Hoje em dia, o reitor é elei- to. Votam todos os que trabalham e vivem na universidade: o faxinei- ro, o homem do cafezinho, o professor, todo mundo. Aparentemente isso é muito democrático. Mas isso não me parece autonomia. Não há preocupação com a qualidade do ensino, e sim o pleno exercício da politicagem. Será que a universidade funciona nessa base?
Comofoi definida a politica salarial de seu governo?
O salário mínimo era reajustado anualmente, em função da va- riação dos índices do custo de vida. Mas já a partir de 1975, as ta- xas de reajuste sempre estiveram acima dessa variação.
A variação dos índices de custo de vida significava aumento da in- flação, não?
Sim. A inflação aumentou, mas não há nenhuma comparação com o que se tem hoje. Sempre se procurou manter o nível adequa- do do emprego. Houve muita preocupação na área do Ministério do Trabalho com salários de modo geral. Arnaldo Prieto se entendia mui- to bem com o Veloso e com o Simonsen, o que facilitou a tarefa de fa- zer os reajustamentos. Resolveu-se, também, dar meio salário para os velhos a partir de 65 anos. Não imaginam a quantidade de cartas que recebi, mesmo depois de sair da presidência, de velhos agrade- cendo. Meio salário mínimo! Parece ridículo, não é? O INPS, no meu governo, com o novo Ministério da Previdência que se criou, funcio- nou muito bem. No fim do governo apresentou saldo financeiro. #
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Esse benefício de meio salário foi estendido ao trabalhador rural também?
Sim, a todos os velhos de um modo geral. Não precisava nem ser filiado à Previdência. Agora, daí surgem fraudes, através de pro- curadores. A grande fraude da Previdência que agora está se usando é esta: a pessoa é filiada à Previdência e morre. O cartório onde foi feito o registro do óbito tem obrigação de comunicar ao Ministério da Previdência a morte, mas não o faz. Quem recebia o dinheiro des- se velho, desse aposentado, era um procurador, e como a morte do mutuário não é registrada oficialmente, o procurador continua todo mês a receber e a embolsar o dinheiro. Isso aconteceu em larga esca- la aqui no Brasil. Será que a nossa gente é formada por ladrões?! Se- rá que todo mundo tem que roubar?! Dizem que a ocasião faz o la- drão. . .
No fim do meu governo ainda havia salário mínimo regional, e reduzimos de cinco para quatro níveis. Mais tarde, fizeram o salário mínimo único. Parece-me contudo que isso não resolve o problema. Há no Nordeste prefeituras que não podem pagar um salário míni- mo e então têm empregados que percebem meio salário. É uma so- lução ilegal, mas inevitável em decorrência da falta de recursos. Não se pode querer nivelar o interior do Piauí com São Paulo, com o Pa- raná! A fórmula de adotar uma lei geral nessa matéria para todo o país não é realista, não leva em conta a diferença existente entre as partes. É outra a situação econômica, completamente diversa, embo- ra sejam brasileiros, e tão ou mais brasileiros do que nós.
Segundo o Ministério do Trabalho, entre 1990 e 1993 as perdas salariais no Brasilforam de 40%. A idéia que se tem no país é de que a perda salarial é sempre necessária para reduzir a inflação.
Pensa-se que a política salarial é a responsável pela inflação. Não é. A propósito, cabe lembrar a anedota: o italiano comenta o problema da inflação, e o brasileiro diz que não é tão ruim assim, porque quando aumenta a inflação também aumentam os salários, havendo sempre uma compensação. O italiano esclarece: "A questão é a seguinte: enquanto o salário sobe pela escada, a inflação sobe pelo elevador..." Isto é, o salário sempre chega atrasado. Esse é es- sencialmente o fenômeno. Nós sempre corrigimos a inflação a poste- riori, defasados. E, assim, nunca se corrige integralmente. #
Outra preocupação que o governo deve considerar é a relação que existe entre o salário e o desemprego. Muitas vezes é preferível não corrigir o salário como se deveria, para evitar mais desempre- go. Isso por que, em muitas empresas, os aumentos salariais criam dificuldades que as induzem a despedir. Não é assim? Creio que a pior situação que o país e o mundo inteiro vivem é a recessão. Veri- ficam-se suas consequências em todas as atividades econômicas do país, com um reflexo terrível sobre o emprego. A primeira coisa que a empresa faz, para se defender seja dos inconvenientes da inflação, seja da queda de vendas, da queda de preços ou de dificuldades na sua vida financeira, é despedir. Aí começa a surgir massa desempre- gada. Dizem que o Brasil não está em recessão porque a indústria cresceu. No entanto, há uma massa enorme de desempregados. O fe- nômeno dos camelôs é uma conseqüência da recessão. O emprega- do de uma empresa que foi despedido e que não consegue trabalho daí a pouco vira camelô. E se não puder ser camelô, ou se isso não resolver a sua vida, ele acaba no roubo, no assalto, no tóxico, acaba até sendo seqüestrador... Ele tem que viver, a família tem que viver. O quadro que vemos hoje em dia, de crimes e de outras mazelas da vida, em grande parte é resultado da recessão. A política do meu governo, principalmente com o II Plano Nacional de Desenvolvimen- to, apesar da alta do petróleo e dos males decorrentes no nosso ba- lanço de pagamentos, visou sempre a evitar a recessão.
Um outro problema que é estrutural no Brasil e que no seu gover- no até apresentou uma melhora substantiva é o da concentração de renda. O Brasil tem uma das maiores concentrações de renda do mundo. Qual é sua compreensão sobre isso? 326>324>322>320>318>
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