História do brasil moderno ernesto geisel



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Os Estados Unidos chegaram a sugerir que o Brasil interrompesse as negociações com a Alemanha, não foi?

Sim, porque certamente queriam que tudo o que o Brasil fizes- se em termos de uso de energia nuclear ficasse dependente deles. #



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Não admitiam que o Brasil viesse a produzir urânio enriquecido. No entanto, o Brasil tem grandes jazidas de urânio, particularmente em Itataia, no Ceará. em Lagoa Real, na Bahia, e em Poços de Caldas, Minas Gerais. Tínhamos matéria-prima mais do que suficiente para abastecer o país durante muitos anos, íamos ter as usinas, mas o elo intermediário, o beneficiamento da matéria-prima para ser usa- da na usina, isso não poderíamos ter. Seria um verdadeiro estrangu- lamento, algo que despreza a racionalidade. Mas era a política norte- americana.

Parece que os Estados Unidos também estavam temerosos porque o Brasil não tinha assinado o Tratado de Não-Proliferação Nuclear em 1968, não era isso?

Era. Mas o tratado representava uma discriminação. O Brasil não podia ter tecnologia nuclear, mas os Estados Unidos, a Inglater- ra, a França, a Rússia, e mais tarde a China, podiam? Considerou- se, para não assinar, o imperativo da soberania do país. O Brasil iria se colocar a priori numa posição de inferioridade em relação aos outros? Seria acertado? O sentimento nacional pode aceitar isso? Somos inferiores aos outros? No entanto, existe a Agência Internacio- nal de Energia Nuclear, com sede em Viena, à qual o Brasil está filia- do. Além de termos representantes nessa agência, sempre nos sujeita- mos às suas normas e inspeções. Mas sempre houve, principalmente por parte dos Estados Unidos, o temor de que o Brasil viesse a pro- duzir a bomba atômica. Presentemente, há livros e versões entre nós relativos à bomba atômica. Diz-se que o Figueiredo queria fazer a bomba atômica, que fizeram um poço profundo na Amazônia para fazer a sua experimentação, e lá foi o Collor para destruí-lo. Há em tudo isso muita fantasia e sensacionalismo. Para que o Brasil vai pro- duzir a bomba atômica? Onde e em quem vai lançá-la?

Na época do seu governo, também se especulava se a Argentina estaria desenvolvendo a bomba atômica.

Pois é, falava-se nisso. A Argentina tem duas usinas nucleares, que usam o processo da água pesada. Nunca se imaginou honesta- mente que a Argentina quisesse produzir a bomba. Admito que al- guns militares quisessem, como admito que alguns no Brasil tam- bém o desejassem. De qualquer forma, o Brasil deve conhecer a tec- #


nologia do enriquecimento do urânio. Se algum dia, numa grave eventualidade. num caso extremo, necessitar da bomba atômica, co- nhecendo sua tecnologia poderá fazê-la. Suponham que o Brasil te- nha uma guerra e nos bombardeiem com a bomba atômica. O Brasil vai abrir mão, a priori, de poder revidar? Será que isso é lógico? Mas impera a desconfiança contra nós. Enquanto isso os america- nos, que são pacifistas, naquela época e muito depois continuaram a fazer experiências nucleares e inventaram um artefato ainda mais destruidor, que é a bomba H.

Quem participava das negociações relativas ao Acordo Nuclear? Por que foram negociações sigilosas?

Quem participava eram o Ministério das Relações Exteriores, do ponto de vista diplomático, e o das Minas e Energia. E as nego- ciações foram sigilosas como todas em geral o são. Havia ainda a reação americana. Eles pressionaram a Alemanha para que não fizes- se o acordo e pressionaram a nós. Pessoalmente não tenho nada contra os Estados Unidos. tenho é contra a orientação governamen- tal americana de natureza imperialista. Admito que os Estados Uni- dos sejam poderosos, queiram se expandir. Devem, contudo, respei- tar os direitos dos outros. O Brasil, depois do declínio do Império britânico, vinculou-se ao americano. Acho, entretanto, que essa vincu- lação deve atuar no interesse de ambos, sem menosprezo do mais forte com relação ao mais fraco, inclusive no que tange à soberania.

Após a assinatura do Acordo Nuclear o voto do Brasil na ONU con- denando o sionismo como forma de racismo gerou muita polêmica e deixou os Estados Unidos muito incomodados. O que aconteceu nessa ocasião?

Não aceitei uma forma evasiva que a diplomacia usa. O Itama- rati, quando estava convicto do voto que devia proferir, mas sentia que com ele iria desagradar aos Estados Unidos, ou a outro país im- portante, adotava a política da abstenção, se abstinha de votar. Não aceitei isso, dizendo que era uma covardia. Se o Brasil tem uma opi- nião, ele tem que defender o seu ponto de vista e votar de acordo com a sua convicção. Estou convencido até hoje de que o sionismo é racista. Não sou inimigo dos judeus, inclusive porque em matéria re- ligiosa sou muito tolerante. Mas como é que se qualifica o judeu, #

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quando é que o indivíduo é judeu? Quando a mãe é judia. O judaís- mo se transmite pela mãe. O que é isso? Não é racismo? Não é uma raça que assim se perpetua? Por que eu não posso declarar isso ao mundo? O que é que tem isso de mau? Contudo, nosso voto provo- cou uma celeuma danada. Agora o revogaram.

Pelo visto, o senhor não deve ter ficado muito preocupado com a desaprovação americana. . .

Não, absolutamente. Embora eu fosse solidário com os Esta- dos Unidos na política geral contra o comunismo, não era caudatá- rio deles. Admirava muito o povo americano, com o qual convivi seis meses, durante a guerra, fazendo cursos militares. Mas o povo é uma coisa, e o governo é outra. O povo americano é de primeira ordem, pelo menos nas áreas que freqüentei. Mas o governo ameri- cano é imperialista: fez a guerra contra a Espanha, tomou Cuba, to- mou Porto Rico, fez a independência do Panamá para fazer o canal do Panamá, tomou as Filipinas, tomou outras ilhas no Pacífico, apro- priou-se de grande parte do México. A Califórnia toda era mexicana! O Texas! O que fizeram com ele? Quando se descobriu que o Texas tinha petróleo, o governo americano promoveu um movimento den- tro do Texas para torná-lo independente, reconheceu a sua indepen- dência e, pouco tempo depois, a pedido da população, "aceitou" a sua anexação aos Estados Unidos! Essa é a história. Não tenho na- da contra os Estados Unidos, mas tenho minhas reservas em rela- ção à política do governo americano.

Como a comunidade judaica no Brasil reagiu ao voto anti-sionis- ta? O senhor foi procurado para conversar?

Sim, os principais líderes da comunidade judaica no Brasil me procuraram, encaminhados pelo Golbery. Vieram com essa histó- ria: "Nós vivíamos tranqüilos, em paz, aqui no Brasil, e agora esta- mos preocupados com o que vai acontecer conosco". Eu lhes respon- di: "A vida de vocês no Brasil continua a mesma. Não há nenhuma alteração. Vocês vão viver e continuar a fazer os negócíos aqui como vêm fazendo. Não há nem haverá no Brasil perseguição alguma aos judeus". Eles disseram: "Mas nas bancas de jornais estão exibindo O protocolo dos sábios de Sião". E eu: "É esse o problema que está incomodando os senhores?" Chamei o ajudante-de-ordens, disse-lhe #


para me ligar com o Falcão e, na frente deles, determinei: "Agora mesmo, mande a Polícia Federal ir a todas as bancas de jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo recolher o livro O protocolo dos sá- bios de Sião e queimar todos os exemplares". E para a delegação: "Se é isso, está acabado. Não há mais problema. Podem ir para casa, trabalhar tranqüilamente como antes, que eu lhes garanto que não haverá perseguição nenhuma aos judeus no Brasil. Judeu que entrou aqui durante a guerra ou antes, ou que vive aqui no Brasil, pode continuar a viver como vivia". Não havia nada contra eles. Creio que saíram satisfeitos, pois não voltaram mais, nem nenhum deles se queixou.

Consta que a mudança de posição do Brasil em relação ao Orien- te Médio estaria ligada ao fato de que nessa época entramos com força no mercado internacional de armas.

Não vendemos muito. O Brasil não tinha quase nada para ven- der. Quem andou querendo vender foi a empresa Engesa, mas não conseguiu. Ela projetou o carro de combate Osório e quis vendê-lo, sem resultado, à Arábia Saudita. É evidente que, entre o Brasil e os Estados Unidos, a Arábia Saudita compra dos americanos. O Brasil não conseguiu desenvolver a indústria bélica para exportação. Pode ser que tenha exportado alguns produtos, mas nada relevante.

O Brasil também estava preocupado em não prejudicar o forneci- mento de petróleo pelos paises do Oriente Médio?

O óleo de que necessitávamos nós conseguíamos, não nos fal- tou. Evidentemente, o preço foi oneroso, tanto no primeiro choque do petróleo como depois, no segundo, durante o governo Figueiredo. Isso nos criou sérios problemas financeiros.

Em relação à África, o Brasil sempre mantivera o apoio a Portu- gal contra as resoluções anticolonialistas da ONU. Como se deu a retirada de apoio ao governo português nessa questão?

Embora eu procurasse ter boas relaçôes com Portugal - den- tro de um certo limite, por causa da Revolução portuguesa dos Cra- vos -, no caso da África achávamos que o colonialismo português estava acabado, ultrapassado. Não tínhamos por que apoiar Portu- gal nessa questão. As antigas colônias tinham-se libertado e passado # <344 ERNESTO GEISEL>

a ser independentes. Procuramos manter boas relaçôes, principal- mente com os países da costa ocidental da África, Guiné-Bissau e outros. Já era assim no tempo do Castelo. Ele recebeu dirigentes africanos, e eu também recebi alguns deles em visita ao Brasil.

Logo no começo do meu governo, após a Revolução dos Cra- vos, tive um problema diplomático com Portugal. Havia sido no- meado embaixador em Lisboa, pelo Médici, o general Carlos Alber- to de Fontoura, que fora chefe do SNI. Por problemas de saúde de uma filha, ele protelou sua ida para lá. O novo governo português, através de seu encarregado de negócios entre nós, manifestou o de- sejo de que o Fontoura não fosse o nosso representante. Certamen- te, os esquerdistas que haviam feito a revolução sabiam que ele vi- nha do SNI. Quando o Silveira me deu conhecimento dessa posi- ção portuguesa, mandei que dissesse ao encarregado de negócios que ou o Fontoura iria como nosso embaixador ou então não iria ninguém. Os revolucionários portugueses acabaram cedendo e o re- ceberam muito bem como representante do Brasil. Mais tarde, Má- rio Soares veio em caráter oficial ao Brasil, conversou amistosa- mente comigo e foi bem acolhido, como sempre os portugueses o foram entre nós.

Houve uma ocasião em que um grupo de militares portugue- ses queria invadir Portugal contra a Revolução dos Cravos, partindo do Brasil e com a nossa cooperação. Era uma loucura, uma fanta- sia. Coisa sem pé nem cabeça. Fizeram contato com o Itamarati e com militares nossos, mas foram francamente dissuadidos de qual- quer ação dessa natureza.

Quando o Brasil reconheceu a independência de Angola, mais uma vez os Estados Unidosficaram do outro lado...

Em Angola, eles estiveram insuflando a guerra. Falam tanto em paz mas insuflam a guerra. O que é a Unita? É uma tribo de An- gola que faz a guerra contra o governo angolano, apoiada com ar- mas, com dinheiro, com técnicas, com tudo, pelos americanos.

Quando o Brasil reconheceu a independência de Angola já se sa- bia que Cuba tinha tropas lá?

Já se sabia. Mas havia outros interesses. Em primeiro lugar, tratava-se de uma fronteira marítima nossa e, em segundo lugar, os #


angolanos falam português, a nossa língua. Já disse que éramos a favor das colônias portuguesas que se emancipavam de Portugal. Achávamos que o nosso apoio a Portugal nesse terreno tinha que mudar, inclusive porque somos anticolonialistas. Reconhecemos to- dos os países da costa oeste e, na costa leste, Moçambique. E o im- portante é que em Angola há petróleo! Presentemente estamos explo- rando petróleo no mar, em Angola, por intermédio da Braspetro, as- sociada a outras empresas.

Em cada negociação dessas os Estados Unidos se pronunciavam?

Não se pronunciavam diretamente, davam a entender. Uma das medidas que o Silveira adotou foi estabelecer com os Estados Unidos um "memorando de entendimento", que estabelecia as bases de entendimento sem prejuízo da ação dos respectivos embaixado- res em função. Um representante americano qualificado, enviado pe- lo respectivo Ministério das Relações Exteriores, vinha ao Brasil apresentar e discutir os problemas existentes. Periodicamente tam- bém ia um representante brasileiro a Washington. Ou ia o Silveira, ou outro ministro do Itamarati, e discutia os nossos problemas recí- procos. Havia trocas de informações, de reclamações, e essas conver- sações nem sempre eram agradáveis. Às vezes elas ficavam mais agudas, o desentendimento era maior. Mas muitas vezes se chegava ao entendimento, a bons resultados. Sempre procurávamos conviver com os Estados Unidos, do ponto de vista diplomático, em pé de igualdade.

Apesar das divergências, existia um alinhamento ideológíco entre Brasil e Estados Unidos, não?

Existia, apesar de todos esses problemas. O Brasil estava de acordo em não permitir a expansão do comunismo dentro da Améri- ca Latina e, nessa ação, sempre foi coerente. O Brasil não reatava relações com Cuba, entre outras razões, por solidariedade aos Esta- dos Unidos. Mas o problema maior estava no nosso continente ame- ricano. Cuba procurava exportar sua revolução para outros países da América do Sul, seja com Che Guevara, seja financiando a sub- versão com Brizola, seja, enfim, formando e instruindo sediciosos brasileiros para agirem revolucionariamente aqui. #

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Em relação à América Latina, como foram definidas as priorida- des da política externa brasileira? O que o Brasil pretendia?

Em primeiro lugar, procurava viver em paz com todos, ter boas relações. Umas mais profundas, mais íntimas, outras mais su- perficiais. Não tínhamos nenhum conflito propriamente, a não ser o problema com a Argentina, relativo a Itaipu. Ela era contra Itaipu porque o empreendimento consolidava nossas relações com o Para- guai. Além disso, Itaipu fica na área da fronteira argentina. Tinham a concepção de que iríamos ter ali um grande centro de desenvolvi- mento, o que poderia ser muito inconveniente para eles. Os obstácu- los que eles puderam colocar à construção de Itaipu, puseram. Ale- gavam que a barragem podia se romper e a água armazenada na re- presa iria inundar a região argentina a jusante, principalmente a cidade de Rosário, que assim poderia ser destruída. Queriam limi- tar a capacidade da usina, ou seja, o número de turbinas, para asse- gurar, mesmo na época das cheias, um escoamento limitado das águas pelo rio Paraná. Nós havíamos acrescentado mais duas turbi- nas, partindo do princípio de que sempre um dos geradores fica pa- ralisado para manutenção, inclusive preventiva. Eles reclamavam. Discutiam a quota da barragem referida ao nível do mar. Acontece que o zero altimétrico que considerávamos era o do paralelo que corresponde à usina de Itaipu, mais ou menos o do porto de Parana- guá, enquanto eles se referiam ao zero de Buenos Aires, que é dife- rente. Tinham aí novo assunto para discussão.

A seu ver os argentinos pensavam em problemas estratégicos?

Não sei. Acredito que era uma ação negativa, do contra. Eles tinham, naturalmente, restrições ao desenvolvimento do Brasil. O as- sunto só ficou inteiramente acertado no tempo do Figueiredo.

Quem fazia as negociações com a Argentina?

Era o ministro Silveira. Ele tinha sido, por vários anos, embai- xador do Brasil em Buenos Aires. À noite, ia ao Alvorada com asses- sores e os documentos referentes aos entendimentos em curso para me relatar e trocar idéias sobre as negociações. Havia também reu- niões de representantes do Itamarati com os argentinos, ora em Bue- nos Aires, ora no Brasil. Havia um Tratado da Bacia do Prata, firma- do pelo Paraguai, Bolívia, Uruguai, Argentina e Brasil, destinado a #

< POLITICA EXTERNA E PRAGMATISMO RESPONSAVEL 347>

garantir a harmonia no aproveitamento da bacia. Mas alguns argenti- nos viviam no mundo da lua, com concepções estratégicas baseadas em conceitos geopolíticos. Uma dessas concepções era organizar uma via navegável fluvial de Buenos Aires até a saída do Orenoco, na Venezuela, ligando a bacia do Paraná-Paraguai aos lagos mais ao norte, até um afluente sul do Amazonas, avançando pelo Solimões e depois o rio Negro, para acabar no Atlântico. Essa seria a grande via da América do Sul. E a base seria o porto de Buenos Aires. Há livros de geopolítica da Argentina defendendo esse projeto. Muda- ram de idéia com o projeto de uma hidrelétrica a ser construída mais ao sul de Itaipu, em Yaceretá, na fronteira com o Paraguai. É uma usina ainda em obras, semelhante a Itaipu, porém maior.

Afora esses problemas relativos a Itaipu, nos entendíamos mui- to bem com a Argentina. Tínhamos boas relações com a Venezuela, cujo presidente veio em visita ao Brasil. Tínhamos interesse em con- seguir maior suprimento de petróleo, o que afinal não conseguimos porque a Venezuela já vendia toda a sua produção para outros, prin- cipalmente os Estados Unidos. Mas, assim mesmo, assinamos al- guns acordos sobre outros assuntos. Tínhamos boas relações com a Colômbia, mais remotas, talvez. Encontrei-me com o presidente do Peru no Amazonas. Fui a Tabatinga de avião, e lá havia um navio de guerra nosso. Na foz do Javari, havia um navio de guerra peruano, e a bordo desse navio estava o presidente do Peru. Tivemos uma parte das conversaçôes num dos navios e a outra parte, inclusive o almoço, no outro. Com o Equador, com a Bolívia, também eram muito boas as relações. A Bolívia foi o país que eu visitei no início do meu governo. Banzer era presidente. Fui a Cochabamba, onde ini- ciamos conversações sobre a venda de gás boliviano para o Brasil. Com o Paraguai, as relações eram tradicionalmente muito boas, não somente pelo Tratado de Itaipu. Já há muitos anos o Brasil man- tém no Paraguai uma missão de instrução militar. E cooperamos muito na construção de uma rodovia ligando a área de Assunção com a de Foz do Iguaçu. Com o Uruguai as relaçôes também eram muito boas, sem nenhum problema. Com o Chile náo tínhamos maiores relações, mas também não havia questões pendentes. As- sim, na América do Sul, nossa posição era tranqüila.

Uma relevante realização política do meu governo foi o Trata- do da Bacia Amazônica, elaborado à semelhança do Tratado da Ba- cia do Prata. Nele se congregaram todos os países que partilhavam a bacia. Foi obra do ministro Silveira. #



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No seu governo surgiram rumores sobre a proposta de um pacto do Atlântico Sul entre Brasil e Argentina, com a participação da África do Sul. Há algumfundamento nisso?

Não. O Brasil participou do boicote internacional à África do Sul por causa da segregação racial que lá imperava. No meu gover- no surgiu um problema relativo a provas esportivas, principalmente náuticas, a que os desportistas do Brasil queriam concorrer. Não participamos porque foi decretado o boicote a essas competições.

Com relação a pactos, o que há são certos acordos dentro da OEA. Anualmente se fazem manobras navais conjuntas da Argenti- na, Brasil e Estados Unidos para a defesa do Atlântico. É a opera- ção Unitas. Há também um relacionamento entre as forças terres- tres, mas extensivo aos demais países da América. Periodicamente representantes do Estado-Maior se reúnem, ou no Brasil, ou nos Es- tados Unidos, ou num outro país americano. São conseqüências da guerra, que permaneceram depois, por causa do problema comunis- ta. Até hoje existem. Em Washington funciona a Junta Interamerica- na de Defesa, integrada por militares dos países americanos.

Havia, durante seu governo, algum entendimento no sentido de uma política coordenada de combate à esquerda no continente americano?

A base da nossa organização continental é a OEA, que funcio- na nos Estados Unidos e procura fazer uma política para o conjun- to da América. A OEA era muito influenciada pelos Estados Unidos, e a política geral era anticomunista. Nenhum país da América, a não ser Cuba, se comunizou. Na América Central houve vários movi- mentos revolucionários comunizantes, mas, de fato, os países fica- ram solidários com o bloco ocidental, contra o comunismo.

Argentina, Uruguai e Chile também tiveram regimes militares mais ou menos na mesma época do regime militar brasileiro. Co- mo o senhor via esses governos? Eram diferentes do Brasil? Ha- via identidade entre eles?

Cada um tinha suas características próprias. No caso do Chi- le, Pinochet é muito condenado, muito criticado pela repressão que fez, mas o fato é que o país se desenvolveu. Hoje em dia, o Chile é um dos países da América do Sul que tem melhor economia, em #


matéria de inflação, de crescimento do produto bruto. Pinochet conti- nua lá, não é presidente, mas se reservou o lugar de chefe das For- ças Armadas e continua a ter influência. O regime militar na Argenti- na acabou com a loucura da invasão das Malvinas. No Uruguai a vida pública se normalizou. Todos eram e são diferentes e, presente- mente, segundo creio, não há mais problemas subversivos em ne- nhum deles.

Especificamente na América do Sul, em termos de combate à es- querda, houve naquela época alguma iniciativa comum?

Creio que não. Houve, desde o governo Médici, entendimentos com a Argentina e o Uruguai para o intercâmbio de informações. Na minha época houve uma tentativa de fazer uma espécie de união do Brasil com o Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia para o combate das ações subversivas, mas eu fui contra, seja porque essas ações já eram muito reduzidas entre nós, seja porque essa união não me merecia muita confiança e envolvia relações que considerei indesejá- veis. Recordo que recebi um oficial boliviano que veio a mim, em ca- ráter oficial, propor a união das áreas militares dos nossos países numa ação comum e eu me opus, dizendo que cada um devia resol- ver o seu problema. Sempre me opus a isso, admitindo apenas a troca de informações.

Na época de seu governo houve uma grande campanha internacio- nal em defesa dos direitos humanos. Com a posse do presidente Carter em janeiro de 1977, essa questão também entrou na agen- da das relações Brasil-Estados Unídos?

Sim, e aí surgiu novo problema. Tínhamos, desde o último go- verno do Getúlio, um Acordo Militar com os Estados Unidos. Em função desse acordo, eles mantinham uma missão militar e outra naval no Brasil, nos proporcionavam facilidades para a freqüência de oficiais brasileiros em suas escolas militares e, bem assim, nos supriam com algum material bélico. O Brasil podia comprar ou rece- ber armamentos dos Estados Unidos por preços especiais. A Mari- nha comprava navios que o americano desclassificava, já não usava mais, os recondicionava e trazia para cá.

Com a história dos direitos humanos, surgiram pelo mundo afora organizações náo-governamentais, como a Anistia Internacio- #



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nal, que começaram a querer influir nesses problemas. O Senado americano resolveu então estabelecer que todo auxílio que o governo americano prestasse na área militar dependeria de uma prévia apre- ciação da situação dos direitos humanos no país interessado. O Se- nado americano passava a ser juiz para decidir se o Brasil podia ou não receber os recursos previstos no Acordo Militar. Era uma intro- missão dos Estados Unidos na nossa vida interna, à margem das cláusulas do acordo. Quando assinamos o acordo não havia nenhu- ma cláusula que fizesse sua execução depender da aprovação do Se- nado americano relativamente à situação interna do Brasil. Da mes- ma forma, o Brasil nunca se arrogou o direito de examinar a situa- ção interna dos Estados Unidos, com o problema dos negros, dos porto-riquenhos, dos índios etc. Nunca nos preocupamos com isso. Era uma questão de independência, de autonomia nacional. Eu não aceitei a exigência do Senado americano e resolvi denunciar o Acor- do Militar. Aliás, por cláusula do próprio acordo, ele, depois de um certo número de anos, podia ser denunciado.

A área militar do seu governo concordou com isso?

Concordou, claro. A Marinha reagiu um pouco, porque se be- neficiava muito do acordo na questão dos navios. Mas, embora hou- vesse alguma ponderação, fui intransigente.


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