História do brasil moderno ernesto geisel



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E os senhores eram amigos antes?

Sim. Tínhamos bom contato. Contudo, não tínhamos relações de família. Minha senhora, dona Lucy, não tinha maiores relações com a senhora do Figueiredo, dona Dulce. Quando eu era presiden- te houve alguns jantares ou recepções no palácio da Alvorada para os quais dona Dulce era convidada e vinha. Mas relações familiares não havia. Com o Golbery também não. Às vezes eu ia à casa dele, conhecia a senhora e os filhos, mas relações de família nós não tí- nhamos.

Quando me encontro com Figueiredo, nossa conversa é amis- tosa, conversa de companheiros. Nos encontramos há algum tem- po, numa missa pelo Castelo, e conversamos. Ele me contou das suas mazelas, problemas da coluna, dos olhos, do coração. Conver- samos sobre o irmão dele, que tinha tido um acidente de automó- vel no qual falecera a senhora. Uma ocasião tivemos uma longa conversa, quando ele ainda estava no governo. O general Otávio Me- deiros, que era o chefe do SNI, me telefonou dizendo que o Figuei- redo precisava conversar comigo e pedia para eu ir a Brasília. Combinou-se então o dia, eles mandaram um avião, o general Me- deiros veio nesse avião, e eu fui. Passei praticamente quase todo o dia conversando com o Figueiredo no palácio da Alvorada. O pro- blema que havia era a sucessão, que estava muito complicada. Ha- via a candidatura do Maluf, de um lado, e a do Andreazza, do ou- tro. Era um conflito, uma divisão dentro do PDS, o que era muito ruim. Era a primeira vez que o partido do governo se fragmenta- va. Figueiredo não queria nenhum dos dois. Dizia que o Maluf, uma ocasião, tinha procurado corromper um dos seus filhos, que era engenheiro em São Paulo. Ele tinha horror do Maluf. Naquele tempo o Maluf era muito apoiado pelo Golbery, que já estava fora do governo. Golbery era contra o Andreazza. Havia conversado co- migo e eu lhe tinha dito: "Não quero Maluf nem Andreazza. Não quero nenhum dos dois".

Quem o senhor queria?

Queria o Aureliano. Achava que o Aureliano era o mais indi- cado. Mas o Maluf ganhou na convenção do PDS, e aí uma grande parte do partido, inconformada, foi fundar a Frente Liberal, juntan- do-se com a oposição. Daí resultou a escolha do Tancredo e do Sarney #



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Mas antes de essa história ser acertada, tive aquela conversa com o Figueiredo. A situação estava muito embrulhada, e o Figueiredo não queria o Aureliano. Eu disse: "Nesse impasse, você tem que usar a sua posição, a sua autoridade, a sua influência, e encaminhar uma solução. Se é que você acha que é preciso assegurar a continuidade, se é que você acha que é preciso evitar que o Brasil caia nas mãos do Tancredo". Ele não gostava do Tancredo. Sua resposta foi: "Não, eu não vou fazer isso, porque não é democrático". Perguntei: "Mas vem cá, Figueiredo, desde quando você é democrata? Você está querendo usar essa bandeira democrática porque seu pai era democrata. Seu pai lutou contra o Getúlio, fez horrores na base da democracia, inclusi- ve a Revolução de 32". Saí de lá muito deprimido. Voltei para o Rio sem entender realmente qual era o objetivo da minha viagem a Brasí- lia. Era para me expor o quadro e não querer adotar uma solução?

Não ficou muito claro que solução exatamente o senhor via para sair do impasse.

Ele tinha que usar o seu poder, escolher alguém viável e criar apoios em torno desse candidato. Trabalhar para um candidato usando o poder e o prestígio que ainda tinha como presidente. Ele ainda ia ser presidente por um bom tempo e realmente podia in- fluir. Mas o que era aquele encontro? Qual era o fato? Não entendi. Tempos depois vieram com uma explicação que pode ser verdadeira ou não. Havia uma corrente, dentro do Exército - e talvez dentro da Marinha ou dentro da Aeronáutica, não sei - e também no go- verno, que queria prorrogar o mandato do Figueiredo: não fazer elei- ção, apenas prorrogar. Era um golpe de força. Não sei se eles que- riam me sondar ou queriam me vender essa idéia. Mas sei que não tiveram coragem de me abordar.

O senhor acha que o presidente Figueiredo pensou nessa possibi- lidade?

Ele ou o entourage. Medeiros e outros podiam ter pensado, e ele e outros podiam ter embarcado nisso. Mas também não sei se is- so é verdade. Minha ida lá seria para ver se eu embarcava nessa so- lução? Não tiveram a coragem de expor a solução, mas pensaram que eu pudesse, numa certa hora, dizer: "Figueiredo, por que você não continua?" Podia ser que gostassem. #



O senhor não diria isso?

Não disse e não diria. Não era uma solução. Não era, inclusi- ve, dentro da idéia de levar adiante a abertura. Ele já tinha dado a anistia, e era preciso avançar mais.

O general Otávio Medeiros era uma pessoa muito influente no go- verno Figueiredo, não?

Sim, foi. Medeiros era um oficial muito bom, mas depois não sei o que houve e ele deu para beber.

Uma certa época se noticiou que ele queria ser candidato a presi- dente. E o SNI, durante o período dele, se expandiu muito. O se- nhor acompanhou isso?

Não acompanhei. Mas o que diziam, e dizem até hoje, é que o candidato do Figueiredo era o Costa Cavalcanti. A mim o Figueiredo disse que o Costa Cavalcanti era um intrigante. São coisas descone- xas que não fazem sentido. De um lado, Costa Cavalcanti seria o candidato dele, de outro lado, não servia porque era um intrigante...

Por que o general Figueiredo não queria Aureliano Chaves?

Ali houve uma intriga muito grande. Na época em que o Figuei- redo esteve doente e foi para os Estados Unidos, o Aureliano ficou interinamente na presidência e se movimentou muito no cargo. Hou- ve, inclusive, uma enchente no Rio Grande do Sul, e ele foi lá. Aí en- cheram a cabeça do Figueiredo dizendo que o Aureliano tinha procu- rado mostrar o contraste entre ele, que era dinâmico e trabalhador, e o Figueiredo, que era estático. Intrigaram, como se o Aureliano quisesse se sobressair na opinião pública em relação ao Figueiredo. Aureliano não gozava das benesses do palácio. Era, de certa forma, hostilizado pelo governo do Figueiredo.

A imprensa noticiou que quando o presidente Figueiredo foi para Cleveland, houve uma reação mílitar para não deixar Aureliano as- sumir. O general Otávio Medeiros teria pedido uma reunião com ele.

Isso eu não sei. Sei que por ocasião do enfarte houve uma reu- nião aqui no Rio com esse grupo, para discutir o que se tinha de fa- #

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zer naquela emergência. E houve muitas idéias. Mas o Leitão de Abreu, que já era o chefe da Casa Civil, chegou e disse: "A solução é o vice assumir". E aí todo mundo acatou. Essa fase depois do enfar- te do Figueiredo, dali para diante, é muito nebulosa.

Na fase da sucessão, o senhor foi procurado por Maluf ou Tancredo?

Maluf tinha me procurado muito antes. Foi a Teresópolis e saiu dizendo mais ou menos que teria o meu apoio. Fiz uma declara- ção dizendo que não era assim, que eu não o apoiava. Tancredo me procurou umas duas vezes na Norquisa, mas também não o apoiei. Meu candidato era o Aureliano.

Mas entre os dois quem o senhor prefería, Tancredo ou Maluf?

Eu preferia o Tancredo. Não gosto do Maluf. Acho-o muito ar- rogante, muito ambicioso. Mas este é um ponto de vista pessoal.

Parece que Tancredo procurou muitos militares para conversar

Sim. Creio que seu objetivo, quando me procurou, fosse me son- dar sobre os boatos que havia, relativos a possíveis hostilidades milita- res contra a sua candidatura. Havia alguma coisa, mas sem maior projeção. Eram grupos mais radicais, tipo Burnier, que não queriam a abertura e achavam que a revolução devia continuar ad Infinitum.

Quando o senhor tomava conhecimento desses boatos, tentava es- vaziá-los?

Eu evitava me imiscuir no problema. Não tinha mais nada com isso, não interferia. A única interferência que tive, além de que- rer apoiar o Aureliano, foi ir a Brasília quando me pediram. Como já disse, passei um dia lá conversando com o Figueiredo sem saber direito o que eles queriam. Uma vez vi uma declaração do Figueire- do em que ele teria dito: "Tancredo nunca!"

O general Leônidas Pires Gonçalves conta que dentro do Exército houve uma campanha contra Tancredo.

Houve gente dentro do Exército que realmente, em outras fa- ses da revolução, queria cassá-lo porque ele tinha sido solidário #



com o Jango e depois foi primeiro-ministro. no regime parlamentar. Antes da posse do Jango, Tancredo foi a Montevidéu se encontrar com ele, depois de conversar comigo. Eu era chefe da Casa Militar do Mazzilli e proporcionei um avião para que ele fosse. Por isso, Tancredo era visado por muita gente. Na verdade essa coisa vinha ainda de mais longe: Tancredo foi ministro da Justiça do Getúlio, e quando praticamente se fez a deposição do Getúlio, quando o Getú- lio se suicidou, ele fez um discurso atacando as Forças Armadas. Eu me lembro que um dos que defenderam o Tancredo e impedi- ram que ele fosse cassado foi o meu irmão. o general Orlando.

Mas em 1984/85, o que havia contra Tancredo além dessas histó- rias?

Nada, mas essas histórias ficavam.

Como o senhor viu a campanha das "Diretasjá"?

As coisas se complicaram um pouco quando a oposição fez a campanha das "Diretas já", insurgindo-se contra o sistema eleitoral instituído para a escolha do presidente. Em vez da eleição indireta. através do Colégio Eleitoral, lutavam pela eleição popular. Fizeram uma campanha enorme pelo país afora, gastando muito dinheiro, não sei de quem, e afinal não tiveram êxito. Quando o projeto chegou no Congresso foi rejeitado.86 Era sempre a forma de agir da oposição: quando o governo procurava avançar no processo da normalização, embora lentamente, de forma gradual, para se poder chegar a uma so- lução final sem maiores dificuldades, quando se revelava a tendência de que se ia para uma abertura de fato, a oposição pressionava e que- ria muito mais. Essa foi a dificuldade no relacionamento.

O senhor era contrárío às eleições diretas naquela época?

Sou até hoje. O que deram as eleiçôes diretas no Brasil? Col- lor e Itamar! Não discordo da importância de se ouvir a população,

86 Em 25 de abril de 1984 a emenda Dante de Oliveira, propondo eleições diretas pa- ra presidente da República, foi rejeitada no Congresso: 298 deputados votaram a fa- vor, 65 contra, três se abstiveram e 112, do PDS, não compareceram ao plenário. Fal- taram 22 votos para a aprovação. #

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mas creio que a nossa população está ainda num nível muito baixo, do ponto de vista cultural e do ponto de vista econômico. Não se po- de querer aplicar no Brasil um sistema eleitoral que pode ser ótimo na Alemanha, ou que funciona muito bem na Inglaterra. Quantos anos levou a Alemanha para chegar ao que é? Quantos anos levou a Inglaterra para ser o que é? Os próprios Estados Unidos? Nós va- mos copiando tudo o que eles fazem, sem verificar os caminhos que percorreram e se as nossas condições básicas estão aptas para o exercício da prerrogativa daquela forma. Por que não os imitamos evitando ou impedindo a proliferação de partidos que nada represen- tam, mas atrapalham e só servem aos seus donos?

Devemos estudar e refletir muito sobre o que é o Brasil. Qual é o nível educacional, o nível mental, o nível de discernimento, o ní- vel econômico do povo brasileiro nas diferentes regiôes do país. Es- se é um problema que até hoje nenhuma área política quis abordar. Vivemos sem nos preocupar com essas questões. Mas não é assim que vamos governar o país, nem é assim que vamos fazer este país progredir e chegar ao que pode ser. Vejam por exemplo: o ministro do Trabalho está insistindo agora num salário mínimo alto, da or- dem de 100 dólares.87 Essa idéia, teoricamente, está muito bem. O Nordeste, todavia, não pode pagar isso de jeito nenhum. Ainda on- tem eu estava vendo na televisão uma professora do Nordeste que ganhava meio salário mínimo por mês! Então essa história de sa- lário mínimo de 100 dólares passa a ser uma ficção. Aqui no Sul, em São Paulo e no Rio, talvez ainda se possa pagar, mas na maior parte do Brasil não se pode. Antigamente tínhamos salários míni- mos diferentes, regionais. Acabou-se com isso: "Vamos equalizar, é democracia, e se é democracia tem que ser tudo igual". De que adi- anta dizer que o salário mínimo é de 100 dólares se depois a pro- fessora recebe 50, 40 ou 30? E que professora é essa, no fim da história? Ou é uma abnegada, que está ali por vocação ou por senti- mento de apoio à mocidade, ou é uma analfabeta, péssima professo- ra. Vamos resolver o problema do Brasil assim? Não só não vamos, como vamos piorar.

Essa história de democracia plena, absoluta, para o Brasil, é uma ficção. Temos que ter democracia, temos que evoluir à procura

87 Este trecho do depoimento foi concedido em 26 de fevereiro de 1994. O ministro do Trabalho era Walter Barelli. #

de uma democracia plena, mas no estágio em que estamos impôem- se certas limitações. Qual é o estímulo, em muitas regiões do país, para o povo votar? São os favores que ele recebe. No Nordeste eu ou- vi histórias de que o eleitorado, quando chega a eleição, começa a re- ceber botinas, roupas e o mais para votar em certos candidatos. Eu, por exemplo, vivi um caso quando era secretário de Fazenda e Obras Públicas na Paraíba. O diretor de Obras Públicas era meu subordina- do e veio a mim, dizendo que havia recebido uma ordem para pôr à disposição de chefes políticos os caminhões das obras públicas do es- tado, para o transporte dos eleitores do partido do governo. Ele acha- va que isso não era razoável e veio a mim. Eu lhe disse: "Você tem razão, não ceda os caminhões. E pode dizer que é ordem minha". Al- gumas horas depois, eu soube que o outro secretário, que era quem cuidava da área política, tinha criticado a minha decisão, dizendo que eu era inadaptado, porque eu não era da Paraíba e não conhecia o sistema. Na hora do almoço, no palácio, encontrei-o conversando numa roda de políticos e lhe disse: "Você declarou que eu era um inadaptado, a propósito desse problema de caminhões. Quero lhe di- zer que eu não sou como você, que está agindo como um homem corrompido. No estado todos pagam imposto, seja os seus compa- nheiros de partido, seja os adversários. E assim não é justo que os caminhões só sirvam a você. Se você viesse propor que esses cami- nhões transportassem todos os eleitores, independentemente de parti- do, eu poderia concordar. Mas transportar só os seus eleitores e não os da oposição, eu não concordo, acho que é uma forma de corrup- ção". A mentalidade no Brasil é essa! Usar as coisas do governo em favor da sua facção, e os outros que se danem! Será que isso é de- mocracia? Eles vão dizer: "Pode não ser, mas que é prático é. E que é proveitoso é". Proveitoso para o bolso deles.

O senhor acha até hoje que a eleição para presidente deveria ser indireta, feita pelo Congresso Nacional?

Ou por um Colégio Eleitoral. Podia ser o Congresso com mais representantes das assembléias dos estados. Eu faria dois turnos.

Como no sistema americano?

Não. O sistema americano é por estado. Já houve nos Estados Unidos caso de candidato que, apesar de ter o menor número de vo- #



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tos populares, foi o escolhido para presidente. Minha idéia era ter no Colégio representantes do Congresso, representantes de certas en- tidades, de certos organismos. Esses elegeriam o presidente.

A eleição para governador de estado também deveria ser indireta?

Sim, também deveria ser feita por um Colégio Eleitoral, nu- cleado pela Assembléia Legislativa, que é quem legitima a eleição. A Assembléia ou o Congresso são o quê, afinal? São os representantes do povo. A Câmara representa o povo, enquanto o Senado represen- ta os estados.

Antes da campanha das "Diretas Já", houve as eleições de 1982, com a vitória do PMDB em vários estados, e de Leonel Brizola aqui no Rio. O senhor acompanhou os debates e comentários da área militar sobre a posse desses eleitos?

Não participei de qualquer debate, de qualquer coisa sobre es- sa eleição. Até hoje, embora não seja mais obrigado a votar por cau- sa da minha idade, eu voto. Toda eleição vou à seção eleitoral, entro na fila e dou o meu voto. Ora. o Brizola estava anistiado. podia ser eleito. O problema não era meu, era do povo que o elegia, do povo que lhe dava o voto sabendo o que podia ser. E tanto gostaram que o reelegeram! Depois vêm se queixar de que o Rio de Janeiro é is- so, não tem aquilo... O eleitor tem que se compenetrar e tem que es- colher muito bem. Essa história de voto obrigatório é outra calami- dade à qual sou contrário. Acho que devia votar quem quisesse. Aí, nem um décimo dos votantes de hoje iria votar. #

26 - Os governos civis

Quando Tancredo Neves foi eleito presidente da República, em 1985, a idéia que se tinha era de que ele fizera costuras políticas e acordos tão complicados que só ele mesmo daria conta de lidar com aquilo. Como o senhor via a situação?

Tancredo nunca foi um executivo, sempre foi um político ma- neiroso. Caracterizava-se pela habilidade política, mas de obra, de realização, como ministro da Justiça do Getúlio ou como primeiro- ministro do Jango, não deixou nada, deixou um vazio. Fazia muitos discursos, era considerado um homem hábil em negociações, um grande articulador, mas como administrador era nulo. Tanto que basta ver o ministério que preparou. Havia ministérios e mais minis- térios. Quando foram falar com o Sarney logo no primeiro dia, por- que ele tinha nomeado um determinado ministro cuja reputação era muito ruim, o Sarney disse: "O que vocês querem que eu faça? Está no caderno da dona Antônia!" A dona Antônia tinha a lista dos mi- nistros. Entre eles, realmente, não sei quantos e quais foram escolhi- dos pelo Tancredo e quantos o foram pela dona Antônia.

Tancredo lhe pediu alguma indicação para a Petrobras?

Não. Ele esteve comigo antes da eleição, quando ainda estava acesa a campanha, mas depois de eleito não me pediu indicações nem #

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eu sugeri qualquer nome. O que é preciso considerar é o seguinte: de- pois que saí da presidência, me afastei e fiz questão de não me envol- ver e não participar em uma série de acontecimentos, porque conside- rava que a minha fase tinha acabado. Minha atuação na área política, ou na área do governo, depois que saí, sempre foi muito limitada. Houve um pouco de atuação ainda no tempo do Figueiredo, depois não. Estive várias vezes com o Sarney mas nunca interferi no governo.

O presidente Sarney o procurava?

Sim, às vezes. Uma vez fui a Brasília, por ocasião do enterro do Golbery, ele soube e pediu que eu fosse ao palácio. Ofereceu-me um almoço e conversamos longamente sobre questões do governo, claro. Ele tinha o problema do Ulysses, que mandava e desmanda- va. Uma vez Sarney convidou Tasso Jereissati para ser ministro da Fazenda, e o Ulysses obrigou-o a desmanchar o convite. Tasso che- gou a ir a Brasília para tomar posse, mas, quando chegou lá, já não era mais ministro.

O problema inicial do governo Sarneyfoi que ele, como vice de Tancredo, não tinha muita força.

Puseram em dúvida, e o próprio Figueiredo também, se cabia a ele assumir a presidência. Bastava ler direito a Constituição e in- terpretá-la devidamente para ver que ele tinha direito. Porque, embo- ra Tancredo não tivesse tomado posse, Sarney tinha. Tinha presta- do juramento perante o Congresso. Era realmente o substituto legí- timo, cabia a ele assumir o governo. Figueiredo achava que não e resolveu não ir à posse. Dizem que saiu pelos fundos do palácio.

Qual era sua impressão geral do governo Sarney?

Eu não gostava. Achava um governo relativamente fraco, com muita interferência familiar, coisa que também considero altamente inconveniente. Eram a filha, o genro, o filho, a senhora, muita gente interferindo. Para mim, a família não tem nada que se meter nas questões do governo. Às vezes, ficam deslumbrados. Um presidente também não pode avançar certas coisas tomado de entusiasmo por- que acaba se desmoralizando. Quando o Funaro fez o Plano Cruza- do, o Sarney se entusiasmou tanto que chegou a ir para a televisão e dizer: "Inflação, nunca mais!" Uma coisa completamente irreal. #



Sarney é uma pessoa muito gentil, amável, agradável de se con- versar. Uma ocasião mandou um avião me buscar para uma inaugura- ção em Itaipu, não me lembro mais que fase era. Ficamos no mesmo hotel dele me convidou para jantar. Uma das vezes que conversamos, naquela ocasião do enterro do Golbery ele me disse que estava todo entusiasmado com o relacionamento com o presidente da Argentina, sobretudo com o entendimento sobre as questões nucleares. Tinham permitido que visitasse as usinas nucleares que a Argentina tem, e ele estava muito entusiasmado com isso. Perguntou minha opinião, e eu disse a ele francamente o que pensava: "Acho ótimo nos relacionar- mos bem com a Argentina. Essa história de querer criar antagonismo entre o Brasil e a Argentina é bobagem. Temos que tratar de viver bem, ser bons vizinhos. Contudo, não podemos atrelar os interesses do Brasil aos da Argentina. O interesse maior do Brasil não está na Argentina, nem no Uruguai, nem no Chile, nem no Paraguai. O interes- se do Brasil está, como já tive a oportunidade de dizer, no Hemisfério Norte, nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra, na França, na Alemanha, no Japão. É para lá que temos que nos virar. Lá vamos conseguir tecnologia, mercados, investimentos e financiamentos. O Bra- sil é um país muito grande, já tem uma expressão importante no mun- do, não só pela extensão do seu território mas também pelo seu de- senvolvimento que está aí desabrochando, pela sua produção agrícola e industrial, e tem que se virar para o Hemisfério Norte para crescer mais. Com a Argentina nós não vamos conseguir nada para crescer". Ele não gostou. Fui muito franco. Era o meu ponto de vista pessoal.

O que o senhor acha então do Mercosul?

Não acredito nisso, porque o comércio e o desenvolvimento dos países envolvidos são relativamente pequenos. Há pouco tempo a Argentina começou a importar grande quantidade de produtos do Brasil, o ministro Cavallo achou ruim por causa do déficit na balan- ça comercial e começou a taxar o produto brasileiro. Em que ficou a idéia do Mercosul?

Sua objeção principal vem do fato de os países do Mercosul repre- sentarem um mercado incipiente?

É um mercado relativamente pequeno. Qual é a população do Uruguai? Qual é a população da Argentina? A população da Argenti- #



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na é estável, não cresce. Como mercado, comparado com o Brasil, é limitado. Depois, há outros problemas que já estão acontecendo, pe- lo menos com produtos químicos. O produto europeu ou americano entra no Uruguai, que é um país livre-cambista, onde tudo entra à vontade. Colocam um rótulo no produto como se fosse produzido no Uruguai, e aí ele entra livremente no Brasil. Essa é uma das frau- des. E assim como essa há outras. É claro que a gente pode se de- fender, mas o problema principal é que esse mercado é relativamen- te insignificante comparado com o europeu, o americano ou o japo- nês. Por isso eu sou cético, não acredito muito no êxito do Mercosul.

voltando ao governo Sarney, houve uma batalha na Constituinte pelo mandato de cinco anos. Sarney chegou a dizer que precisava de cinco anos porque os militares estavam muito inquietos, havia ameaças. . .

Não. acho que não havia isso. O mandato dele, inicialmente, era de seis anos. Queriam reduzir para quatro e ele então pleiteou cinco. Mas pelo menos a mim não consta que houvesse problemas com os militares. Não sei o que o Leônidas, que era ministro do Exército, teria dito a ele. Não sei o que havia de real nisso.

Como o senhor recebeu o Plano Cruzado?

No começo fiquei com a impressão de que era um alívio, mas quando se faz uma análise mais detalhada, chega-se à conclusão de que era uma utopia que não podia durar. Acabou em fracasso, ape- sar de todo o charme do Funaro. A mesma coisa aconteceu com o Collor, que congelou os depósitos nos bancos, enquanto os amigos e os mais avisados, na véspera, desbloquearam o seu dinheiro. Como já disse, Sarney sempre foi muito amável comigo. É um homem mui- to educado, um homem civilizado. Seu governo, entretanto, foi outra coisa. Terminou com uma inflação da ordem de 80% ao mês!


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