História do brasil moderno ernesto geisel



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Portanto entrou no seu cálculo ofato de ele ser uma pessoa "pala- tável" para a linha dura?

Sim, claro. Porque se eu fosse me orientar mais pela questão da amizade, nomearia o José Pinto ou o Dilermando, que também eram muito eficientes e eram os dois mais chegados a mim.

O senhor não temia que a linha dura também tentasse fazer do general Bethlem candidato?

Não. O tempo já era pouco... E o Bethlem nunca tinha mani- festado aspirações políticas. Além disso, havia o exemplo negativo do Frota.

Após o general Bethlem assumir o ministério, foi feito um remane- jamento de comandos?

Não. Os comandos de um modo geral continuaram os mes- mos. Nomeou-se um novo comandante para o III Exército, mas não houve maiores modificações. O Bethlem, como era natural, organi- zou seu gabinete no ministério. Escolheu seus auxiliares, problema em que não me envolvi, nem fiz qualquer indicação.

O senhor não teve mais problemas na área militar até a demis- são do general Hugo Abreu?

Não. O Hugo Abreu criou uma série de casos. Já disse aqui qual era a psicose dele. Era um bom soldado, mas não tinha mui- tas luzes. Dizia-se que a família era muito ambiciosa e talvez tam- bém tenha posto a mosca azul na sua cabeça. Não posso afirmar. São impressões sem uma base concreta, ilações que a gente pode fa- zer em razão dos fatos. O Hugo estava vendo que eu ia encontrar di- #


ficuldades para conciliar entre a candidatura do Frota e a candidatu- ra do Figueiredo. Seria possível que eu caminhasse para um tertius, e por que não ele? Era mais antigo que o Figueiredo, tinha a Cruz de Combate de Primeira Classe, conferida na Itália, era dedicado na função de chefe da Casa Militar, logo, podia alimentar esse sonho. Quando eliminei o Frota e indiquei o Figueiredo como o candidato à presidência, ele se decepcionou, resolveu romper e ir embora. Mi- nha conclusão é essa: ele se julgava um possível candidato. Mas real- mente não tinha condições para tanto, não tinha cultura nem quali- dades para dirigir o país.

Ele alega em seus livros que o senhor lhe teria garantido que a demissão do general Frota não beneficiaria o general Figueiredo.83

Eu não disse a ele que não ia ser o Figueiredo. Ele reclama sempre que eu tinha dito que a sucessão presidencial só seria trata- da em certa época e tratei dela antes. É uma questão em que não há rigidez, e com a qual ele nada tinha a ver. Creio que ficou frus- trado. Creio que já estava doente. Nas reuniões que havia de ma- nhã, era comum ele cochilar. Veio a morrer, tempos depois.

É interessante observar que as duas grandes crises militares que o senhor teve, com os generais Sílvio Frota e Hugo Abreu, foram crises relacionadas com a sucessão.

Não considero a saída do Hugo Abreu da Casa Militar e suas gestões posteriores, como a candidatura do general Euler etc., inclu- sive os dois livros escritos em seu nome e as punições que sofreu, como crise militar.

Na escolha do seu sucessor o senhor chegou a cogitar de um can- didato civil?

Um civil que me procurou e pensou em ser candidato, e que depois o Hugo Abreu procurou seduzir, foi Magalhães Pinto. Mas o Magalhães Pinto era um eterno candidato à presidência da Repúbli-

83 O Outro Lado do Poder e Tempo de Crise (Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1979 e 1980). #



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ca, desde a Revolução de 64. O problema fundamental na escolha do meu sucessor, com a abertura que se pretendia fazer, era assegu- rar a continuidade dessa ação e, bem assim, assegurar ao novo governo a indispensável estabilidade. Reuni então o Petrônio e vários líderes da Arena e lhes perguntei se achavam que já era possível termos um candidato civil, se achavam que um civil poderia ter con- dições de conduzir o país sem maiores tropeços. Todos eles respon- deram que não. Um homem que, na minha opinião, poderia ser pre- sidente da República era o Petrônio. Era um nome de primeira or- dem. Mas a opinião de todos era de que o próximo presidente ainda deveria ser um militar. Achavam que um civil não teria força ou po- der para implantar as medidas decorrentes da abertura, como a anistia etc. Não havia nenhum civil que tivesse adequada identifica- ção com as Forças Armadas para levar a termo esses problemas. Fiz essa consulta depois da demissão do Frota mas antes da indicação do Figueiredo. Acredito que a resposta unânime que eles me deram fosse sincera.

Como resultado dessas conversas, vi que a solução ainda teria que ser um militar. E dentro da área militar quem se sobressaía era o Figueiredo. Quais eram as credenciais do Figueiredo? Ele tinha as- sistido a boa parte do governo do Castelo, pois desde o começo foi le- vado pelo Golbery para a Agência Central do SNI no Rio. Depois, quando se cassou o Ademar de Barros, para assegurar maior tranqüi- lidade em São Paulo, foi comandar a Força Pública do estado, onde saiu-se muito bem. Depois, foi servir com o Médici e o acompanhou no governo como chefe da Casa Militar. Acompanhou também o meu governo do primeiro ao último dia. Quer dizer, acompanhou três go- vernos, sendo que dois no dia-a-dia. Tinha uma experiência e uma vi- são muito grande das coisas, da estrutura governamental, dos proble- mas nacionais. Inclusive, tinha conhecimento dos homens. Sua chefia no SNI lhe permitiu acompanhar a atuação dos remanescentes da subversão e de grande parte dos homens públicos do país. A pessoa mais qualificada, do ponto de vista de conhecimento dos problemas nacionais, era portanto o Figueiredo. Não havia ninguém que tivesse tanta identificação com o governo do Brasil. E ele tinha sido excelen- te oficial, nos três cursos do Exército sempre tirou o primeiro lugar: era "tríplice coroado". Tinha muito bom conceito dentro do Exército e estava identificado com o meu projeto de abertura. Na minha área, de modo geral, o nome que sempre surgia era o do Figueiredo. Gol- bery e Heitor Aquino também apoiavam a sua indicação. #
O senhor também conversou com alguém da oposição?

Não. A oposição não queria conversa comigo. Creio que esse diálogo teria sido difícil, inclusive pela intransigência dos líderes oposicionistas e, conseqüentemente, a minha.

Ofato de o general Figueiredo ter estado afastado da tropa por vários anos, ter tído uma carreira em boa parte palaciana, não in- comodava os militares?

Não. No governo do Costa e Silva, Figueiredo esteve na tropa, no comando do Regimento dos Dragões no Rio e depois em Brasí- lia. Depois foi chefiar o Estado-Maior do Médici no III Exército e aí tinha contatos com a oficialidade e a tropa. Cultivava muitos amigos no Exército, era muito bem relacionado. Foi para a presidência com elevado conceito. Depois houve surpresas.

O senhor não chegou a cogitar de outro candidato militar na épo- ca?

Não. O nome era Figueiredo.

Qualfoi a reação do general Figueiredo quando o senhor o convi- dou para ser candidato?

Convidei-o para ir à Granja do Torto, onde eu estava passan- do o fim de semana. Expus-lhe o problema e o convidei. Ele reagiu, disse que não, que não queria, que não seria. Argumentei: "Figueire- do, vá pensar e me dê uma resposta porque tem que ser você. Eu não tenho outra solução". Isso ocorreu em fins de 1977, novembro ou dezembro, e eu o lancei no começo de 78.

Como foi o episódio da promoção do general Figueiredo?

Esse foi um problema em que fui praticamente vencido. Vi- nham a mim e diziam: "O Figueiredo tem que ser promovido a gene- ral-de-exército". Ele era general-de-divisão, e havia alguns mais anti- gos do que ele. Eu perguntava: "Mas por que ele tem que ser promo- vido? Ele não pode ser presidente da República como general-de- divisão? Não tem nada que ver com o posto. Ele é um cidadão co- mo outro qualquer. Não se coloca um civil na presidência da Repú- #



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blica? Por que ele não pode ser presidente como general-de-divi- são?" Um dia vieram ameaçar: se o Figueiredo não for promovido a general-de-exército, para ter ascendência sobre os outros, ele não quer ser candidato. Manobraram no Alto Comando, e ele veio na ca- beça da lista. Foi promovido. Eu achava isso irrelevante, mas me rendi. Achava que não era importante. O que vale é a pessoa, não a roupagem que está vestindo.

Mas parece que já tinha havido um problema com o general Albu- querque Lima, não?

Pois é. Ele tinha o exemplo do Albuquerque Lima, que quan- do quis ser candidato, surgiu a questão de que não tinha hierar- quia. Alguém disse ao Figueiredo, não sei se foi o meu irmão, que os generais-de-exército não iam bater continência para ele. Mas ele ia ser presidente da República! O que tem uma coisa a ver com a outra? É bem verdade que, naquela época, os tempos eram outros.

Escolhido o general Figueiredo como candidato à sua sucessão, o senhor enfrentou algum problema dentro da área política?

Aí houve um outro episódio, que foi a escolha do candidato ao governo de São Paulo. A eleição dos governadores em 78 ainda seria feita por via indireta, ou seja, pelas assembléias e mais outros elementos. Analisei a situação nos estados com Figueiredo e os polí- ticos, e foram sendo identificados os candidatos da Arena. Um dos possíveis candidatos ao governo de São Paulo era o prefeito da capi- tal, o homem do Banco Itaú, Olavo Setúbal. Eu achava que o Olavo Setúbal era um homem de muito valor, tinha sido muito bom prefei- to. Mas o Golbery vinha me dizendo: "O Figueiredo quer o Natel". Eu respondia: "Mas não é possível!" Eu estava vendo que aí não nos entenderíamos. Fui deixando São Paulo para o fim e afinal cha- mei o Figueiredo e disse-lhe: "Temos que resolver agora quem a Are- na vai indicar para governador de São Paulo". Disse ele: "Tem que ser o Natel. Ele tem muito prestígio político, já foi governador..." Res- pondi: "Pois é, já foi governador duas vezes. O prestígio dele vem do futebol. Ele é líder do São Paulo, mas foi um governador medío- cre". Figueiredo: "Mas ele é meu amigo e tem apoio". E ficamos nu- ma discussão desagradável. Acrescentei: "Figueiredo, você não está vendo que está menosprezando e ofendendo os paulistas? Não exis- #


te ninguém que possa governar o estado a não ser o Natel, que é medíocre!? Mesmo que ele fosse bom, já governou duas vezes! Va- mos escolher outro! Você quer comparar o Natel com o Olavo Setú- bal?" Ele insistiu, e afinal concluí: "Olha, quem vai governar o país é você, quem vai viver com o governador de São Paulo é você, eu não tenho mais nada com isso. Vamos fazer o que você quer. Bota o Natel".

Natel foi o candidato indicado, mas enquanto isso Maluf mano- brou de todo jeito, comprou votos e acabou ganhando a eleição. Quando viu o resultado, Figueiredo me telefonou: "E agora?" Respon- di: "Agora vamos cumprir a lei. O governador vai ser o Maluf". A tur- ma que era contra o Maluf começou a mover ações na Justiça, ale- gando irregularidades no pleito, querendo anulá-lo. Vieram falar co- migo, querendo ver se eu, com as relações que tinha no Poder Judiciário, podia influir. Respondi: "Negativo. Não peço nada à Justi- ça. A Justiça vota como acha que deve votar". E acabou o Maluf sen- do governador. #

TERCEIRA PARTE

O Brasil da Transição #

24 - Balanço de governo

Fazendo um balanço de seu governo, o senhor realmente deve ter tido trabalho para levar adiante um projeto de abertura política que desagradava a amplos setores militares...

E desagradava também à oposição, que queria liquidar o as- sunto logo. Era difícil. Evidentemente, havia a minha autoridade, que devia se sobrepor, tanto que, quando a oposição resolveu ir para a luta, recusando aprovação ao projeto de reforma do Judiciário que ela antes tinha endossado, eu também tive que ir para a luta e usar o meu poder. Eu tinha poder, o AI-5 estava em vigor. Se estava em vi- gor, eu não podia usá-lo? Eu não poderia dizer amanhã que não fiz isso, não fiz aquilo, porque não tinha instrumento de ação. Os instru- mentos estão aí para serem usados de acordo com as necessidades e quando oportuno. Mas me omitir, não fazer? Dizer: "Não quiseram aprovar, então não se fez a reforma judiciária. Não querem isso, en- tão não se faz". Que governo seria esse? Seria um presidente que não resolve problema nenhum, fica comodamente no seu gabinete e diz: "Não posso fazer porque a oposição é contra, não posso fazer porque os militares não querem..." Pelo menos não é do meu tempe- ramento, do meu caráter. #

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O general Moraes Rego, em seu depoimento ao CPDOC, declara que a oposição e os setores civis que queriam a transição política não entenderam o tamanho do problema que o governo estaria vi- vendo para enfrentar e controlar os setores militares mais radicais.

Eles não entenderam e creio que não queriam entender. Acha- vam que com ações às vezes desabridas, no Congresso ou na im- prensa, captavam a opinião pública a favor deles. Se entendessem e honestamente quisessem ver o problema resolvido, se comportariam de outro modo. Eles adquiriram um pouco mais de ação quando se realizou a eleição de 74 em que o MDB conseguiu um grande avan- ço. Com isso, acredito que na cabeça de muita gente surgiu a im- pressão de que o MDB estava prestes a tomar conta do poder. E aí eles se excediam no combate ao governo, o que levava sempre a uma reação. E cada vez que se fazia uma reação se estava pratica- mente dando um passo atrás na abertura. Várias vezes nós tivemos retrocessos, provocados, em grande parte, por essa atuação da opo- sição.

A meta original da abertura era mais ou menos a quefoi cumpri- da?

Mais ou menos: Golbery queria maior rapidez e eu, por pre- caução, maior lentidão. A meta que foi cumprida, inclusive no timing e na forma, sofreu a influência dos fatos supervenientes du- rante os anos de governo. As pressões da oposição, a atitude de cer- tos oposicionistas no Congresso ou nos jornais retardavam a disten- são. Se a oposição se tivesse conduzido com mais cautela, sem exer- cer determinadas ações, possivelmente a abertura teria sido feita

muito antes.

Não sei se está claro e compreensível o que estou dizendo. Mas é lógico: se o adversário começa a deblaterar contra o governo, a falar mal do governo, a reagir contra o governo, a conspirar con- tra o governo, necessariamente vem a reação. Tanto que eu tive de fazer várias cassações. As ações da oposição exacerbavam a área da linha dura, daqueles que de certa forma estavam ao lado do gover- no, mas eram a outra parte que eu necessitava vencer. Minha luta se travava em duas frentes. Não era uma tarefa fácil! Era necessário agir com muita reflexão. #

O que era mais difícil: enquadrar os setores mais radicais ou con- viver com a oposição política?

A situação toda era muito difícil, muito complexa. Havia cer- tas atuações da oposição, havia o problema militar da área mais ex- tremada, mas havia também os problemas econômicos, os proble- mas sociais etc. O governo é um complexo tremendo, terrível. E a gente não pode pensar em isolar um problema sem ter uma visão do conjunto. Poder-se-ia dizer: "Mas o senhor era presidente, estava com a faca e o queijo na mão, podia dar ordens". Mas não é assim. Muitos cansam de dar ordens que não são cumpridas. Quando se dá uma ordem é porque se tem meios ou condiçôes de exigir o seu cumprimento. Quando não se tem esses meios é inútil. Ao dar uma ordem sem ter a certeza de que vai ser cumprida, o chefe se desmo- raliza. Por isso, quando se dá uma ordem é necessário ter muito cuidado. Não se pode ser abrupto, é necessário examinar, estudar, ponderar, para ter a certeza do cumprimento. E mais: é necessário que se tenha meios ou formas de fiscalizar esse cumprimento. Isso, com o tamanho do Brasil, não é nada fácil.

Ainda antes de terminar o governo, o senhor deu uma entrevista dizendo que o dia maisfeliz da sua vida seria quando passasse a presidência. Quais são seus sentimentos pessoais em relação à presidência?

Sem dúvida, ser presidente de uma nação é uma honra a que poucos podem aspirar ou que poucos podem ter na vida. A presi- dência é um fardo de enormes responsabilidades, é uma preocupa- ção constante. Não se dorme direito com os graves problemas, cri- am-se inimigos. Há necessidade de tomar decisões por vezes difíceis e que desagradam. Eu disse que o dia mais feliz da minha vida se- ria quando saísse da presidência e não errei ao dizê-lo. Muita gente pensa que o presidente da República goza a vida cercado de corte- sãos e é um homem feliz, que tem tudo o que quer. Mas não é assim! A responsabilidade é enorme. Qualquer coisa que faça tem repercussão, inclusive sobre os outros. As medidas que toma vão in- fluir na vida de muitá gente, e aí é que vêm os dramas de consciên- cia. Para poder resolver, há necessidade de se esclarecer, de ter informações, de saber qual é a realidade, o que está acontecendo, quais os verdadeiros dados do problema, e nada disso é fácil. Contudo, se o presidente não é consciente, só quer ver a face agra- #

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dável do emprego e não se preocupa com os ônus e a responsabili- dade, aí pode ser que o cargo seja uma delícia. Empregar a família, permitir o roubo pelos amigos, passear muito no estrangeiro etc. se- rá uma delícia. A avaliação do que é a presidência da República constitui problema de consciência para quem está no cargo.

O senhor saiu satisfeito com o fim do seu mandato?

Saí satisfeito por ter chegado ao fim. Creio que cumpri com o meu dever. Podia ter feito outro governo, podia talvez ter errado me- nos, ter feito mais, e coisas melhores, mas nas circunstâncias que se me apresentaram, procurei não me deixar levar, nas decisões, pe- la paixão, pela simpatia ou pela animosidade. Sempre procurei me conservar, tanto quanto possível, sereno; às vezes podia me exaltar, mas sempre procurei fazer o que achava ser justo. Fiz algumas coi- sas boas para o país. Dei alguns impulsos no progresso material, na melhoria do quadro social e político, e consegui vencer todas as resistências e acabar com o AI-5, que era uma das excrescências que tínhamos.

Há algo que o senhor se arrependa de terfeito, ou de não ter fei- to?

Há muitas coisas mais que eu queria fazer e não fiz. O ideal está sempre mais longe do que a realidade. Mesmo na nossa vida privada, queremos fazer muito mais do que realmente fazemos. A presidência também é assim. Parti do princípio - era uma idéia ar- raigada - de que não se governa com parentes nem com amigos. Pode-se fazer amigos na presidência, mas não se deve levar pessoas para junto do poder apenas porque são amigas, nem distribuir car- gos entre parentes. São fatores negativos para quem quer governar. É preciso ter muita isenção e capacidade para resistir. A escolha da pessoa é feita em função da sua capacidade para o cargo. Ela tem que ter qualidades, méritos, idéias que justifiquem a escolha. Sem- pre pensei assim e procurei, dentro do meu governo, fazer isso.

A pressão para nomear amigos é muito grande?

É, há insinuações. É um problema! Saber escolher auxiliares, pessoas para os diferentes postos do governo, é fundamental. #



O senhor ganhou muitos presentes enquanto esteve na presidên- cia?

Alguns. A Fiat deu um carro para a minha mulher, e ela ime- diatamente fez sua doação à Associação dos Candangos de Brasília, que o leiloou. Ganhei várias vezes animais, bezerro, boi, cavalo etc., e sempre os doei para serem leiloados, para que o dinheiro revertes- se para o candango. Recebi alguns quadros e tapetes, inclusive dos ministros, por ocasião dos meus aniversários, sem grande valor ma- terial, mas de valor estimativo como lembrança. Levei-os para mi- nha casa em Teresópolis.

Os empresários, em geral, gostam de presentear com seus produ- tos, até como forma de propaganda. Isso era muito comum?

Náo comigo. Náo sei se minha fisionomia era muito severa ou inspirava respeito. Em Porto Alegre estive na Confederação das In- dústrias, onde estavam muitas pessoas amigas e conhecidas. Presen- tearam-me com um quadro de um trecho da cidade, como era anti- gamente, quando eu lá estudava no Colégio Militar. Era apenas uma recordação do passado.

Como foi seu último dia de governo? Como foi a sensação de dei- xar a presidência?

O último dia, aliás, os últimos dias de governo foram de mui- ta alegria, porque eu ia me ver livre do cargo. Um dos dias mais fe- lizes para mim foi aquele em que passei o governo e fui de tarde pa- ra a minha casa em Teresópolis. Havia lá muita gente amiga me re- cebendo, e tive uma grande satisfação em estar liberado. O exercício da função pública depende muito de como ela é entendida. Uns gos- tam da função pública para gozá-la, outros pela oportunidade de ga- nhar dinheiro, outros - e eu me incluo entre esses - a vêem como uma função de responsabilidade, cheia de problemas que não se po- de evitar, mas que se tem de resolver, nem sempre com soluções agradáveis. Ao contrário, muitas vezes não há solução boa. Entre um leque de soluções possíveis, escolhe-se a menos ruim. É um dra- ma saber que aquela solução não é boa, mas náo há outra que se possa adotar. O governo é, de certa forma, quase uma tortura, e por isso me senti muito feliz quando saí. Não tive nenhuma saudade. #

<424 ERNESTO GEISEL>

O senhor foi para Teresópolis no próprio dia 15 de março de 1979?

Sim. Passei o governo em Brasília, peguei o avião para o Rio e daqui fui de automóvel para Teresópolis. Deixar Brasília no mes- mo dia da transmissão do poder é um procedimento normal. Todos os presidentes que acompanhei, quando passaram o governo, deixa- ram Brasília e vieram para o Rio. O presidente Castelo fez isso, acho que o Médici também. É, inclusive, uma questão de ética, por- que se o presidente que sai lá ficar, tira a atenção geral do novo pre- sidente. O normal é que aquele dia seja todo do novo presidente: ele assume o governo, recebe os seus amigos, os representantes dos governos amigos, possivelmente vai a uma recepção no Itamarati. O presidente anterior ficaria ali atrapalhando. A norma que conheço e que pratiquei foi a de sair logo.

Como passou a ser sua rotina diária após a presidência?

Fiquei na minha casa em Teresópolis. Um dos primeiros traba- lhos que tive foi o de arrumação, porque tudo ali estava meio ataba- lhoado. Encontrei meus livros empilhados no chão e tive que arru- má-los nas estantes. Também fazia caminhadas. Saía de manhã ce- do, lá pelas cinco horas, e dava uma caminhada grande, de alguns quilômetros, subindo morro, descendo morro. Depois voltava para casa para tomar o meu café. Ia ler os jornais, passeava um pouco pela horta, aí vinha a hora do almoço e depois eu dormia uma pe- quena sesta. Era uma vida comum.

Na época da presidência eu também caminhava com a dona Lucy no próprio Alvorada, sobretudo na parte dos fundos, que confi- na com os lagos. Aos sábados e domingos, quando ia para o Riacho Fundo, havia uma área bem grande, e lá eu fazia uma caminhada de manhã e outra de tarde. Havia piscina no Alvorada e no Riacho Fundo, mas eu nadava pouco. Hoje minhas caminhadas já estão muito reduzidas. Quase não há áreas planas em Teresópolis, é preci- so caminhar subindo ou descendo, e aí o meu problema da idade vai criando restrições. Há também mais comodismo.

O senhor tem essa casa em Teresópolis há muito tempo?

Não. Desde o tempo da Petrobras eu ia a Teresópolis, e uma certa época comprei lá um apartamento em construção. Quando fui para a presidência, logo no dia seguinte mandei vender o apartamen- to e comecei a cogitar na construção dessa casa. Fui vendendo tudo #



o que eu tinha por aí - eu tinha terreno na Barra, outro no Re- creio dos Bandeirantes, um terreno na ilha do Governador, um gran- de terreno em Brasília - para poder construir. A obra levou alguns anos, e eu tinha a preocupação de que a casa estivesse pronta no dia em que saísse da presidência. Eu tinha também um apartamen- to em Ipanema, que agora é da minha filha. Comprei-o trocando por outro que eu possuía no Leblon.

Quem deu as coordenadas em termos de estilo na casa de Teresópolis?

Foi um amigo, arquiteto do Paraná, Sérgio Bopp. É originário do Rio Grande do Sul. Era cunhado de um dos meus ajudantes-de- ordens, e, numa conversa que tivemos, se ofereceu para fazer o pro- jeto. Dissemos-lhe em linhas gerais o que desejávamos, e ele, depois de examinar o terreno, apresentou dois ou três esboços, entre os quais fizemos nossa escolha. A partir daí, nada foi modificado. Pare- ce-me que a casa ficou grande demais. Podia ser bem menor, mas naquela época a idéia do arquiteto era essa e prevaleceu.


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