História do brasil moderno ernesto geisel



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Hoje em dia passo praticamente quatro dias por semana em Teresópolis e três aqui no Rio.

Quanto tempo o senhor demorou para voltar a ter atividades pro- fissionais?

Tempos depois, acho que em meados de 1980, eu já estava ansioso. Não fazia nada, apenas lia muito. Minha ocupação era ler. Foi quando um pessoal da Petrobras que tinha trabalhado comigo quando eu era presidente da empresa me procurou. Havia a idéia de desenvolver no país a produção da química fina. É uma área da quimica que se caracteriza por produzir artigos ou produtos de pe- queno volume, mas de alto custo. Havia uma série de projetos nes- se sentido. Essas pessoas resolveram então organizar uma empresa sob a minha presidência, a Norquisa, cujo capital principal resulta- va de ações da Central Petroquímica da Bahia, a Copene.84 Com es- ses recursos se iniciaram as atividades, às vezes com bom resulta- do, outras vezes com insucesso. É uma área muito difícil e, hoje em dia, com a situação do mercado, com a alta taxa de juros, com a liberação de importações, com esse quadro todo, o problema tor-

84 Companhia Petroquímica do Nordeste. #



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na-se mais complexo. Mas estamos trabalhando, lutando, e em algu- mas coisas temos tido êxito.

Esse foi o primeiro convite que o senhor recebeu para trabalhar na área empresarial?

Foi. Eu não pretendia trabalhar. Mas fizeram um apelo, e aca- bei vindo. Achei que seria bom para mim, porque eu iria ter uma ocupação, iria ter com o que me preocupar. O pior é a pessoa estar ociosa, sobretudo aquela que se habituou a trabalhar a vida toda. A ociosidade é muito desagradável. Além do mais, eu ia trabalhar nu- ma área sobre a qual conhecia alguma coisa, pois tinha lidado com o problema da petroquímica quando estive na Petrobras. Não quis saber de nenhuma outra empresa. Houve outros convites, solicita- ções, mas não me interessei.

Normalmente, um ex-presidente recebe muitos convites da iniciati- va privada?

Sim. É solicitado porque, na prática, procura-se fazer do ex- presidente um cartaz, um chamariz. Acho que isso não é muito cer- to e não pretendia fazer esse papel.

O senhor já conhecia toda a equipe da Norquisa?

Conhecia muitos. O pessoal da direção e muita gente da área técnica era da própria Petrobras. Licenciavam-se ou saíam da Petro- bras para vir trabalhar na empresa. A Norquisa é uma empresa pri- vada, não tem nada a ver com a Petrobras. Mas a Petroquisa, que é a área de petroquímica da Petrobras, é, de certa forma, acionista da Norquisa.

O que nós fazíamos na Norquisa era estudar os projetos, ver os planos, analisar como se podia fazer a montagem das indústrias e obter financiamento, examinar os problemas da matéria-prima e do mercado. Esses problemas todos eram discutidos, digeridos e for- mulados, e depois os projetos eram aprovados no âmbito da dire- toria. A diretoria éramos eu, que era o presidente, e mais dois dire- tores. Depois chegamos a ter três. E havia também os técnicos. Ge- ralmente levava-se meses para montar um projeto desses, discutindo- se e analisando-se os prós e os contras, a localização. a matéria-pri- ma, o mercado, o que se precisava importar, o que o Brasil já tinha. Havia sempre um elenco de estudos a fazer e de medidas a tomar. #

Quando o senhor deixou a presidência da Norquisa?

Renunciei ao cargo há uns dois ou três anos. Permaneci como presidente do conselho de administração. Eu queria, inclusive, renun- ciar ao conselho, achava que já não tinha mais o que fazer e tam- bém considerava a minha idade. Mas os acionistas insistiram para que eu ficasse pelo menos na presidência do conselho, e estou lá até hoje. É mais suave. O presidente da Norquisa hoje é Otto Perrone, que trabalhou mais de 30 anos como engenheiro químíco da Petro- bras e se aposentou.

Quando o senhor estava na presidência da empresa, fez alguma viagem ao exterior?

Fui ao Japão. Era do interesse da empresa, e fiz a viagem com um diretor. Depois do Japão estive na Europa, passei pela França. Parte da despesa da viagem foi paga por mim.

O senhor não viaja com a família para passar férias no exte- rior?

Estive em Portugal quando o Silveira era embaixador em Lis- boa. Fiz-lhe uma visita e andei uns dias pelo interior, conhecendo o país. Logo que saí da Presidência da República, antes de ir para a Norquisa, fui aos Estados Unidos, onde passei uns 15 dias, sobretu- do na Califórnia.

Como presidente da República o senhor não quis ir aos Estados Unidos, mas foi depois como turista...

Como turista, sim. Há poucos anos fiz um passeio de automóvel pela Europa que foi muito agradável, em pleno outono. Às vezes tiro fé- rias e vou a Caxambu, onde fico 10 ou 15 dias. Outras vezes vou ao Rio Grande ver os parentes, principalmente os irmãos e demais paren- tes da minha mulher. Fico lá 20 dias, um mês, visitando-os em Estre- la, Taquari, Passo Fundo. Gosto muito de viajar de automóvel. Embora seja mais cansativo, pode-se ver melhor os lugares por onde se passa e fica-se tendo uma idéia do interior do país. Nessas viagens costumo passar por Bento Gonçalves e rever os lugares da minha infância. #

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O senhor também visita parentes do seu lado?

Com esses não tenho muito contato. Tenho sobrinhos em Por- to Alegre e quando vou ao Sul passo por lá para visitá-los, além de uma cunhada que era mulher do meu irmão Bernardo. Há um filho do Henrique que às vezes me visita em Teresópolis. O filho do Or- lando que mora em Niterói e tem um curso de inglês seguidamente nos visita. Tenho uma sobrinha que mora em Brasília, às vezes vem ao Rio, e aí nos encontramos.

O senhor tem algum tipo de vida social, Vai a festas, lançamen- tos...?

Não, evito muito a vida social, não quero ter compromissos. Em Teresópolis, moro bem fora da cidade, a 15 ou 20 minutos, e fi- co na total dependência do automóvel. Mas isso tem uma vantagem, porque recebo poucas visitas. Se eu morasse na cidade, minha vida ia ser um inferno, com visitas todos os dias, pedidos e compromis- sos. Fujo muito de compromissos sociais, inaugurações, recepções, al- moços, jantares, casamentos etc. Evito freqüentar a sociedade e me relacionar, porque tudo isso cria obrigações que não pretendo assu- mir nessa altura da vida, na idade em que me encontro atualmente.

Como são hoje seus contatos com a imprensa?

A imprensa telefona muito. Geralmente não dou a informação que eles querem. Qualquer coisa que acontece eles me telefonam: "O que o senhor acha?" Eu não digo nada, não dou entrevistas. Por que iria dar entrevista? Quando morre uma pessoa destacada, é há- bito pedir às figuras importantes para darem um conceito sobre ela. Então me telefonam: "Qual é a sua frase?" E eu: "Não digo nada!"

Ainda lhe telefonam, mesmo após tantos anos de negativas?

Telefonam, são muito insistentes. Agora mesmo telefonaram vá- rios, insistindo para que eu escrevesse um artigo, desse uma entre- vista ou respondesse a um questionário sobre a Revolução de 64, que está fazendo 30 anos. Não vou dizer nada. Está tudo escrito nos livros. Por que eu vou dar entrevista? #

Mas o senhor recebe algumas pessoas em Teresópolis. Quem são elas?

Pessoas que trabalharam comigo na Presidência, às vezes pes- soas locais. Quem quer conversar comigo me telefona, marca hora e eu recebo. Mas não procuro, para não criar obrigações.

Que pessoas partilham mais de sua vida pessoal, privada? ual é o grupo da sua intimidade?

Encontro-me muito pouco com o Mario Simonsen, mas sem- pre que nos encontramos é com prazer, somos muito amigos. Ou- tros que vejo são o Humberto Barreto e seus filhos, o Moraes Rego, os ex-ajudantes-de-ordens. O general Gleuber Vieira, com quem há muitos anos sou identificado, às vezes também vai me visitar. Outro ainda é o Falcão, com quem converso principalmente sobre os acon- tecimentos atuais. Os generais Reinaldo Almeida, Ivan de Sousa Men- des e Wilberto Lima sâo meus amigos. Essas são as pessoas mais íntimas, mais chegadas. Por esse limitado círculo de amizades, vo- cês podem avaliar como é o meu temperamento. #

25 - O governo Figueiredo

Na montagem de seu governo, o presidente Figueiredo reuniu gen- te ligada ao senhor - Golbery, Simonsen, Petrônio Portela - e gente ligada ao presidente Médici. Como o senhor viu isso?

É preciso ver o seguinte: Figueiredo escolheu quem ele quis. Eu não interferi absolutamente na formação do seu governo, não lhe dis- se: "Aproveite fulano, ponha o Petrônio como ministro da Justiça". Ab- solutamente. Fiz questão de não participar. E por que eu fiz isso? Nossa discordância, e parte do meu desencanto, começou com a esco- lha do candidato a governador de São Paulo, ainda no meu governo. Depois veio a notícia de que Figueiredo tinha escolhido Andreazza e Delfim para o ministério. Senti que ele estava voltando a escolher pes- soas que tinham trabalhado nos governos anteriores. Tinham trabalha- do bem, mas dentro do meu gabarito, dentro da minha organização, eu não os queria. Andreazza, muito inteligente e capaz, era um gasta- dor. Só pensava em fazer obra e mais obra, e não queria saber de on- de vinha o dinheiro. E Delfim, muito inteligente, me parecia muito personalista e absorvente. Nos governos do Costa e Silva e do Médici, só ele mandava no setor econômico, só ele sabia das coisas. Eu imagi- nava que o Figueiredo devia ter um pouco de originalidade e escolher nomes novos. Quando o vi escolher Delfim e Andreazza, não dei mais nenhum palpite, não falei mais nesse assunto. #



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Mas ele também escolheu o general Golbery.

Tinha que escolher! Escolheu o Golbery nâo somente por mim, escolheu o Golbery por si mesmo, porque foi o Golbery quem lhe deu relevo. Quando Golbery fundou o SNI, o chefe da agência do SNI no Rio de Janeiro foi o Figueiredo. Quando das confabulaçôes, na época da conspiração, Figueiredo sempre estava ligado ao Gol- bery. Depois ele se ligou ao Médici. Mas quando veio trabalhar comi- go, sua ligação, em grande parte, era através do Golbery

O general Golbery simbolizava também a continuidade do projeto de abertura.

Sim. Na primeira fase do governo, Figueiredo teve dois colabo- radores que perseveraram no problema da liberalização: Petrônio, como ministro da Justiça, e Golbery, na Casa Civil. O próprio Figuei- redo estava comprometido com esse objetivo. Fizeram a anistia, e também resolveram aliviar o quadro político, encerrando o sistema de dois partidos.

Quando o general Golbery deixou o Gabinete Civil, o presidente Fi- gueiredo voltou ao grupo ligado ao general Médici, chamando pa- ra seu lugar Leitão de Abreu.

Sempre que tinha um problema, Figueiredo voltava à cata de gente do Médici, que já tinha conhecido anteriormente. Não tenho nada contra o Leitão. Era um bom jurista e foi para o Supremo Tri- bunal por minha indicação. Teve uma grande predominância no go- verno Figueiredo. O mesmo se deu com o Delfim. O Delfim criou lo- go um problema com o Simonsen, que resolveu sair. O Andreazza também tinha problemas com o Simonsen, sempre querendo mais dinheiro, mais dinheiro, e o Simonsen dizendo: "Não tem. Não pode ser". Depois do Leitão de Abreu, Figueiredo ainda trouxe o Jarbas Passarinho. Aos poucos foi fazendo o governo com a equipe que ti- nha sido do Médici. Eu achava que isso era comodismo. Para não ter o trabalho de procurar auxiliares entre os homens públicos ou os políticos que existiam, por comodismo, por excesso de camarada- gem e amizade, ele escolhia os que tinha conhecido no governo Mé- dici. Mas não se faz um governo à base de amigos. Faz-se um gover- no escolhendo criteriosamente. Aí é que está o problema. #

A impressão que se tem é que mesmofazendo essa composição, o presidente Figueiredo não agradou a ninguém. Havia grandes riva- lidades entre ele e o grupo do ex-presidente Médici.

Já contei aqui que o Médici, ao longo da vida, sempre esteve li- gado mais ou menos a nós. Mas já contei também que, quando Cos- ta e Silva foi escolhido presidente, Médici foi indicado para o SNI e surgiu uma divergência entre ele e o Golbery. Dizem, mas não sei qual é o grau de verdade, que quando eu estava para assumir a pre- sidência o Médici, conversando com o Figueiredo - que era seu che- fe da Casa Militar -, teria dito que achava que eu ia levar o Golbery para o meu governo e dar-lhe uma função de destaque, mas que ele, Médici, não gostaria que isso ocorresse. Nessa ocasião, o Figueiredo teria assegurado: "Não, o Geisel não vai levar o Golbery para o gover- no". Seria uma afirmação inverídica. Quando se constituiu o meu go- verno, o Golbery foi para a chefia da Casa Civil, e o Médici se zan- gou com o Figueiredo. Isso é o que consta, é o que se diz, mas não sei se é verdade. Nunca procurei esclarecer, nunca procurei o Médici para saber se tinha havido isso ou não. É evidente que eu não podia admitir que o Médici quisesse interferir ou vetar um nome no meu governo. Era uma prerrogativa minha. O fato que consta sobre a di- vergência entre o Figueiredo e o Médici é essa intriga.

Quando o presidente Figueiredo levou o general Golbery para par- ticipar do seu próprio governo, isso também foi considerado uma traição pelo pessoal do general Médici?

Podem ter achado. Não sei. Não procurei ter contato com eles para pôr a questão em pratos limpos. Nunca me preocupei com is- so. Mas aí há também uma coisa que até hoje não se sabe direito: qual foi a influência dos filhos do Médici? Principalmente de um dos filhos, o Roberto? Nunca tive contato com ele, não o conheço. Posteriormente, no velório do Médici, no Clube Militar, houve um de- sacato ao Figueiredo, segundo consta. Eu estive lá, falei com a se- nhora do Médici, dona Scila, mas me retirei logo. Aquela entrevista, na qual ela dizia que o Médici, no fim do governo, tinha resolvido abolir o Ato Institucional nº 5 e que eu reagi dizendo que, se ele aca- basse, eu não seria presidente da República, foi evidentemente fabri- cada. Botaram isso na boca dessa senhora, que é muito distinta, muito modesta, muito boa e o tempo todo se manteve afastada do # <434 ERNESTO GEISEL>

governo. Depois me disseram: "Não, isso foi o filho dele que fez". Eu poderia ter desmentido pelo jornal, mas não tomei conhecimento.

O grupo ligado ao general Médici faz realmente muitas críticas ao senhor. Alguns inclusive dizem que o senhor nunca foi um revolu- cionário.

Pois é. Como é que podem dizer isso? Qual é a base que eles têm? Mas se eu for me preocupar com isso estou perdido. Isso são coisas próprias da vida. A não ser que seja uma ofensa pessoal, sempre adotei a norma de ignorar coisas desse tipo. O melhor é o desprezo. Por que o Médici me nomeou presidente da Petrobras e por que me escolheu para seu substituto?

Além dessas divergências íniciais com o presidente Figueiredo, o senhor teve outras decepções, outras surpresas?

Sim, de duas naturezas: uma, por causa de certos amigos que, no modo de ver de alguns e no meu, não estavam qualificados para serem seus amigos. Apresentavam, no meu modo de ver, deficiências de caráter. Parece-me que ele não seguia a minha norma de que não se governa com amigos. O segundo problema surgiu quando ele teve um enfarte. Depois do enfarte passou a ser outro homem. Naquela ocasião, eu preconizava que ele deveria renunciar. Um homem enfar- tado, mesmo que vá curar esse enfarte, vá se operar como ele foi, não é mais a mesma pessoa. Por isso, eu achava que ele deveria ter renunciado. Mas não! Ao contrário, resolveu continuar. A realidade é que depois do enfarte ele se tornou outro homem, se desinteressou de muitas coisas do governo.

Em seu governo o senhor estava muito preocupado com o proble- ma do desenvolvimento. A seu ver o governo Figueiredo se desin- teressou dessa questão?

Figueiredo teve suas dificuldades, e aí influiu a mentalidade do Delfim, que voltou a ser o mago das finanças. Forçaram de certa maneira a saída do Simonsen, e o Delfim tomou conta. Não me ca- be defender o governo Figueiredo. Ele teve dois problemas sérios que dificultaram sua ação. Um foi o segundo choque do petróleo. No fim do governo Médici o petróleo sofreu um grande aumento de preço; que coube a mim enfrentar. Quando eu era presidente da Pe- #



trobras, nós comprávamos o barril de óleo por dois dólares e pou- co, às vezes até por menos. Passou depois a custar 10, 12. E quan- do chegou no tempo do Figueiredo. parece que o preço multiplicou por quatro de novo. O segundo problema foi provocado pelo gover- no americano, que, diante da recessão com inflação, resolveu aumen- tar consideravelmente a taxa de juros.

A imagem pública do presidente Figueiredo sempre foi a de uma pessoa truculenta. Houve, por exemplo, aquele inCidente de Floria- nópolis, quando ele tentou agredir um estudante, reagindo a uma provocação. . .

É, ele teve problemas com os estudantes e resolveu partir pa- ra a luta. Foi a reação a uma agressão que, por sua vez, foi faculta- da por deficiência da sua segurança. Isso ê um problema de tempe- ramento. Mas ele não tinha revelado essas características antes. Na época dos problemas do Clube Militar, da chapa azul e da chapa amarela, ele era um dos líderes da chapa azul e era muito bem-vis- to pelo nosso grupo. Depois fez a revolução e, dentro da revolução, sempre esteve conosco, do nosso lado. Mas naquela época Figueire- do era outro. não era o Figueiredo que surgiu no governo.

O senhor acompanhou o rompimento do general Golbery com o presidente Figueiredo?

Golbery deixou o governo por causa do problema do Riocen- tro.85 Ele achava que o Figueiredo tinha que mandar apurar direito o que tinha acontecido e punir os responsáveis, isto é, que ele tinha que enfrentar a área militar, ou a área radical que tinha atuado nes- se episódio. O problema do Riocentro era o fato em si. Com a aber- tura, deveria estar encerrado o problema da repressão. O Riocentro foi um recrudescimento, uma nova explosão reacionária contra a abertura.

85 Em 30 de abril de 1981, durante show comemorativo do Dia do Trabalho, no Rio- centro( Rio de Janeiro,) um capitão ficou ferido e um sargento morreu na explosão de uma bomba que transportavam em seu carro, visando a um atentado. Ambos ser- viam no DOI do I Exército. Apesar de todas as evidências em contrário, o inquérito oficial concluiu que os militares haviam sido vítimas de um atentado terrorista. #

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O episódio do Riocentro ocorreu em 1981, mas desde o ano ante- rior tinha havido uma série de episódios atribuídos ao terrorísmo de direita: explosões de bombas em bancas dejornal, casos de cartas-bomba. . .

Consta que isso foi coisa do Burnier. Não tenho provas, mas, na minha idéia, e a partir de conversas com os companheiros, creio que foi ele. Uma união que era importante preservar era essa do Gol- bery com o Figueiredo. Golbery tinha ascendência e tinha expressão. Mas o Figueiredo não quis atendê-lo e Golbery rompeu com o governo.

Por que o presidente Figueiredo não quis atendê-lo?

Sempre fazendo ilação, pois não tenho dados positivos, acho que o Figueiredo preferiu ficar com os companheiros do Exército em vez de apurar direito o fato. Mandou apurar mas a apuração foi tendenciosa. É o que se pode deduzir do que houve com o Golbery: ali o Figueiredo fez uma opção. Figueiredo tinha sido muito solda- do, tinha suas ligações com o Exército e possivelmente colocou isso em primeiro lugar.

Será que se houvesse uma apuração correta, com a punição dos envolvidos, isso seria tão traumático para a instituição militar?

Para a instituição como um todo não, mas para muitos seto- res dela seria.

Talvez o comandante do I Exército fosse envolvido, por ser o res- ponsável pela área.

É. Talvez também tenha sido isso. Agora, o comandante do I Exér- cito, o general Gentil, era um general muito conceituado. Entretanto, fi- cou envolvido.

Pelo que o senhor nos contou sobre o caso de São Paulo, no seu governo os comandos foram sempre considerados responsáveis...

Mas acontece que cada homem é uma sentença. Eu possivel- mente agiria de um certo modo, mas o Figueiredo resolveu agir de outro. Note-se que eu procurei não ter interferência no governo do Figueiredo. Estive com ele várias vezes antes de ele assumir, encon- #

trei-me com ele algumas vezes durante seu governo, e ele sempre se mostrou muito amistoso. Mas nunca procurei interferir ou criticar. Achei que não tinha esse direito.

Quer dizer que o senhor acha que o caso do Riocentro realmente não foi apurado direito?

Creio que não. O problema não foi apurado como devia ser. Passaram a mão pela cabeça dos culpados. Hoje em dia poucos são os que têm dúvidas. Golbery achava que nós já estávamos suficiente- mente adiantados nessa questão da abertura, na tendência à norma- lização da vida do país, para podermos apurar direito. Achava que tínhamos que apurar e tomar medidas para evitar, inclusive, a repro- dução futura de fatos semelhantes. Figueiredo, nessa hora, deve ter tido um drama de consciência muito grande. Achou que era mais re- comendável ficar com a classe, ficar com os companheiros do Exér- cito - se bem que não com o Exército como um todo, porque acho que grande parte não aprovava aquilo. Conhecem a história do Flo- riano e do visconde de Ouro Preto na Proclamação da República? Floriano era o quartel-mestre-general, era o responsável pela segu- rança do governo. Todos os soldados que ele tinha dentro do quar- tel-general estavam às ordens do gabinete. E Ouro Preto estava con- vencido de que Floriano ia defender o governo. Em dado momento, interpelou-o: que o Floriano era isso, era aquilo, que tinha que fa- zer, tinha que acontecer. Aí o Floriano disse: "Não, o senhor está equivocado. Eu sou tudo isso mas também sou a ovelha do bata- lhão". A ovelha ê o mascote do batalhão, que sempre o acompanha. Floriano queria dizer: antes de mais nada eu sou homem da minha classe. E ficou com Deodoro na Proclamação da República.

O senhor acha que o presidente Figueiredo teve a mesma reação?

É apenas uma interpretação que faço.

Nesse episódio, as Forças Armadas perderam a grande oportunida- de histórica de dar uma demonstração ao país de um compromis- so com a ordem...

É, acho que foi. São as tais coisas! É o espírito de classe, que tem seu lado bom, mas tem também seu reverso. Golbery era quem estava certo. Eu tenho a cópia da carta que ele entregou ao Figueire- do e que o Figueiredo diz que não recebeu. Ele recebeu e devolveu. #



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Nessa carta o general Golbery pedia a apuração do caso?

Acho que já não pedia mais. Ele pediu verbalmente, e o Figuei- redo não atendeu. Ele aí fez uma carta se demitindo.

Dentro do governo, Golbery não teve um outro aliado forte nesse caso do Riocentro?

Não sei. Creio que ele também não procurou. Petrônio Portela já tinha morrido. Esse seria uma figura...

O senhor sabia que comandos pressionavam para que o caso não fosse apurado?

Ah, não sei se alguém pressionou, não sei dizer. Creio que houve conivência para não apurar devidamente.

Se aquilo tivesse dado certo, seria uma tragédia. Foi muita írres- ponsabilidade.

Sim.

O senhor não sabe realmente quem impediu a apuração?



Não. Como já disse, eu vivia retraído. Desde que saí da pre- sidência da República me retraí. Recebo cartas de amigos do Exér- cito, cartão de natal, cartão de aniversário etc., mas não os procu- ro. Não é porque eu tenha divergências ou mágoas. O que há é que considero que já acabei com a minha missão e agora quero tranquilidade, não quero me envolver. Para que o faria? Com que objetivo?

O presidente Figueiredo o procurava?

Às vezes nos encontrávamos. Mas procurar, por exemplo, para discutir coisas relacionadas a assuntos do governo ou pedir minha opinião, meu conselho, isso não. Até presentemente eu me encontro com o Figueiredo e nos tratamos bem. Mas não o visito, nem ele a mim, embora ele tenha uma casa em Nogueira, perto de Teresópo- lis. Não estamos brigados, mas não temos relações íntimas. #


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