História do brasil moderno ernesto geisel



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tar dinheiro para se fazer uma siderúrgica. O Brasil, com grandes ja- zidas de minério de ferro, talvez as maiores do mundo, tinha uma indústria siderúrgica muito limitada, muito reduzida. Exportava mi- nério, exportava matéria-prima, quando poderia exportar um produ- to acabado. O problema é que não havia capitais que se interes- sassem em fazer isso. Com a energia elétrica, foi a mesma coisa. O Brasil durante muito tempo queimou lenha. Quando não tinha mais lenha, não tinha carvão, passou a ter umas empresas estrangeiras, como a Light, que consumiam óleo - óleo importado, óleo de petró- leo. Começaram então com as construções das grandes hidrelétri- cas, em Minas Gerais, mas o capital privado também não se interes- sou.

A área de telecomunicações começou a se desenvolver no go- verno Castelo - no governo do Jango houve alguma coisa, mas fi- cou no papel. No governo Castelo não havia ainda o Ministério das Comunicações, e quem lidava com esse assunto era a Casa Militar. Ou seja, eu, como chefe da Casa Militar, praticamente tomava conta do problema. Havia um Conselho de Comunicações que tinha funcio- nado no tempo do Juscelino com o general Mourão - que era um homem do Juscelino. O conselho tinha controle de rádio, mas as concessões telefônicas eram municipais. Não funcionavam! Para fa- lar da Casa Militar, do palácio Laranjeiras, com o governador do Rio Grande do Sul, levava-se às vezes quatro, cinco horas até se conseguir. Havia, intercalado no circuito telefônico, um trecho que era rádio. Em regra, as ligações do Rio Grande do Sul com o presi- dente da República eram feitas por telégrafo. Havia uma estação de telégrafo no palácio do Catete, porque não existia um sistema telefô- nico. Aliás, em todo o Brasil as comunicações eram por telegrama, e o serviço era ruim, o único que funcionava um pouco melhor era o dos ingleses. Só depois de muito tempo começou-se a pensar em melhorar as comunicações e instalou-se o grande serviço de micro- ondas. O homem que trabalhou nisso é um homem extraordinário, oficial de Marinha, hoje reformado: Euclides Quandt de Oliveira. Era da Casa Militar do Castelo, servia na subchefia da Marinha e, mais tarde, foi ministro das Comunicações. Foi quem fez funcionar esse sistema todo. O Brasil, hoje em dia, conversa com qualquer lugar, sem problemas, num sistema unificado. O capital privado se interessou? Só há uma pequena empresa, que nós respeitamos, que funciona em alguns municípios de Minas, mas ligada ao sistema nacional. #

A partir de um determinado momento, todas as empresas de serviços estrangeiras que funcionavam no Brasil se deterioraram: a Leopoldina, aqui no Rio, a Great Western, que era a grande ferrovia do Nordeste, a companhia de gás, o sistema de bondes, de ônibus etc. As companhias inglesas, que eram as principais, foram embora, e o resto acabou se liquidando. Por quê? Porque elas tinham que in- vestir capital e achavam que não tinham uma remuneração de acor- do com esse capital. A luta contra essas empresas começou com o José Américo, como ministro da Viação e Obras Públicas, logo de- pois da Revolução de 30. Ele acabou com a célebre taxa ouro. Na época era o padrão-ouro que vigorava, a moeda era lastreada em ou- ro. As tarifas dessas empresas tinham um certo valor, mas eram al- teradas de acordo com o valor do ouro, de maneira que sempre su- biam, para gerar maiores lucros. Quando o José Américo acabou com a remuneração das empresas na base do ouro, e elas viram que o filé tinha chegado ao fim, se desinteressaram, não investiram mais nada. Como tudo o que se fazia naquele tempo, na República antiga, era com capital estrangeiro, tudo se deteriorou. E o capital nacional nunca se interessou! Passou a se interessar agora. Por quê? Porque compra as coisas por uma ninharia. Aí voltamos às privatiza- ções. Acho que o governo está botando fora o seu patrimônio! Os compradores pagam em moeda corrente talvez 10% do valor das em- presas, e 90% com o que nós chamamos de "moeda podre". São títu- los de dívidas que vão vencer daqui a 10 ou 15 anos, com juros bai- xos.

O governo poderia vender a usina siderúrgica, pelo seu justo valor, mas não há capital no país. O capital, aqui, encontra maior re- muneração na especulação. Quem é que ganha dinheiro hoje em dia no Brasil? São os bancos. Há bancos que distribuem dividendos to- do mês, enquanto empresas industriais estão quebrando. Quer di- zer, não há dinheiro disponível. E quando há, uma grande parte é le- vada para o estrangeiro, por uma questão de segurança. Não se con- fia no governo, não se sabe qual vai ser o futuro do país, então, para garantir, manda-se o dinheiro para a Suíça. O capitalista brasi- leiro não tem vocação, pelo menos nesta fase, ou não teve, nas fa- ses dos governos anteriores, para investir. Aí vem a história: fulano é estatizante. Eu tenho fama de estatizante, Roberto Campos acha que eu sou estatizante. A estatização resulta de uma situação for- çada! O sujeito não é estatizante porque gosta, é estatizante porque é a única maneira de fazer as coisas, e se não se fizer as coisas o #

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país não se desenvolve. Como é que nós vamos desenvolver o país, um país pobre, sem um sistema adequado de transporte, sem uma energia barata, sem produção de matéria-prima como o aço?

Posso estar errado, ter uma mentalidade deformada, mas acho que essa venda atabalhoada das coisas que o governo tem, em primeiro lugar, é macaquice. Estamos copiando o que os outros fa- zem, sem ver a diferença dos outros para nós. O inglês tinha e tem excesso de capitais. Roubou o mundo inteiro durante 300 anos e juntou todo o dinheiro na mão. Quando o governo está em apuros, trata de vender, porque existe capital para comprar. O mexicano es- tá fazendo isso porque atrás dele estão os Estados Unidos. O Méxi- co virou colônia dos Estados Unidos e vai virar mais ainda se apro- varem o Nafta. Agora, o Brasil é diferente! Por que vai copiar?! Va- mos resolver o problema de acordo com a nossa realidade! Não vamos fantasiar, não vamos fingir: 'Ãh, mas o governo precisa de di- nheiro", se ele não recebe dinheiro quase nenhum! Ele não reforça o seu caixa com a venda das empresas estatais, porque não as ven- de pelo valor real. Para vender, ele usa tudo quanto é artifício. Ago- ra vai-se engajar o PIS, o Fundo de Garantia, essas coisas todas na privatização. Trata-se de uma concepção toda errada do Fundo de Garantia. Ele foi criado no tempo do Castelo, quando se resolveu modificar a legislação trabalhista. Antes, o empregado não podia ser despedido se tivesse 10 anos de serviço. Então, quando chegava aos 10 anos, o sujeito passava a se desinteressar, não ligava para mais nada porque estava com o emprego garantido. Aí as empresas come- çaram a despedir aos nove anos. O Tribunal do Trabalho dizia: "Não, com nove anos também não pode". Anteciparam para oito anos: "Também não pode". Para resolver isso, modificou-se a legisla- ção, acabando com a garantia de emprego mas criando o Fundo de Garantia. Quer dizer, quando o empregado fosse se aposentar ou fos- se despedido, teria um pecúlio com o qual podia reiniciar a vida, po- dia viver enquanto não conseguisse outro trabalho em melhores con- dições. Estão acabando com isso. Estão querendo que o trabalha- dor pegue esse dinheiro antecipadamente, antes de ser despedido ou antes de se aposentar, para comprar ações. E aí? O que ele vai fazer? Daqui a pouco essas ações não rendem, não dão dividendos ou dão dividendos pequenos, e ele vai vender as ações e gastar o di- nheiro, ou em comida, ou na compra de um automóvel, ou no que for. Daí a uns dias ele está pobre, miserável, porque não tem nada. Aí nós vamos fazer uma campanha com o Betinho para dar comida #

para ele. Estou sendo um pouco crítico, talvez exagerado, mas é o que sinto. Sinto que o país fica parado e não se constrói nada.

Por que será que o governo se engaja no desenvolvimento? Por- que, se o governo não se engajar, esse país vai ficar pior, vai ser igual ao que era no tempo da colônia. O mundo progredindo, o mundo se desenvolvendo, o mundo criando coisas novas, e nós no primitivismo de um país colonial. Precisamos nos desenvolver, inclusive porque, com o crescimento de população, essa gente toda deve ter as suas as- pirações. Temos que fazer o país. O país é grande territorialmente, mas é pequeno no resto. E a iniciativa privada não se interessa pelo real desenvolvimento do país.

O atual discurso da modernização está bastante associado à pri- vatização.

Não concordo com o discurso da modernização do país. Que- rer fazer do Brasil um país moderno é uma bobagem! A modernida- de só pode vir se o país se desenvolver. Dentro do quadro de estag- nação que se vê hoje, com problemas de saúde, problemas de edu- cação, problemas econômicos, uma inflação crônica e tudo o mais, o Brasil não pode querer ser um país moderno! A mesma coisa é você pegar um pé-rapado e de repente querer que ele vista uma gra- vata, um smoking, uma casaca, e vá freqüentar a alta sociedade. Não pode! O país pode ter seus brios, pode ser cioso da sua inde- pendência, pode ter lá suas horas de patriotismo, mas vamos reco- nhecer, é um país atrasado! Vejam a massa de favelados aqui no Rio, o problema dos meninos de rua, o problema de certas áreas do interior. O problema do Nordeste! O país é atrasado! Como é que vão querer que ele seja moderno? Através de um decreto? Isso é uma concepção tola, que empolgou muita gente pelo fraseado. É a tal história: "O automóvel brasileiro não presta, é uma carroça, te- mos que importar carro estrangeiro". Mas meu Deus do céu, esse carro brasileiro, levando em conta as nossas condições, o tipo e o estado de conservação das nossas estradas, é apropriado! Para que querer um carro que ande 200 quilômetros por hora, se a estrada não permite?

O Brasil não vai entrar no Primeiro Mundo com as mazelas que tem, com o analfabetismo, com a subnutrição, a falta de empre- go. Vê-se que o governo não tomou nenhuma providência para sair desse quadro de estagnação, de recessão, e melhorar as condições #



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de emprego. Os empregos dia a dia estão diminuindo, e vão dimi- nuir mais ainda, na medida em que se avançar tecnologicamente. To- da vez que você faz um avanço tecnológico, há um retrocesso no setor de emprego. Por que o Japão hoje em dia está em crise, a Ale- manha e todos esses países? Em grande parte pelo avanço tecnológi- co. Uma coisa que era feita por 10 agora é feita por cinco, ou às ve- zes por nenhum, só pela eletrônica. Isso no Brasil é mais grave, por- que você tem uma massa de gente sem cultura, sem preparo, sem coisa nenhuma. O afluxo de nordestinos para São Paulo e para o Rio é um fenômeno que a gente compreende, mas é uma desgraça. Ninguém faz nada em relação à favela. A favela está aí, aumentando a cada dia, e você não vê nenhum governo se preocupar com isso. Hoje em dia, inclusive, a favela serve de acolhimento ao tráfico de drogas, a tudo que é crime. Como é que o país pode ser moderno? Não basta o presidente da República chegar e fazer um discurso: "O país tem que ser moderno! O país tem que ser do Primeiro Mun- do!" Sim, daqui a 50 anos! Vamos trabalhar para isso.

Um assunto grave, por exemplo, continua a ser o problema do ensino. A professora antigamente era sempre uma figura acatada, respeitada, reconhecida dentro da sociedade. Era instruída, prepara- da e vivia com um salário adequado. Hoje em dia a professora não vale mais nada. Ganha uma miséria, ninguém lhe dá bola, nem sei como ela está sendo preparada... E tome a construir mais Cieps, quando eu acho que o problema não é o Ciep, o problema é a pro- fessora! Você pode dar aula até debaixo de uma árvore, não precisa ter piscina, não precisa ter uma série de coisas. Será que a orien- tação que está aí é certa? O Brasil continua a ser um país de analfa- betos!

Na sua visão, então, o Estado no Brasil é um agente crucial do de- senvolvimento.

Eu acho. Ele tem que atuar. Até que o quadro mude. Agora66 está todo mundo eufórico porque está entrando dinheiro estrangei- ro. Ainda esses dias, um amigo meu que é corretor da bolsa dizia: "Uma coisa formidável, esse mês entraram não sei quantos milhões de dólares, tudo isso está sendo aplicado na bolsa, a bolsa está em

66 Este trecho da entrevista foi concedido em 16 de novembro de 1993. < A PETROBRAS E A PRESENÇA DO ESTADO NA ECONOMIA 253>

alta, e não sei o quê". Eu digo: "Eu sou contra isso, porque esse di-

nheiro vem hoje aplicado na bolsa, dá lucro, mas quando o sujeito

dali a pouco vê que já realizou um bom lucro, vai embora de novo.

Quer dizer, ao invéz de cooperar para o nosso desenvolvimento, ele

está nos sugando!" O Getúlio brigava muito contra isso. Não sou ini- migo do capital estrangeiro, mas acho que a gente tem que ter inteli- gência adequada para tratar com ele. Se vier para cá para ser inves- tido em indústrias, em outros empreendimentos, muito bem! Será muito bem aceito. Mas se vier aqui para nos explorar, sem deixar rastro! O sujeito entra com o dinheiro, faz o lucro e vai embora! É o hot money, não é?

Estou aqui com os recalques de um velho de 86 anos. Pode ser que eu esteja muito errado, mas minha concepção é esta: o Esta- do tem que dirigir. Tanto o capital privado nacional, que no meu modo de ver é escasso, quanto o capital estrangeiro são bem-vindos se forem adequadamente aplicados. Não sou contra isso. Pode mes- mo chegar um dia em que realmente devamos passar adiante todas essas empresas que estão aí. Mas não sei quando esse dia vai che- gar. Acho que ainda está longe e que o país está estagnado porque ninguém fez mais nada.

O governo Itamar tem oscilado nessa questão da privatização?

O presidente Itamar traz com ele os recalques do tempo em que era senador e homem de oposição. Foi nacionalista, defensor da Petrobras, defensor da Vale do Rio Doce. Agora, como presidente, es- tá sendo pressionado para privatizar a Vale do Rio Doce. Então rea- ge e fica nessa história, vai não vai. Deve estar com verdadeiras tor- turas de consciência. Não é fácil. Compreendo sua posição, é difícil.

Qual é sua visão sobre o papel do empresariado nacional no pro- cesso de modernização e de crescimento do país?

Há muito empresário nacional bom, capaz, mas há muito em- presário nacional que, no meu modo de ver, não é bom. Há muito empresário que quer ter lucro fácil. Agora, por exemplo, querem ver o que está acontecendo com essa história da abertura da economia? O governo Collor, com a idéia de modernidade, e para agradar ao americano, usou um sistema de baixa das tarifas alfandegárias, que antes davam às empresas nacionais um certo protecionismo. Então, #



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vejam: a indústria petroquímica produz determinadas matérias-pri- mas que depois são transformadas nos produtos petroquímicos que estão aí à venda. Muito bem. Começa que nós estamos numa reces- são, quer dizer, o consumo desses produtos, como de outros, tende a diminuir. Agora, lá fora eles também estão em recessão. Então, eles vendem por custos marginais, sem levar em conta os custos fi- xos, porque estão com produção que não tem saída. E o mais grave é que financiam essas vendas. Vendem a prazo, por exemplo, de seis meses, cobrando os juros de lá, que são muitíssimo mais bai- xos que os juros aqui dentro. Às vezes o sujeito deixa de comprar o produto nacional apenas por causa desse financiamento. O governo sabe disso. Ele faz alguma coisa? Faz nada. Há indústrias de produ- ção de matéria-prima que estão na iminência de quebrar ou podem quebrar. Havia um ministério que funcionava, que tinha uma certa atuação, que era o Ministério da Indústria. O Collor acabou com ele. Agora restauraram, mas não funciona, porque botaram lá um banqueiro que é metido a agricultor, pecuarista, que não quer saber de nada. É um homem rico, dono do Bamerindus. Não tenho nada contra ele, mas ele não é ministro da Indústria.67

Posso pensar errado, mas não quero ser moderno. Quero é que o povo e o país vivam bem e cresçam, se desenvolvam. Essa ex- pressão "moderno" é bobagem. Eu penso assim.

67 Refere-se a José Eduardo Andrade Vieira. #

SEGUNDA PARTE

A Presidência da República #

15 - Preparando o terreno

A partir de que momento, no governo Médici, o senhor soube que seria o próximo presidente da República?

Fixar o momento, a data, em que surgiu minha candidatura, eu não sei. Com o decorrer do tempo, começou-se a cogitar e a con- versar sobre a sucessão, especulando sobre quem seria o futuro pre- sidente. Houve tentativas de se prorrogar o mandato do Médici, mas ele reagiu a isso, não aceitou. Começou-se a falar em vários nomes, entre eles o meu. Dizia-se que a ala castelista estava trabalhando pa- ra eu ser presidente. Admito que alguns quisessem essa solução, mas não tinham poder nem influência.

O que era a ala castelista naquela época? Havia o Golbery, o Luís Viana, talvez Roberto Campos, entre as figuras mais importan- tes. Mas nem Luís Viana nem Roberto Campos tinham influência jun- to ao governo. Golbery tampouco, inclusive pelo desacordo que hou- ve entre ele e o Médici, a pretexto do SNI. Admito que eles possam ter influído sobre outras pessoas no sentido de eu ser o candidato, mas teria sido à minha revelia. De vez em quando chegavam aos meus ouvidos algumas notícias sobre minha possível candidatura, mas eu não dava importância. Cuidava da minha tarefa na Petrobras.

Apareceram vários nomes. Falavam em fulano, beltrano, e o co- mentário era sempre negativo: "Esse não pode porque é burro; esse #

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não pode porque tem tal ou tal defeito". Sempre que surgia um no- me, era destruído. Um dia, meu irmão me disse: "Prepare-se, por- que é possível que você venha a ser presidente da República". Per- guntei: "Por que eu?" E ele: "Você quer que seja fulano?" - era o tal que era burro. "Quer que seja sicrano?" - era o sujeito que não prestava. Aí perguntei: "Por que não você?" Respondeu: "Porque eu não tenho saúde". Não posso dizer que eu reagisse, que não quises- se ser presidente. Achava que alguém tinha que ser, e que eu pode- ria vir a ser. Mas não tinha maior interesse, nem entusiasmo. Não trabalhei absolutamente pela indicação. Contudo, o tempo foi pas- sando, até que um dia me disseram: "O Médici já fez a escolha. Vai ser você. Ele quer lhe falar e marcou a audiência".

Há várias versões sobre essa escolha. Uma é a contada pelo Fi- gueiredo: houve uma reunião do Médici com Leitão de Abreu, Figuei- redo e Fontoura. Analisaram a situação, conversaram sobre a su- cessão e, por fim, Médici teria declarado o seguinte: "Se o país esti- vesse inteiramente normalizado, se não houvesse mais nada de subversão, o candidato natural seria o Leitão; se o país tivesse pro- blemas graves, envolvendo a área militar, seria o general Adalberto Pereira dos Santos. Como não há nenhum problema grave na área militar, nem o país está suficientemente tranquilo para o governo de um civil como o Leitão de Abreu, acho que, para administrar o país e seu desenvolvimento, o melhor nome mesmo é o Ernesto". Vou ad- mitir que o que o Figueiredo conta seja verdadeiro. Admito também que meu irmão tenha tido alguma influência, não tanto no meu inte- resse, mas porque achava que eu era a pessoa mais indicada.

Também há uma versão que diz que o presidente Médici não que- ria o senhor.

Pois é. Acho difícil que não quisesse. Se o Médici não me qui- sesse, escolheria outro, porque tinha poder e autonomia suficientes para isso. Embora estivesse muito vinculado ao meu irmão, e admi- tindo-se que o Orlando pudesse ter alguma ascendência sobre ele, se quisesse outra solução, a adotaria.

O senhor acha que o presidente Médici não tinha outro candidato da preferência dele, pessoal?

Creio que não. Sua posição política, suas vinculações nas For- ças Armadas, seu prestígio pessoal lhe permitiriam, sem contesta- #
ção, fazer candidato quem preferisse. A exploração política da oposi- ção, de descontentes e de maledicentes espalhou com menosprezo que eu tinha que ser o candidato porque eu tinha oito estrelas, qua- tro minhas e quatro do meu irmão! Não quiseram ver quem eu era, quais as minhas qualidades, o meu passado, a minha capacidade. Ninguém procurou saber quais os meus atributos positivos ou os meus defeitos, nenhum desses críticos fez qualquer análise. São coi- sas a que não se pode dar importância. É deixar passar. Mas havia uma opinião em certos círculos da área militar, da área revolucioná- ria e da área civil que se orientava para o meu nome. Eu tinha feito muitas relações e era respeitado, inclusive, pela minha atuação na Casa Militar do Castelo. O próprio Costa e Silva, de quem eu diver- gia, sempre me tratou muito bem, com consideração. Contudo, as- sim como se falava no meu nome, também se falava em outros.

O senhor também acha que não havia espaço político dentro da área militar para o ministro Leitão de Abreu sair candidato?

Acho. Embora Leitão de Abreu fosse amigo do Médici, fosse bem relacionado e tivesse vindo para a área revolucionária, não tinha projeção dentro do Exército para ter o seu apoio. Ele surgiu no cenário nacional como chefe de gabinete de um ministro da Jus- tiça do Castelo, Mem de Sá, senador pelo Rio Grande do Sul, do Partido Libertador, parlamentarista. Mem de Sá trouxe o Leitão de Abreu, que era bacharel no Rio Grande, professor da universidade, para o seu gabinete, e foi aí que o Leitão surgiu e foi crescendo. Era cunhado do general Lyra Tavares, ministro do Exército do Cos- ta e Silva. Na crise do Costa e Silva, participou ativamente na refor- ma da Constituição. Desde o governo Castelo me relacionei com o Leitão, e quando assumi a presidência indiquei-o para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Era um homem inteligente e preparado.

Mas qual era o obstáculo para se fazer um presidente civil, Leitão de Abreu ou outro que fosse? Era a existência de focos de luta armada?

Era. O civil ainda não teria condições de enfrentar esse proble- ma. A revolução ainda não tinha chegado ao fim. Vejam o seguinte. Quando assumi a presidência, estabeleci que meu propósito era al- cançar a normalização da situação no país, mas que essa operação #

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tinha que ser feita com segurança. Não se podia liberar o país e daí a pouco ter que voltar atrás. Era uma operação gradativa, lenta. Es- se era mais ou menos o conceito que se tinha dentro das Forças Ar- madas. Não se poderia, de repente, estabelecer a liberalização de to- dos os problemas, porque as forças subversivas continuavam. Em menor ritmo, em menor escala, mas continuavam. Conspiração da- qui, conspiração dali, movimento aqui, um roubo de banco ou de ar- mas acolá, um assassinato etc.

Em meados do governo Médici já estava mais ou menos definido que o novo presidente seria o senhor?

Não. Foi decidido em 73. Tinha que ser com uma certa antece- dência, tendo em vista a necessidade da desincompatibilização. Tive que renunciar à presidência da Petrobras seis meses antes da elei- ção.

Como foi a transição para o seu governo? Enquanto o senhor que- ria normalizar o país, o pessoal que estava no governo Médici não queria. . .

É, levou tempo para se chegar ao fim dessa história. Médici ainda sofria muito a influência da linha dura. O pessoal daquele tempo, de um modo geral, talvez meu irmão também, ainda achava que a luta continuava. Eles olhavam esse problema com muita in- transigência.

Qual foi o papel do general Golbery nessa articulação? O que ele estava fazendo durante o governo Médici?

Quando o governo Castelo terminou, Golbery foi para o Tribu- nal de Contas. Guilhermino de Oliveira, que era ministro do Tribu- nal e seu amigo, se aposentou, e Golbery foi escolhido para preen- cher a sua vaga. Passou alguns anos lá, no governo Costa e Silva, uma parte do governo Médici, e aí se aposentou, ficou livre. Foi en- tão trabalhar como conselheiro na Dow Chemical, uma empresa americana do setor de química. Depois, parece-me, tornou-se diretor- presidente da Dow no Brasil. Na época em que estávamos cada um em um tribunal não tínhamos contato, mas depois Golbery me pro- curou para conversar. Às vezes ele tinha interesses da Dow que se chocavam com os da Petrobras, tinha problemas no BNDE que tam- #


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