História do brasil moderno ernesto geisel



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Acima da diretoria havia o conselho de administração. Era composto pela diretoria e mais três personalidades: um renomado engenheiro do Rio Grande do Sul, um representante da indústria de São Paulo e um excelente geólogo que havia sido diretor e presi- dente da Petrobras. Os assuntos mais importantes, que implicavam maiores despesas, novos empreendimentos, novos projetos, recursos financeiros etc., eram submetidos ao conselho de administração, que, nas suas reuniões, os discutia e decidia.

O senhor então teve carta branca não só para compor sua equipe, mas para dar diretrizes à empresa.

Realmente tive. E funcionava. O obstáculo que de vez em quan- do eu tinha que enfrentar, como já disse, era o Ministério das Mi- nas e Energia. O ministro Dias Leite tinha um amigo íntimo que era general, já na reserva, e esse general às vezes me procurava para conversar. Houve uma ocasião em que se fez a eleição para a renova- ção da diretoria da subsidiária Petroquisa. Eu indiquei os nomes, e eles foram eleitos. Dias depois recebo a visita do general, que me diz: "O ministro está muito zangado, porque tomou conhecimento da nova diretoria da Petroquisa pelo jornal. Não foi consultado". Res- pondi: "Não teve conhecimento antes e nem foi consultado porque #



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ele não tem nada a ver com isso. Ele devia ter-se incomodado quan- do eu mudei a diretoria da Petrobras sem consultá-lo. Aí sim, teria razão. Mas o caso da subsidiária é da minha esfera, das minhas atribuições, e ele não tem razão para se incomodar. Você pode dizer isso a ele". As relações, de fato, não eram boas, mas consegui evitar uma inadequada interferência dele.

O presidente Médici sabia dessa rivalidade?

Eu não conversava com o Médici sobre isso, mas ele sabia. Sa- bia e evidentemente me apoiava. E o ministro não tinha coragem de brigar com o Médici. Eu acho que a Petrobras só pode funcionar as- sim. O presidente escolhido para a empresa deve ter todos os pode- res e, conseqüentemente, todas as responsabilidades. O drama da Petrobras nos últimos anos, com exceção talvez do período atual, foi a interferência exagerada do governo, principalmente com o presi- dente Sarney, que resolveu combater a inflação à custa das empre- sas estatais. Não deixavam aumentar os preços, e elas passaram a se endividar e a paralisar seus programas de desenvolvimento, por- que seus preços não eram reajustados razoavelmente, de acordo com a inflação. Os salários, a matéria-prima, a manutenção, tudo is- so subia com a inflação, mas os preços eram mantidos mais ou me- nos congelados. Houve diversas diretorias que se demitiram. Direto- rias que duravam um, dois ou três meses, gerando uma constante descontinuidade, além de greves. Aí dizem que a empresa estatal não funciona. Não funciona por culpa do Poder Executivo, que inter- fere demais. Ele deve dar encargos, fixar metas e cobrar resultados. A Petrobras é uma empresa do governo, mas que deve ser conduzi- da como uma empresa privada. Essa é que é a razão da existência de empresas estatais, constituídas como sociedades anônimas e su- jeitas a toda a legislação pertinente.

O senhor sempre comunicava ao presidente Médici as decísões que tomava na empresa?

Às vezes lhe comunicava certos resultados. Ele foi, por exem- plo, a Sergipe ver o campo produtor de Carmópolis e algo da ativi- dade no mar, foi à inauguração da refinaria de Paulínea e da Petro- química União, em Capuava. Mas as decisôes eram tomadas por mim, pelos diretores e pelo conselho de administração. Dentro da le- #

gislação, legitimamente. Creio que é assim que se deve dirigir a Pe- trobras. O governo deve começar pela adequada escolha do presiden- te e, depois, dar-lhe responsabilidade e poder.



Insistindo ainda: a Petrobras, por sua importância, estava enqua- drada dentro de uma área que se chamava de segurança nacional. Não era necessário discutir suas diretrizes em nível ministerial?

De um modo geral, não. Contudo, fui convocado para reu- niões de nível ministerial com o Dias Leite, com a presença do Prati- nI de Morais e também do Delfim. Foi quando se resolveu criar o pólo petroquímico na Bahia, com base em subsídios e estudos forne- cidos pela Petrobras. Outra reunião a que fui convocado, embora na- da tivesse que ver com o assunto, foi quando resolveram contratar a empresa Westinghouse para a construção do que, presentemente, é a Angra I - como se verificou depois. um desastre, uma usina muito malfeita, com muitos problemas. Naquela ocasião estive na reunião e não atinei por que me chamaram. Aliás, não pediram a minha opinião. Quanto a mim, sempre achei que devíamos conside- rar o problema da energia nuclear e enfrentá-lo, não para fazer bom- bas, mas para termos a tecnologia necessária para o enriquecimento do urânio. Não podíamos nos sujeitar a ficar eternamente servindo como colônia. Um país com a dimensão do Brasil não querer saber de energia nuclear? Só porque existe uma bomba que algum dia po- de estourar? E vamos nos sujeitar a ficar na dependência da boa ou má vontade dos outros para receber o urânio enriquecido para gerar energia?

Várias vezes estive em reuniões com o Dias Leite e outros mi- nistros. Houve uma ocasião em que ele fez uma convocação dos diri- gentes de todas as empresas ligadas ao seu ministério. Além de Itai- pava, no rio Piabanha, havia uma pequena usina hidrelétrica, a mais antiga do Brasil. Lá havia uma residência com diversas acomo- dações. A reunião foi ali e objetivava discutir problemas gerais do ministério. Não teve maiores resultados.

E quanto a seus auxiliares de gabinete?

Meu primeiro chefe de gabinete foi o então coronel Ivan de Sousa Mendes. Depois o Ivan teve que retornar ao Exército. Naque- la época, o coronel Moraes Rego, que trabalhara comigo na Casa #

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Militar no tempo do Castelo, estava voltando da Amazônia, do co- mando em Tabatinga, nas fronteiras da Colômbia e do Peru. Empe- nhei-me para que fosse o meu novo chefe de gabinete. Moraes Rego já tinha servido antes com o próprio Castelo na Amazônia. No gabi- nete serviram vários engenheiros, além do Humberto Barreto, que, como meu amigo, foi trabalhar na Petrobras. Mais adiante eu tam- bém trouxe para a empresa o Heitor Aquino.

Não havia problema de relacionamento entre os assessores milita- res e o pessoal civil da empresa?

Não. Que eu soubesse, o único assessor militar que havia na ativa era o Moraes Rego. Havia outros da reserva, como o Barros Nunes, que chamávamos de "Cacau". Era um coronel da reserva muito amigo meu e do Golbery que estava na Petrobras havia mui- tos anos, no serviço de relações públicas.

De onde vinham os recursos da Petrobras?

Eram constituídos por geração própria da empresa, e às ve- zes se realizava um aumento de capital. Em regra, a subscrição era aberta com os dividendos atribuídos à União. O governo subs- crevia a parte que lhe cabia para manter sua posição majoritária, e os investidores privados também acorriam com muito interesse. Uma das minhas providências foi determinar que a Petrobras tam- bém passasse a pagar à União imposto de renda, o que não fazia anteriormente. É uma empresa que deve funcionar tal como uma empresa privada e, portanto, deve pagar o imposto de renda.

Fizemos, com grande participação do Ueki, quadros de pessoal para as refinarias, primeiramente as novas, estendendo a medida progressivamente às antigas, onde havia excesso de empregados. Fez- se um estudo das necessidades para assegurar o funcionamento con- tínuo das refinarias por 24 horas, dia e noite, durante longos perío- dos, às vezes de anos. As paradas, quando preciso, eram parciais, para manutenção, reparação de defeitos em equipamentos etc. As pa- radas totais eram previamente bem programadas e visavam a uma re- cuperação geral, com duração de vários dias. Os quadros de pessoal foram implantados progressivamente e resultaram em substancial #

economia, sem que houvesse qualquer deficiência consequente no funcionamento das refinarias.

Ao fazer essas mudanças, o senhor não sofria pressões?

Havia pedidos que, quando razoáveis e possíveis, eram atendi- dos. Tive, todavia, um problema que me incomodou. Após a revolu- ção foi feito um inquérito para apurar os que tinham atuado, den- tro da empresa, como agitadores esquerdistas. A Petrobras viveu um período muito tumultuado durante o governo Jango. Houve pre- sidentes, diretores, que eram da esquerda, e a ordem, o trabalho e os resultados foram por água abaixo. Quem fez o inquérito foi o Barros Nunes. Era de uma família de oficiais da Marinha, um ir- mão seu foi o ministro da Marinha no governo Médici. Com grande parte dos indiciados nada aconteceu, mas alguns, relativamente pou- cos, foram excluídos da empresa, recebendo todos os proventos a que, pela legislação trabalhista, tinham direito. Um dia recebi um ofício do Ministério do Exército, subscrito pelo general Frota, que es- tava incumbido de controlar certas áreas de comunização em reparti- çôes governamentais. No ofício ele listava vários funcionários da Petrobras que tinham figurado nesses inquéritos e haviam sido isen- tados, e ele queria que eu mandasse apresentá-los, para serem in- quiridos novamente. Fui ao ministro, que era o Orlando, e lhe disse o que estava acontecendo. Perguntei: "Por que o Frota tem que me- ter o bedelho na Petrobras? O problema da Petrobras é meu. Sou tão ou mais responsável do que ele. Quem cuida da Petrobras sou eu! Eu é que controlo o pessoal e sei como é que cada um age. Te- nho as minhas informações e, se algum dia houver alguma coisa por lá, a mim cabe a responsabilidade. Não ao Frota. Não aceito es- sa interferência".

O fato de seu irmão ser ministro do Exército de certa forma coi- bia alguma pressão que pudesse haver da área militar sobre a Pe- trobras?

Sim, mas a área militar não se metia. Acredito que o Exérci- to, os seus generais, confiavam em mim. Nenhum, nem ninguém, procurou se meter lá, a não ser por essa infeliz tentativa do Frota. Eu viajava muito, ia aos campos de petróleo, ia às refinarias do inte- rior e acompanhava e controlava as questões da empresa. #



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A Petrobras se caracteriza hoje pela existência de uma organiza- ção sindical muito forte. Como era naquela época?

Os sindicatos não eram tão fortes como hoje. Existe atualmen- te na empresa uma organização de engenheiros com muita influên- cia, muito combativa, mas naquele tempo não havia isso: a empresa tinha sido mais ou menos expurgada na Revolução de 64. De toda forma o espírito de corpo da Petrobras era muito grande. Todo em- pregado se sentia realizado, orgulhoso por ser da Petrobras. Ganha- va relativamente bem, mas não sei o que se ganha hoje.

Um problema que havia na empresa era que ela estava cheia de funcionários antigos. Engenheiros, geólogos e economistas não se aposentavam porque a aposentadoria que poderiam receber no INPS era ridícula, em comparação com os vencimentos que tinham. Cria- mos um fundo de pensão, a Petros, e muitos desses velhos, que já náo produziam, se aposentaram, abrindo vagas para os mais jovens. Organizamos os quadros de engenheiros, químicos, geólogos e econo- mistas, com diferentes níveis, e dentro desses quadros fazíamos pro- moções anualmente, de acordo com o mérito, o valor do funcioná- rio. Havia um exame minucioso, entre os diretores, desse pessoal, para a devida avaliação. Era, de fato, um plano de carreira, de que eles muito gostaram, porque evitou a estagnação. Nenhum dos fun- cionários efetivos foi forçado a entrar na Petros. Entrava quem qui- sesse. Quanto aos novos empregados, todos eram obrigados a en- trar para o plano.

A Petrobras tinha cursos de formação de engenheiros de petró- leo. Eram engenheiros civis que se inscreviam, faziam um concurso e, se aprovados, passavam depois seis meses ou um ano, por conta e sob a direção da Petrobras, fazendo cursos sobre a indústria do petróleo, sobre refino, prospecção, exploração etc. No começo, quan- do se criou a Petrobras, foram instalados cursos com engenheiros de petróleo contratados no exterior, mas posteriormente nossos enge- nheiros mais qualificados se habilitaram para manter e dirigir esses cursos.

Criou-se um grande centro de pesquisa, que funciona na ilha do Fundão. Tem o nome do Leopoldo Miguez de Melo, que foi seu idealizador. Quando escolhi Leopoldo Miguez de Melo para ser um dos diretores, procurei conhecer sua ficha no SNI, como fiz com os outros. Constava o seguinte: "Comunista. É o cérebro maquiavélico do comunismo dentro da Petrobras. Esteve nos países da cortina de #

ferro a pretexto de vender óleo combustível, mas era para fazer con- tatos, discutir problemas de comunismo etc.". Perguntei no SNI de onde vinha esse informe, e disseram-me que vinha da Marinha, do Cenimar. Perguntei se tinham procurado verificar o seu fundamento, e responderam que não. Por fim, eu disse: "Então rasguem isso, por- que ele vai ser diretor da Petrobras, sob minha responsabilidade". Esse "consta que" às vezes ficava na ficha da pessoa, e não se verifi- cava a veracidade. O Leopoldo era o "cérebro maquiavélico" do co- munismo dentro da Petrobras! Eu estava convicto de que ele não era comunista e por isso não dei valor à informação.



Com relação ao SNI, nesse tempo, tive outra questão. Havia um economista do BNDE que conheci e com quem trabalhei num in- quérito durante o governo Juscelino. Nos entendemos muito bem. Era um homem inteligente e capaz. Depois ele foi para os Estados Unidos como diretor num daqueles bancos de que participamos, não sei se o Bird, e passou lá vários anos. No BNDE fazia parte de uma ala que se dizia ser da esquerda. Quando eu estava na Petro- bras, recebi uma carta dele. Dizia que tinha filhos que precisavam voltar ao Brasil, que estava cansado da vida nos Estados Unidos e pretendia retornar. Mas antes queria saber como seria recebido, pois sabia que constava ser um homem de esquerda. Escrevi uma carta ao chefe do SNI, o general Fontoura, e não obtive resposta. Es- crevi-lhe uma segunda carta, e nada de resposta. Aí telefonei para o Fontoura e disse-lhe: "Olha, Fontoura, você está me fazendo uma desconsideração muito grande não respondendo às minhas cartas. Você tem a obrigação de dizer se há algo que deponha contra o eco- nomista ou não. Diante do seu silêncio, vou promover a volta dele para o Brasil sob minha responsabilidade. Ele vem, vai viver aqui no Brasil e não vai acontecer nada com ele". De fato, ele veio com a família e não o incomodaram.

Neste caso, pelo menos para mim, o Carlos Alberto da Fontou- ra se omitiu ou não teve coragem de dizer: "O homem tem isso e aquilo". Não devia ter nada, ou talvez uma bobagem. No fundo, o que eles queriam era que ele não voltasse ao Brasil. Mas como é que se faz uma coisa dessas? Acho que enquanto se está no terre- no das idéias a pessoa pode ter a idéia que quiser. O grande proble- ma é quando da idéia ele passa para a ação, fazendo proselitismo etc. Aí sim, se pode, e muitas vezes se deve, reprimir. #



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Do ponto de vista do desenvolvimento da empresa, que fatos mar- caram sua gestão na Petrobras?

Ainda antes de assumir meu cargo na Petrobras, visitei o Levi Cardoso, a quem iria substituir, e procurei obter dele informações sobre o estado da empresa e sobre as iniciativas em curso. Na oca- sião, havia um projeto de construção de novas refinarias. As que existiam eram insuficientes para atender ao mercado, e se importa- va gasolina e outros derivados de petróleo, o que era mais dispen- dioso do que se se importasse o óleo cru e se fizesse a sua refina- ção no Brasil. Esse projeto foi executado sob a minha administra- ção. Construíram-se as refinarias de Paulínea, de São José dos Campos e do Paraná, sendo que as duas últimas foram concluídas posteriormente, e as refinarias existentes foram todas remodeladas. Esse programa foi financiado em parte com recursos próprios e com um empréstimo que a Petrobras havia feito na Inglaterra. Os materiais necessários, tanto quanto possível, eram produzidos pela indústria nacional, mas havia equipamentos que só poderiam ser produzidos no exterior. Fizemos um acordo com a Cacex estabelecen- do que 50% do material empregado deviam ser de origem nacional, e que os 50% restantes poderiam ser importados.

Construíram-se também vários oleodutos, para Canoas, no Rio Grande do Sul, para Betim, em Minas Gerais, para Volta Redonda, e terminais marítimos em São Francisco, em Santa Catarina, São Se- bastião, em São Paulo, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, e Tra- mandaí, no Rio Grande do Sul, dos quais alguns foram concluídos mais tarde. Adquiriram-se navios para a Fronape, inclusive alguns superpetroleiros. Continuou-se ativamente com o programa de explo- ração, com a pesquisa de novos campos de petróleo. As pesquisas em terra, no Paraná, na Bahia, no Nordeste, na Amazônia, pratica- mente não deram resultado positivo. Intensificou-se então a pesqui- sa no mar, onde já havia algum trabalho iniciado na gestão anterior. Demos maior desenvolvimento a esse trabalho, preparando equipes no exterior, capacitando-as para a pesquisa e a produção no mar. Adquiriram-se equipamentos apropriados, fez-se o levantamento sís- mico completo do mar territorial brasileiro. A primeira área que se resolveu atacar foi a bacia de Campos. Os resultados começaram a aparecer com a produção de óleo já no primeiro ano do meu gover- no. A partir daí começou-se a desenvolver a bacia de Campos, o que prossegue até hoje. Além disso, na época em que estive na Petro- #

bras, iniciou-se a indústria petroquímica, começou-se a distribuição dos combustíveis e lubrificantes competindo com as companhias estrangeiras. Criou-se a Braspetro, uma empresa que começou a tra- balhar no exterior com o objetivo principal, além de pesquisar e pro- duzir óleo, inclusive para o nosso abastecimento, de conhecer e familiarizar-se com as modalidades dos contratos de joint venture, celebrados por diversos países com as empresas petrolíferas visan- do à produção de óleo. Nessa época já explorávamos algumas áreas e pensávamos na possibilidade de, eventualmente, o Brasil vir a pra- ticar esse tipo de contrato. São os "contratos de risco", realizados durante o meu governo, e que a Constituição de 1988 proibiu.



Os contratos de risco já estavam realmente sendo vislumbrados desde aquela época?

Quando se criou a Braspetro, nossa idéia foi conhecer o pro- blema geral do petróleo no mercado internacional. A empresa fazia contratos com a Líbia, com a Argélia, com a Colômbia etc., para ex- plorar petróleo nesses países, e queríamos também saber como se comercializava esse petróleo. A Petrobras conhecia todas essas ques- tões, mas teoricamente, porque estava muito isolada. Era necessário termos maior contato internacional, e foi daí que surgiu a Braspe- tro, que até hoje opera e com resultados relativamente bons. Ela ex- plora vários campos de petróleo com outras empresas, principalmen- te em Angola. No Iraque, encontramos um grande campo de petró- leo, que, mais tarde, pela dificuldade de ser ativado, foi negociado com esse país. A idéia de fazermos contratos de risco no Brasil só a admitíamos futuramente, caso falhássemos no descobrimento de novas jazidas, particularmente no mar, onde as perspectivas eram muito promissoras, como se verificou posteriormente. A abertura dos contratos de risco, no meu governo, foi uma decorrência da cri- se que sofremos com a quadruplicação do preço do petróleo, pela Opep.

Como se deu a instalação da indústria petroquímica no Brasil?

Naquele tempo estava em início um projeto de entidades civis, autorizado ainda no tempo do Costa e Silva, para a construção de uma central petroquímica em São Paulo, em Capuava, a atual Petro- química União. Era um empreendimento privado, mas achávamos #



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que a indústria petroquímica devia estar ligada à Petrobras, que é a fornecedora de nafta, a matéria-prima dessa indústria. A obra foi sendo desenvolvida pelos empresários privados, e a Petrobras, como associada, contribuía com uma participação no capital sempre que havia necessidade de mais recursos. Chegou-se a um momento de crise, quando esses empresários negaram-se a fazer novos aumentos de capital. O empreendimento ia parar. Após muitos entendimentos, a Petrobras subscreveu todo o capital necessário e tornou-se majori- tária na empresa, assumindo sua direção. Fiz questão, em carta diri- gida aos sócios particulares, de afirmar que no dia em que a Petro- bras resolvesse vender a empresa, eles teriam prioridade para a compra. Essa foi a indústria que ensejou a criação da primeira sub- sidiária da Petrobras, a Petroquisa. Mais tarde foram criadas ou- tras, a Braspetro, a Distribuidora e a Interbrás, e também foram compradas a Companhia de Petróleo da Amazônia, a Copam, uma refinaria pequena, sediada em Manaus e, posteriormente, a Refina- ria Capuava, em São Paulo.

Quer dizer que de início, embora se achasse que a indústria petro- química devia estar ligada à Petrobras, não se pensava em esten- der a ela o monopólio estatal?

Não. Sempre se partiu do princípio de que a área petroquími- ca devia ser da empresa privada. Tanto que a primeira indústria pe- troquímica, a Petroquímica União, era privada, contando, como já disse, com a participação minoritária da Petrobras.

Qual é a sua posição hoje em relação ao monopólio estatal do pe- tróleo?

Há tendência de muita gente de acabar com o monopólio. Eu não penso assim. Aliás, com relação a esse programa de privatiza- ção, tenho uma série de opiniões diferentes das que estão sendo praticadas. Acho que a Petrobras pode abrir, pode, por exemplo, negociar mais em certos setores, com as grandes empresas de petró- leo. Ela poderia voltar aos contratos de risco. Mas acabar com o monopólio da Petrobras não me parece apropriado. O país ainda é muito vulnerável nesse sentido. Todo o nosso sistema de transporte, hoje em dia, depende do petróleo. Praticamente já não há mais en- tre nós transporte por ferrovia, e o que existe depende de locomoti- #

vas movidas a diesel. Todo o tráfego é feito em caminhão e automó- vel. O número de automóveis está crescendo incrivelmente, sobretu- do nos centros urbanos, mesmo com a recessão em que vivemos. O transporte aéreo também apresenta grande aproveitamento. E o Bra- sil ainda está importando, praticamente, a metade do que consome de petróleo, apesar da grande produção de álcool empregado como combustível. Não podemos, nessa questão, ficar muito na dependên- cia externa. Qualquer situação internacional mais séria ou mais gra- ve, qualquer circunstância que venha a se complicar, poderá ser ca- tastrófica para o Brasil. Nós sentimos isso durante a última guerra, em que sofremos muitas restrições.



Sei que há grupos interessados no fim do monopólio. É um si- nal de que o negócio é bom, não é verdade? Agora, se é bom, por que entregá-lo? Então vem aquela história da empresa estatal, do go- verno se meter em setores que poderiam ser de responsabilidade da empresa privada. Um deles é, desde logo, a siderurgia. Outro são as telecomunicações, outro é a produção de energia, e outro, que está ligado à produção de energia, é a Petrobras. Por que o governo to- mou conta desses setores, se engajou e fez o que tinha que ser fei- to? A primeira coisa a se fazer é analisar o país. O país não podia continuar, como era no passado, mero exportador de alguns produ- tos. O Brasil exportava café e açúcar e importava tudo. Até a Revolu- ção de 30 era isso. Quando eu era garoto lá em Bento Gonçalves, no interior do Rio Grande, todos os produtos industrializados eram estrangeiros: o botão para a roupa, uma linha de coser, uma agu- lha, as fazendas, a manteiga, o sal de Vichy, e por aí afora. Então veio a idéia de industrializar o país. Isso se acentuou com o Jusceli- no, que criou a indústria automobilística e, na área de siderurgia, fez a Usiminas, já aí em associação com os japoneses. Por que ele teve que fazer isso? Porque no Brasil não há capitais, e os capitais que existem são desviados para coisas mais lucrativas, de resulta- dos imediatos.

O que os portugueses que juntavam dinheiro aqui faziam? Construíam vilas residenciais. Não sei se vocês conhecem alguma história das vilas residenciais. O Rio de Janeiro, antigamente, era cheio de cortiços, e muitos deles eram de portugueses. Um grande cortiço era do Conde d'Eu, que dizem que era muito fominha. Mas depois os portugueses começaram a fazer vilas. Adquiriam uma área transversal, faziam uma rua estreita e construíam casas de um lado e de outro, que alugavam. Não houve ninguém que quisesse bo- #


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