bém se vinculavam com interesses da Petrobras, e ia conversar comi- go para resolver essas questôes. Sempre muito objetivo e cordato. Era meu amigo.
Essas conversas eram mais empresariais do que políticas?
Sim, mais empresariais do que qualquer outra coisa, embora também analisássemos a situação nacional. Quando chegou a fase em que se falava na minha candidatura, Golbery evidentemente foi trabalhar por ela, ainda que à minha revelia. Foi também nessa épo- ca que veio trabalhar comigo outro amigo, uma pessoa muito ligada ao Golbery e que de certa forma também se ligou a mim no tempo do governo Castelo. Era o Heitor Aquino, um excelente capitão de cavalaria, muito bom oficial, muito boa cabeça, mas inteiramente en- gajado na área revolucionária.
No tempo do Castelo, por indicação do coronel Herrera, que era amigo do Golbery o Heitor foi trabalhar com ele no SNI. Como eu e o Golbery trabalhávamos juntos, o Heitor também se vinculou comigo. Por essa época ele se desentendeu com a sua senhora, aca- bou se separando e mais tarde se divorciou. Terminado o governo Castelo, foi servir num regimento de cavalaria no Mato Grosso, na fronteira com o Paraguai. Acho que quis ir para esquecer a revolu- ção. Lá se enamorou de uma moça e passou a viver com ela - hoje estão casados. Depois veio para o Rio de Janeiro, cursar a Escola de Armas. Os capitães casados têm direito a morar em um aparta- mento na Vila Militar durante o curso, mas, quando chegou a vez do Heitor, o comando da Escola não lhe deu o apartamento, sob o argumento de que não era casado. Pela mesma razão ele também não teve direito a tratamento de saúde para a mulher. Ficou tão ira- do que pediu demissão do Exército. Era amigo do Roberto Campos, que o empregou no empreendimento do Ludwig, no Pará, o Projeto Jari. Numa das viagens que fiz à Amazônia, a serviço da Petrobras, passei por Belém e fui visitá-lo. Não gostei do que vi. Fiquei com a impressáo de que a posição que o Heitor ocupava no Jari era infe- rior ao seu valor, à sua capacidade, e que ele ali não teria futuro. Tempos depois ele veio ao Rio, e o convidei para servir na Petro- bras, para trabalhar comigo. Foi nesse momento que minhas rela- çôes com o Golbery cresceram, porque o Heitor passou a servir de ligação. Mais tarde, na presidência, ele foi meu secretário particular. #
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Na época da sucessão também foi lançada a anticandidatura de Ulys- ses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho. Isso chegou a incomodá-lo?
Não, não dei importância, porque eles não tinham possibilidades de ganhar a eleição. A Arena tinha uma grande maioria no Congresso.
Qual era sua opinião acerca de Barbosa Lima Sobrinho e de Ulys- ses Guimarães?
Eu não tinha relações com Barbosa Lima Sobrinho. Às vezes o encontro quando vou à Santa Casa, onde faço parte da administra- ção, assim como ele. Nos cumprimentamos cordialmente. Barbosa Lima tem sua história... Após a redemocratização de 45, realizaram- se eleiçôes nos estados. Em Pernambuco havia dois candidatos: Bar- bosa Lima, que era do PSD, apoiado pelo Agamenon Magalhâes, e Neto Campelo, que era da UDN. Nessa ocasião - era o governo Du- tra -, fui mandado várias vezes a Recife, onde havia problemas. Houve a eleição, foi eleito o Barbosa Lima, mas a UDN entrou com um recurso no Tribunal, dizendo que tinha havido erro na apura- ção. Barbosa Lima governou quatro anos e depois, quando já tinha terminado o mandato, o Tribunal julgou o recurso: o eleito fora Ne- to Campelo! Não estou dizendo que o Barbosa Lima tenha cometido uma fraude, mas o seu partido cometeu. Barbosa Lima é um ho- mem coerente. Jornalista, mantém-se ativo, trabalhando. Não lhe fa- ço nenhum reparo. O fato de ter sido candidato à vice-presidência contra mim não tem importância. Suas idéias são diferentes das mi- nhas. Contudo, ele constrói. Tem firmeza nos seus pontos de vista. O Ulysses, não. Nunca construiu nada, na minha opinião. Sempre fez sua demagogia, sua politicagem, mas jamais produziu. Coitado, já morreu. Sempre foi oposição, a não ser quando foi ministro no regime parlamentar de 1961. De concreto, na vida pública, Ulysses fez apenas esse monstrengo que é a Constituição que está aí.
O senhor deixou a presidência da Petrobras já como candidato, pa- ra se desincompatibilizar Foi então que se dedicou a elaborar seu plano de governo? Como transcorreu esse periodo?
Como candidato, tive que fugir de uma série de coisas, inclusi- ve da imprensa, que vivia me assediando, querendo entrevistas. Re- cebi o oferecimento de morar no Jardim Botânico, onde estava dis- ponível a casa do ministro da Agricultura. Saí do meu apartamento #
no Leblon e fui para lá. Além disso, ocupava uma dependência do Ministério da Agricultura, no Castelo, onde montei meu escritório. Trabalhavam comigo o Golbery o Moraes Rego e o Heitor. Aí come- çamos a analisar a situação, os homens capazes e disponíveis, suas idéias, suas ações. Levamos algum tempo discutindo e acertando cer- tas idéias. Com o Golbery, sobre como e quando nós iríamos mar- char para a abertura. Fomos aos poucos montando um projeto de programa de governo. Mais adiante, entre a eleição e a posse, procu- rei organizar o ministério.
Quando o presidente Médici lhe comunicou que o senhor seria o can- didato, houve alguma sugestão em relação a seu plano de governo?
Não, nada. Agi com absoluta independência. Foi uma fase em que li e refleti muito. Li relatórios, mensagens e também livros escri- tos na época. Li, inclusive, relatórios do tempo do Castelo e obras de historiadores. Sempre me interessei pelo passado do Brasil. O li- vro que me deliciou nessa época foi o do Afonso Arinos sobre Rodri- gues Alves. Era um homem extraordinário: "Meus ministros fazem tu- do o que querem, menos aquilo que eu não quero..." Procurei conhe- cer tudo o que tinha acontecido, porque depois do governo do Castelo eu me havia afastado. Quando fui para a Petrobras, almoça- va, jantava e dormia Petrobras, 24 horas por dia. Meu horizonte se li- mitou aos problemas que eu tinha na empresa. Fui então estudar as coisas do governo Médici. Procurei todos os ministros do Médici- pelo menos, os principais - para ter uma longa conversa e me pôr a par do que havia sido feito e do que estava projetado. Estive com o Delfim, com o Leitão, com o ministro da Saúde, com o Passarinho, da Educação, com o Veloso, do Planejamento, com o Andreazza, da Viação, com o ministro da Agricultura... Eu queria saber o estado do ministério, quais eram os seus planos, o que se estava fazendo, qual era a orientação - dentro da idéia de assegurar a continuidade, tan- to quanto possível.
E quanto ao conteúdo mais político de seu plano de governo? Como nasceu o projeto de abertura, de distensão?
Isso era assunto da minha conversa com Golbery que era mui- to favorável à abertura e à distensão. Golbery, excelente oficial, mui- to preparado, tinha uma cultura humanista muito desenvolvida e #
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uma mentalidade muito superior à da maioria dos oficiais do Exérci- to. Via o Brasil de uma forma diferente. Sabia que o processo de abertura não seria fácil, que teríamos que vencer uma série de obs- táculos. Era uma meta, um objetivo que tínhamos que atingir. Daí começamos a conversar, a planejar, a discutir como e quando iría- mos marchar para a abertura.
Imaginava-se, por exemplo, o fim do AI-5, ou a anistia? Previam- se prazos?
Nós não tínhamos prazo prefixado, mas achávamos que quan- do deixássemos o governo o país estaria mais ou menos normaliza- do. Não nos aventurávamos a dizer: "Em tal data, em tal época, va- mos fazer isso, vamos fazer aquilo". Não éramos senhores das cir- cunstâncias supervenientes. O que iria acontecer durante o período de governo?
De qualquer maneira, muita coisa foi pensada antes?
Sim, mas muitas coisas vieram depois. Vejam o seguinte: nós tínhamos vivido intensamente o governo Castelo, muitas vezes, inclu- sive, criticando coisas que achávamos que estavam erradas no pró- prio governo. Às vezes sem razão, mas criticávamos. Depois, eu não tanto, mas o Golbery, no Tribunal de Contas, deve ter acompanhado o governo do Costa e Silva. Havia, assim, uma base, uma sedimenta- ção da nossa posição em relação às coisas do Brasil.
Como foi a montagem de seu ministério? Chama atenção o fato de que a grande maioria de seus ministros permaneceu do início até ofinal do governo.
Não posso dizer em que ordem foram feitas as escolhas. Mas para a Fazenda, depois de uma análise das pessoas que poderiam ocupar a pasta, o nome mais indicado foi o do Simonsen. Embora anteriormente não tivesse tido maior contato com ele, eu já tinha li- do alguns dos seus escritos e conhecia suas idéias. Conversei com ele e resolví convidá-lo. No Planejamento, achei que podía continuar com o Veloso, porque ele estava entrosado com o processo. Eu não conhecia o Paulinelli, mas nas minhas leituras tomei conhecimento da sua ação em Minas no desenvolvimento da agricultura. Li vários relatórios, várias informações sobre a agricultura e a pecuária minei- #
ras, conversei com o Paulinelli várias vezes para me orientar, e con- cluí que ele era um homem com condições de ser o ministro da Agricultura.
Com o Ministério da Saúde aconteceu o seguinte. Quando fui escolhido presidente, fiz uma viagem com o Moraes Rego. Saímos daqui do Rio e fomos ao Mato Grosso e à Amazônia. Estivemos em Manaus, em Belém do Pará, visitamos a Transamazônica. Depois, na Bahia, fui ao São Francisco, a Paulo Afonso. Foi uma viagem pa- ra adquirir conhecimentos sobre problemas locais. Eu já conhecia muita coisa, porque viajava muito no tempo do Castelo. Tinha ido várias vezes à Amazônia, tinha ido a Fernando de Noronha, havia es- tado várias vezes em Pernambuco. Mas eu queria ver principalmente como estavam as realizações do Médici. No São Francisco, estava em construção a barragem de Sobradinho, que foi concluída no meu governo. Fui ver, conhecer os problemas. Moraes Rego, que ti- nha servido em Manaus, conhecia o dr. Almeida Machado, que na- quele tempo dirigia o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. Fiquei alguns dias em contato com o instituto, com suas realizaçôes e projetos, e conheci o professor Machado. Quando estava organizan- do o ministério, inclusive por sugestão do Moraes Rego e pela im- pressão favorável que guardei, resolvi convidá-lo para ser ministro da Saúde. Foi um bom ministro.
Outro ministro que convidei foi Severo Gomes, para a Indús- tria e Comércio. Eu o conhecia do tempo do Castelo. Tinha sido mi- nistro da Agricultura no final do governo e seu conceito era muito bom.
Para essa escolha o senhor consultou círculos empresariais?
Não. Alguns conversavam comigo, mas não exerciam influência nesse sentido. Mesmo porque a opinião dos empresários às vezes é suspeita. Estão presos aos seus interesses.
Rangel Reis, ministro do Interior, foi um dos últimos a ser es- colhido. Vim a conhecê-lo por uma série de indicações. O ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, também foi dos últi- mos. Eu o conhecia de nome e pedi-lhe para vir ao Jardim Botâni- co conversar comigo. Conversamos vários dias, e no fim resolvi con- vidá-lo para o ministério.
Armando Falcão, que foi para a Justiça, era revolucionário; combativo, radical anticomunista. Nos conhecíamos - mas não tí- #
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nhamos maiores relações - desde o fim do governo Juscelino, quan- do ele era ministro da Justiça e eu servia no gabinete do Denys. Na época Juscelino cruzara os braços, mas o país estava cheio de gre- ves, sobretudo nas ferrovias de São Paulo. E esse problema recaiu em cima do Ministério do Exército, que teve de resolvê-lo. Havia, pa- ra isso, contatos do Denys com o Falcão. Ele tinha experiência políti- ca e administrativa e era revolucionário, engajado do nosso lado.
Mas ainda assim era umafigura polêmica.
Era antipatizado por muita gente. Mas eu não vou a esse pon- to. Como todo ser humano, deve ter os seus defeitos - também devo ter os meus. Como tinha sido político, havia áreas que não o viam muito bem, havia inclusive militares que tinham sido contra o Juscelino e não gostavam dele. O pessoal da oposição também não gostava e depois o criticou por causa da chamada Lei Falcão. Ele não gozava da simpatia geral. Era muito atacado por sua vivência política anterior, o que já não acontecia com os outros ministros, que, em sua maioria, não tinham vinculações políticas. Simonsen, por exemplo, não tinha. O próprio Ueki. O único que tinha uma cer- ta vinculação política era Severo Gomes, que estava um pouco liga- do à área da esquerda. Mas os outros não tinham ligações, ao pas- so que o Falcão trazia consigo o passado. Por isso, muita gente não gostava dele. Mas independentemente disso ele me ajudou bastante. Há episódios controvertidos. Disseram, numa certa época, que ele participava da ação do ministro do Exército, que era partidário da candidatura do Frota a presidente. Mas a mim isso nunca chegou. E quando o Frota saiu, o Falcão estava ao meu lado, estava comigo.
Shigeaki Ueki, das Minas e Energia, foi outro ministro muito criti- cado. . .
Ueki tinha sido meu diretor na Petrobras, eu conhecia sua mentalidade e sua capacidade. Foi eficiente e bom ministro. Criti- cam-no, dizendo que ele roubou. Eu nunca apurei nada. Ele é uma pessoa altamente criativa e capaz. Trabalha muito, tem a cabeça cheia de números e projetos. Tem boas relações no exterior, nos Es- tados Unidos, Japão e outras áreas. Tem empresas aqui no Brasil. Agora, daí a dizer que ele rouba, não tenho qualquer base para afir- mar. Sei que o criticam, mas ele é um homem que venceu na vida. #
Discordo dele em certas idéias, certas iniciativas. Presentemente, nossos pontos de vista quanto à privatização da Petrobras são dis- cordantes. Mesmo durante o meu governo, houve muitas proposi- ções dele que não aceitei.
E quanto aos ministros restantes? Educação, Trabalho...
Nei Braga, que foi para a Educação, eu conhecia desde quan- do servi no Paraná. Era governador do estado e depois foi ministro do Castelo. E era um homem ligado a mim. Eu achava que pelo seu feitio, pela sua ponderação, pelo seu diálogo, poderia se dar bem com a classe estudantil. Queria alguém que tivesse predicados essen- ciais, tivesse habilidade, soubesse lidar, não fosse radical. E real- mente, no meu governo, não houve muita perturbação, exceto na Universidade de Brasília, que mais se agitou. No conjunto da área, no país, houve relativa tranqüilidade.
Arnaldo Prieto, meu ministro do Trabalho, foi dos últimos es- colhidos. Era deputado pelo Rio Grande do Sul, tinha bom nome, bom conceito, e foi indicado não me lembro mais por quem. Era um homem acessível, dedicado, trabalhador. Acho que foi um bom ministro, era hábil. Eu havia convidado o Arnaldo Sussekind, que conheci no tempo do Castelo, mas ele declinou do convite dizendo que não queria mais se envolver na administração pública. Depois, após o início do governo, fiz um projeto de lei criando o Ministério da Previdência, desmembrando o do Trabalho. Escolhi o Nascimen- to e Silva, que eu conhecia do tempo do Castelo e tinha sido do BNH. Esse era um dos poucos castelistas que eu tinha no minis- tério.
As áreas estudantil e sindical defato eram delicadas, haviam sido muito atingidas pela repressão. Dai sua preocupação com a habilidade dos ministros?
Sim. Eu queria tranqüilizar as áreas da educação e também do trabalho, para que não me dessem muitos problemas. Eu tinha visto, no tempo do Costa e Silva, os problemas que a área estudan- til criou. No tempo do Médici já não tanto. A área trabalhista só foi dar problemas quase no fim do meu governo, com as greves dirigi- das pelo Lula. #
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Ainda falta falar dos ministérios dos Transportes e das Comu- nicações. Para o primeiro, escolhi Dirceu Nogueira, um oficial de en- genharia cuja escolha teve o consenso da área militar. Ele e Eucli- des Quandt de Oliveira, primeiro ministro das Comunicações, foram os únicos militares em pastas civis. O Quandt, a quem já me referi neste depoimento, era um oficial de Marinha que tinha trabalhado comigo no Gabinete Militar do Castelo. Era especializado em comu- nicações. Como já disse, foi ele, com sua equipe, que transformou as comunicações do Brasil. A estrutura de microondas ao longo do país, as comunicações por satélite, a compra da Light, a estrutura da Telebrás etc., tudo é obra dele e de alguns companheiros. É um homem de primeira ordem.
Chegamos porfim aos ministérios militares.
Sobre o Araripe, ministro da Aeronáutica, já falei. Era meu amigo e muito capaz. Na Marinha, examinei vários nomes e me fixei no do Henning. Era um oficial bem conceituado, muito disciplinado. Um dos que me ajudaram nessa escolha foi o Barros Nunes, amigo do tempo da Petrobras. Era oficial do Exército, na reserva, mas era irmão de oficiais da Marinha, filho de almirante. Muito amigo do Golbery e muito relacionado.
O ministro do Exército foi o Dale Coutinho. Era amigo meu, conhecido de longa data. Tinha sido oficial de artilharia e era um homem muito sério. Morreu logo nos primeiros meses. O conceito que eu fazia dele era muito bom. Um pouco radical, mas muito liga- do a mim. Era um ministro que eu poderia, sem dificuldades, levar para as minhas posições.
No Gabinete Militar, o general que eu tinha convidado, que eu queria, era o Dilermando Monteiro, que conheci quando servi no gabinete do Denys, onde ele trabalhou sob minhas ordens. De- pois, no governo Castelo, ele foi para a Casa Militar. Em seguida foi designado adido militar na França, onde ficou dois anos. Esco- lhi-o para a chefia da Casa Militar, mas, poucos dias antes de eu assumir o governo, andando de bicicleta, ele teve uma queda com fratura do fêmur. Até que aquela perna ficasse boa ia demorar. Eu tinha que escolher outro. Houve muitas indicações a favor do gene- ral Hugo Abreu, que tinha o conceito de ótimo soldado. Não era grande inteligência, mas era um homem leal, com renome no Exér- cito. Tinha-se destacado na guerra da Itália, onde fora condecorado #
com a Cruz de Combate de Primeira Classe. Exerceu o comando dos pára-quedistas e participou das operaçôes em Xambioá. Não podendo ser o Dilermando, sob a pressâo do tempo, escolhi o Hu- go Abreu.
O senhor conversava com seu irmão a respeito das escolhas na área militar?
A escolha do ministro do Exército foi um dos problemas que mais me incomodaram, mas que eu tinha de resolver. Havia um grande movimento no Exército, principalmente dos generais, para que meu irmão continuasse como ministro. Pelo conceito, pe- la ação, talvez pelo domínio, em suma, pela ascendência que ele tinha conquistado junto aos generais, queriam que ele continuas- se. Eu argumentava, conversando com o Heitor e com o Golbery: "Não pode! Como é que eu vou ser presidente da República tendo o meu irmão como ministro do Exército? Além da posição ser desconfortável num conceito geral, de domínio familiar, eu tenho pontos de vista diferentes dos dele!" Dos irmãos, nós éramos os mais unidos, muito amigos, desde a infância. Ele era dois anos mais velho do que eu. Mas em assuntos militares às vezes diver- gíamos. A começar pelo golpe do Lott, em que ele fora a favor e eu contra. Numa série de outras questôes ele esteve de um lado e eu de outro. Sempre fomos muito amigos, mas sempre com essas divergências. Eu então dizia: "Afora o aspecto desagradável de se colocar um irmão na presidência e outro no Ministério do Exérci- to - as duas posições dominantes -, afora o efeito psicológico, que será certamente negativo, o que vai acontecer é que no pri- meiro despacho que ele tiver comigo eu posso brigar com ele, por- que ele vai me propor uma medida com a qual eu talvez não con- corde".
Foi uma agonia. "Como é que eu vou resolver esse problema?" E o pessoal, em vez de me ajudar, tomava a posição exatamente con- trária. O ministro do Exército foi o último que escolhi. Fui deixan- do, esperando que alguém conseguisse resolver o problema. A ques- tão chegou até a família. Minha irmâ um dia me disse: "Por que tu não botas o Orlando como ministro do Exército? Ele conhece tudo isso, é muito bom, vai te ajudar". Respondi: "Não, não pode". Con- trariei minha irmã. Lá na família do Orlando também houve algu- mas insinuações. #
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O general Orlando aceitaria continuar?
Não sei. Ele nunca me disse que queria continuar. Mas creio que estava esperando continuar, pela pressão que houve sobre mim. Um domingo, ele e a senhora foram nos fazer uma visita no Jardim Botânico. Conversamos sobre uma série de coisas, e no fim me sen- tei só com ele e disse: "Olha aqui, Orlando, já resolvi todo o proble- ma do ministério, só falta o ministro do Exército. E quero dizer que não vai ser você". Foi uma coisa desagradável. Ele não disse na- da, apenas "está bem". Mas daí em diante eu senti que as nossas re- lações já não eram as mesmas. Continuamos amigos até ele morrer, muito amigos. Eu ia visitá-lo... Ele nunca foi me visitar na presidên- cia. Aliás, estava muito doente, com enfisema. Mas foi um drama pessoal extremamente desagradável, o pior por que passei.
Se, de um lado, havia a complicação de ser irmão, de outro, o general Orlando seria uma pessoa em quem o senhor poderia con- fiar não?
Sem dúvida eu podia confiar. Mas a questão é a seguinte: o efeito psicológico na opinião pública seria muito ruim. O governo passaria a ser visto como um feudo de família. Tive dois parentes em função no meu governo. Arno Markus, que dirigiu o Departa- mento dos Portos, é meu cunhado. Mas esse já estava no cargo an- tes de eu assumir o governo. Era muito conceituado, excelente pro- fissional em matéria portuária. E havia outro que presidia a Petro- quisa. Era meu sobrinho.68 Esse também já estava anteriormente no cargo e gozava de bom nome na Petrobras. Achei que seria uma injustiça tirá-los do exercício em cargos técnicos por causa do pa- rentesco. Mas não nomeei nenhum parente, e por isso tive alguns dissabores. Muitos esperavam que fossem ter função no governo. Ti- ve um sobrinho que era economista, trabalhava no Banco Central. Ele me procurou, queria um cargo perto de mim, para me ajudar etc. Não o atendi, dizendo: "Não. Você está trabalhando no Banco Central, continue no seu cargo". Acho que governo não se faz com família nem com amigos. Pode-se fazer amigos no governo: os mi- nistros, muitos dos quais eu antes não conhecia, tornaram-se meus
68 Trata-se de Bernardo Geisel Filho. #
amigos. Mas levar alguém para o governo só porque é amigo? Não. Para o governo devem ir pessoas qualificadas pelas condições cultu- rais, pela tradição, pela educação, pela probidade e assim por dian- te. Procurem ver no meu governo. Não há ninguém que tenha ido para o governo só porque era meu amigo ou porque era parente. Não sei se essa minha norma frutificou. Não sei se outros resolve- ram ou não segui-la.
O senhor chegou a pedir alguma indicação a seu irmão Orlando?
Não. Depois ele me disse que havia um general que ele imagi- nava que podia ser o ministro do Exército, mas eu achava que não devia ser. Era o Antônio Jorge Correia. Não digo que o Orlando ti- vesse feito grande empenho, mas achava que era um bom nome. Já eu tinha mais vinculação com o Dale Coutinho e achava que a esco- lha tinha que ser minha, e não do Orlando. Eu conhecia as idéias do Coutinho, sua forma de proceder ao longo da vida, o tinha acom- panhado. Estava empenhado em escolher uma pessoa que estivesse pronta para aceitar as minhas idéias e, pela confiança que existia en- tre nós, tinha certeza de que o Coutinho as adotaria e se empenha- ria em executá-las. Já não tinha certeza se iria conseguir isso do Jorge Correia, assim como, depois, do Frota. Jorge Correia se vincu- lou ao meu irmão no tempo em que ele foi ministro e mantinha comigo relaçôes sociais. Conversávamos, mas não tínhamos nenhu- ma afinidade maior. Inclusive ele era originário da cavalaria, e eu era da artilharia. Depois eu o nomeei chefe do Emfa.
Pelo visto, nas escolhas para a área mílitar contaram muito suas relações pessoais, de confiança.
Sim. No ministério civil havia ministros que eu nem conhecia, que vim a conhecer depois. Mas a área militar, para mim, era mais sensível. Vejam como, nessas escolhas, o problema era de relaciona- mento: na Aeronáutica eu tinha escolhido o Araripe, que aliás já ti- nha sido ministro do governo Médici, depois da demissão do Már- cio de Melo. Mas por que eu escolhi o Araripe? Porque ele era meu colega, meu companheiro, meu amigo de muitos anos. Foi para a ae- ronáutica, eu fui para a artilharia, mas tínhamos boas relaçôes. Eu sabia quem era o Araripe. #
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